Tag: editora gutenberg

  • Resenha | Sob Águas Escuras – Robert Bryndza

    Resenha | Sob Águas Escuras – Robert Bryndza

    Sob Águas Escuras (Editora Gutenberg), de Robert Bryndza, parece um exercício final de uma oficina de escrita criativa. Tem conflito bem marcado, tem uma personagem experiente e trabalhada, tem trama, arquitetura, tem boas descrições, mas não tem vida. Uma história fria, sem cor, perfeita para quando você está em casa fadigado em um sábado chuvoso e fica passando de canal em canal com o clique do controle remoto sem achar nada que agrade. “Sob águas escuras” também é mais um canal que se clica e passa, não desperta curiosidade.

    Erika Foster é a detetive protagonista de “Sob águas escuras”. No livro, após mudar de departamento, ela trabalha em um caso de narcóticos. Após vasculhar o lago de uma pedreira em busca de drogas, encontra 4 milhões de libras em heroína  e um pacote com o esqueleto de uma criança. Os restos pertencem à Jessica Collins, desaparecida há 26 anos. Erika procura informações sobre o caso e deseja reabri-lo como investigadora principal. Apesar de ninguém da corporação estar contente com a postura dela, aceitam que o caso seja reaberto e dão carta branca para a investigadora. (Ficamos na dúvida se tudo não passa de um exercício ao ego da protagonista, mas vamos em frente.)

    A partir daí, a história percorre os passos de Erika para refazer o quebra-cabeças do desaparecimento e morte da menina no lago. Como se trata de um caso que foi muito explorado na época tanto pela Polícia, quanto Imprensa, a família da criança não quer mais falar sobre o passado. As lágrimas já foram esgotadas e o sentimento de luto foi vivido e enterrado. Quando Erika deseja refazer os passos do desaparecimento, a insistência é vista como uma piada de humor duvidoso.

    Enquanto lia, me recordei de “Os cinco porquinhos”, onde o detetive Poirot, de Agatha Christie, também procura desvendar um crime ocorrido no passado. A semelhança entre as duas narrativas faz parte apenas do conflito principal. Em todo o resto, mudanças. Em Agatha Christie, a trama se desenvolve sob uma atmosfera de suspense e incredulidade; em Robert Bryndza, a investigação tem um clima diverso e por vezes caótico, como quando, por vezes, o conflito parece beirar o segundo plano da narrativa.

    Por isso, “Sob águas escuras” peca por desejar uma totalidade narrativa e não se ater à espinha dorsal da trama. Na história, como por vezes, na vida, menos é mais. Robert Bryndza  não alcança uma atmosfera de suspense e investigação suficientes no livro porque falha em explorar as minúcias, aquilo que o torna único. Agatha Christie, ao contrário, alcança esse objetivo. Ademais, a investigação da detetive Erika é narrada de forma muito extensa e por vezes cansativa; os diálogos pouco movem os acontecimentos, os personagens são de alguma forma tão pragmáticos e responsivos, que parecem cópias de pessoas. Falta vida, falta força, falta.

    Livro de oficina literária, Robert aplica uma variação da Jornada do Herói, de Vogler, com adição de um prólogo açucarado que promete entreter o leitor até o fim. Contudo, antes de chegar ao final, a leitura cansa, a história torna-se difusa e o entretenimento se perde, dissipando-se em moléculas do que poderia ter sido. Chega-se ao final porque a detetive Erika resolve seus casos, mas é só. História de detetive de baixa qualidade. O sol continua lá fora e as árvores farfalham, lentas.

    Texto de autoria de José Fontenele.

  • Resenha | Bem Atrás de Você – Lisa Gardner

    Resenha | Bem Atrás de Você – Lisa Gardner

    Bem Atrás de Você da escritora Lisa Gardner, lançado pela Editora Gutenberg, é um romance policial de dois irmãos separados e novamente unidos pela violência. A autora opta por uma escrita detalhista e descritiva ao acompanhar os motivos que levam até o desfecho da trama, mas a falta de carisma dos personagens e o enredo engessado pela falta de originalidade dão a narrativa um caráter frio, insosso e não-agradável.

    A história começa com o menino Telly de apenas 9 anos matando o próprio pai (que havia matado a esposa), para proteger a sua irmã. Os irmãos são postos para a adoção e um nunca mais sabe do paradeiro do outro. A irmã é adotada por um casal de policiais aposentados e ficamos sem notícia do irmão. Em paralelo, dois assassinatos a sangue frio acontecem em um posto de gasolina e a xerife recorre aos policiais aposentados pais de Sharlah (a irmã de Telly), para ajudar na identificação do garoto que aparece na câmera de vigilância do posto. Como era de se esperar, é Telly quem aparece nas imagens.

    A partir daí, Telly é caçado pelo FBI como um assassino perigoso e os pais adotivos de Sharlah são reticentes em contar a ela o paradeiro do irmão. A trama engessa, os personagens rodeiam entre si e mesmo os diálogos longos são enfadonhos por não adicionarem nada ao enredo. Certo ponto, e isso acontece em outras partes do livro, não há pistas sobre o paradeiro do jovem e no parágrafo seguinte os investigadores pensam no que poderia ser benéfico para eles, e é isso mesmo que acontece. Que coincidência!

    A solução do enredo, portanto, não é feita com as peças que já existem nas páginas do livro, mas com informações que saltam de fora para dentro, sem que a gente tivesse conhecimento antes. Soluções criadas naquele mesmo momento para acelerar a trama. É o tipo de resolução conhecida como Deus ex machina, um crime (o trocadilho foi intencional), quando se trata de narrativas policiais. Além dessa falha, os personagens são previsíveis, com algumas frases feitas tiradas de séries policiais televisivas, e pouco dão vigor à história.

    Na capa é dito que Lisa Gardner é uma das melhores autoras de suspense do momento (talvez por isso seja bestseller), mas não nesse livro. Aqui não há suspense. Há episódios resolvidos apenas porque o tempo é curto e as coisas devem caminhar a um desfecho. Fora isso, não há construção narrativa que nos prenda à atmosfera apresentada. A impressão que fica é que estamos assistindo mais uma daquelas dezenas de séries policiais que repetem a si mesmas só pelo fato de as pessoas gostarem de séries policiais.  Para esse livro, contudo, é melhor mudar de canal.

    Texto de autoria de José Fontenele.

    Compre: Bem Atrás de Você – Lisa Gardner.

  • Resenha | As Sobreviventes – Riley Sager

    Resenha | As Sobreviventes – Riley Sager

    O subgênero do terror conhecido como slasher foi fundamentado como um estilo a partir da década de 1970 com dois grandes clássicos do terror: O Massacre da Serra Elétrica (1974), de Tobe Hooper, e Halloween (1978), de John Carpenter. A tradução do verbo slash, retalhar, cortar, apresentam pistas do subgênero, fundamentado por um assassino serial, com ou sem máscara, que elimina um grupo de pessoas com, provavelmente, poucos sobreviventes no final.

    Evidentemente, há registros anteriores a tais marcos como Psicose (1960), de Alfred Hitchcock, porém, as estruturas analíticas em torno do subgênero não haviam sido desenvolvidas. Dessa forma, os filmes citados permanecem como um dos primeiros fundadores e, posteriormente, a década de 80 daria vazão a grandes séries slasher como A Hora do Pesadelo e Sexta-Feira 13 e, na década seguinte, com Pânico.

    Escrito por Todd Ritter sob pseudônimo de Riley Sager, As Sobreviventes, lançado pela Editora Gutenberg, retoma a tradição dos slasher apresentando um depois dos massacres vistos em diversos filmes. A trama é centrada na jovem Quincy Carpenter, a única sobrevivente de um massacre terrível. Ao lado de outras duas sobreviventes de situações similares, ganharam a alcunha de sobreviventes pela mídia. Mas Quincy é a única que guarda poucas recordações de sua noite fatídica, até que novas informações trazem novas lembranças e, finalmente, a verdade.

    Sager desenvolve certo ineditismo narrativo ao apresentar um momento posterior após os filmes de horror. Compondo uma narrativa dividida entre primeira pessoa – narrada por Quincy no presente – e terceira – ao apresentar, aos poucos, os fatos acontecidos no massacre que transformou a personagem em uma sobrevivente – a tensão se desenvolve a cada capítulo. Sendo uma obra oriunda do gênero slasher, é como se, a cada nova revelação, fosse iminente a aparição de um homem mascarado e uma faca afiada. Um tipo de leitura fluída que ganha o status de page-turner, uma obra que gera intensa curiosidade por parte do leitor que o faz ler capítulo após capítulo, até o final.

    Ao selecionar uma personagem central como Quincy, uma sobrevivente de um massacre brutal, o autor é capaz, mesmo em uma trama mais próxima do suspense, introduzir uma psicologia profunda na garota diante de uma situação-limite com alto índice de trauma. Cada uma das sobreviventes reagiram a sua maneira com seu próprio passado. No caso da garota, o bloqueio neurológico não só funciona como afastamento da situação como garante ao leitor descobrir junto com a personagem os novos fatos sobre o dia fatídico.

    Se os filmes sempre pontuam as personagens focadas em um tempo determinado, um final de semana, uma festa comemorativa, a narrativa expande esse tempo, demonstrando que, apesar da grande violência, tem-se um cotidiano normal de alguém que procura recomeçar a vida, apesar do trauma vivido e da característica exploração midiática, comum aos acontecimentos e escândalos de grande repercussão.

    Um evidente amante do gênero, Sager transpõe com qualidade as bases do subgênero à sua ficção. Dessa forma, comum ao subgênero, o desenlace traz uma revelação final com reviravoltas, como manda a regra sobre a revelação do assassino, nem sempre tão imaginativa assim. Porém, os fatos são coerentes com a história, ainda que seja interessante pontuar que o leitor que não se sente confortável com o estilo slasher, talvez se incomode com o desfecho. Porém, mesmo nele, há uma interessante discussão sobre a adoração que muitos tem sobre tais massacres reais, como, por exemplo, o sempre presente interesse de muitos a respeito de famosos assassinos seriais.

    Com o apoio da leitura atenta de Stephen King, mestre que elogiou a obra como um dos thrillers do ano, As Sobreviventes, eleito uma das melhores leituras de julho no Goodreads, é uma interessante narrativa de suspense que se distância um pouco do comum, alinhando na literatura um dos subgêneros mais queridos dos filmes de terror.

    Compre: As Sobreviventes – Riley Sager

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Resenha | Dark Eden: O Medo é a Cura – Patrick Carman

    Resenha | Dark Eden: O Medo é a Cura – Patrick Carman

    Dark Eden O Medo é a Cura – Patrick Carman

    Sete adolescentes, todos com 15 anos, sofrem de diferentes fobias, todas aparentemente incuráveis. Em comum, eles tem a mesma psicóloga, a Dra. Cynthia Stevens, que resolve selecioná-los para um inovador tratamento. Eles são enviados para uma instalação remota no meio da floresta, chamada Forte Eden, onde os aguarda o misterioso Rainsford. Os jovens deverão enfrentar seus piores medos para assim supera-los, mas um deles, Will Besting, pressente que há algo muito errado com aquele lugar. Escolhendo ficar a parte do grupo, ele vai buscar desvendar o que há por trás de tudo aquilo e tentar salvar a si mesmo e aos outros.

    A velha máxima de que não se deve julgar um livro pela capa se mostra equivocada neste lançamento da Editora Gutenberg. Impecável todo o trabalho visual em Dark Eden: O Medo é a Cura, do autor Patrick Carman. A capa metalizada e com tons sombrios e a diagramação das páginas internas, inclusive com algumas ilustrações, já entrega o clima inquietante que domina este thriller psicológico – infanto-juvenil, é verdade, mas não menos interessante por isso.

    Tramas abordando a psicologia humana costumam ser fascinantes justamente pelas infinitas possibilidades que podem apresentar. Aqui isso se faz presente desde o início. Como a narração é toda em primeira pessoa, embarcamos nos sentimentos de Will mas ao mesmo tempo desconfiamos de suas percepções. As respostas para o que está acontecendo são puramente científicas, ou há mesmo algo sobrenatural por lá? Ou mais profundamente: será que o Forte Eden esconde mesmo algo aterrador, ou o garoto é simplesmente louco? Embora algumas resoluções sejam previsíveis, outras são bem inesperadas, e enriquecem a narrativa.

    Outro detalhe interessante é que o autor constrói muito bem a personalidade de um adolescente. Will manifesta um complexo de inferioridade e sensação de inadequação ao grupo, mas também exibe momentos de arrogante confiança, quando se acha mais esperto que todos, inclusive os adultos. Pobre ilusão. E, ainda que altamente idealizada e pouco verossímil, não deixe ser bonitinha a forma como o romance dele com Marisa é trabalhado. Como pontos fracos, o pouco ou nenhum desenvolvimento dos demais personagens, estabelecidos como os clássicos esterótipos teen. Além, é claro, da escrita bem simplificada e direto ao ponto, típica desse segmento, que pode incomodar aqueles acostumados com algo mais elaborado e adulto.

    Carman é um autor envolvido também com cinema, games, e projetos sociais. Sua principal marca na literatura é o uso da tecnologia para atrair os jovens da geração multimídia de volta para o hábito da leitura. Da mesma forma que em outras de suas séries (como The 39 Clues, Skeletons Creek, Trackers e The Land of Elyon), Dark Eden conta com um site oficial com conteúdos de vídeo e aplicativos que ampliam a experiência.

    Lá fora, já estão disponíveis um ebook intitulado Phantom File, uma espécie de expansão do primeiro livro, a continuação Dark Eden 2: Eve of Destruction. Fica a torcida para que esses materiais também ganhem uma versão brasileira. Curto (240 páginas), de uma leitura rápida e envolvente, e com um final impactante e melancólico (que por si só garantiu uma estrela a mais na nota), Dark Eden é uma ótima recomendação para fãs de histórias de mistério e suspense.

    Compre aqui.

    Texto de autoria de Jackson Good.