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  • Crítica | Correspondente Estrangeiro

    Crítica | Correspondente Estrangeiro

    Há um aviso, antes de começar Correspondente Estrangeiro de Alfred Hitchcock, salientando que este não é baseado em nenhuma pessoa ou evento real, e que as coincidências são frutos da ficção e não existe qualquer intenção em retratar uma realidade ou qualquer fração dela. A história é simples, mostra Johnny Jones (Joel McCrea), um correspondente de jornal de Nova York que vai a Europa em viagem, utilizando um pseudônimo (Huntley Haverstock) já com a 2ª Guerra Mundial ocorrendo. Sua jornada se dá em viagens pela Europa e o longa é dedicado aos esforços dos soldados e militares norte americanos.

    O começo da historia mostra o sujeito em Amsterdã, e lá, ele acompanha um estranho evento que envolve a morte de Van Meer (Albert Bassermann), um diplomata holandês. Daí se desenrola toda uma trama de espionagem e paranoia, e obviamente uma perseguição ao personagem, mas muita coisa ocorre até chegar esse status, em um desenrolar lento, diferente até dos filmes do cineasta dessa época, como O Homem Que Sabia Demais (versão de 1934), Rebecca: Uma Mulher Inesquecível e o posterior Sabotador.

    Mesmo sem grande parte das marcas registradas do cinema de Hitch, Correspondente Estrangeiro tem momentos de disruptura. O assassinato de Van Meer mesmo é uma cena brusca, que ocorre rompendo completamente com o estilo apresentado até então, e essa mudança de caráter é registrada de maneira tão abrupta e surpreendente que o estado de calmaria não retorna em momento algum, pelo contrário, a partir desse momento as desventuras de Jones são mostradas freneticamente, como se ele fosse realmente um participante do xadrez estratégico da Segunda Guerra Mundial.

    Os tempos bélicos de certa forma anestesiam o povo, que não vê mais o extremismo se aproximando, nem compreende direito os males que ele faz. Há momentos épicos, como a perseguição que ocorre no catavento, mas o que mais impressiona nas pouco menos de duras de filme é o quanto o protagonista é bobo, imaturo e crédulo em tudo. Ele quase é atropelado, após ser empurrado por um homem que quer seu mal, mas ele sequer nota a má intenção do sujeito.

    Jones é uma demonstração do quanto o povo pode apelar para pensamentos pueris, não entendendo que quem está próximo e quem detém o poder pode querer o seu mal. Hitchcock não permite obviamente que seu protagonista fique estagnado, ele evolui e consegue ao menos perceber as armadilhas que ocorrem no quarto final do longa, se torna mais ardiloso, mais preparado e astuto, ao menos para perceber que não sobreviverá caso não se instrua.

    Há referencias a obras futuras, como a Um Corpo Que Cai, mas também brinca com os clichês de Um Barco e Nove Destinos, em especial na sequencia envolvendo o avião que está sob o ataque o conseqüente naufrágio do mesmo. As marcas de Mestre do Suspense já podiam ser vistas nessa obra também, que mesmo lidando com problemas de efeitos especiais datados, ainda é uma produção que guarda esforços tremendos de sua produção para parecer grandiosa.

    O cineasta é bastante corajoso em utilizar todo o seu conhecimento e talento para registrar essa historia anti bélica, se posicionando de maneira veemente e madura sobre todo o imbróglio contra o fascismo, inclusive culpabilizando os traidores das nações que formaram a Aliança contra o Eixo, pontuando tudo isso com a boa postura de Jones/ Haverstock agindo finalmente como um espião agiria, sendo esperto e manipulador quando precisa. Correspondente Estrangeiro foge bastante do maniqueísmo, ainda mais se comparado aos filmes de sua época, mesmo com o discurso final em rádio, que o protagonista dá ao povo.

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  • Crítica | Sabotador

    Crítica | Sabotador

    O lado B da filmografia de Alfred Hitchcock é composta basicamente pela época em que fazia filmes no Reino-Unido ainda, onde boa parte das marcas de seu cinema ainda estavam em fase embrionária. Há nesse ínterim verdadeiras pérolas, e uma delas mora neste Sabotador, que é uma exceção a essa regra inglesa, pois é considerado entre os especialistas o primeiro filme do cineasta com elenco completamente americano. O filme de 1942, também chamado de Sabotagem em outras traduções brasileiras,  conta uma historia de conspiração e paranoia, provenientes do conflito da Segunda Guerra Mundial, ainda em curso.

    Hitchcock começa seu drama com uma música histriônica, com metais pesados referenciando uma parede listrada e grande, como um portão de fábrica, que é tomado por uma estranha sombra com direito até a sobretudo, numa clara referencia a espionagem. O longa, cujo roteiro de  Peter Viertel, Joan Harrison, Dorothy Parker trata da historia de Barry Kane (Robert Cummings), um mecânico de avião que é acusado de sabotagem na fábrica em que presta serviços, mas antes de chegar nessa conclusão o filme se dá ao trabalho de construir todo o ideal do trabalhador proletário, mostrando o cotidiano dos que trabalham, que no meio de um refeição, vêem uma fumaça preta tomar o lugar, causada pelo incêndio na fábrica.

    Há um sensacionalismo nada sutil no filme, mas que é levado pelo cineasta com uma maestria monstruosa. A pecha de rei do suspense não é à toa, já se percebe uma mão bem habilidosa em criar expectativas, seja com a trilha que as vezes ensurdece, ou com a perversão do mundo comum presente na Jornada do Herói clássica, mesmo que para o diretor britânico o traço de normalidade da humanidade não fosse exatamente normal. As pessoas são exageradas, claro, mas o nível de preocupação com conspirações é bem condizente com o clima conflituoso dos anos quarenta.

    O mundo em conflito deixa as pessoas mais suscetíveis a desconfiança em geral. Antes, para Barry, sua palavra já era o suficiente, agora, ele é obrigado a se envolver com toda sorte de malandros, com pessoas que barganham com o único bem que lhe é direito, que é sua liberdade.

    O extremismo proveniente do governo alemão do III Reich influi na balança ideológica, causando alvoroço entre os países aliados, pondo trabalhador contra trabalhador. O texto é até bem didático nesse ponto, mostrando o proletário como o elo mais fraco, a resultante da quebra da corda quase sempre. Praticamente não há complacência com o pobre diabo que tenta provar sua inocência. As pessoas que o ajudam são tão necessitados quanto ele, se não mais, ele tem a solidariedade de homens e mulheres praticamente miseráveis e de pessoas de feições estranhas.

    Didatismo em uma obra artística não necessariamente é um problema, e no caso de Sabotador esse aspecto é muito bem encaixado. As conclusões que Barry tem ao se aproximar do último quarto de filme impressionam, ele toma uma consciência de classe e uma noção política de embate ao fascismo que seria o comportamento ideal para o povo. É compreensível que o homem comum não queira se envolver com política e não queira perder os poucos privilégios que tem em busca de justiça e do que é certo, mas exemplos como o governo do austríaco Adolf Hitler na Alemanha dos anos 30 e 40 dão provas de que a isenção política ajuda a causar a perda  até dos poucos  direitos que o proletariado tem, e dependendo do regime, se for totalitário como era o III Reich, mais povos tendem a perder até a liberdade de terem suas identidades preservadas, como foi com os descendentes dos hebreus bíblicos. No caso de Barry, ele foi acusado de algo criminoso, que não fez, e tem sua vida posta em risco por conta da situação caótica que o mundo está posto, mesmo o sujeito dentro dos padrões arianos poderia sofrer, ou seja, nem a tola promessa de que os iguais ficariam bem era cumprida pelos poderosos da extrema direita.

    Hitchcock teve bastante coragem em levar a frente um projeto tão engajado, que fez obviamente parte do esforço de guerra contra as forças do Eixo e que tem em seu esforço artístico momentos apoteóticos, sobretudo no final, com as sequencias de bombardeio e de perseguição entre os dois lados postos em contraposição. Mesmo os momentos mais viajandões, como o embate entre Fry (Norman Lloyd) e o herói da fita em plena Estátua da Liberdade é bem encaixada, mesmo com toda a irrealidade da cena em si, mesmo com todo o simbolismo que o ponto turístico teria mais a frente no tempo. Para a época, os efeitos especiais cabiam bem, e a finitude se dar imediatamente após a morte do antagonista é um bom desfecho para um filme que é bastante fruto de seu tempo, um espécime do cinema clássico de uma Hollywood que ia se solidificando, e maturação de um cineasta que ia ganhando contornos de figura lendária aos poucos.

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  • Crítica | Um Contratempo

    Crítica | Um Contratempo

    Diversas vezes o audiovisual e a literatura retrataram o crime perfeito, de Agatha Christie a Alfred Hitchcock, e os finais dessas histórias sempre trazem as melhores resoluções, Um Contratempo bebe muito dessas fontes e se torna um dos melhores suspenses do ano passado, mas por conta da ambição e do exagero escorrega no terceiro ato e o crime perfeito acaba perdendo o seu peso.

    O filme, que é dirigido e roteirizado pelo espanhol Oriol Paulo, acompanha um jovem empresário que tenta provar para uma advogada especialista em depoimentos que ele não assassinou a própria amante. O suspeito é interpretado por Mario Casas de forma bastante sutil, o ator passa por vários cenários de cunho interpretativo e dá conta do recado, mas as pedras preciosas do filme são Bárbara Lennie, responsável por dar vida a vítima, e Ana Wagener, a experiente advogada, as duas entregam trabalhos distintos mas recheados de camadas muito complexas e imprevisíveis, no sentido de que suas personagens carregam muito em entrelinhas.

    Entrelinhas essas que vão dando a Um Contratempo uma variedade de perspectivas, como o próprio longa gosta de firmar, é nos detalhes que se escondem as coisas mais importantes, e por isso um detalhe na narrativa leva a outro até que uma rede de versões, histórias e fatos se constrói, sendo o maior acerto de Oriol. A forma com que a trama vai ficando mais complexa a cada diálogo e como as personagens de Mario e Ana jogam um jogo quase palpável para ver quem é mais esperto, provam o excelente roteirista que Oriol é nesse trabalho.

    O cineasta também tem bastante controle de mise-en-scène, a boa ambientação é proporcionada por uma fotografia engenhosa e uma trilha musical levemente ameaçadora, bastante coerente com o caminho que o filme leva. O problema, porém, aparece no começo do terceiro ato, se os dois primeiros são bem construídos e entrega boas surpresas, o diretor parece ansiar grandes revelações finais e acaba levando uma rasteira da própria ambição, ao tentar surpreender com um “sub-plot twist” a cada minuto a narrativa acaba deixando essas tramas sem respirar e de repente o final de Um Contratempo vira uma bagunça anti-climática e, mesmo que em baixos níveis, acaba desrespeitando todo o caminho apreciado pelo espectador até ali.

    O ponto alto de um bom suspense é a relação criada pelo filme com seu espectador, mas infelizmente o novo longa do cineasta perde um pouco disso em seus últimos minutos, mas de jeito nenhum tira todos os méritos conquistados até então, construindo um bom suspense de camadas e tendo em seus personagens ótimas interpretações. Oriol tem talento e criatividade, restou aqui apenas uma filtrada, então fiquemos de olho em seus próximos passos.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | A Garota

    Crítica | A Garota

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    De proposta bem diferente de seu primo de época Hitchcock, o filme de Julian Jarrold retrata a relação de Tippi Hedren (Sienna Miller) e o diretor britânico Alfred Hitchcock (Toby Jones), durante a feitura de Os Pássaros. A produção A Garota é baseado no livro Fascinado pela Beleza, de Donald Spoto, e já em seu início mostra uma persona de Hitch bastante controversa e invasiva, sem tomar o cuidado de criar no espectador a fascinação direta que o filme de Sacha Gervisi fez questão de fazer.

    Os relatos da própria Tippi Hedren traçam uma figura bastante abusiva do diretor de Festim Diabólico e Intriga Internacional, diferente do personagem adocicado e atormentado que Anthony Hopkins interpretou no mesmo ano. Esta versão da HBO Films é um pouco mais explícita nessa questão, mostrando o cineasta abusando da paciência, da moral e dos sentimentos da estrela, pondo-a em situações limites a fim de tirar dela a melhor atuação.

    A contestação por parte da equipe de produção é tímida, e comedida, de certa forma emula o medo que há por grande parte dos admiradores de Alfred em tocar em assuntos pessoais espinhosos, uma vez que ele é visto pela maioria como um mito, como um objeto completamente inalcançável. Nesse ponto, a atuação de completo pavor que Siena Miller faz em relação a figura de medo é excelente, não resta dúvida tanto sobre as responsabilidades do diretor nos traumas da interprete, quanto também a parte biográfica do longa, se dedicando mais a Hedren o que a Hitchcock, residindo aí o maior protesto em relação a outra biografia.

    A gravidade dos fatos se exacerba quando se mostra as cenas de feitoria de Marnie – Confissões de Uma Ladra, onde a nudez de Tippi é usada como elemento de denúncia e de exposição dos tantos abusos que o homem fez a mulher. Todo montante de humilhações e provações antes mostradas encontram seu ápice aí, quando os olhos lascivos do já ancião realizador encontram o corpo desnudo da jovem e agora desesperançosa atriz.

    A Garota toca em pontos nevrálgicos da tempestuosa e polêmica carreira de Alfred Hitchcock, e dá voz finalmente ao relato de Hedren, ainda que suavize grande parte dos abusos que ela fez em sua versão já famosa. O modo que Jarrold conduz sua câmera condiz mais com a linguagem cinematográfica do que televisiva, abusando de tomadas aéreas e planos profundos, que reiteram a grandiosidade da filmografia analisada, mas ajudando também a grafar os dramas complicados, com super closes que mostram o terror que o cineasta causava em seus atores, os mesmos que o próprio considerava apenas como gado.

  • 10 Filmes de Terror em Preto e Branco, por Nicolas Pesce

    10 Filmes de Terror em Preto e Branco, por Nicolas Pesce

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    O filme “The Eyes of my mother” lançou seu segundo trailer há algumas semanas e parece apresentar uma trama interessante e mais uma vez um retorno por opção a fotográfia em Preto e Branco.

    É interessante que filmes como Frankenweenie, Blancanieves e Frances Ha vão na contramão do que parece o óbvio a se fazer hoje e apostam novamente na velha maneira de se fazer cinema. Até o diretor de Mad Max: Fury Road, George Miller está lançando esse mês em DVD/Blu-ray e cinemas nos EUA a versão em “Black and Chrome” de Estrada da Fúria (será que vem pro Brasil essa?) Pensando nisso talvez, o diretor estreante de Eyes of My Mother, Nicolas Pesce, lançou no facebook oficial de seu filme de estréia um top 10 filmes de terror preto e branco que foram influência para sua produção e com pequenos comentários. Confira abaixo:

    10 – Eraserhead – David Lynch (1977)

    “Não há ninguém melhor para manipular o clima de uma situação que David Lynch. E não há nada mais aterrorizante que sentir algo estranho e não saber porque”

    9 -Titicut Follies – Frederick Wiseman (1967)

    O Diretor Frederick Wiseman registrou em 67 um hospital para doentes mentais e o tipo de vivência diária que eles passavam, o documentário foi alvo de processos e sua exibição foi proibida até o inicio dos anos 90.

    8 – Repulsa ao Sexo – Roman Polanski (1965)

    “Ele é impecavelmente simples mas faz uso de efeitos práticos de uma maneira bela e surreal. Não importa quão estranho a trama fica, no seu âmago tudo é sobre solidão e ansiedade. E sempre foi dessa maneira que eu absorvi ele.”

    7 – Almas Mortas – William Castle (1964) 

    “Um poster com Joan Crawford segurando um machado? Por favor né … O visual se encaixa entre um mundo hiper estilizado do cinema noir com todo o gótico que existe no expressionismo alemão, adoro esse filme!”

    6 – Desafio do Além – Robert Wise (1963)

    “Esse é aquele filme que eu vi adulto e me assustou de verdade. Você nunca vê nada assustador e essa é a melhor parte.”

    https://www.youtube.com/watch?v=YWU9zRb4RPY

    5 – Psicose – Alfred Hitchcock (1960)

    “Psicose é como uma cartilha pra mim. Além do seu mérito técnico e artesanal, eu amo como Hitchcock faz com que o público simpatize com um assassino. Acho que não existe nada mais assustador que isso.”

    4 – A Casa Mau Assombrada – William Castle (1959)

    “A voz de Vincent Price vai ecoar eternamente no meu cérebro sempre que pensar em horror gótico, e é por causa desse filme. A voz dele no monólogo de abertura é assustadora e e icônica. “

    3 – O Mensageiro do Diabo – Charles Laughton, Robert Mitchum (1955)

    “Esse é a maior influência para meu filme. Eu amo como o conto gótico minimalista se contrasta com as qualidades de uma fantasia com momentos de terror autênticos.”

    2 – O Solar das Almas perdidas – Lewis Allen (1944)

    “Vi esse filme com minha mãe quando ainda era criança. Foi minha primeira experiência com filmes de terror e foi a primeira vez que eu vi muitos maneirismos que viraram mais tarde trunfos de direção.”

    1 – A Sétima Vitima – Mark Robson (1943)

    “Com um clima pesado, luz atmosférica, e uma femme fatale gótica, é um conto pulp mas ao mesmo tempo um elegante cult de horror. Como não gostar?”

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Resenha | A Dama Oculta – Ethel Lina White

    Resenha | A Dama Oculta – Ethel Lina White

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    Há uma verdade na sinopse do livro de A Dama Oculta: não é nada difícil compreender os motivos que levaram Alfred Hitchcock a transformar a obra de Ethel Lina White em uma de suas obras cinematográficas. E muito disso se deve ao fato de que os méritos da escrita de White também poderiam ser (e foram!) os méritos na direção do Mestre do Suspense.

    Publicado pela Editora Vestígio como parte de uma coleção sobre as obras literárias que inspiraram alguns dos filmes mais notórios do diretor, A Dama Oculta é um prato cheio um intrigante jogo de percepções e desconfianças: no livro, acompanhamos Iris Carr, uma jovem socialite que, após uma viagem com amigos ao continente europeu, resolve retornar sozinha para casa, intimidada por algumas personalidades estranhas que a cercam desde sua estadia no hotel. No retorno, Iris conhece no trem uma senhora animada e faladeira chamada apenas de Srta. Froy e que, após um súbito sono de Iris, some sem deixar vestígios, e com o agravante de que nenhum dos passageiros a bordo parece se lembrar da presença da idosa. E assim, questionando ora sua própria sanidade, ora o envolvimento de alguns rostos nesse mistério, Iris parte em busca do paradeiro da Srta. Froy.

    Para uma temática como a de A Dama Oculta, onde as ações ocorrem num espaço limitado e assim em constante velocidade, seria indispensável que a autora soubesse aguçar a curiosidade de quem lê com os desdobramentos da situação. É um risco o autor jogar sua história dentro de um cenário fechado e não trabalhar com inteligência aquele espaço. Mas Ethel Lina White carrega um trunfo, o de conseguir estabelecer o interesse e a desconfiança do leitor antes mesmo dos principais acontecimentos chegarem ao trem. A escritora não se limita a utilizar Iris como um mero captador de informações para o leitor, e carrega seu olhar até as diversas outras personalidades que irão permear a leitura, por vezes até permitindo que o leitor retenha informações que nossa própria protagonista desconhece. E Ethel Lina White é habilidosa em trazer as informações à tona. Cada nova página nos traz alguma informação que, mais cedo ou mais tarde, virá ser essencial para o encerramento do quebra-cabeça.

    Curioso é também notar como a autora desenha nossa protagonista, e para alguns (e algumas), isto assuma até mesmo um viés feminista, o que não seria nada errado: Iris é uma moça de extrema pertinência, mas que vez ou outra se deixa balancear por sua própria sanidade, algo absolutamente humano. Mas decidida a descobrir o que houve com a Srta. Froy, Iris enfrenta um mar de rostos (a maioria homens, diga-se) que tentam lhe impedir de chegar a uma resposta, que tentam manipular sua própria busca, o que resulta também num jogo de inteligência fumegante entre esses personagens. Nisso, Ethel ainda é esperta em enxertar, com um misto de clareza e sutileza, uma guerra silenciosa entre as mais diversas classes sociais e até mesmo xenofobismo.

    Com um irônico desfecho melodramático (evitado por Hitchcock em sua adaptação), A Dama Oculta é uma leitura facilmente envolvente, divertida, sarcástica (não também à toa, a adaptação de Hitch é considerada o auge de sua fase britânica, algo com o qual o humor da obra flerta) e que, vale ressaltar, chega nesta sua nova edição com uma belíssima capa dura. Que venham os próximos lançamentos!

    Texto de autoria de Rafael W. Oliveira.

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  • Crítica | Janela Indiscreta

    Crítica | Janela Indiscreta

    rear windowConsiderado um dos grandes filmes de Alfred Hitchcock, Janela Indiscreta se tornou um clássico do cinema principalmente pela metalinguagem que referencia a narrativa visual. Destacou-se também pela qualidade de roteiro, direção e atuação.

    Com a perna imobilizada devido a um grave acidente, um fotógrafo espia seus vizinhos e começa a investigar um deles, convencido de que este praticou um assassinato.

    Baseado no conto de Cornell Woolrich, o ótimo roteiro de John Michael Hayes, que trabalhou com Alfred Hitchcock em outros filmes, tem uma estrutura tão sólida que sustenta quase duas horas ambientadas quase que exclusivamente em um único cenário e utilizando apenas quatro atores.

    O fato do protagonista Jefferies ser um fotógrafo comercial é a desculpa perfeita para ele viver um curioso que se interessa pelos seus vizinhos e os espia pelo zoom de suas lentes, produzindo uma das maiores metáforas da história do cinema. Nós, como ele, estamos espiando esta história pela lente do diretor de fotografia do filme, sem sequer pedirmos autorização para invadir a privacidade alheia, que no caso são os personagens. A janela “indiscreta” de sua casa também é a janela do filme, é o enquadramento do fotograma. A discussão levantada por Hitchcock vai ao ponto central sobre a ética da privacidade, questionada o tempo todo pelos personagens que cercam o protagonista.

    Outro grande trunfo do roteiro é fazer com que elementos de ambientação, no caso os vizinhos, deixem de ser figurantes e se tornem personagens do filme. É bem definido o papel de cada um através da ação, dentro de seus apartamentos. Como eles não falam, cabe a Jefferies, inclusive em outra referência ao cinema, fazer o papel do espectador do cinema mudo e interpretar seus gestos. Isso provoca no personagem a desconfiança em um dos vizinhos que move a trama.

    A ótima direção de Alfred Hitchcock se baseia na direção de atores com marcação visível, influenciada pela estética teatral. Hitchcock consegue dar um peso dramático aos objetos de cena que passariam desapercebidos, como o binóculo, a câmera e as lentes, além dos objetos que caracterizam as casas dos vizinhos. Destaque ainda para a câmera que passeia pela vizinhança como se estivesse pintando-a ao mostrar cada um dos moradores.

    James Stewart consegue carregar a narrativa como protagonista e impressiona pelo seu carisma, apesar de uma atuação teatral e marcada. Grace Kelly, Wendell Corey e Thelma Ritter completam o elenco principal e convencem pelo bom texto.

    A boa fotografia de Robert Burks, que trabalhou com o diretor em outros filmes, é visivelmente cenográfica, recortada em diversas cenas e não naturalista. Ela se destaca nas cenas em que Jefferies espiona seus vizinhos, e na sequência final. A edição de George Tomasini, também parceiro de Hitchcock em outros filmes, impressiona por ter deixado o filme com um ótimo ritmo, tendo em vista que a película se passa em um único cenário. A edição também se destaca na sequência final.

    Janela Indiscreta é um dos poucos filmes que conseguiu não somente fazer referência ao próprio meio, como também levantou grandes questões acerca de tudo que envolve o processo.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Grace de Mônaco

    Crítica | Grace de Mônaco

    Grace de Monaco - poster

    Produções românticas e uma vertente dos contos maravilhosos transformaram reis, rainhas e príncipes em soberanos que vivem uma vida perfeita e cheia de pompa. Até hoje, este conceito persiste pela tradição de contos de fadas e histórias infantis, que visam um final feliz para encerrar sua trama. Grace de Mônaco desmitifica a vida de princesa “feliz para sempre”,  trazendo à tona a história de Grace Kelly.

    Kelly foi uma das belas atrizes que fizeram parte da obra de Alfred Hitchcock. Estrelou diversas grandes produções do mestre do suspense, mas foi por Amar e Sofrer que recebeu um Oscar de Melhor Atriz, dois anos antes de casar-se com o príncipe de Mônaco e receber diversos títulos de honrarias desta cidade-estado soberana. A intenção da biografia é desconstruir parte da percepção de que, por se tornar princesa, Kelly alcançou um sonho ideal e perfeito. Entre os difíceis dilemas que teve de enfrentar, a outrora atriz se destacou como uma mulher forte e independente, tendo uma noção diferente daquela vista pelo principado local.

    Escalada para o papel da estonteante atriz, Nicole Kidman tenta recuperar seus tempos áureos de boa atriz, já que, desde a década de 2000, com Os Outros, Moulin Rouge e As Horas, não tem obtido o mesmo sucesso e nem realizado grandes interpretações. Trata-se de um papel que requer um talento apurado, o qual a atriz possui, tanto para interpretação como para a composição mímica de uma pessoa real.

    O roteiro de Arash Amel (que tem no currículo somente outra obra, Erased, com Aaron Eckhart) segue o estilo padrão de biografias cinematográficas. O filme inicia-se com uma cena poética e uma citação da própria Grace sobre a vida de princesa e contos de fadas, abrindo sua história. Ao se mudar para Mônaco, a princesa ainda sentia-se como uma atriz de Hollywood. Hitchcock na época realizava Os Pássaros e convida a atriz para seu próximo trabalho, Marnie – Confissões de uma Ladra. O diretor é o único personagem cinematográfico a aparecer em uma breve visita ao palácio, apenas para convencer Kelly a voltar às telas para uma saída triunfal.

    Dentro do principado, com poderes adquiridos no casamento, uma possível ida da princesa a Hollywood é considerada uma afronta. Principalmente porque, na época, Mônaco sofria ataques da França que quase transformaram em guerra uma disputa de interesse relativa a impostos.

    Kelly observa este mundo como alguém que assiste a uma peça, sem saber que ela faz parte deste processo. Ao reconhecer seu status, a princesa ganha força e começa a usar seu poder para melhorar o principado com a representação de um derradeiro papel final, ajudando a promover o governo do marido. Interpretado pelo sempre bom, mas quase esquecido, Tim Roth, o Príncipe de Mônaco é um homem que carrega grandes problemas nas costas e vê na esposa uma aliada capaz de ajudá-lo. Ambos unem suas forças e, cada um em suas frontes, ajudam a reerguer Mônaco e solucionar o impasse com a França, país exportador de muitos produtos para a cidade-estado. Surge uma Grace Kelly ciente de suas obrigações e uma humanista que usa seus atributos de beleza, inteligência e sagacidade a favor deste momento difícil.

    A trama transforma o conflito como centro da narrativa para compreender quem foi Grace Kelly. Uma mulher por muito tempo dividida entre dois mundos até assumir a coroa de princesa definitivamente. Não é à toa que a história da atriz tornou-se um exemplo de conto de fadas. Nascida na Filadélfia, talvez Grace nunca imaginasse que um dia se tornaria princesa. Porém, esta imagem figurativa, provavelmente difundida em tabloides na época, é modificada nesta produção, que, mesmo focando uma interessante figura real, passou despercebida por parte do público. Olivier Dahan constrói uma princesa bem equilibrada entre a força que deve ter e a fragilidade interna cheia de incertezas. Porém, a condução somente correta da trama traça um panorama superficial demais sobre Kelly, fazendo com que o filme não tenha força suficiente para se tornar uma grande obra, mesmo com uma rica história como inspiração.

  • Crítica | Hitchcock

    Crítica | Hitchcock

    Hitchcock-2012

    Desde a fundação da sétima arte, alguns profissionais – sejam produtores, diretores ou atores – desenvolvem uma carreira tão ímpar, muitas vezes com talento destacado, que transformam-se também em personagens para futuras histórias, de criador para criatura.

    Retratar uma personalidade em um filme biográfico, apresentando sua vida em totalidade, sempre é uma missão ingrata. Algumas produções vêm optando por apresentar parte da história, em um momento significativo que apresenta o cerne do biografado de forma que seja possível compreendê-lo – Sete Dias Com Marilyn e Capote utilizaram-se deste estilo.

    Hitchcock abrange o período de criação de Psicose, uma das obras mais significativas do mestre do suspense. Prestigiado desde a época, o diretor sofria leve pressão da crítica e do público, que aguardavam ansiosos por um novo e excelente projeto, questionando se a idade não teria amenizado Hitchcock. Em meio as incertezas, Hitch investe em um romance recém-lançado de Robert Bloch, uma narrativa inspirada no serial killer Ed Gein – homicida, ladrão de lápides que utilizava cadáveres como troféus – que nenhum outro estúdio se atreveu a utilizar.

    A trama inicia-se em uma representação da história de Gein, emulando o programa de televisão “Hitchcock apresenta”, em que o diretor era mestre de cerimônia. Dialogando com o público, Hitch justifica que, se não houvesse a horrenda história do assassino, sua obra-prima não viria à tona.

    Filmar uma história real, violenta ao extremo, em época moralista e com censura cinematográfica era um processo difícil. O diretor teve que investir dinheiro do próprio bolso para a realização, já que a Paramount Pictures, com que tinha um contrato, aceitou somente distribuir a produção.

    Dono de um perfil genial e genioso, dedicado aos prazeres da comida, romântico ao se apaixonar por cada uma de suas estrelas loiras, boa parte da sustentação de Hitchcock vinha de sua esposa, Alma Reville, roteirista e editora que teve um papel fundamental na conclusão de Psicose mas que, durante a produção, sente-se negligenciada pelo marido.

    A problemática profissional e pessoal parece eclodir em Psicose, dando corpo à loucura da personagem e ao genialismo de Hitchcock, ciente de que a censura negaria a distribuição do filme e trabalhando de maneira minuciosa para produzir cenas que sugerissem as ideias mais agressivas, sem de fato mostrá-las, como a famosa cena do chuveiro, que se tornaria um marco cinematográfico.

    O desenvolvimento desta biografia consegue apresentar os bastidores de uma grande obra sem cair no fetichismo da curiosidade de revelar a história por trás da história. Sustenta-se principalmente pela composição das personagens, com Anthony Hopkins incorporando o diretor com pesada maquiagem, desafiando a imagem de um homem genial o tempo todo, também carente de atenção e estranhamente encantado por suas atrizes. E Helen Mirren sempre em atuações pontuais como a esposa porto seguro que compreende as limitações do marido sem nunca deixar de amá-lo.

    Foi um dos filmes mais grandiosos da carreira de Hitchcock e sua composição tornou-se exemplo para outros filmes que viriam. Nesse longa biográfico com direta homenagem a ele, com maquiagem indicada ao Oscar, a trama mistura-se à história do cinema para apontar como uma lenda se transforma em lenda.

    O roteiro foi baseado no livro Alfred Hitchcock e Os Bastidores de Psicose de Stephen Rebello, lançado no país pela Intrínseca, com tradução de Rogério Durst (Clique aqui para comprar). A história do diretor também gerou uma produção da HBO Films com a BBC, intitulada The Girl.