Tag: Filme sobre Nazismo

  • Crítica | O Diário de Anne Frank

    Crítica | O Diário de Anne Frank

    A versão de George Stevens para O Diário de Anne Frank tem um desenrolar lento e gradual. Os créditos iniciais primam por uma normalidade que não poderia ser mais irreal, mostrando pássaros no céu enquanto uma música instrumental é tocada, como se aqueles fossem dias comuns, uma vez que a natureza não se curva aos  desígnios humanos sejam eles quais forem, sejam os homens poderosos ou não.

    Na casa dos Frank há um lamento, por que algo sumiu dali, um livro diário, que é encontrado após as pessoas que lá chegaram procurarem bastante.  Curiosamente, o escrito não estava em um lugar inacessível, e sim bem a frente dos que procuravam. As pouco menos de três horas de filme seriam baseadas na leitura daquelas palavras de intimidade, da personagem-título feita por Lea Van Acken, que datam a partir do ano de 1942 quando o III Reich já estava estabelecido como dominador da Alemanha e como potência mundial, elevando a bandeira do nazi-fascismo ao patamar de parte do governo e ideologia de uma das potências do velho mundo.

    Há uma exploração gradual do dia a dia da menina, que até os momentos iniciais, não tinha muitas privações. Ela vivia uma vida simples junto com os outros Frank, mas não havia grandes necessidades que não fossem supridas, fora o óbvio fato dela não poder sair muito de casa, com receio de ser atingida ela e sua família pela guerra e obviamente de serem perseguidos por sua condição religiosa e de origem, que era judaica. O filme consegue ser sutil em muitos momentos, mas também não tem medo de apelar para a fobia dos personagens. Anne acorda subitamente a noite, com um pesadelo de que seu esconderijo era invadido e todos seriam consequentemente violados.

    É estranho verificar  a guerra como um evento visto a partir dos olhos de uma moça, que mal pode se aventurar em seu quintal. O conflito visto pelas janelas ou pelas frestas da casa causam uma falsa ilusão de que estavam longe da pólvora e do ódio provindo dos alemães que tomaram a Holanda, e essa situação casa perfeitamente com a também falsa sensação de normalidade em possíveis tomadas de poder de extremistas de direita. Os Frank eram cativos em seus próprios domínios assim como boa parte dos povos são reféns de governantes que pensam mais em seus próprios interesses  e em seus próprios dogmas e moralismos mesquinhos. A realidade não é tão distante, considerando obviamente que a o visto no livro/filme já é um estado de exceção bem avançado.

    Um dos maiores simbolismos dentro do longa, leva em conta curiosamente um livro bíblico não presente na Torá, que são os manuscritos sagrados dos judeus. A cena envolvendo um ladrão emula bem a parábola do retorno do Messias, que é dito que chegaria de surpresa como um ladrão na noite, no livro profético do Apocalipse de São João. Esse pequeno momento sincrético entre judaísmo e cristianismo é muito bem encaixado, principalmente por que para os semitas, esse era um período bem semelhante ao fim do mundo como era dito no livro das revelações.

    A vida de Anne é triste não por conta apenas da questão da perseguição a si e a dos seus motivada claro pela intolerância, mas também porque ela não consegue viver sua vida de maneira plena, sem ser prisioneira. Mesmo quando ela está prestes a viver um amor, ela deve faze-lo embaixo de seu teto, ao lado de seus pais e parentes, sem direito a privacidade sequer para conseguir um par para ser seu futuro noivo.

    O modo como os traumas aos judeus foram causados reúnem elementos mais explícitos e outros ligados ao surrealismo do cinema alemão clássico. É incrível como a mistura de influencias se da até com a arte cinematográfica que  foi praticamente sepultada após a chegada de Adolf Hitler ao poder na Alemanha.

    Os momentos finais tem outra curiosidade com mistura, uma vez que fala a respeito de uma violência sofrida pelos Frank, mas que não foi exatamente descrita por Anne, já que se imagina que ela sofreu tudo aquilo em seus últimos momentos de vida, e não pôde registrar exatamente o que lhe ocorreu. O Diário de Anne Frank traz uma boa versão do famoso livro homônimo, é tocante, sentimental, muito bem filmado e atuado em mais um filme de caráter bem épico de Stevens, se não tão forte como Assim Caminha a Humanidade, ao menos é bastante forte e distinto.

    https://www.youtube.com/watch?v=b4C0taJ39zA

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  • Crítica | Aqueles Que Ficaram

    Crítica | Aqueles Que Ficaram

    Expoente do cinema húngaro, Aqueles Que Ficaram começa seu drama em um hospital e usa esse cenário como gênese de sua historia, acompanhado de um número silencioso  que simboliza bem o silêncio travado na garganta de seus personagens centrais, em especial, Körner Aladár chamado pelos mais íntimos por Aldo, o médico interpretado por Károly Hajduk e uma paciente de 16 anos, que chega (supostamente) grávida, Klara (Abigél Szõke). Dessa dupla nasce um relação diferente e inesperada.

    Klara tem pesadelos o tempo inteiro, é carente e tem dificuldade em achar um lugar para ficar. Ela se aproxima de Aldo que por pena, vai permitindo sua aproximação. A compleição física e a timidez do personagem fazem eco com seu passado, ele foi vítima dos campos de concentração nazistas, sofreu na pele um infortúnio gigante, fato que o marcou demais, e por isso ele não consegue negar ajuda a moça que parece variar entre um caráter interesseiro e necessitado, praticamente na mesma medida inclusive.

    Barnabás Tóth usa elementos visuais bem marcados para estabelecer uma atmosfera de melancolia e desesperança. A historia, que se situa entre os anos quarenta e cinqüenta do século XX é repleta de um moralismo exacerbado – há de se lembrar do conservadorismo ainda mais agressivo dessa metade de século – e de julgamentos que objetificam e condenam as mulheres, e Klara não é exceção.

    Os olhos fundos da moça representam não só suas preocupações mundanas como o que comerá no dia seguinte, ou se terá um teto sobre sua cabeça, mas também é um símbolo das terríveis condições de vida das pessoas que compunham as Forças do Eixo. O nazi fascismo não deixou só os países vitimados esfacelados, mas também os que lutaram ao seu lado, como a Hungria, e o que se vê aqui são pessoas doentes, esquálidas, mal nutridas, uma representação da vida pós holocausto, e que não foi consertada sequer pelos soviéticos.

    Próximo do final (e após muita coisa ocorrer) Aldo assiste um personagem masculino comemorar a morte de Joseph Stalin, mas ele mesmo não comunga desse pensamento, pois não foi alienado o suficiente para igualar o poderio soviético a influência nefasta dos nazistas. Para quem realmente viu os horrores da guerra e o autoritarismo via extrema direita não há como comparar sequer com os desmandos de Stalin e companhia, afinal, são métodos e modos de viver bem diferentes entre si.

    A confusão mental propicia que a paranoia do pós 1945 tenha efeitos, e isso enriquece ainda mais toda a questão tabu envolvendo Aldo e Klara. A relação evolui para um romance celibatário,  mas que não impede a ideia de posse por ambas as partes, e a chance dessa abordagem parecer algo grotesco é driblado por uma direção pontual e bem pensada. De negativo, há a quantidade grande de cenas escuras, que tem uma difícil compreensão em muitos pontos, sobretudo nas cenas à noite. Dependendo da sala de cinema, boa parte do filme não será totalmente compreendido.

    Barnabás traz um produto repleto de intimismo e lirismo, a forma como se fala de sentimentos bem comuns como carência, relação paternal e amor proibitivo é bem delicada, mesmo ao apresentar curvas dramáticas que flerta com o incesto (ou semi incesto, dada a estranha relação aqui mostrada), há referências claras ao Complexo de Édipo e os diálogos fogem de algo expositivo, são naturais ao extremo. As privações como a dificuldade de tomar banho ou de se alimentar são a maior mostra pragmática dos malefícios do fascismo, todos tem que lidar com a miséria e as sombras do que já foi ima vida plena para muitos, alem de questões econômicas inclusive.

    https://www.youtube.com/watch?v=jNbOXlGfsKU&feature=emb_title

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  • Crítica | Vá e Veja

    Crítica | Vá e Veja

    Há filme perturbadores, e há Vá e Veja. Provavelmente, sempre será assim. O convite do título não é à toa: o chamado não tem misericórdia, rumo ao nível mais baixo da alma humana – sem exageros nenhum, sobre isso. Cabe ao espectador ir até o inferno, e assisti-lo sem barreira nem blindagem alguma, mas de forma crua e objetiva aos horrores de uma guerra mundial, do ponto de vista de dois adolescentes que também assistem, despreparados assim como nós, e destroçados assim como nós, sua realidade na antiga União Soviética ser total, literal e irreversivelmente apodrecida. Muito já foi falado, negado e discutido sobre o terror que existe em Holocausto Canibal, Um Filme Sérvio e Necrofilia, alguns clássicos do gênero que chocam até o mais resistente dos homens. Mas nem um boleto bancário atrasado há um ano chega aos pés do horror psicodélico insuportavelmente real do clássico filme de Elem Klimov. Em uma palavra? Cruel. Noutra? Desumano. Choca por ser verossímil, impiedoso, e ao invés de tocar na ferida, a faz borbulhar enquanto produz um mal-estar inigualável.

    Eis um dos melhores filmes do mundo que precisa não apenas ser assistido, mas testemunhado por quem aguentar a sessão. Afinal de contas, nem todos aguentam um soco no estômago a cada um dos 130 minutos de exibição, nos quais a guerra se mostra exatamente como ela é, e potencializada por um encenação naturalista e acachapante, e sem igual na história do Cinema. Vá e Veja é tudo aquilo que os dez melhores filmes de guerra de Hollywood (faça sua lista) quiseram ser, mas os estúdios não permitiram. Klimov não quis chocar ninguém, mas sim expor, com todo o requinte cinematográfico que pode existir enquanto andamos por um pesadelo, a vida como ela é quando toda a animosidade do Homem recai sobre ela, e nela se infiltra, fazendo dela o inferno na Terra. A Terra, aqui, não vai além dos limites da Bielorrússia, quando uma pequena vila da região é invadida por soldados alemães, e o jovem garoto Florya é forçado a integrar um grupo de resistência, como era de se esperar. Está plantada a semente da loucura para termos a certeza de o umbral está vazio, e que os cavaleiros de Satã estão soltos por ali, loucos pela guerra e seus efeitos na raça humana.

    Tão bela, e tão destrutível quando quer ser. Florya então sobrevive, numa série de eventos que começam a remodelar sua personalidade (e que no final do filme, o deixarão mais envelhecido que um ancião centenário), e com a ajuda da forte e bela Glasha, ele conquista a oportunidade mais que custosa (a interminável cena da lama nunca pode ser esquecida) de regressar a vila que abandonou há pouco tempo, apenas para encontrar o massacre promovido por lá, e finalmente, quase na metade de Vá e Veja, começar a pagar seus pecados no seio de um conflito bélico diabólico, como se ele tivesse cem carmas de cem vidas diferentes para acertar as contas. Florya não encontrou fantasmas pelo caminho, mas algo muito pior: o fim da humanidade. Curioso como a zona em que tudo isso acontece tem um céu cinza sem fim, cobrindo a penitência de almas para sempre marcadas pela morte, o sacrifício, e a falta de esperanças por dias melhores. Nem mesmo para povos que nunca participaram ativamente de uma guerra arrasadora, como é o caso do Brasil, é impossível não sentir a dor e o lamento onipresentes aqui também apresentados na ausência do sol, e na predominância da noite, da neblina, e da absoluta falta (e silêncio) de Deus.

    Quanta emoção, quanta vibração cabe num filme? Em cada close arrebatador no menino Florya, temos em seu rosto, olhos, boca e rugas a certeza de que terror maior que uma guerra para a psicologia humana, não há. O poder de Vá e Veja não pode ser mensurado em nenhuma cena do filme, nem mesmo no seu todo, uma tarefa ainda mais impossível de ser feita na sua meia-hora final, quando a perturbação aqui é tão grande que chega a ser forte demais para a maioria dos espectadores. Temos como norteadora da narrativa a transformação de um garoto que absorve, em seus pobres e escuros olhos assustados, a insanidade de sua própria raça para consigo mesmo; metamorfose essa que nenhum outro filme jamais chegou perto de conceber, ao público, com tamanha potência, e ousadia para também nos transformar, quase que tanto quanto seus personagens danosos. Pessoas um dia livres, e sãs, mas que um dia foram trancadas todas juntas numa casa para queimarem junto dos seus parentes e vizinhos, e aos “sortudos” a quem a morte ainda não chegou, resta assistir a tudo, enterrados na podridão mundana, e com o mais soberbo dos terrores impedindo-os até de piscar devido a força das visões. A experiência aqui é por sua conta, e risco, e acredite: se nada aqui te impressionar, a vida já perdeu o sentido pra você há muito tempo.

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  • Crítica | Essa Noite Bombardearemos Calais

    Crítica | Essa Noite Bombardearemos Calais

    John Brahms era um diretor que costumava fazer bons dramas de época, pelos anos quarenta e que terminou dirigindo episódios de series televisivas de espionagem, como Agente da Uncle. Em 1943, foi ele o conduto de Esta Noite Bombardearemos Calais, drama de guerra que começa em algum lugar da Costa Inglesa, com o esforço de soldados, homens bravos e simples se reunindo em torno dos oficiais. A simplicidade deles envolve o fato da maioria estar sujo, após um longo dia tentando restabelecer a paz contra o III Reich e seu domínio de terror.

    Os hábitos dos militares são simples, eles fumam cachimbos e tentam gastar os minutos de seus dias com eventos corriqueiros, tentando não interromper suas rotinas apesar da obvia mudança de status provinda da guerra. A maior parte da trama acompanha Geoffrey Carter, personagem de John Sutton, um agente da inteligência da Inglaterra, que é mandado até Calais para destruir uma fábrica de munições nazistas. Sua missão em território francês conta com a ajuda de alguns membros simples da comunidade, que lhe dão abrigo, e o tratam como o filho que uma dessas famílias perdeu, exatamente durante a guerra.

    A proximidade da guerra dá ao filme um aspecto de autenticidade único. Os personagens parecem realmente sofrer com os fatos reais, emulando bem as agruras do povo ainda que quase toda atuação aqui soe muito mais teatral que cinematográfica. Mesmo exagerado na dramaturgia, o filme consegue retornar aos eixos quando dá vazão a sua trilha sonora. A música de Cyril J. Mockridge e Emil Newman por vezes fala por si só, preenchendo bem os momentos mudos, favorecendo a trama como um todo.

    Não há quase nenhuma sutileza durante os pouco mais de setenta minutos de filme. Os nazistas são mostrados de maneira crua, como as entidades cruéis que eles eram, e isso se vê não só com o autoritarismo incorrigível, mas também com o modo extremamente objetificável que utilizam com as mulheres. O roteiro os mostra obrigando as moças a casarem e a se relacionarem com eles, e por mais maniqueísta e caricato que pareça em uma primeira análise, isso correspondia mesma a realidade tangível.

    Se a parte dita social é caricata, o mesmo não pode-se dizer da que toca a espionagem. É claro que a ficção não retrata todos os meandros e problemas dos espiões, mas dentro da artificialidade típica da abordagem de Brahms os métodos e disfarces que Carter utiliza são bem encaixados, e até fazem sentido, mesmo que o tom esteja bem acima da realidade. Por se tratar de uma ficção, e de uma arte que mexe demais com os sentimentos, Essa Noite Bombardearemos Calais tem toda sua previsibilidade e sensacionalismo perdoados.

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  • Crítica | O Capanga de Hitler

    Crítica | O Capanga de Hitler

    Filme estadunidense, lançado em 1943 e dirigido por Douglas Sirk, O Capanga de Hitler começa em Lídice, na Tchecoslováquia, com uma narração que fala das belezas naturais e tradicionais do local. Logo, chega a realidade pragmática das zonas urbanas, mostrando um avião onde dois militares ao sobrevoar o local, falam sobre a proximidade do local com Praga, capital do país, e de como ali seria um lugar estratégico na guerra.

    O roteiro se baseia na Operação Antropóide, onde os aliados se lançavam de pára-quedas combatentes da resistência Theca, em especial, Karel Vavra, personagem de Alan Curtis, que assim que chega em solo, vai até a bela Jarmilla Hanka (Patricia Morison), a sua amada, digna de juras de amor e claro, a pessoa para quem ele retornará assim que conseguir por em prático o plano de acertar o oficial da Gestapo, Reinhard Heydrich  (John Carradine), e assassina-lo.

    O filme é curto, tem apenas 83 minutos, mas há tempo o suficiente para mostrar o domínio praticamente castrador. Heydrich é autoritário, invade uma assembléia de moradores, mostra  que os nazistas agiam como predadores ideológicos, caçando não só os que discordavam de sua mentalidade, como pressionavam o povo, com armas e com uma presença muito forte no cotidiano do povo, para lembrar a todo momento que eles detinham o poderio real do local, como se os desfiles de militares que ocorriam diariamente não fosse suficiente para marcar a vida das pessoas.

    O filme conversa bastante com o seu contemporâneo,  Os Carrascos Também Morrem, não só pelo cenário, mas também pela atmosfera envolvendo a paranoia geral. Também há alguns paralelos com Confissões de Um Espião Nazista, principalmente na denúncia do quão arbitraria e absurda era ação da SS e Gestapo no rumo imperialista que o III Reich exercia na Europa, inclusive em 1943, ano de lançamento da obra de Sirk.

    O filme não é sutil, é até propagandista, como parte do esforço anti guerra. A abordagem é bastante baseada em sensacionalista, e o seu final, mostrando o povo sofrendo a ação dos nazistas, sob o comando de Heinrich Himmler (Howard Freeman) pós queda de Heydrich, mostrando as pessoas sendo fuziladas de maneira covarde, justificando de certa forma a abordagem sem sutilezas da obra, utilizando um fato comum em meio a Segunda Guerra para mostrar os métodos dos extremistas a direita com prisioneiros de guerra, mesmo com os civis.

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  • Crítica | Casablanca

    Crítica | Casablanca

    Crítica | Casablanca

    Casablanca é uma obra do cinema clássico de Hollywood, sendo uma das obras mais lembradas no quesito romance. Dirigida por Michael Curtiz, a trama se passa no inicio da Segunda Guerra Mundial focada na historia de amor impossível entre Richard Blane e Ilsa Lund Laszlo.

    Ao contrário do que boa parte do público pensa, essa foi uma produção barata, um autêntico filme B, gravada em uma época em que as grandes produções não estavam utilizando os grandes cenários, tendo esse sobrado para Curtiz produzir sua história, baseada na peça de Murray Burnett e Joan Alison.

    Tudo foi organizado com as sobras de outras produções, e resultaram em um filme lucrativo financeiramente e bastante premiado, inclusive Oscar de melhor roteiro adaptado, texto esse assinado pelo trio Julius J. Epstein, Philip G. Epstein e Howard Koch.

    Além é claro da ambientação, uma vez que o lugar na costa francesa do Marrocos era um porto para refugiados da Guerra e a interseção entre viagens, há aspectos técnicos que chamam bastante atenção. Entre elas, a musica de Max Steiner é um diferencial, com boas variações entre o Jazz que fazia sucesso na época, além dos temas românticos que embalariam o quase amor entre o protagonista e sua prometida proibida.

    Em Casablanca, há uma casa noturna, O Café de Rick, administrado pelo personagem de Humphrey Bogart, Rick Blaine, um americano expatriado que prefere não se envolver com os detalhes da guerra e com suas tramas políticas.

    Na introdução ainda, é mostrado ele lidando com todo tipo de gente, e conversando com Ugarte, personagem de Peter Lorre, que frequentemente participava de filmes no esforço anti-nazista. Ugarte era um pequeno criminoso que chega ao clube portando “cartas de trânsito” que conseguiu após matar dois mensageiros alemães. Essa é uma das quebras da neutralidade do sujeito, uma vez que ele parece saber que Ugarte é procurado pela justiça, mas faz vista grossa, como ocorre na maior parte do longa.

    O roteiro não enrola, e não demora a se perceber que o clube fica em um lugar visado. Ofertas para venda do local sempre ocorrem, parte das pessoas que lá trabalham são excluídos, como o sujeito que toca piano Sam (Dooley Wilson), um homem negro que certamente seria perseguido na maior parte do continente europeu. É como se a casa noturna fosse um oásis em meio a um mundo louco, um espaço imune a politicagem extrema do Eixo e da resistência dos Aliados.

    Ilsa pede a Sam para tocar As Time Goes By, canção composta pelo próprio Dooley Wilson, regravada a exaustão, até mesmo por Frank Sinatra.

    A guerra afastou os dois personagens apaixonados. Rick teve que sair as pressas da França, graças ao fato de estar em uma lista negra dos nazistas. Por isso foi em fuga para Marrocos, junto a Sam seu fiel escudeiro. Os dois se colocaram em um exílio forçado, aceitando uma nova identidade. como pessoas irrelevantes, cidadãos invisíveis de um mundo em ebulição, tudo em nome da sobrevivência.

    O filme é baseado em na peça Everybody Comes To Rick’s (que traduzido seria algo como todo mundo vem ao café de Rick) de Burnett e Alison como citado anteriormente. A tradução da peça no entanto tem sua liberdades, e uma personalidade própria, muito graças ao desempenho do Bogart, que é característico demais, ganhando do diretor carta branca para agir conforme fosse mais conveniente ao que entendesse sobre o papel. Isso garante a Rick uma verossimilhança, com reações e pequenas falas baseadas em improvisos que o tornam mais legítimo, verdadeiro e não mecânico.

    Casablanca é conhecido principalmente por seu tom romântico, ao lembrar da relação que o protagonista de Bogart e a bela e angelical Ilsa (Ingrid Bergman) viveram em Paris.

    As cenas dos dois, enamorados, em um passado distante da dicotomia da guerra parece ter ocorrido a eras. A atmosfera de como o amor é imersivo é bem flagrada, tanto que nesse trecho parece de fato que outro filme ocorre, resultando em outro oásis, distante da realidade não só da guerra, mas também do amor não correspondido.

    Ilsa está no Ricks por um motivo: está em fuga, junto com seu par, procurado Victor Lazslo (Paul Henreid). Desse modo, os momentos mais sentimentais e singelos, os suspiros e apreciação de um cenário idealista e romântico é cortado, expurgado, graças as ações do III Reich e ao avanço fascista provindo de Stuttgart.

    Mesmo que a intenção da peça/filme não seja a de causar tantas reflexões no espectador, afinal o filme busca entreter com um romance, há de perceber que a condição isenta da política é impossível de ser vivida, especialmente em tempos extremos como os mostrados nesse clássico.

    O enlace sentimental é cortado pela truculência da Gestapo, do exercito nazista e do expansionismo de Adolf Hitler, e por mais que Rick tencione ficar em cima do muro, ele propriamente não o fica, só se isola de tudo para não ter lembranças de um tempo doce que se tornou amargo em suas memórias.

    O beijo terno, compartilhado entre os dois como se fosse a última vez é uma das cenas mais bonitas do cinema, com os dois perdendo o foco diante da lente da câmera, com a taça de vinho caindo e ganhando nitidez, numa clara alusão a relações carnais. Esse era um fato bem incomum no cinema da década de quarenta, e a misancene é magistral ao colocar esse momento em contexto.

    A despedida dos dois é desoladora, com o homem inconsolável, tentando segurar um mar de lágrimas e sentimentos, levado por seu amigo e companheiro até o trem quase a força, por não ter condições mentais de comandar seus próprios passos.

    A chegada de Ilsa reaviva não só a paixão não resolvida, como também é um lembrete no exílio de que a guerra não é elegante ou cordial como querem fazer parecer os oficiais nazistas no Marrocos.

    Mesmo que a preocupação da produção seja em construir o ideal para que o amor seja o norte do drama, o cenário, personagens e atmosferas não deixam esquecer que esse é um mundo de extremos. De um lado uma ideologia mesquinha, que desperta o pior nos seus adeptos e que provoca violência até nos que estão no lado oposto, e de outro, a tentativa de resistir a esses avanços autoritários, sem jamais cair na esparrela de tentar igualar os anti-fascistas com os nazistas de fato.

    Por ser uma produção gravada no calor do momento, em meio ao conflito, não se cai na besteira revisionista de fingir que os antagonistas de Hitler eram iguais a ele.

    A sequência final é tensa, e uma lição de abnegação por parte do personagem central, que vê sua amada se despedir, com o novo par dela, onde os heróis tem que finalmente assumir seus papeis como atores no cenário político.

    Nesse ponto, não há mais espaço para a tal isenção que é pregada e proferida por Blane. As máscaras caem e a fuga dos “refugiados” finalmente ocorre, mas não sem apelar para a questão básica da ironia entre Richard e o homem da lei que lhe facilita a fuga e seu próprio exílio.

    Casablanca poderia terminar melancólico, mas dada a malandragem de seus personagens é totalmente natural que não haja lamentos por parte dos homens que protagonizaram a historia, afinal, eles já sabem seus lugares no mundo e tem na resignação uma sensação bem comum e rotineira já.

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  • Crítica | Confissões de Um Espião Nazista

    Crítica | Confissões de Um Espião Nazista

    Produção da Warner Brothers, lançado em 1939, Confissões de Um Espião Nazista é uma obra comprometida com o anti belicismo e com um discurso anti nazista, e ele não perde tempo uma vez que acaba o anúncio com o nome do filme, é mostrado um misterioso narrador, contando os fatos do cenário político internacional do final dos anos 30, revelando detalhes do drama a partir de uma vila escocesa no ano de 1937. Ali todo o caráter conspiratório é iniciado, mas ainda de maneira misteriosa, e que se desenrolaria só depois de algumas outras sub-tramas serem reveladas.

    O formato da historia é muito curioso para dizer  o mínimo. Os primeiros momentos são como um prologo, indo depois para uma reunião, em território americano onde se veem bandeiras com suásticas ou com outros símbolos tipicamente usados pelo partido nacional socialista e pelas autoridades alemãs, ao lado de bandeiras dos Estados Unidos, e nesse lugar ocorrem reuniões de grupos extremos, mostrando que a influência hitlerista ia muito além do continente europeu, já que esse agrupamento ocorria em uma embaixada, ou seja, com anuência do governo.

    Na tal reunião há palavras de ordem contra a mistura racial, e uma valorização dos ideais arianos, de raça pura, acompanhado por uma plateia onde existem jovens, entre eles o personagem Schneider (Francis Lederer), que por sua vez, é observado ela outra ponta dessa estranha trama, o agente federal Edward Renard de Edward G. Robinson, que pressiona o jovem ao longo do filme para entregar detalhes dos planos do tal grupo.

    Tanto Robinson quanto Lederer se entregam bastante aos seus papeis, parecem realmente dispostos a desempenhar os estereótipos do agente do FBI cheio de artimanhas e o jovem iludido por uma ideologia torpe e que parece bem intencionada quando prega aos seus convertidos, mas o mais surpreendente no filme de Anatole Litvak é que esse é só um dos fatores importantes do filme, uma vez que há alguns outros tipos de abordagens. As especialidades do cinema de Litvak são duas: thriller e obras sobre a guerra. Seus outros filmes famosos são Ataque Nazista e Batalha da Rússia, dois documentários propagandistas, e perto do fim de sua carreira ele fez também filmes de suspense, e nesse Confissões de Um Espião Nazista ele mistura ambos estilos, ora apelando para uma hiper realidade documental, misturando com momentos de propaganda pró Aliados, fazendo o núcleo onde ocorre a tal espionagem e investigação com bastante tensão. Além disso a linguagem comercial do filme facilita a sensação de apreensão em quem assiste.

    Os grupos pró nazismo são tratados como delirantes com mania de grandeza, mas não são subestimados por Renard e por seus homens, ao contrário, há um foco de encara-los como inimigos não só da soberania dos países, mas também como adversários da humanidade em geral. Não há pudor em denunciar o autoritarismo alemão e esse caráter o se intensifica na meia hora final. Os letreiros e narrações denunciam a arbitrariedade de Hitler e a hipocrisia do mesmo, usando pretextos dos mais esfarrapados para invadir republicas independentes europeias.

    Por mais estranha que seja toda essa mistura resulta em um filme muito potente e a frente do seu tempo, principalmente por denunciar a maquina de propaganda nazista, mostrando detalhes  do envio dos folhetos via correios, fato que conversa com a trama apresentada lá no início. O apelo para o perigo que acometeu os Estados Unidos também é muito bem grafado, e embora seja uma trama de ficção, há muita alusão a realidade, e ao desejo expansionista do Fuhrer em espalhar a mentalidade dos que se julgavam superiores e puros de raça para os países do continente americano, incluindo até a America Latina nesse planejamento.

    Em 39 os Estados Unidos não havia entrado no conflito mundial, mas os esforços de guerra já eram conhecidos, através desse tipo de ação artística e social vista em Confissões de Um Espião Nazista, inclusive aludindo a possibilidade – um pouco conspiratória mas ainda assim preventiva 0 de que os Estados Unidos corriam o risco de ser ocupada pelo III Reich como foi a Tchecoslováquia, tendo isso sido evitado entre outros fatores por ações como a feitoria deste filme, que não tem receio de vociferar contra o Eixo no meio desta época tão conflituosa.

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  • Crítica | Cineastas Em Exílio:  Do Terceiro Reich a Hollywood

    Crítica | Cineastas Em Exílio: Do Terceiro Reich a Hollywood

    De Karen Thomas, o documentário Cineastas Em Exílio: Do Terceiro Reich a Hollywood é um programa que reúne esforços de dezenas de estúdios, que ajudaram a resgatar contribuições e trabalhos de alguns diretores que bravamente lutaram contra o reinado nazista de Adolf Hitler através de suas obras artísticas, que faziam frente ao regime e serviam não só de inspiração para o povo, como também parte integrante do esforço de guerra contra o Eixo.

    O início do estudo envolve Casablanca, filme de 1943 que tinha no romance seu norte e como foi o símbolo da resistência de muitos cineastas. Entre 1933 e 40 mais de 800 profissionais fugiram da Alemanha Nazista para alguns lugares do mundo, principalmente para os Estados Unidos, sem ter certeza como viveriam, como teriam sustento e como dariam vazão a arte em que trabalhavam, e boa parte deles se voltaria ainda para a arte, e ajudariam a produzir clássicos como A Noiva de Frankenstein, As Aventuras de Robin Hood, Ninotchka, Pacto de Sangue, Matar ou Morrer, Quanto Mais Quente Melhor e claro, o filme de Michael Curtiz já citado.

    O esforço do especial televisivo (que também foi exibido nos cinemas, em regimes de Festivais) passa pelo sucesso dos anos 20, O Gabinete do Dr. Caligari, produzido por Eric Pommer, e a criação do estúdio que fomentaria o cinema local. As partes onde se descreve o sucesso de Peter Lorre emocionam, seja quando lembram do mesmo participando de M, O Vampiro de Dusseldorf, além de se destacar o mesmo como “muso” dos filmes anti-guerra, como Relíquia Macabra, Passagem Para Marselha e tantos outros. Há até um poema de Bertold Brecht, que louva a memória dele e pede para que o ator volte a pátria que o tornou párea.

    Em alguns pontos, o filme faz tantas citações e cuspe tantas referencias que mal há tempo para refletir a importância das obras e carreiras analisadas, assim como se perde um pouco a discussão sobre o impacto de publico e industria, mas para quem conhece pouco a respeito da temática e das historias de bastidores , o filme presta um enorme papel falando a respeito de como ficou a industria artistica durante a elevação do partido nacional socialista.

    É ótimo que o estudo do filme não se ocupe  só de falar de atores e diretores, mas também de toda sorte de profissionais expulsos  de sua terra natal por ter ligação com origens hebraicas, ou por proximidade do pensamento progressista. O documentário acerta demais, em lidar com questões políticas e sociais, mostrando o infortúnio de muitos trabalhadores do cinema,  inclusive dando documentos e identidades dos mesmos, tirando suas historias e vidas do ostracismo, devolvendo de novo ao lugar que lhe é devido, se não a ribalta, ao menos para um lugar justo de reconhecimento, respeitando o legado de cada um e dando ao menos um alívio para eles, que se viram sem pátria.

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  • Crítica | Rosa de Esperança

    Crítica | Rosa de Esperança

    Lançado em 1942, sob o nome original Mrs Miniver em atenção a personagem de Gree Garson, Kay Miniver, o drama de guerra Rosa de Esperança começa tímido, após um letreiro que situa o espectador no cenário político da Inglaterra, e que discorre um pouco sobre a historia da família de classe media que será mostrada, nos idos de 1939.

    O longa-metragem de William Wyler mostra o tal clã lidando com a imposição do famigerado “esforço de guerra”, que consiste basicamente na mobilização de pessoas comuns para tarefas de apoio bélico. Kay é mostrada como uma mulher comum, de afazeres e interesses que não fogem do ordeiro, ela é uma mulher bem comum, ela mora com seu marido Clem (Walter Pidgeon) e seus dias não vão muito além das tarefas caseiras. O filme é lento, visa  explanar a normalidade do cotidiano inglês, um povo que aquela altura do século XX era bastante pacifico e formal.

    O roteiro adapta as tiras de jornais homônimas de Jan Struther, e há algumas diferenças dramáticas entre esta versão e a original. Os Miniver não são tão ricos, mas ainda assim moram em uma casa grande, chamada Starling, perto  de Tâmisa, em um confortável subúrbio inglês. Surpreende a escolha de Wyler por mostrar múltiplos cenários, para exemplificar bem como é a rotina das pessoas de diferentes classes na Grã-Bretanha, em especial antes dos ataques do Eixo. É como se o script aludisse para o quão maléfica e amaldiçoada é a intervenção dos nazistas e do III Reich, que causaram em corações e mentes muita raiva, ressentimento, para além até dos preconceitos defendidos por eles, uma vez que a postura hiper agressiva e ofensiva mexeu até com pessoas que não estavam no escopo judeu. O extremismo fascista interfere na vida de absolutamente todos.

    A guerra só é dita como de fato acontecendo com aproximadamente um quarto de filme, e o clima e atmosfera mudam por completo. Até os momentos de descontração são comedidos, em lugares fechados, com as pessoas festejando, mas com seus uniformes e trajes formais. Os outros homens, adentram a historia como pessoas comuns, e logo depois, aparecem maltrapilhos, vindos da guerra, e incrivelmente não há tanto lamento pela chegada deles assim, mal alimentados, com perda de peso, claramente passando por necessidades pós chegada do campo de guerra.

    Os vinte minutos finais mostram Miniver vivendo a desesperança de ter sua terra atacada por bombardeios aéreos, e é nesse clímax que Wyler justifica as premiações que ganhou, pois em meio ao cinema hollywoodiano dos anos quarenta, conseguir conduzir cenas com aviões não é tarefa das mais fáceis, ao contrário.

    O diretor e a produção tiveram muita coragem, em retratar uma historia de orçamento estadunidense, situada na Europa na época em que o conflito mundial estava no auge. Não há concessões aos nazistas, apesar de não haver um confronto direto com os nazistas. O culto cristão, na igreja que sofreu com os ataques alemães serve de exemplo, e certamente foi por conta desses momentos que o filme se tornou tão adulado e louvado em sua época, fazendo valer um elogio de Winston Churchill, que dizia que esse era mais efetivo na guerra que uma frota de destróieres, e dada seu caráter denunciativo, ele de fato tinha razão.

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  • Crítica | Passagem Para Marselha

    Produção da Warner Bros, assinada inclusive por Jack L. Warner como produtor executivo, Passagem Para  Marselha é uma obra de Michael Curtiz, que conta um drama de guerra, desenrolando as conseqüências dela, com a produção sendo feita em meio ao conflito dos aliados com os nazistas. O filme tem Humphrey Bogart como seu principal chamariz, no papel de  Jean Matrac, um piloto que estava em combate, e que esteve na estranha Ilha do Diabo e voltou.

    A narrativa começa com um letreiro, explicando as forças francesas, que resistiram em território europeu contra o avanço do Eixo. Isso tudo é acompanhado de música instrumental “inspiradora”, com hinos embalando as explicações, evocando o patriotismo típico dos tempos conflituosos, mas seu espírito é um pouco confuso, pois sua estrutura se baseia em flashbacks dos personagens, repletos de momentos confusos, que remetem a confusão comum dos que lutam as guerras mundiais. Matrac é motivo de orgulho para os que lutam consigo, mas ele mesmo parece um homem ser certezas, de olhar vacilante e postura, e não é à toa, afinal o que se vê durante o filme não é nada épico ou heroico.

    A duração do filme beira as duas horas – 109 minutos, na verdade – e seus momentos mais marcantes são os resgates a náufragos e a necessitados, pessoas que sofreram demais com os conflitos as nações extremas que seguiam o III Reich. Mesmo Matrac sofre com isso, é resgatado magro, com a barba por fazer, com a compleição bem diferente do galã que protagonizou Casablanca e tantos outros filmes, mas não é só fisicamente que ele está diferente, pois alem de sua magreza, há também uma campanha de acusação, que o associa a um massacre, como suspeito direto dos  assassinatos.

    Além dos horrores perpetrados por Adolf Hitler e dos seus subordinados militares e pelo partido nazista, como os óbvios casos de violência e intolerâncias contra os judeus, também havia uma forte campanha de difamação, onde o foco narrativo morava em desacreditar seus adversários através de notícias falsas espalhadas, prática essa bizarramente utilizadas por linhas políticas de extrema direita na atualidade, mas  que normalmente são desassociadas pelos defensores desses sectos políticos, pessoas essas que não conseguem – ou pelo menos não assumem conseguir – ver semelhanças e coincidências entre os métodos.

    As acusações ao herói da jornada incluem incitamento a motins e cumplicidade a arruaças, aludindo a dois fatores primordiais, primeiro, jogando o nome do sujeito de postura até então ilibada no lixo, ao associar ele a homicídio, para logo depois trancafiar o sujeito por suposto envolvimento com causas rebeldes, tentando colocar rivalidades entre ele e o povo.

    Nos vinte minutos finais, a historia se passa em uma embarcação, onde Matrac tem oportunidade de matar adversários de guerra, alvejando os nazistas mesmo com eles desarmados, em uma demonstração certeira de como se deve lidar com ameaças aos extremos da direita, uma vez que se estivessem na posição inversa, certamente não haveria paciência com os aliados, além de que em posição de desvantagem, o comportamento comum dos adeptos do fascismo é de manter-se quieto, aparentemente submisso, mas pronto para a qualquer momento destilar intolerância e seu modo de governo autoritário. O piloto, que tem um final trágico faz lembrar que mesmo com heroísmos, a guerra não retribui de maneira pacificadora aos que entram em si, condenando seus participantes, a perecer por conta de suas escolhas. Passagem Para Marselha é simples, direto, econômico narrativamente e muito certeiro no discurso anti nazismo, utilizando para isso uma inteligente inversão de expectativa, ao por Bogart que normalmente é galã como um soldado forte, complexo e nada maniqueísta ao cumprir sua intolerância  com quem nada tolera.

    https://www.youtube.com/watch?v=z6cQKi4A23o

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  • Crítica | Correspondente Estrangeiro

    Crítica | Correspondente Estrangeiro

    Há um aviso, antes de começar Correspondente Estrangeiro de Alfred Hitchcock, salientando que este não é baseado em nenhuma pessoa ou evento real, e que as coincidências são frutos da ficção e não existe qualquer intenção em retratar uma realidade ou qualquer fração dela. A história é simples, mostra Johnny Jones (Joel McCrea), um correspondente de jornal de Nova York que vai a Europa em viagem, utilizando um pseudônimo (Huntley Haverstock) já com a 2ª Guerra Mundial ocorrendo. Sua jornada se dá em viagens pela Europa e o longa é dedicado aos esforços dos soldados e militares norte americanos.

    O começo da historia mostra o sujeito em Amsterdã, e lá, ele acompanha um estranho evento que envolve a morte de Van Meer (Albert Bassermann), um diplomata holandês. Daí se desenrola toda uma trama de espionagem e paranoia, e obviamente uma perseguição ao personagem, mas muita coisa ocorre até chegar esse status, em um desenrolar lento, diferente até dos filmes do cineasta dessa época, como O Homem Que Sabia Demais (versão de 1934), Rebecca: Uma Mulher Inesquecível e o posterior Sabotador.

    Mesmo sem grande parte das marcas registradas do cinema de Hitch, Correspondente Estrangeiro tem momentos de disruptura. O assassinato de Van Meer mesmo é uma cena brusca, que ocorre rompendo completamente com o estilo apresentado até então, e essa mudança de caráter é registrada de maneira tão abrupta e surpreendente que o estado de calmaria não retorna em momento algum, pelo contrário, a partir desse momento as desventuras de Jones são mostradas freneticamente, como se ele fosse realmente um participante do xadrez estratégico da Segunda Guerra Mundial.

    Os tempos bélicos de certa forma anestesiam o povo, que não vê mais o extremismo se aproximando, nem compreende direito os males que ele faz. Há momentos épicos, como a perseguição que ocorre no catavento, mas o que mais impressiona nas pouco menos de duras de filme é o quanto o protagonista é bobo, imaturo e crédulo em tudo. Ele quase é atropelado, após ser empurrado por um homem que quer seu mal, mas ele sequer nota a má intenção do sujeito.

    Jones é uma demonstração do quanto o povo pode apelar para pensamentos pueris, não entendendo que quem está próximo e quem detém o poder pode querer o seu mal. Hitchcock não permite obviamente que seu protagonista fique estagnado, ele evolui e consegue ao menos perceber as armadilhas que ocorrem no quarto final do longa, se torna mais ardiloso, mais preparado e astuto, ao menos para perceber que não sobreviverá caso não se instrua.

    Há referencias a obras futuras, como a Um Corpo Que Cai, mas também brinca com os clichês de Um Barco e Nove Destinos, em especial na sequencia envolvendo o avião que está sob o ataque o conseqüente naufrágio do mesmo. As marcas de Mestre do Suspense já podiam ser vistas nessa obra também, que mesmo lidando com problemas de efeitos especiais datados, ainda é uma produção que guarda esforços tremendos de sua produção para parecer grandiosa.

    O cineasta é bastante corajoso em utilizar todo o seu conhecimento e talento para registrar essa historia anti bélica, se posicionando de maneira veemente e madura sobre todo o imbróglio contra o fascismo, inclusive culpabilizando os traidores das nações que formaram a Aliança contra o Eixo, pontuando tudo isso com a boa postura de Jones/ Haverstock agindo finalmente como um espião agiria, sendo esperto e manipulador quando precisa. Correspondente Estrangeiro foge bastante do maniqueísmo, ainda mais se comparado aos filmes de sua época, mesmo com o discurso final em rádio, que o protagonista dá ao povo.

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  • Crítica | Sabotador

    Crítica | Sabotador

    O lado B da filmografia de Alfred Hitchcock é composta basicamente pela época em que fazia filmes no Reino-Unido ainda, onde boa parte das marcas de seu cinema ainda estavam em fase embrionária. Há nesse ínterim verdadeiras pérolas, e uma delas mora neste Sabotador, que é uma exceção a essa regra inglesa, pois é considerado entre os especialistas o primeiro filme do cineasta com elenco completamente americano. O filme de 1942, também chamado de Sabotagem em outras traduções brasileiras,  conta uma historia de conspiração e paranoia, provenientes do conflito da Segunda Guerra Mundial, ainda em curso.

    Hitchcock começa seu drama com uma música histriônica, com metais pesados referenciando uma parede listrada e grande, como um portão de fábrica, que é tomado por uma estranha sombra com direito até a sobretudo, numa clara referencia a espionagem. O longa, cujo roteiro de  Peter Viertel, Joan Harrison, Dorothy Parker trata da historia de Barry Kane (Robert Cummings), um mecânico de avião que é acusado de sabotagem na fábrica em que presta serviços, mas antes de chegar nessa conclusão o filme se dá ao trabalho de construir todo o ideal do trabalhador proletário, mostrando o cotidiano dos que trabalham, que no meio de um refeição, vêem uma fumaça preta tomar o lugar, causada pelo incêndio na fábrica.

    Há um sensacionalismo nada sutil no filme, mas que é levado pelo cineasta com uma maestria monstruosa. A pecha de rei do suspense não é à toa, já se percebe uma mão bem habilidosa em criar expectativas, seja com a trilha que as vezes ensurdece, ou com a perversão do mundo comum presente na Jornada do Herói clássica, mesmo que para o diretor britânico o traço de normalidade da humanidade não fosse exatamente normal. As pessoas são exageradas, claro, mas o nível de preocupação com conspirações é bem condizente com o clima conflituoso dos anos quarenta.

    O mundo em conflito deixa as pessoas mais suscetíveis a desconfiança em geral. Antes, para Barry, sua palavra já era o suficiente, agora, ele é obrigado a se envolver com toda sorte de malandros, com pessoas que barganham com o único bem que lhe é direito, que é sua liberdade.

    O extremismo proveniente do governo alemão do III Reich influi na balança ideológica, causando alvoroço entre os países aliados, pondo trabalhador contra trabalhador. O texto é até bem didático nesse ponto, mostrando o proletário como o elo mais fraco, a resultante da quebra da corda quase sempre. Praticamente não há complacência com o pobre diabo que tenta provar sua inocência. As pessoas que o ajudam são tão necessitados quanto ele, se não mais, ele tem a solidariedade de homens e mulheres praticamente miseráveis e de pessoas de feições estranhas.

    Didatismo em uma obra artística não necessariamente é um problema, e no caso de Sabotador esse aspecto é muito bem encaixado. As conclusões que Barry tem ao se aproximar do último quarto de filme impressionam, ele toma uma consciência de classe e uma noção política de embate ao fascismo que seria o comportamento ideal para o povo. É compreensível que o homem comum não queira se envolver com política e não queira perder os poucos privilégios que tem em busca de justiça e do que é certo, mas exemplos como o governo do austríaco Adolf Hitler na Alemanha dos anos 30 e 40 dão provas de que a isenção política ajuda a causar a perda  até dos poucos  direitos que o proletariado tem, e dependendo do regime, se for totalitário como era o III Reich, mais povos tendem a perder até a liberdade de terem suas identidades preservadas, como foi com os descendentes dos hebreus bíblicos. No caso de Barry, ele foi acusado de algo criminoso, que não fez, e tem sua vida posta em risco por conta da situação caótica que o mundo está posto, mesmo o sujeito dentro dos padrões arianos poderia sofrer, ou seja, nem a tola promessa de que os iguais ficariam bem era cumprida pelos poderosos da extrema direita.

    Hitchcock teve bastante coragem em levar a frente um projeto tão engajado, que fez obviamente parte do esforço de guerra contra as forças do Eixo e que tem em seu esforço artístico momentos apoteóticos, sobretudo no final, com as sequencias de bombardeio e de perseguição entre os dois lados postos em contraposição. Mesmo os momentos mais viajandões, como o embate entre Fry (Norman Lloyd) e o herói da fita em plena Estátua da Liberdade é bem encaixada, mesmo com toda a irrealidade da cena em si, mesmo com todo o simbolismo que o ponto turístico teria mais a frente no tempo. Para a época, os efeitos especiais cabiam bem, e a finitude se dar imediatamente após a morte do antagonista é um bom desfecho para um filme que é bastante fruto de seu tempo, um espécime do cinema clássico de uma Hollywood que ia se solidificando, e maturação de um cineasta que ia ganhando contornos de figura lendária aos poucos.

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  • Crítica | Ser Ou Não Ser

    Crítica | Ser Ou Não Ser

    Produzido por Alexander Korda, ainda em preto e branco, Ser ou Não  Ser é um longa de Ernst Lubitsch e é mais um dos filmes dos anos 40 que entraram no esforço anti Segunda Guerra Mundial. Apesar do nome, não vem a ser uma adaptação das peças de William Shakespeare, mostrando na verdade uma historia que se passa na Polônia ocupada, onde um grupo de  atores canastrões acaba caindo na graça dos nazistas, durante a tal ocupação.

    O filme começa com uma longa introdução silenciosa, mostrando os créditos do filme, seguida de um tour pela rua dos teatros na capital polonesa da Varsóvia, onde há inclusive uma representação do Fuhrer em plena rua, em que a maioria da população assiste atônita, mostrando fundamentalmente que as pessoas comuns não tinham uma boa visão de Adolf Hitler.

    As cenas posteriores, em um escritório de militares nazistas, é dentro de um dos espetáculos dos comediantes. Em paralelo com esse espetáculo, há também adaptações das obras de Shakespeare, e claro, bombardeios na Varsóvia, que fazem lembrar a dura realidade da guerra, e que nem a bela arte teatral é capaz de aplacar a dor do povo que sofre com o poderio extremista alemão e nem aliena o povo por completo.

    Há quem  acuse o filme de soar um pouco sensacionalista. A música da trilha é sempre muito alta, dá um ar sensacional mesmo para os anúncios de campos de concentração, e as transições de tempo são bastante bruscos, mas ela traduz de maneira bem fiel a sensação que boa parte dos homens comuns tinham ao perceber o avanço da Guerra, além disso, há uma abordagem da resistência aos nazistas.

    As atuações de Jack Benny e Carole Lombard são de uma entrega intensa, eles vivem respectivamente Joseph e Maria Ture, um casal de atores bem ambiciosos, e que se vêem no meio da trama de espionagem, que envolve Alexander Siletzky (Stanley Ridges), um homem que tem a missão de entregar uma mensagem aos nazistas, que influenciaria no destino da resistência. Todo o desenrolar dessa sequência exige muito dos atores, que dão uma boa demonstração de seus dotes dramáticos.

    Quando atinge perto de uma hora de exibição, há uma intensa perseguição, repleta de suspense, em que um tiro ocorre. Realidade e dramaturgia se confundem, pois a perseguição ocorre no meio dos ensaios, e em meio a um ato onde a cortina sobe e mostra um homem sangrando, indo de encontro a morte. O simbolismo da cena é muito forte, evoca que os tempos de guerra primam pela artificialidade e pela teatralidade, e faz isso de modo sentimental, direto e visceral.

    O fato de se chamar Ser ou Não Ser é até poético, em especial no terço final, onde há uma troca de identidade e um desempenho atroz do ator Ture dentro da trama metalinguística do filme. O grau de paródia, misturado com o conceito de encenação da rotina dos vilões se confunde ao final, mostrando a tal companhia de comediantes agindo a favor dos Aliados contra o Eixo, atacando as células nazistas, fazendo com que eles tenham baixas diretas, atrapalhando claramente o poderio tirânico dos nazistas, ainda que em uma pequena esfera. Lubistch traz a luz um filme que elucubra sobre identidade e sobre as dificuldade de viver em um mundo de extremos, e que não tem medo de escolher um lado ideológico, sendo um dos mais corajosos filmes anti-fascismo da época.

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  • Crítica | Quando Desceram as Trevas

    Crítica | Quando Desceram as Trevas

    Estrelando Ray Miland, que vive Stephen Neale, Quando Desceram as Trevas começa com um relógio badalando, e uma música sensacionalista que evoca o suspense que permearia o pouco menos de 90 minutos de exibição desta obra lançada em 1944, ainda com a Segunda Guerra ocorrendo, e se valendo desse cenário para apresentar uma trama cheia de paranoias, flertes com espionagem e comentários sobre o mundo em ebulição, pondo nazismo e outras ideologias em contraponto.

    O filme em preto e branco prima pelo mistério, mostra personagens letárgicos, que demoram a tomar qualquer ação, que se movem vagarosamente mesmo quando lidam com terceiros, possivelmente em atenção aos estranhos e maniqueístas tempos de perseguição a quem pensasse ou fosse visualmente diferente dos poderosos. Essa letargia se vê principalmente no personagem de Miland, que é um sujeito de passado misterioso e que muito aos poucos vai se desenrolando.

    As primeiras cenas de Neale mostram a sua intimidade, quando está parado dentro de uma casa. Já se nota a diferença dele para os ditos “normais”. Antes mesmo do filme apresentar seus plots de falsas acusações de assassinato para o sujeito, é como se a estranheza fosse o norte do roteiro Selton I. Miller escreveu para que o austríaco Fritz Lang dirigisse. Certamente esse é o mais desconfiado filme dessa fase que o diretor de Metropolis conduziu até então, não é tão explicito quanto Os Carrascos Também Morrem ou O Homem que quis Matar Hitler, mas mostra o mesmo viés condenatório dos extremistas a direita.

    Neale ficou internado durante um bom tempo, em um hospício, graças a acusação de ter assassinado sua esposa. O retorno a sociedade, que deveria ser tranqüilo acaba não sendo, ele se vê invadido por pensamento, entre eles, pensamentos suicidas. Ao tentar voltar a normalidade, ele se vê no meio de uma estranha trama, em um circulo interno que remete a estranhas conspirações e a cultos de seitas igualmente bizarras,  onde ocorre um assassinato e por conta de seu passado, ele é acusado de ser o homicida. Até esse aspecto serve de crítica a sociedade, que pre julga o cidadão sem qualquer prova de culpa ou algo que o valha.

    Entre tentativas de fuga do estado depressivo e melancólico que o sujeito está, moram tentativas de viver uma vida normal, e um flerte que faz com uma bela moça, ele visita um homem já idoso, e lá ele tem contato com um estranho livro, Psicologia do Nazismo, do Doutor Forrester. A partir dali ele passa a pensar em sua própria  situação psicológica, e na conversa com a moça surge uma inocente (e nonsense) conversa sobre espionagem dos nazistas.

    Neale é um personagem simbólico, fruto de seu tempo, acometido pela paranoia típica dos tempos bélicos. É o perfeito exemplo do homem comum que se vê  confuso pelos tempos difíceis e que quase sucumbe ao discurso conveniente e cheios de respostas prontas que provém da fala fascista. Seu drama se encaixa bem na dificuldade que a opinião pública mundial sofreu durante a ascensão do Eixo, e mostra de maneira até um pouco didática como funcionava a cabeça da maioria das pessoas. A influencia nefasta dos que seguiam as ordens do III Reich causava furor na mente do cidadão comum, e deixava o mesmo num estado de alerta tão intenso que qualquer mínima pulsão gerava a sensação e loucura e a vontade de não existir.

    O nome original de Quando Desceram as Trevas é Ministry of Fear, e a tradução literal certamente encaixaria bem, não só com toda a trama de espionagem do filme, mas também com as representações  por ele levantadas, e com o estado mental geral do planeta naquela época, dos filmes que Lang conduziu no esforço anti guerra esse talvez seja o mais diferenciado e inusual, falando de maneira profunda sobre os malefícios do fascismo mas não de uma maneira obvia ou meramente panfletaria, e sim bem emocionante e tocante, mesmo que lance mão de velhos clichês românticos para atrair um público mais universal.

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  • Crítica | O Homem Que Quis Matar Hitler

    Crítica | O Homem Que Quis Matar Hitler

    Clássico de 1941, como parte do esforço hollywoodiano contra a Segunda Guerra Mundial, O Homem Que Quis Matar Hitler é um longa de Fritz Lang, que começa silencioso, com  um homem, que é chamado de  Thorndike (Walter Pidgeon) no meio da floresta, aprontando sua arma escondido, mirando na cabeça do Fuhrer, isso tudo ocorrendo sem que haja qualquer barulho, música ou som que não seja o que é produzido pela arma ou pelo ato de carrega-la com munição. Ele é impedido, por um guarda nazista, que  tenta espancar ele, e o que se vê  nos 105 minutos de filme é uma investigação sobre o caso.

    O roteiro de Dudley Nichols, baseado no livro Man Hunt de Geoffrey Household explora a partir dali toda uma discussão e estudo para descobrir quem poderia ter sido o mandante da tentativa de assassinato, e o capitão Thorndike vira obviamente testemunha chave do caso. Ao ser indagado sobre seus motivos, ele é bastante evasivo, diz que só pratica tiro a distância. O objetivo da policia nazista é associar a tentativa de alvejar o austríaco com um ato do governo britânico, mas eles não conseguem.

    Um pouco diferente do visto em Os Carrascos Também Morrem, aqui ainda há um julgamento mais tímida da figura de Adolf Hitler, embora, pela boca de Thorndike saiam impropérios mais pesados, igualando ele a um megalomaníaco com complexo de Cesar. Há um cuidado especial em sempre apresentar opiniões controversas  pela boca dos personagens que não tem qualquer desejo de parecer isentos, dessa forma, caso Lang ou qualquer membro da produção fosse enquadrado em terras germânicas, poderiam afirmar que aquelas posturas eram individualizadas por personagens ficcionais, e estariam certos, embora pensassem da mesma forma.

    Há espaço é claro para um romance bobo e água com açúcar, que toma boa parte da duração do longa. A tentativa de humanizar os personagens é válida, mas são nas conversas sobre as intenções políticas de Torndike que moram as maiores provas de que ele é destrutível e falível. Toda a conversa que ele tenta passar, afirmando que não tentou matar o líder nazista e que só estava mirando por uma curiosidade esportiva de caça não faz qualquer sentido, mesmo em uma época onde a malícia não era tão escancarada quanto no século XXI. A paranoia da Guerra não permite isso, ainda mais em um país onde impera o reacionarismo e o autoritarismo da extrema direita. O povo está o tempo todo tenso, assim como as autoridades e os militares, não há como driblar isso, nem ludibriar o senso comum neste sentido.

    A tensão é guardada para os momentos finais, onde o herói da jornada é enquadrado por um vigilante defensor do partido nacional socialista, que não crê na inocência do mesmo, e finalmente tem coragem o suficiente para encarar ele. Após um combate que apesar de comedido em violência, é carregado de significado, mostrando um homem acuado contra outro que tem toda a chance de matá-lo, e ainda assim tendo algum tipo de soberania.

    O final de O Homem que quis matar Hitler é pontuado com chamadas de propagandas de chamadas de guerra de cunho anti nazista e contra o Eixo, mostrando o personagem principal despertando e se preparando para a guerra, cumprindo as suspeitas de que seu ato foi sim um manifesto bélico. As sutilezas que Lang impõe em seu filme tem um cuidado e um acuro enorme, as precauções em não parecer explícitos são justas e servem bem ao espectador atual que quer  entender como funciona a cultura em tempos de extremismo, como o cinema pode e deve comunicar com o povo, com os que formam as nações e com a aldeia global, uma vez que a sétima arte tem um caráter universal muito forte.

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  • Crítica | Os Carrascos Também Morrem

    Crítica | Os Carrascos Também Morrem

    Os Carrascos Também Morrem é um longa-metragem do lendário diretor  austro-húngaro Fritz Lang, famoso por conduzir Dr Mabuse, Metropolis e M, Vampiro de Dusseldorf,. Lançado em 1943, a obra fez parte do esforço hollywoodiano anti guerra, ocorrido com o conflito ainda sem resolução. A historia se passa em Praga, atual território tcheco e que na época era da Tchecoslováquia, e seu ponto de partida é a morte de um famoso torturador, Reinhard Heydrich, que era bastante temido pela sociedade, mesmo para os locais tomados pelo exercito nazista, e claro, odiado pela maioria, em um comentário bem pontual e inteligente do roteiro sobre os parâmetro de Maquiavel no livro O Príncipe.

    Há dois fatores dignos de nota e que chamam a atenção do espectador. O primeiro, é que após o letreiro que explica toda a situação social e política daquela época, onde se registra claramente o incômodo que são os soviéticos para o exercito de Hitler e seu avanço no combate ao fascismo, e o segundo é a comoção da população com a morte de Heydrich, onde há comemorações bem efusivas, claro, longe dos olhos da autoridades e da Gestapo. É incrível como mesmo não aparecendo em uma cena sequer, se sente a presença do personagem.

    Ainda no início da historia se percebe um uso de trilha sonora bem sensacionalista, às vezes até intrusiva, fator que faz manipular um bocado as emoções, o que é natural, dado que é um filme de estética e narrativa de uma Hollywood ainda embrionária, ainda sem o conceito de filmes tão populares quanto os blockbuster e que lançava mão demais de personagens estereotipados e de arquetipos, o que (novamente) não é um problema, pois o caráter do filme é tornar universal e comum a jornada de paranoia do filme. Personagens do triangulo amoroso entre Doutor Franticek Svoboda (Brian Donlevy), Masha Novotny (Anna Lee) e Jan Horak (Dennis O’Keefe) servem para humanizar o povo, em especial os que formam a resistência aos nazistas, bem como o pai de Masha, Professor Stephan Novotny (Walter Brennan) que é um homem da educação e que não à toa, é culpado por um crime conspiratório que não tem absolutamente culpa nenhuma.

    A história que Bertold Brecht e Lang escreveram – cuja adaptação para roteiro foi de John Wexley – mostra uma família em frangalhos, graças a mentalidade punidora e castradora da policia nazista. Homens uniformizados, que cumprem ordens e parecem só ter o mal como norte de comportamento impingem ao povo uma sensação de prisão em sua própria pátria. A ocupação, autoritária e ideológica  causava temor, mas não matava a vontade de libertação dos residentes do país.

    A falta de tridimensionalidade do povo pode ser facilmente explicada pela pressão autoritária dos invasores alemães. Os membros das oligarquias vivem em suspenso, em uma realidade quase alternativa, onde eles estão anestesiados, onde não há direito a ideologia ou a qualquer modo de pensar minimamente diferente da ideia estatal do que é certo, correto ou ordeiro, e isso é muito bem construído tanto nos diálogos e interações dos que investigam o assassinato do início do filme quanto os que querem fugir das acusações, além é claro de aludir a paralelos mais atuais, e bastante incômodos, fazendo obviamente temer pelo pior, em especial no espectador mais progressista, que teme que o levante reacionário hiper autoritário que tomou o mundo na última década faça repetir os momentos de intolerância dos anos quarenta do século XXI.

    Há uma única exceção ao engessamento do comportamento humano e a lógica de modo de viver artificial, o astuto e carismático Inspetor Alouis Gruber  , de Alexander Granach, um homem que mesmo diante do autoritarismo seus e dos colegas, segue como o mais humano,  errático e bon vivant dos personagens, desafiando a lógica que muitos opositores ao Eixo tinham de que os nazistas eram monstros desumanos. É importante demarcar isso, até para que as gerações que não viveram esses dias sangrentos tenham noção de que  foram pessoas de verdade que aderiram ao pensamento e comportamento nazista, assim como os apoiadores indiretos da causa, como a pequena burguesia, simbolizada pelo granfino Emil Czaka, executado por sua vez por um Gene Lockhart quase tão inspirado quanto Granach.

    Durante as mais de duas horas de filme, há a repetição de um anúncio escrito propagandista curioso, Se serve a Hitler, serve a Alemanha,  se serve a Alemanha, serve a Deus, e esse slogan denuncia o aspecto religioso que boa parte dos revisionistas – os mesmos que visam a desinformação do povo através de inverdades de cunho absurdo – acusam a Alemanha hitlerista tinha, e Fritz Lang, como bom “filho de sua pátria” (o cineasta viveu a maior parte da sua vida na Alemanha) torna explicito o quão perigoso pode ser o apelo ao discurso religioso e lugar comum, reafirmando que quando essa fala é dita, na maioria das vezes, se esconde uma armadilha ideológica excludente e que contradiz inclusive esses preceitos religiosos, que a priori, pregam tolerância e amor ao próprio, e não a perseguição a quem discorda da suposta maioria.

    Os Carrascos Também Morrem é irônico, lento e muito tenso. A música cantarolada pela resistência,  de refrão  No Surrender é arrepiante em cada uma de suas performances, mesmo quando tem um cunho didático e teatral, e a abordagem que Lang emprega beira o poético,  em especial no final, quando mostra os momentos derradeiros de doutor Novotny. O destino de Szacka também é exemplar, e mesmo em segundo plano, tem um papel fundamental de escrutinar como o apoio burguês/ liberal a regimes fascistas funcionam,  dando um ponto final justificado, que incorre claro em um moralismo, mas que funciona narrativamente, tão bem calculado matematicamente dentro do drama, que faz lembrar a mentalidade teatral de William Shakespeare. Há muita coragem no esforço de Lang em realizar um filme como esse nessa época,  mas não é surpresa dados os filmes que ele fez dos anos 30 até 43, principalmente por explicitar o fracasso nazista e o assumir das autoridades nesse sentido, claro, acompanhado de No Surrender, nos créditos finais, que demarcam bem a principal das mensagens do filme.

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  • Crítica | A Espiã

    Crítica | A Espiã

    Em Israel no ano de 1956, começa o drama do filme de Paul Verhoeven, acompanhando um grupo de excursão turístico, a terra “sagrada”. Após um encontro inesperado, entre duas mulheres que haviam se conhecido anos atrás nos Países Baixos, o roteiro retorna a Holanda, em Setembro de 1944, onde Rachel Stein (Carice van Houten), uma das mulheres que aparece na primeira parte, mora. Ela é uma cantora judia escondida, e em uma tarde comum vê sua casa ser alvejada por bombas alemãs.

    Rachel não se assusta com  tentativa que fizeram de cercear sua vida, ao contrário, logo após sua casa ser obliterada, ela está sorrindo, ao se encontrar com um homem a quem tem interesse. Incrivelmente Verhoeven emprega um pouco da sua visão estilizada da violência na vivência da  personagem principal, a fez ser um pouco alienada aos reais perigos que sofre, e isso serve bem de paralelo a letargia com que boa parte da opinião pública tratava o governo extremista de Adolf Hitler e sua força governamental do III Reich, fingindo que havia normalidade ou tão somente não percebendo legitimamente que o perigo ronda o mundo.

    Da parte dos soldados alemães, há muito  pragmatismo. Eles são violentos, alvejam um barco repleto de judeus, roubam seus pertences mais caros, como ouros, jóias, relógios caros. Perceber que o mundo não é o paraíso super  colorido onde cantar seria uma ocupação boa o suficiente para conseguir se sustentar e para se ver segura das ações dos  nazistas, ela se junta a resistência, pinta os cabelos de loiro, e muda o próprio nome para Elis de Vries. Lá, ela encontra Hans (Thom Hoffman), um homem que trabalha infiltrado entre os militares alemãs.

    É engraçado como as marcas do cinema satírico do diretor holandês seguem vivas, e ainda permeiam seus produtos mais recentes, mesmo os mais sérios, e não baseados em ficção científica ou em conceitos de super heróis. O tiroteio que ocorre dentro de um armazém lembra demais as trocas de tiros dos Westerns Spaghetti, onde os mocinhos não levavam uma bala sequer mesmo estando em menor número, ao passo que os heróis matam todos com facilidade.

    As partes que mostram relações sexuais também tem um tom caricatural, onde  a nudez  da bela Carice Van Houten é aplacada por uma hiper sexualização tão falsa que parece as fitas de sexo armado antigas, completamente inverossímil. É como se estivessem todos frios, acima da linha da alienação, em animação suspensa esperando o transe de um mundo em guerra acabar, para então, dar prosseguimento a suas vidas.

    A sensualidade que Rachel / Ellie é utilizada para ludibriar os oficiais nazistas, em especial Ludwig Muntze (Sebastin Koch), que passa a se interessar mais por ela, de maneira sexual é claro. Toda a forma como eles se relacionam varia entre a fantasia assexuada, com os participantes do sexo nus que mal se tocam, ou tensos o suficiente com a guerra, ao ponto de não sentirem vontade sequer de chegar ao ápice do gozo. Embora não seja explicito, o estado belicista da nação alemã atrapalha até a libido de seus oficiais, que são mostrados de maneira impotente e patética, a nudez dos homens é digna de risos, e seu desempenho na cama é motivo de piadas para as mulheres, os homens da SS e da Gestapo não tem força ou saúde para se manterem eretos por muito tempo, tampouco conseguem deixar seus pares satisfeitos.

    A espionagem dentro desse universo semi realista de Verhoeven não possui glamour, tal qual as práticas dos nazi-fascistas. Os vilões são mostrados como devem ser, como figuras malignas, dignas de desprezo, motivos de riso quando tentam se manifestar de maneira artística, grotescos e estranhos, capazes de serem cruéis com seus opositores e de não ter qualquer pena ou receio de alvejar todos que se opõem a eles. Não se suaviza ou deusifica a imagem dos que teimam em compor resistência contra o reinado de terror de Hitler, ao contrário, a maioria dos personagens bons e éticos tem suas vidas precocemente encerrada, de maneira agressiva, normalmente cuspindo ou transpirando sangue em cenas que não tem nada de poético, ao contrário, o gore plastifica a maior parte das perdas e homicídios.

    O roteiro de Gerard Soeteman e Verhoeven é repleto de reviravoltas, e é incrível como num período curto de tempo, em apenas 145 minutos se referencia todo a crueldade dos extremos de direita, a violência decorrente dos que compuseram a resistência, além de mostrar Ellis sendo humilhada, por pessoas que sofreram nas mãos dos alemães, relegando a ela o papel de traidora e indigna. Na visão do filme, o fascismo é um evento e uma ideologia tão nefasta, que é capaz de invocar os instintos mais primitivos da humanidade, tornando normais práticas de violência extrema, seja física, verbal ou sexual, afinal, parte do pensamento é o de desumanizar.

    A dificuldade em resgatar a sua real identidade faz o drama de Ellis/Rachel muito forte, carregado de força e emoção. É nesse ponto que o filme deixa de ser maniqueísta e uma crítica a hipocrisia geral dos países quando estão em guerra, para falar sério e de maneira direta ao espectador. A personagem é complexa, mesmo seus atos de vingança são justificáveis, ainda que possam ser facilmente confundidos com justiçamento barato, ou revanchismo gratuito. Quando ela tem de matar, a mulher só aperta as saídas de ar do caixão onde está um dos que a traiu, deixando que a falta  de ar se encarregue de levar a vida de um homem que se sujou e se corrompeu por pouco, e que fez uso das mesmas artimanhas escusas que os nazistas.

    A Espiã ataca obviamente a o fascismo dos alemães e europeus que engrossaram as fileiras do Eixo, mas também julga problemática a mentalidade belicista que até hoje move os filhos de hebreus e os que formam o atual Estado de Israel, em uma breve porém não ignorável referência no final, já de volta a linha do tempo dos anos 50, onde o refúgio dos parentes e sobreviventes da Guerra, é altamente armado e cercado de arames. Para Verhoeven, a violência é um processo e estilo de vida cíclico e inevitável caso chegue a ser vivido, e a guerra ou o sentimento bélico se retro alimenta baseado na paranoia do conflito, e paranoia não representa nada além do desejo reprimido de vingança ou justiçamento, e essa mensagem é profunda demais para ser ignorada ou posta de lado.

    https://www.youtube.com/watch?v=hQCy1oAD2lE

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  • Crítica | Conspiração

    Crítica | Conspiração

    Lançado para a televisão, dirigido por Frank Pierson, Conspiração foi um filme lançado em 2001, que começa com a arrumação de uma casa em Hansee, no subúrbio de Berlim, onde ocorre a preparação para a chegada de alguém importante. Serviçais e empregadas abrem lençóis, servem mesas, varrem o assoalho e preparam comida suficiente para um banquete. Quem está organizando esse evento, é Adolf Eichmann, personagem de Stanley Tucci que aliás, está muito bem fazendo um anfitrião que aparenta calma e apatia mas que esconde uma enorme tensão e expectativa pelo encontro que ocorrerá. Eles esperam a chegada de Reinhard Heydrich (Kenneth Branagh) um general da SS que liderará uma reunião sobre o futuro da guerra, ao menos no que tange o Reich.

    O filme é muito baseado em seus atores. Tucci está muito a vontade, mostrando que sua ansiedade não é só com o rumo de sua vida futura, mas obviamente também dos rumos da guerra, que  serão de certa forma decididos naquela refeição/reunião. Se nota o senso de urgência no semblante do ator ítalo-americano, assim como se percebe uma altivez na versão que Branagh entrega do chefe do exercito alemão.

    Há uma certa  demora na chegada dos integrantes da reunia, e uma enorme liturgia na recepção dos mesmos. O modo como cada um deles é apresentado mostra não só a importância do ajuntamento, mas também que segredos muito grandes estão para ser discutidos. Outro aspecto que deixa isso muito claro é a câmera, que fica bem próxima dos convidados, e vez por outra varia rapidamente entre os ombros de uma pessoa para logo depois passear pelo rosto e corpo da pessoa que está no hemisfério oposto.

    Um dos personagens que logo de cara parece importante, é o Dr. Wilhelm Stuckart (Colin Firth), mas só se nota realmente qual é sua importância quando as conversas começam a ficar mais séria. Conspiração é claramente um filme de diálogo, com  boa parte dele se passando em conversas durante o jantar e pelas estratégias, mas se seu título fosse Consenso, não seria estranho, uma vez que a maioria dos assuntos “debatidos”, são simplesmente impostos se não houvesse vozes dissonantes ali, embora haja um ou outro incômodo por parte dos mais escrupulosos.

    O começo das conversações é sobre coisas e eventos triviais, não há nada muito fora do ordinário. Tendo ciência dos rumos da guerra, da humilhação imposta aos judeus, as mortes que foram causadas. Ver discussões sobre gastos, sobre organização ou sobre o que será ou não consumidos nos territórios e nas estalagens militares é bizarro, especialmente por que os personagens, com a pompa de serem homens importantes falando como se fosse normal o fuzilamento de judeus ou de meio-judeus é no mínimo estarrecedor. Tentar amenizar isso beira o irreal, no entanto é fato que aconteceu e é fato que a historia se repete nesse sentido, de se normalizar certos tipos de comportamentos extremos, como se não houvesse qualquer incomodo ou erro nesse tipo de comportamento quando a segregação deveria só ser combatida por qualquer tipo de liderança de esquerda ou progressista, ou conservadora e direita como é com os alemães.

    Se demora mais de um terço do filme para haver a primeira discussão mais incisiva, quando um dos generais diz que não vê necessidade em exterminar os judeus nos campos ou cidades, quando “só” expulsá-los seria o suficiente. Também se tenta passar como lei a regra de esterilização dos judeus, como método para controlar o estado de saúde na Polônia e outras nações  que  fazem parte do território sob as ordens de Hitler.

    Mesmo com toada a frieza nas discussões e na leitura dos relatórios de quantos morreram nas câmaras de gás, há de se lembrar que se tratam de homens, de pessoas de carne e osso, que tem alma, que fazem suas necessidades como quaisquer outras e que não tem (em sua maioria pelo menos), qualquer receio de parecer ou não monstruosos. Conspiração termina sem muitas viradas narrativas, é um filme de diálogo e que precisa muito do desempenho de seu elenco, que aliás, está afiadíssimo. Antes dos créditos finais, é dito o destino de cada um dos que lá estavam, e se nota impressionantemente o quão pequenas foram as penas de todos, e talvez essa historia jamais tivesse chegado ao conhecimento geral caso houvesse esforço de procura de registros e investigação para muito além do Tribunal de Nuremberg.

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  • Crítica | Fascismo de Todos os Dias

    Crítica | Fascismo de Todos os Dias

    Libelo do cinema soviético lançado no ano de 1965, Fascismo de Todos os Dias (conhecido anteriormente como Fascismo Ordinário) é um filme de Mikhail Romm, narrado de maneira bem óbvia e elementar, para demonstrar até ao espectador mais desatento e incauto como funciona o pensamento e modus operandi segregador do pensamento extremista via direita. Seu começo é tímido, mostra pessoas  comuns, pela ruas, em registro sem cores, se elucubra um pouco sobre a classe média, as relações, trocas de caricias e sensação de pertencimento aos grupos sociais.

    Antes de mergulhar em qualquer argumento político que fuja do geral e genérico, são mostrados desenhos infantis, em homenagem as mães dos pequenos, mostrando a admiração inconteste dos filhos a suas progenitoras, para logo depois, mostrar corpos desfalecidos de judeus, que morreram com suas famílias. Esse trecho não contem falas, as imagens mostram por si só que ter família não fazia com que os descentes de hebreus fossem vistos como entes detentores de humanidade.

    O filme é dividido em capítulos, e um deles se dedica a falar de Minha Luta (Mein Kampff), livro de Adolf Hitler. Nesse momento, a  narração do próprio Romm se permite o humor de dizer que caso ele tenha sido lido antes, pelos que votaram na Alemanha, certamente o Fuhrer não se tornaria chanceler, e por mais irônico que seja, é real também. O filme claramente tem um viés e um lado político anti nazista, de esquerda e comunista e não tem receio de não ser assim, e até por ser extremamente livre de isenções e opinativo, serve bem a desconstrução do pensamento raso,  que falaciosamente associa o Nazismo a esquerda.

    O filme debocha de figuras de poder do Partido Nacional Socialista, principalmente Hitler, ao analisar uma imagem sua, bem populista, cavando um buraco de terra numa obra, em um movimento que claramente não é o de quem está acostumado a pôr a mão no arado, em uma pá ou em qualquer instrumento de trabalho braçal. Isso faz um paralelo com a atualidade, com atitudes de lideranças pseudo carismáticas, que praticam muitos atos supostamente populares para angariar afeição do público e do eleitorado. A tática é velha como o mundo, comum não só a figura de Hitler, mas de tantos outras lideranças, e agride os olhos de quem é minimamente atento.

    A parte 2 do documentário começa mostrando crianças com brinquedos, na rua, variando entre jogos lúdicos, desenhos, e até provas onde as mesmas fazem sinais da suástica, ou colocam a saudação Heil Hitler textualmente em provas ou nos simples desenhos que fazem. Para boa parte da gritaria geral atual sobre as escolas partidarizarem ou não seu ensino, certamente os métodos do Ministério da Educação alemão fariam escandalizar caso fossem implementadas, no entanto os outros métodos de tática fascista que são empregados pela parte reacionária e mais radical da população e dos governos que pensam assim não assusta, especialmente quando o alvo são os ditos adversários políticos desses. Aparentemente a humanidade não evoluiu tanto quanto se pensava ou imaginava, especialmente no que tange o flerta com o fascismo em versões teoricamente mais suavizadas.

    O capitulo XX tem o título de Fascismo Ordinário, e utiliza uma música alegre para mostrar os corpos dos judeus e o deboche que as tropas nazistas tinham com esses adversários, variando entre cenas de violência física e sexual, com mulheres sendo humilhadas, crianças sendo maltratadas, e idosos em posições péssimas, com cenas dos militares nas praias, recreando. Enquanto uma parcela da população brinca e se diverte (mesmo com a guerra ocorrendo), outros tem toda sua liberdade destruída e toda sua dignidade zerada. Não há o que se reclamar em relação a panfletarismo, Romm acerta demais no didatismo das informações que traz, é preciso mesmo expor a fraude que o Reich era, e é desolador encontrar parelelos disso com a atualidade.

    O final de Fascismo de Todos os Dias é perturbador, envolva a narração de uma criança, sem legendas, invocando uma linguagem de impossível compreensão para adultos, variando as imagens entre as vitimas do holocausto, lembrando que a aura de normalidade permeou o governo nazista, e nem por isso o estrago e a chacina foram freadas. Por mais sensacionalista que o filme seja, é totalmente valido que ele seja assim, afinal, é importante denunciar as novas faces desse tipo de pensamento e ideologia, até para que se evite repetir essa historia.

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  • Crítica | Um Bom Homem

    Crítica | Um Bom Homem

    O filme do brasileiro Vicente Amorim,  diretor de Corações Sujos e do recente Motorrad, começa com uma viagem de John Halder, o personagem de Viggo Mortensen, que viaja para Berlim durante o ano de 1937 para um encontro cientifico do Reich. O idioma predominante do longa é inglês, tal qual a maioria esmagadora maioria das adaptações estadunidenses a historias passadas na Europa.

    Ja no início percebe-se que Halder fica pouco a vontade com os ritos nazistas. A saudação Heil Hitler que ele faz a Bouhler (Mark Strong) é completamente torta. É curioso como a sua rotina, de professor e pai de família cuja clã passa longe da nobreza é completamente diferente da postura totalitária e supremacista dos tiranos nazistas, dos membros de alto, médio e baixo escalão. Sua disciplina, literatura, prima pela cultura, e a câmera mostra antes dele ter todo o seu conjunto de estudos mudado a força – recomenda-se que ele ministre Marcel Proust – ele vê a força policial empilhando livros na rua, para a queimada que era comum ao Regime, e que foi bem  apontada como prática estatal da utopia de Ray Bradbury, Fahrenheit 451. Não demora nem 10 minutos para perceber o quanto ele não encaixa naquele estilo de vida.

    Halder está escrevendo um romance, e se refugiar na literatura ou em outra arte é o ideal para ter alguma alternativa mental e ideológica que faça esquecer um pouco da situação terrível pela qual passa o país. Maurice, interpretado por Jason Isaacs verbaliza isso, essa sensação de infortúnio e agonia, e acrescenta adjetivos a figura do chanceler e líder da nação que Adolf Hitler foi, isso tudo antes até do conflito da Segunda Guerra ocorrer.

    Halder, sob pressão,  acaba se afiliando ao Partido Nacional Socialista, fato que deixa Maurice nervoso, apreensivo e decepcionado com ele. É curioso como a ascensão política do protagonista se dá exatamente quando ele dá vazão a um relacionamento extra conjugal com uma aluna. John se acha justificado ao lado dos conservadores exatamente por ir na contra mão da tradição, família e propriedade, sendo infiel em seu matrimônio, no entanto essa super correção afeta diretamente seu melhor amigo,  uma vez que Maurice tem origem hebraica.

    O homem bom do titulo brasileiro – não muito diferente do original, Good – se refere ao quão frágil e mentirosa é a caracterização do cidadão de bem, já nos anos 30 do século XX, como atualmente. O comportamento conservador e de alto controle sobre os atos da população esconde uma postura hipócrita de super correção para terceiros onde os poderosos e mandatários não praticam as mesmas coisas. John ao se aliar ao partido e ao permitir ter seu nome vinculado a SS, mesmo que simbolicamente, o faz padecer de um apoio a tirania de maneira irrestrita quase. O silêncio dos bons aumenta o coro dos maus, e ser conivente com o intolerante além de fortificar essa intolerância, endossa o completamente de uma forma que em ultima analise se torna também uma forma de exclusão e opressão também.

    Muitos críticos defenestraram Um Bom Homem por associar uma indiscrição sexual amorosa com o flerta ao fascismo, no entanto a associação que o roteiro de John Wrathall (baseado na peça C.P. Taylor) claramente não parece ter essa intenção, e sim de demonstrar o quão egoísta o homem pode ser e o quão hipócrita é a faceta dos moderados ou pseudo moderados que apoiam regimes extremistas em troca de benefício próprio. John é mesquinho e egocêntrico, mesmo começando o filme com ótimas intenções. A confusão mental pelo qual ele passa nos últimos 25 minutos é uma boa prova disso, que ele se deixou corromper pela benesses do poder, incluindo aí a facilidade em esconder um caso que teve e que com o tempo, simplesmente perde importância para si.

    O maior legado do filme é denunciar como não se pode subestimar em momento nenhum o poderio e o fascínio que o fascismo faz com quem está no poder, tampouco achar que as autoridades que se munem desse pensamento e ideologia são inofensivas. Não há banalidade ou humor nessas posturas absolutistas, e o preço para quem não fica vigilante e para quem se isenta de responsabilidades, é o de ser igualado em caráter e comportamento aos executores. Toda essa mensagem é bem traduzida graças a entrega de Mortensen e Isaacs, mas também ao cuidado de Amorim com a sua incursão no cinema estrangeiro, conseguindo trazer um filme equilibrado, driblando até a questão obvia do melodrama absurdo, denunciando o autoritarismo com uma carga sentimental bem forte.

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  • Crítica | Amém

    Crítica | Amém

    As primeiras cenas de Amém mostram Stephan Lux (Ovidiu Cuncea), um homem caminhando pelos corredores do que parece ser um lugar público, com arquitetura clássica, mas antes dele adentrar o interior da Liga das Nações de Genebra, ele calibra um pequeno revolver, e o guarda em seu terno. A postura resoluta, a roupa social e os papéis que distribui destoam demais de sua postura. Ele dá um discurso inflamado, denunciando os maus tratos que ocorrem naquela época, com os judeus, então encerra a própria vida em um ato simbólico, com um tiro no coração.

    Constantin Costa-Gravas e seu corroteirista Jean-Claude Grumberg não inventaram esse episodio, Lux era um jornalista tcheco, e ele realmente se suicidou na Suíça em 3 de Julho de 1936 para alertar o mundo sobre o antissemitismo alemão. Em seus últimos momentos ele grita C’est le dernier coup, que se traduziria para Este é o golpe final, e o filme faz questão de logo após isso, mostrar todo uma marcha pelas ruas do país sede do Reich, louvando a suástica e o modo de vista ideológico da extrema direita, mostrando um estado forte, que oprimiria inclusive com Kurt Gerstein (Ulrich Tukur), um tenente que aos poucos ascende no exército nazista mas que tem a reprovação de sua esposa nesse esforço bélico.

    Gerstein é um cientista, seus serviços militares se limitam basicamente a falar sobre um gás que ele desenvolveu para matar animais, o chamado Zyklon B. Em paralelo a isso, alguns outros tipos de manifestação aparecem em primeiro plano também, como a organização dos religiosos, capitaneados pelo papa que Marcel Iures interpreta. Aos poucos, o religioso vai inflamando mais e mais seus sermões, pregando contra a intolerância reinante. Não demoraria para o destino dos dois homens se encontrar.

    Com apenas vinte minutos, o cientista percebe para que fins a SS e Gestapo usariam o gás que ele desenvolveu para matar pessoas. Ele não demora a começar a falar – até abertamente – sobre o mau uso de sua descoberta, e obviamente ele tenta trazer isso a antigos amigos, pessoas que combatiam os nazistas dentro da Alemanha, mas com a chegada da Guerra a prioridade passou a ser contra-atacar os inimigos, e não corrigir desmandos governamentais e crimes de intolerância.

    É evidente que um período de guerra move todas as atenções para o front, e que preocupações mais triviais deixam de ser prioridade, mas igualar o massacre a todo um povo e classe a algo menor e desonesto em um nível absurdo. O estado bélico altera o bem estar social, e serve também para esconder atos tirânicos, normalizando uma série de atos, que passam a ser mais aceitáveis por conta do regime de exceção, mas quanto mais o tempo passa, a opinião pública internacional vê com maus olhos a isenção da autoridade papal. Afirma-se categoricamente que a isenção diante da injustiça é uma forma de apoio a intolerância.

    Há uma sensação de agonia que invade o espectador ao assistir o drama que Costa-Gravas propõe. Todos os esforços do protagonista em denunciar a gravidade da segregação e dos assassinatos é recebido com desculpas da parte dos poderosos de que aquela não é a área de domínio dos mesmos. O jogo de empurra prossegue

    Chega a assustar o fato de somente o padre Ricardo Fontana (Mathieu Kassovitz) ter disposição para enfrentar a tirania e o lugar comum, ao apoiar a tentativa de Kurt. Amém é lento, sua historia se desenrola de modo tão gradual que causa até agonia em alguns momentos, mas essa letargia é bem pensada, pois alem de refletir a letargia dos homens poderosos que poderiam se opor ao triste regime, ainda registra muito bem a alienação geral que ali ocorre.

    Os momentos finais do longa variam entre a apreensão com o que o destino reservaria a Ricardo, e claro, se Gerstein conseguiria ou não seu intento, no entanto, isso tudo é conduzido de maneira demasiada morna, o que não seria um problema, já que se trata de uma historia real, mas se Costa-Gravas não procurou eximir seu filme de drama, poderia é claro ter dado mais emoção às curvas finais. Ainda assim, a resolução tendo pés fincados no realismo traz uma boa mensagem, com um letreiro no final, afirmando que o relatório serviu como matéria de comprovação do holocausto, e Gerstein sendo absolvido vinte anos depois de finalmente entregar os papéis.

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