Tag: Nazismo

  • Resenha | Era Uma Vez na França – Volume 2: O Voo Negro dos Corvos

    Resenha | Era Uma Vez na França – Volume 2: O Voo Negro dos Corvos

    No primeiro Era Uma Vez em França, publicação da Galera, selo da Editora Record, que inaugura praticamente todas as qualidades mantidas neste segundo volume, conhecemos a origem de um esquema de comércio ilegal na França dos anos 40. Agora presenciamos no máximo de realismo possível o início da sua queda. É notório o quão imortal toda raposa se considera, em suas tramoias e pulos para enganar a todos, sendo esta noção a grande mentira que sempre as derrota. A soberba de Joseph Joanovici o fez de sucateiro a bilionário, e ao se juntar com os nazistas de Hitler, traiu-se a abusar da própria sorte, da própria lábia que, por fim, custou-lhe tanta coisa.

    De simples operário judeu, Joseph transformou uma oficina imunda de metais em Paris, num monopólio de tráfico de materiais para as forças alemãs, no auge da Ocupação na França. Mesmo sendo judeu, oficiais de Hitler aceitam a matéria-prima de Joseph devido a ótima reputação do comerciante, cheio de contatos e amigos na Gestapo que usavam a suástica em seus braços uniformizados. Seguro de suas “amizades”, Joseph é motivado não apenas pelo dinheiro (e ouro) que recebe das forças inimigas da França como um grande traidor da pátria, mas em especial do senso de responsabilidade para proteger sua esposa e duas filhas da perseguição aos judeus. Tudo que uma cobra precisa para dormir em paz é de apenas um motivo para seguir sua natureza.

    Se antes de 1940, tudo ia de vento em popa para o imigrante russo acolhido em solo francês, com Hitler mandando no jogo, o tempo virou e a tempestade parecia iminente para Joseph. Escondendo cada vez mais sua família, tudo ficou incerto e suas alianças comerciais mostravam-se mais perigosas que a sua própria moral. Eis aqui um típico livro ilustrado para desmentir os muitos que dizem que HQ é coisa para criança: neste segundo volume de Era Uma Vez na França, os autores ilustram com total verossimilhança a queda do mercador judeu, baseando-se sobretudo nos eventos históricos que moldaram sua vida, e a Europa, para transmitir elegantemente o suspense e o drama daqueles que sobreviviam (ou não) a uma Paris sitiada pela opressão negra e vermelha. Grande publicação.

     

  • Resenha | Era Uma Vez na França – Volume 1: O Império do Senhor Joseph

    Resenha | Era Uma Vez na França – Volume 1: O Império do Senhor Joseph

    O subtítulo do volume um de Era Uma Vez na França faz justiça a todo o estudo fenomenal de personagem revelado em 56 páginas, mais velozes do que deveriam ser – o que nos convida a releitura. Atuando como um grande flashback dividido em várias épocas, conhecemos a fundo a ascensão d’O Império do Senhor Joseph, que junto de sua esposa Eva e sua fiel assistente Luci, alcançaram grande influência na máfia francesa e na área de mineração do país, ainda na primeira metade do século 20. A biografia de Joseph Joanovici desvenda a figura de um genuíno homem de negócios, uma raposa refugiada da Romênia (após ter seu pai judeu decapitado), cuja paternidade e fidelidade com a esposa Eva não eram seu forte, e que o culpariam para sempre.

    Remetendo em vários momentos, e de uma forma inevitável, a sequência de O Poderoso Chefão, na qual o jovem imigrante Vito Corleone galga seu caminho na América entre muitos crimes e ameaças de morte até o topo da máfia italiana, aqui Joseph e Eva chegam a França sob um total desamparo. Contando apenas com o tio de Eva, logo Joseph se apodera da sua pobre oficina cheia de sucatas, e expande os negócios a níveis inimagináveis, até então. Aos poucos, e fazendo alianças e inimigos por onde passava, Joseph virou de dono de ferro velho a mercador bilateral de armas, aliado tanto a resistência da França que ele falsamente amava, por gratidão, quanto a Alemanha nazista. Assim, não tardou a atrair a atenção das autoridades do governo local, e em especial, a do juiz Fayon.

    Numa narrativa típica de caça ao rato, os agentes de segurança nacional tentavam sempre andar nos calcanhares de Joseph, mas nunca alcançavam o mercador, cada vez mais poderoso. Mesmo apanhando seus contatos e obrigando-os a cooperar, as pistas não ajudavam os homens da lei, e muito menos o pobre Jacques Fayon. Homem de família e até então intocável, assistiu o submundo do crime começar a se enraizar nos níveis mais altos da administração pública da França nos anos 40, com o sobrenome Joanovici impondo-se como um pesadelo a todos aqueles que prezavam e garantiam o bem-estar da nação, principalmente durante a Segunda Guerra. Eis o conto biográfico do mais famoso “leve e trás” europeu que, através do seu império de ferro, não via diferença entre o dinheiro de amigos e inimigos nacionais, em uma vida de privilégios e segredos que, bem no fim, sofreu as cobranças do destino.

    Como documento histórico no melhor estilo investigativo de O Dossiê Pelicano e outras obras inesquecíveis, os talentosos autores Fabien Nury e Sylvain Vallée fazem deste primeiro Era Uma Vez na França um forte e verídico registro ilustrado, orgulhosamente realista, de um tempo conturbado pelos homens que o moldaram. Ao fragmentar os diversos períodos da história de Joseph e sua doce Eva, temos o retrato nada idílico mas cru, ainda que hipnótico, de uma figura imoral e vilanesca, afinal, tanto a si mesmo quanto a todos os seus contatos mais próximos. A editora Record caprichou na edição em português de 2013, com uma estética grandiloquente e uma capa dura que na verdade são a cereja do bolo, graças a maravilhosa tradução de Gilson Dimenstein Koatz a universalizar os diálogos e o ritmo literário da graphic novel.

    Compre: Era Uma Vez Na França – Volume 1.

  • Resenha | Spartacus – Howard Fast

    Resenha | Spartacus – Howard Fast

    Spartacus, romance escrito por Howard Fast e adaptado para o audiovisual em Spartacus de Stanley Kubrick, e posteriormente, na série da Starz Spartacus: Blood and Sand. Lançado em 1951, o livro conta a história da revolta de escravos liderada pelo personagem-título no ano 71 aC.

    Nota-se na escrita de Fast uma linguagem formal, em atenção à época imperial romana. Se discute bastante o papel dos escravos na república romana e a facilidade que se tem de construir estradas em poucos dias através dessa força de trabalho não-assalariada, além de escrutinar se foi Roma que gerou Spartacus.

    Toda a história por trás do filme de Kubrick geraria um estudo por si só, dada a questão conturbada que fez com que o diretor evitasse a todo custo filmes de estúdio. As histórias paralelas do livro, envolvendo os personagens secundárias, foram muito sublimadas no filme, e nesse ponto, a série da Starz acerta por dar mais camadas aos personagens que circundam o protagonista, e é importante que isso ocorra, pois Fast pensou nele como o líder de uma revolução, e uma revolução não se faz sozinho.

    A realidade é que nenhum personagem que passa pelo encontro com o líder da rebelião passa incólume, em uma comparação de impacto com outro personagem clássico que também ostenta espada, no caso Conan, O Bárbaro, ainda que eles tenham motivações e personalidades muito diferentes entre eles.

    Há bastante lirismo e poesia nas descrições que Fast faz a respeito dos sacrifícios do escravo revoltado. O que ele fala a respeito de não poder vomitar para não desperdiçar nada que está no estômago dá bem a dimensão de como era difícil lidar com as condições enfrentadas.

    As questões relativas a homossexualidade são tratadas de maneira pejorativa, talvez por conta do preconceito da própria época em que o livro foi escrito, já que questões envolvendo sexualidade na Roma Antiga eram vistos de forma completamente diferente daquelas encaradas nos anos 1950. Esse aspecto foi bastante explorado na série da Starz, e também é citado no livro. Os treinadores de gladiadores acreditam que tem que satisfazer sexualmente seus lutadores para que a masculinidade deles não atrofiasse, e foi nesse ínterim que Spartacus teve sua primeira noite de prazer. No entanto, o que Fast escreve foi traduzido de maneira exagerada nas duas mais famosas versões de seu personagem. Não há uma valorização conservadora da virgindade, como visto no cinema, muito menos a libertinagem mostrada no seriado. Há significado e pragmatismo. Os escravos sabiam que eram seres coisificados e que todos os seus pares também eram objetos, e por isso, não deveriam guardar sentimentos mais profundos.

    Outro ponto interessante se dá na forma como os nobres encaram os eventos orquestrados por Spartacus, ao achar que a revolta não é um evento isolado, mas uma guerra contínua. Há um claro subtexto de luta de classes, talvez por conta de sua militância política, já que participava de movimentos sindicais e antifascistas, e por isso, foi perseguido pelo macarthismo, assim como o roteirista que adaptou a obra para os cinemas em 1960, Dalton Trumbo.

    Spartacus se assusta com a volúpia que os romanos têm em matar. Para ele, o valor que os imperiais dão à vida dos outros é praticamente nulo, e essa é a diferença civilizatória entre os tiranos e os explorados. Fast detalha bem os povos que formavam os grupos de escravos.

    Há uma beleza poética no final, em Varínia se entregando ao sexo pós-morte do seu amado, e ao suicídio de um dos poderosos, que faz isso prevendo que sua classe morrerá. Spartacus é um livro claramente político, ainda que seja repleto de aventura, o autor não se omite em discutir o autoritarismo e nazifascismo utilizando os romanos como exemplo de opressão. O fim da vida do herói serve também de prenúncio à queda romana, já que demonstra a inteligência dos escravos, além de sua capacidade de pensamento e mobilização, ao contrário da torpe premissa de que os romanos eram os únicos seres pensantes da época. A mensagem que Fast passa é que mesmo que a batalha seja perdida, é preciso travá-la.

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  • Review | Watchmen

    Review | Watchmen

    Watchmen está entre os grandes clássicos dos quadrinhos. A DC Comics já havia tentado lucrar com as figuras dos quadrinhos de Alan Moore e Dave Gibbons, com o desprezo extremo do primeiro desses, e depois de Antes de Watchmen e da minissérie O Relógio do Juízo Final, foi a vez de Damon Lindelof (Lost e Leftovers) se juntar a diretora Nicolle Kassell para dar a sua versão da continuação da história criada por Moore há mais de 30 anos.

    Sabiamente, os produtores escolheram que Watchmen fosse uma história curta e sem chances de continuação. Todo o seu drama e ação se desenvolvem ao longo de nove episódios que envolvem discussões sociais e políticas, principalmente na figura da Sétima Kavalaria, um grupo supremacista branco que utiliza a figura de Rorschach como símbolo de sua atuação. Muito se falou a respeito da interpretação equivocada das falas que Walter Kovacs, o Rorschach, pregava, mas ao ler o Diário enviado ao tabloide, não é de se admirar que reacionários tenham abraçado sua causa, e esta foi uma das grandes sacadas do roteiro.

    Os personagens novos predominam na trama. A escolha de Tulsa, Oklahoma, como cenário também evoca as disputas ideológicas e raciais. A história é contada a partir da família de Angela Abar (Regina King), a vigilante que usa o codinome de Sister Knight. Em sua cidade o vigilantismo é não só permitido, mas também encorajado desde que ocorreu um ataque a todos os policiais alguns anos antes.

    A publicação original possui muito material extra, e aqui há também alguns momentos que servem como paralelos ao Contos do Cargueiro Negro, como o seriado American Hero Story: Minutemen, que imita os show de TV de Ryan Murphy. Esse programa serve também para referenciar o passado de alguns personagens da primeira era.

    Da parte da “velha guarda”, o que se vê é uma decadência escancarada. Os antigos vigilantes são mostrados velhos, alguns bem decadentes, outros reinventados e cínicos em versões ainda mais duras do que as pensadas  originalmente. Tanto Jeremy Irons quanto Jean Smart tem participações soberbas, e produzem bons embates com Hong Chau e King.

    O formato dos episódios normalmente se dá com um epilogo, no passado que exemplifica como o mundo chegou aquele estado de um possível apocalipse novamente, agora por meio de conflitos raciais e não mais por Guerra Fria, seguido de um lento e providencial desenrolar dos plots e intenções dos homens, tanto dos poderosos como da milícia armada que protege Tulsa. A trilha sonora funciona, e na maior parte das vezes bastante acertada.

    Alguns momentos se valem demais da teatralidade, seja nas ações do personagem que faz Jeremy Irons, ou nos métodos que Tim Blake Nelson e seu Looking Glass faz ao empregar seu método de investigação. A forma como a tecnologia aparece também é bastante peculiar e curiosa, um modo inventivo de imaginar esse mundo que mesmo com o advento dos poderes do Dr. Manhattan, não tem acesso a coisas triviais, como a internet. Em um mundo real que possui seres super poderosos é natural que hajam mudanças significativas, sobretudo no saber político e na presunção das autoridades de que conseguiriam controlar os ânimos da humanidade, que basicamente, parece presa a ciclos bélicos de tempos em tempos.

    Cada episódio dedica-se em partes ou integralmente a resgatar as origens dos novos personagens, ou simplesmente reapresentar os velhos, e é certamente Sister Knight a mais rica dentre todos, seja pela completa perversão da condição de garota-refém – uma vez que é ela a chefe de sua família – como também no julgamento ingênuo que ela faz das pessoas que a cercam. Seu destino parecia pré-estabelecido, mesmo que ela não soubesse exatamente quem eram seus antepassados, e as surpresas envolvendo sua intimidade são certamente as mais assertivas e criativas dentro da série, principalmente no capítulo An Almost Religious Awe, que amarra seu passado com os inúmeros ataques da Klu Klux Klan e o levante anti-imperialista no Vietnã.

    Watchmen ainda consegue fazer um comentário bastante poético com Jon Osterman, que consegue enfim cumprir um dos seus desejos mais íntimos, com uma resolução que não pôde ser feita na sua primeira despedida, quando foi desintegrado nos laboratórios que deram origem aos seus poderes, fechando a trama principal com um final em aberto que foge da gratuidade e oportunismo, fato esse que acaba resultando em um produto bastante reverencial ao material original, por mais que Moore claramente preferisse que nem Lindelof e nem ninguém continuasse os passos além da graphic novel de 1986.

  • Resenha | Como Esmagar o Fascismo – Leon Trotsky

    Resenha | Como Esmagar o Fascismo – Leon Trotsky

    “[…] nós não temos medo dos fascistas, senhores. Eles vão sumir daqui mais rápido do que qualquer outro governo.”

    Será? Diferente do que pode-se esperar, devido ao título da obra, Como Esmagar o Fascismo não indica uma receita mágica e imediatista contra o oportunismo que corrói as mentes e corações das nações diante de imensos problemas a serem enfrentados. O fascismo não tem hora para ir embora, depende de nós, mas está sempre a espreita; nunca morre. Revivido de geração a geração, o fantasma sedutor do “desespero contrarrevolucionário”, como bem aponta Leon Trotsky, volta para nos lembrar que nenhuma paz é duradoura, e que diante de tempestades, nós nunca devemos baixar a guarda a ponto de subestimar seu poder de corrupção. Nossos monstros não surgem do nada. Eles são construídos, e permitidos, por quem dorme achando que o jogo está ganho.

    Colocando o tema sob uma perspectiva histórica, o líder comunista Leon Trotsky analisa em diversas cartas antes da Segunda Guerra Mundial, aqui brilhantemente traduzidas para o português, todo o processo de envenenamento político e ideológico do povo alemão, francês e espanhol logo após o término da Primeira Guerra, e o super colapso econômico de 1929. Nota-se que, com países e valores nacionais entregues a uma frágil democracia europeia, e rendidos a um capitalismo agonizante, não demorou muito para os ratos do convés (eles não surgem do nada) enxergarem um terreno perfeito para virem à tona. Fato é que, com uma pequena burguesia e seu capital monopolista perdidos na névoa da instabilidade econômica e política, e uma classe trabalhadora sentindo-se injustiçada, às traças, qualquer um, ou melhor, qualquer persuasão em terra de cego vira lei.

    Por subestimar esse “qualquer um”, a esquerda europeia perdeu o jogo e viu o fascismo de antes evoluir, aos poucos, para um nazi-fascismo sem precedentes na história, com a ascensão de Adolf Hitler e seu apoio cada vez maior do povo alemão, enquanto a democracia europeia era usada para eleger demônios antirreformistas, antirrevolucionários e antiprogressistas, em suma. Nota-se, na prática, o quanto o fascismo cria abismos entre as classes, amplia a diferença entre seus interesses, e faz o povo duvidar de si mesmo, tornando-o fraco feito cristal. Assim, Trotsky na publicação da editora Autonomia Literária defende, em um compilado de reflexões inesquecíveis, uma estratégia clara e urgente do proletariado para ir à luta contra sistemas políticos peçonhentos, sempre com seus avatares de novos rostos e mofados discursos. Antes nos palanques, hoje reforçados pelas redes sociais, e outras plataformas de lavagem cerebral e corrupção moral. É claro que a luta será demonizada, e por isso mesmo a estratégia se faz imprescindível no combate.

    Sem apelar para os extremos, e sim a uma radicalização da classe trabalhadora em tempos de grande perigo, muitas vezes não-reconhecido, Como Esmagar o Fascismo joga uma luz impiedosamente crítica e alarmante para a eficiente e atemporal manobra de se alimentar grande problemas, para enfim, apresentar uma nova solução – que de novidade não carrega nada, apoiando-se numa sociedade pouco escolarizada e má formada historicamente para voltar em cena. Tal um velho filme de Charles Chaplin que, exibido a uma plateia que desconhece o gênio, pode ser convencida de presenciar algo inédito e esperançoso, este é o poder cruel do fascismo, além de se adaptar as épocas com rapidez e irreverência impressionantes. O sucesso eleitoral nazista, em 1932, provou como a agonia de um povo o arremessa a um possível suicídio político e ideológico, no que Trotsky reforça ser culpa, em larga escala, de uma esquerda desorganizada, e que nunca leva em conta a força de uma burguesia unida, com seus pares e seus múltiplos recursos persuasivos.

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  • Crítica | O Diário de Anne Frank

    Crítica | O Diário de Anne Frank

    A versão de George Stevens para O Diário de Anne Frank tem um desenrolar lento e gradual. Os créditos iniciais primam por uma normalidade que não poderia ser mais irreal, mostrando pássaros no céu enquanto uma música instrumental é tocada, como se aqueles fossem dias comuns, uma vez que a natureza não se curva aos  desígnios humanos sejam eles quais forem, sejam os homens poderosos ou não.

    Na casa dos Frank há um lamento, por que algo sumiu dali, um livro diário, que é encontrado após as pessoas que lá chegaram procurarem bastante.  Curiosamente, o escrito não estava em um lugar inacessível, e sim bem a frente dos que procuravam. As pouco menos de três horas de filme seriam baseadas na leitura daquelas palavras de intimidade, da personagem-título feita por Lea Van Acken, que datam a partir do ano de 1942 quando o III Reich já estava estabelecido como dominador da Alemanha e como potência mundial, elevando a bandeira do nazi-fascismo ao patamar de parte do governo e ideologia de uma das potências do velho mundo.

    Há uma exploração gradual do dia a dia da menina, que até os momentos iniciais, não tinha muitas privações. Ela vivia uma vida simples junto com os outros Frank, mas não havia grandes necessidades que não fossem supridas, fora o óbvio fato dela não poder sair muito de casa, com receio de ser atingida ela e sua família pela guerra e obviamente de serem perseguidos por sua condição religiosa e de origem, que era judaica. O filme consegue ser sutil em muitos momentos, mas também não tem medo de apelar para a fobia dos personagens. Anne acorda subitamente a noite, com um pesadelo de que seu esconderijo era invadido e todos seriam consequentemente violados.

    É estranho verificar  a guerra como um evento visto a partir dos olhos de uma moça, que mal pode se aventurar em seu quintal. O conflito visto pelas janelas ou pelas frestas da casa causam uma falsa ilusão de que estavam longe da pólvora e do ódio provindo dos alemães que tomaram a Holanda, e essa situação casa perfeitamente com a também falsa sensação de normalidade em possíveis tomadas de poder de extremistas de direita. Os Frank eram cativos em seus próprios domínios assim como boa parte dos povos são reféns de governantes que pensam mais em seus próprios interesses  e em seus próprios dogmas e moralismos mesquinhos. A realidade não é tão distante, considerando obviamente que a o visto no livro/filme já é um estado de exceção bem avançado.

    Um dos maiores simbolismos dentro do longa, leva em conta curiosamente um livro bíblico não presente na Torá, que são os manuscritos sagrados dos judeus. A cena envolvendo um ladrão emula bem a parábola do retorno do Messias, que é dito que chegaria de surpresa como um ladrão na noite, no livro profético do Apocalipse de São João. Esse pequeno momento sincrético entre judaísmo e cristianismo é muito bem encaixado, principalmente por que para os semitas, esse era um período bem semelhante ao fim do mundo como era dito no livro das revelações.

    A vida de Anne é triste não por conta apenas da questão da perseguição a si e a dos seus motivada claro pela intolerância, mas também porque ela não consegue viver sua vida de maneira plena, sem ser prisioneira. Mesmo quando ela está prestes a viver um amor, ela deve faze-lo embaixo de seu teto, ao lado de seus pais e parentes, sem direito a privacidade sequer para conseguir um par para ser seu futuro noivo.

    O modo como os traumas aos judeus foram causados reúnem elementos mais explícitos e outros ligados ao surrealismo do cinema alemão clássico. É incrível como a mistura de influencias se da até com a arte cinematográfica que  foi praticamente sepultada após a chegada de Adolf Hitler ao poder na Alemanha.

    Os momentos finais tem outra curiosidade com mistura, uma vez que fala a respeito de uma violência sofrida pelos Frank, mas que não foi exatamente descrita por Anne, já que se imagina que ela sofreu tudo aquilo em seus últimos momentos de vida, e não pôde registrar exatamente o que lhe ocorreu. O Diário de Anne Frank traz uma boa versão do famoso livro homônimo, é tocante, sentimental, muito bem filmado e atuado em mais um filme de caráter bem épico de Stevens, se não tão forte como Assim Caminha a Humanidade, ao menos é bastante forte e distinto.

    https://www.youtube.com/watch?v=b4C0taJ39zA

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  • Crítica | Aqueles Que Ficaram

    Crítica | Aqueles Que Ficaram

    Expoente do cinema húngaro, Aqueles Que Ficaram começa seu drama em um hospital e usa esse cenário como gênese de sua historia, acompanhado de um número silencioso  que simboliza bem o silêncio travado na garganta de seus personagens centrais, em especial, Körner Aladár chamado pelos mais íntimos por Aldo, o médico interpretado por Károly Hajduk e uma paciente de 16 anos, que chega (supostamente) grávida, Klara (Abigél Szõke). Dessa dupla nasce um relação diferente e inesperada.

    Klara tem pesadelos o tempo inteiro, é carente e tem dificuldade em achar um lugar para ficar. Ela se aproxima de Aldo que por pena, vai permitindo sua aproximação. A compleição física e a timidez do personagem fazem eco com seu passado, ele foi vítima dos campos de concentração nazistas, sofreu na pele um infortúnio gigante, fato que o marcou demais, e por isso ele não consegue negar ajuda a moça que parece variar entre um caráter interesseiro e necessitado, praticamente na mesma medida inclusive.

    Barnabás Tóth usa elementos visuais bem marcados para estabelecer uma atmosfera de melancolia e desesperança. A historia, que se situa entre os anos quarenta e cinqüenta do século XX é repleta de um moralismo exacerbado – há de se lembrar do conservadorismo ainda mais agressivo dessa metade de século – e de julgamentos que objetificam e condenam as mulheres, e Klara não é exceção.

    Os olhos fundos da moça representam não só suas preocupações mundanas como o que comerá no dia seguinte, ou se terá um teto sobre sua cabeça, mas também é um símbolo das terríveis condições de vida das pessoas que compunham as Forças do Eixo. O nazi fascismo não deixou só os países vitimados esfacelados, mas também os que lutaram ao seu lado, como a Hungria, e o que se vê aqui são pessoas doentes, esquálidas, mal nutridas, uma representação da vida pós holocausto, e que não foi consertada sequer pelos soviéticos.

    Próximo do final (e após muita coisa ocorrer) Aldo assiste um personagem masculino comemorar a morte de Joseph Stalin, mas ele mesmo não comunga desse pensamento, pois não foi alienado o suficiente para igualar o poderio soviético a influência nefasta dos nazistas. Para quem realmente viu os horrores da guerra e o autoritarismo via extrema direita não há como comparar sequer com os desmandos de Stalin e companhia, afinal, são métodos e modos de viver bem diferentes entre si.

    A confusão mental propicia que a paranoia do pós 1945 tenha efeitos, e isso enriquece ainda mais toda a questão tabu envolvendo Aldo e Klara. A relação evolui para um romance celibatário,  mas que não impede a ideia de posse por ambas as partes, e a chance dessa abordagem parecer algo grotesco é driblado por uma direção pontual e bem pensada. De negativo, há a quantidade grande de cenas escuras, que tem uma difícil compreensão em muitos pontos, sobretudo nas cenas à noite. Dependendo da sala de cinema, boa parte do filme não será totalmente compreendido.

    Barnabás traz um produto repleto de intimismo e lirismo, a forma como se fala de sentimentos bem comuns como carência, relação paternal e amor proibitivo é bem delicada, mesmo ao apresentar curvas dramáticas que flerta com o incesto (ou semi incesto, dada a estranha relação aqui mostrada), há referências claras ao Complexo de Édipo e os diálogos fogem de algo expositivo, são naturais ao extremo. As privações como a dificuldade de tomar banho ou de se alimentar são a maior mostra pragmática dos malefícios do fascismo, todos tem que lidar com a miséria e as sombras do que já foi ima vida plena para muitos, alem de questões econômicas inclusive.

    https://www.youtube.com/watch?v=jNbOXlGfsKU&feature=emb_title

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  • Crítica | Vá e Veja

    Crítica | Vá e Veja

    Há filme perturbadores, e há Vá e Veja. Provavelmente, sempre será assim. O convite do título não é à toa: o chamado não tem misericórdia, rumo ao nível mais baixo da alma humana – sem exageros nenhum, sobre isso. Cabe ao espectador ir até o inferno, e assisti-lo sem barreira nem blindagem alguma, mas de forma crua e objetiva aos horrores de uma guerra mundial, do ponto de vista de dois adolescentes que também assistem, despreparados assim como nós, e destroçados assim como nós, sua realidade na antiga União Soviética ser total, literal e irreversivelmente apodrecida. Muito já foi falado, negado e discutido sobre o terror que existe em Holocausto Canibal, Um Filme Sérvio e Necrofilia, alguns clássicos do gênero que chocam até o mais resistente dos homens. Mas nem um boleto bancário atrasado há um ano chega aos pés do horror psicodélico insuportavelmente real do clássico filme de Elem Klimov. Em uma palavra? Cruel. Noutra? Desumano. Choca por ser verossímil, impiedoso, e ao invés de tocar na ferida, a faz borbulhar enquanto produz um mal-estar inigualável.

    Eis um dos melhores filmes do mundo que precisa não apenas ser assistido, mas testemunhado por quem aguentar a sessão. Afinal de contas, nem todos aguentam um soco no estômago a cada um dos 130 minutos de exibição, nos quais a guerra se mostra exatamente como ela é, e potencializada por um encenação naturalista e acachapante, e sem igual na história do Cinema. Vá e Veja é tudo aquilo que os dez melhores filmes de guerra de Hollywood (faça sua lista) quiseram ser, mas os estúdios não permitiram. Klimov não quis chocar ninguém, mas sim expor, com todo o requinte cinematográfico que pode existir enquanto andamos por um pesadelo, a vida como ela é quando toda a animosidade do Homem recai sobre ela, e nela se infiltra, fazendo dela o inferno na Terra. A Terra, aqui, não vai além dos limites da Bielorrússia, quando uma pequena vila da região é invadida por soldados alemães, e o jovem garoto Florya é forçado a integrar um grupo de resistência, como era de se esperar. Está plantada a semente da loucura para termos a certeza de o umbral está vazio, e que os cavaleiros de Satã estão soltos por ali, loucos pela guerra e seus efeitos na raça humana.

    Tão bela, e tão destrutível quando quer ser. Florya então sobrevive, numa série de eventos que começam a remodelar sua personalidade (e que no final do filme, o deixarão mais envelhecido que um ancião centenário), e com a ajuda da forte e bela Glasha, ele conquista a oportunidade mais que custosa (a interminável cena da lama nunca pode ser esquecida) de regressar a vila que abandonou há pouco tempo, apenas para encontrar o massacre promovido por lá, e finalmente, quase na metade de Vá e Veja, começar a pagar seus pecados no seio de um conflito bélico diabólico, como se ele tivesse cem carmas de cem vidas diferentes para acertar as contas. Florya não encontrou fantasmas pelo caminho, mas algo muito pior: o fim da humanidade. Curioso como a zona em que tudo isso acontece tem um céu cinza sem fim, cobrindo a penitência de almas para sempre marcadas pela morte, o sacrifício, e a falta de esperanças por dias melhores. Nem mesmo para povos que nunca participaram ativamente de uma guerra arrasadora, como é o caso do Brasil, é impossível não sentir a dor e o lamento onipresentes aqui também apresentados na ausência do sol, e na predominância da noite, da neblina, e da absoluta falta (e silêncio) de Deus.

    Quanta emoção, quanta vibração cabe num filme? Em cada close arrebatador no menino Florya, temos em seu rosto, olhos, boca e rugas a certeza de que terror maior que uma guerra para a psicologia humana, não há. O poder de Vá e Veja não pode ser mensurado em nenhuma cena do filme, nem mesmo no seu todo, uma tarefa ainda mais impossível de ser feita na sua meia-hora final, quando a perturbação aqui é tão grande que chega a ser forte demais para a maioria dos espectadores. Temos como norteadora da narrativa a transformação de um garoto que absorve, em seus pobres e escuros olhos assustados, a insanidade de sua própria raça para consigo mesmo; metamorfose essa que nenhum outro filme jamais chegou perto de conceber, ao público, com tamanha potência, e ousadia para também nos transformar, quase que tanto quanto seus personagens danosos. Pessoas um dia livres, e sãs, mas que um dia foram trancadas todas juntas numa casa para queimarem junto dos seus parentes e vizinhos, e aos “sortudos” a quem a morte ainda não chegou, resta assistir a tudo, enterrados na podridão mundana, e com o mais soberbo dos terrores impedindo-os até de piscar devido a força das visões. A experiência aqui é por sua conta, e risco, e acredite: se nada aqui te impressionar, a vida já perdeu o sentido pra você há muito tempo.

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  • Crítica | Essa Noite Bombardearemos Calais

    Crítica | Essa Noite Bombardearemos Calais

    John Brahms era um diretor que costumava fazer bons dramas de época, pelos anos quarenta e que terminou dirigindo episódios de series televisivas de espionagem, como Agente da Uncle. Em 1943, foi ele o conduto de Esta Noite Bombardearemos Calais, drama de guerra que começa em algum lugar da Costa Inglesa, com o esforço de soldados, homens bravos e simples se reunindo em torno dos oficiais. A simplicidade deles envolve o fato da maioria estar sujo, após um longo dia tentando restabelecer a paz contra o III Reich e seu domínio de terror.

    Os hábitos dos militares são simples, eles fumam cachimbos e tentam gastar os minutos de seus dias com eventos corriqueiros, tentando não interromper suas rotinas apesar da obvia mudança de status provinda da guerra. A maior parte da trama acompanha Geoffrey Carter, personagem de John Sutton, um agente da inteligência da Inglaterra, que é mandado até Calais para destruir uma fábrica de munições nazistas. Sua missão em território francês conta com a ajuda de alguns membros simples da comunidade, que lhe dão abrigo, e o tratam como o filho que uma dessas famílias perdeu, exatamente durante a guerra.

    A proximidade da guerra dá ao filme um aspecto de autenticidade único. Os personagens parecem realmente sofrer com os fatos reais, emulando bem as agruras do povo ainda que quase toda atuação aqui soe muito mais teatral que cinematográfica. Mesmo exagerado na dramaturgia, o filme consegue retornar aos eixos quando dá vazão a sua trilha sonora. A música de Cyril J. Mockridge e Emil Newman por vezes fala por si só, preenchendo bem os momentos mudos, favorecendo a trama como um todo.

    Não há quase nenhuma sutileza durante os pouco mais de setenta minutos de filme. Os nazistas são mostrados de maneira crua, como as entidades cruéis que eles eram, e isso se vê não só com o autoritarismo incorrigível, mas também com o modo extremamente objetificável que utilizam com as mulheres. O roteiro os mostra obrigando as moças a casarem e a se relacionarem com eles, e por mais maniqueísta e caricato que pareça em uma primeira análise, isso correspondia mesma a realidade tangível.

    Se a parte dita social é caricata, o mesmo não pode-se dizer da que toca a espionagem. É claro que a ficção não retrata todos os meandros e problemas dos espiões, mas dentro da artificialidade típica da abordagem de Brahms os métodos e disfarces que Carter utiliza são bem encaixados, e até fazem sentido, mesmo que o tom esteja bem acima da realidade. Por se tratar de uma ficção, e de uma arte que mexe demais com os sentimentos, Essa Noite Bombardearemos Calais tem toda sua previsibilidade e sensacionalismo perdoados.

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  • Crítica | O Capanga de Hitler

    Crítica | O Capanga de Hitler

    Filme estadunidense, lançado em 1943 e dirigido por Douglas Sirk, O Capanga de Hitler começa em Lídice, na Tchecoslováquia, com uma narração que fala das belezas naturais e tradicionais do local. Logo, chega a realidade pragmática das zonas urbanas, mostrando um avião onde dois militares ao sobrevoar o local, falam sobre a proximidade do local com Praga, capital do país, e de como ali seria um lugar estratégico na guerra.

    O roteiro se baseia na Operação Antropóide, onde os aliados se lançavam de pára-quedas combatentes da resistência Theca, em especial, Karel Vavra, personagem de Alan Curtis, que assim que chega em solo, vai até a bela Jarmilla Hanka (Patricia Morison), a sua amada, digna de juras de amor e claro, a pessoa para quem ele retornará assim que conseguir por em prático o plano de acertar o oficial da Gestapo, Reinhard Heydrich  (John Carradine), e assassina-lo.

    O filme é curto, tem apenas 83 minutos, mas há tempo o suficiente para mostrar o domínio praticamente castrador. Heydrich é autoritário, invade uma assembléia de moradores, mostra  que os nazistas agiam como predadores ideológicos, caçando não só os que discordavam de sua mentalidade, como pressionavam o povo, com armas e com uma presença muito forte no cotidiano do povo, para lembrar a todo momento que eles detinham o poderio real do local, como se os desfiles de militares que ocorriam diariamente não fosse suficiente para marcar a vida das pessoas.

    O filme conversa bastante com o seu contemporâneo,  Os Carrascos Também Morrem, não só pelo cenário, mas também pela atmosfera envolvendo a paranoia geral. Também há alguns paralelos com Confissões de Um Espião Nazista, principalmente na denúncia do quão arbitraria e absurda era ação da SS e Gestapo no rumo imperialista que o III Reich exercia na Europa, inclusive em 1943, ano de lançamento da obra de Sirk.

    O filme não é sutil, é até propagandista, como parte do esforço anti guerra. A abordagem é bastante baseada em sensacionalista, e o seu final, mostrando o povo sofrendo a ação dos nazistas, sob o comando de Heinrich Himmler (Howard Freeman) pós queda de Heydrich, mostrando as pessoas sendo fuziladas de maneira covarde, justificando de certa forma a abordagem sem sutilezas da obra, utilizando um fato comum em meio a Segunda Guerra para mostrar os métodos dos extremistas a direita com prisioneiros de guerra, mesmo com os civis.

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  • Crítica | Casablanca

    Crítica | Casablanca

    Crítica | Casablanca

    Casablanca é uma obra do cinema clássico de Hollywood, sendo uma das obras mais lembradas no quesito romance. Dirigida por Michael Curtiz, a trama se passa no inicio da Segunda Guerra Mundial focada na historia de amor impossível entre Richard Blane e Ilsa Lund Laszlo.

    Ao contrário do que boa parte do público pensa, essa foi uma produção barata, um autêntico filme B, gravada em uma época em que as grandes produções não estavam utilizando os grandes cenários, tendo esse sobrado para Curtiz produzir sua história, baseada na peça de Murray Burnett e Joan Alison.

    Tudo foi organizado com as sobras de outras produções, e resultaram em um filme lucrativo financeiramente e bastante premiado, inclusive Oscar de melhor roteiro adaptado, texto esse assinado pelo trio Julius J. Epstein, Philip G. Epstein e Howard Koch.

    Além é claro da ambientação, uma vez que o lugar na costa francesa do Marrocos era um porto para refugiados da Guerra e a interseção entre viagens, há aspectos técnicos que chamam bastante atenção. Entre elas, a musica de Max Steiner é um diferencial, com boas variações entre o Jazz que fazia sucesso na época, além dos temas românticos que embalariam o quase amor entre o protagonista e sua prometida proibida.

    Em Casablanca, há uma casa noturna, O Café de Rick, administrado pelo personagem de Humphrey Bogart, Rick Blaine, um americano expatriado que prefere não se envolver com os detalhes da guerra e com suas tramas políticas.

    Na introdução ainda, é mostrado ele lidando com todo tipo de gente, e conversando com Ugarte, personagem de Peter Lorre, que frequentemente participava de filmes no esforço anti-nazista. Ugarte era um pequeno criminoso que chega ao clube portando “cartas de trânsito” que conseguiu após matar dois mensageiros alemães. Essa é uma das quebras da neutralidade do sujeito, uma vez que ele parece saber que Ugarte é procurado pela justiça, mas faz vista grossa, como ocorre na maior parte do longa.

    O roteiro não enrola, e não demora a se perceber que o clube fica em um lugar visado. Ofertas para venda do local sempre ocorrem, parte das pessoas que lá trabalham são excluídos, como o sujeito que toca piano Sam (Dooley Wilson), um homem negro que certamente seria perseguido na maior parte do continente europeu. É como se a casa noturna fosse um oásis em meio a um mundo louco, um espaço imune a politicagem extrema do Eixo e da resistência dos Aliados.

    Ilsa pede a Sam para tocar As Time Goes By, canção composta pelo próprio Dooley Wilson, regravada a exaustão, até mesmo por Frank Sinatra.

    A guerra afastou os dois personagens apaixonados. Rick teve que sair as pressas da França, graças ao fato de estar em uma lista negra dos nazistas. Por isso foi em fuga para Marrocos, junto a Sam seu fiel escudeiro. Os dois se colocaram em um exílio forçado, aceitando uma nova identidade. como pessoas irrelevantes, cidadãos invisíveis de um mundo em ebulição, tudo em nome da sobrevivência.

    O filme é baseado em na peça Everybody Comes To Rick’s (que traduzido seria algo como todo mundo vem ao café de Rick) de Burnett e Alison como citado anteriormente. A tradução da peça no entanto tem sua liberdades, e uma personalidade própria, muito graças ao desempenho do Bogart, que é característico demais, ganhando do diretor carta branca para agir conforme fosse mais conveniente ao que entendesse sobre o papel. Isso garante a Rick uma verossimilhança, com reações e pequenas falas baseadas em improvisos que o tornam mais legítimo, verdadeiro e não mecânico.

    Casablanca é conhecido principalmente por seu tom romântico, ao lembrar da relação que o protagonista de Bogart e a bela e angelical Ilsa (Ingrid Bergman) viveram em Paris.

    As cenas dos dois, enamorados, em um passado distante da dicotomia da guerra parece ter ocorrido a eras. A atmosfera de como o amor é imersivo é bem flagrada, tanto que nesse trecho parece de fato que outro filme ocorre, resultando em outro oásis, distante da realidade não só da guerra, mas também do amor não correspondido.

    Ilsa está no Ricks por um motivo: está em fuga, junto com seu par, procurado Victor Lazslo (Paul Henreid). Desse modo, os momentos mais sentimentais e singelos, os suspiros e apreciação de um cenário idealista e romântico é cortado, expurgado, graças as ações do III Reich e ao avanço fascista provindo de Stuttgart.

    Mesmo que a intenção da peça/filme não seja a de causar tantas reflexões no espectador, afinal o filme busca entreter com um romance, há de perceber que a condição isenta da política é impossível de ser vivida, especialmente em tempos extremos como os mostrados nesse clássico.

    O enlace sentimental é cortado pela truculência da Gestapo, do exercito nazista e do expansionismo de Adolf Hitler, e por mais que Rick tencione ficar em cima do muro, ele propriamente não o fica, só se isola de tudo para não ter lembranças de um tempo doce que se tornou amargo em suas memórias.

    O beijo terno, compartilhado entre os dois como se fosse a última vez é uma das cenas mais bonitas do cinema, com os dois perdendo o foco diante da lente da câmera, com a taça de vinho caindo e ganhando nitidez, numa clara alusão a relações carnais. Esse era um fato bem incomum no cinema da década de quarenta, e a misancene é magistral ao colocar esse momento em contexto.

    A despedida dos dois é desoladora, com o homem inconsolável, tentando segurar um mar de lágrimas e sentimentos, levado por seu amigo e companheiro até o trem quase a força, por não ter condições mentais de comandar seus próprios passos.

    A chegada de Ilsa reaviva não só a paixão não resolvida, como também é um lembrete no exílio de que a guerra não é elegante ou cordial como querem fazer parecer os oficiais nazistas no Marrocos.

    Mesmo que a preocupação da produção seja em construir o ideal para que o amor seja o norte do drama, o cenário, personagens e atmosferas não deixam esquecer que esse é um mundo de extremos. De um lado uma ideologia mesquinha, que desperta o pior nos seus adeptos e que provoca violência até nos que estão no lado oposto, e de outro, a tentativa de resistir a esses avanços autoritários, sem jamais cair na esparrela de tentar igualar os anti-fascistas com os nazistas de fato.

    Por ser uma produção gravada no calor do momento, em meio ao conflito, não se cai na besteira revisionista de fingir que os antagonistas de Hitler eram iguais a ele.

    A sequência final é tensa, e uma lição de abnegação por parte do personagem central, que vê sua amada se despedir, com o novo par dela, onde os heróis tem que finalmente assumir seus papeis como atores no cenário político.

    Nesse ponto, não há mais espaço para a tal isenção que é pregada e proferida por Blane. As máscaras caem e a fuga dos “refugiados” finalmente ocorre, mas não sem apelar para a questão básica da ironia entre Richard e o homem da lei que lhe facilita a fuga e seu próprio exílio.

    Casablanca poderia terminar melancólico, mas dada a malandragem de seus personagens é totalmente natural que não haja lamentos por parte dos homens que protagonizaram a historia, afinal, eles já sabem seus lugares no mundo e tem na resignação uma sensação bem comum e rotineira já.

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  • Crítica | Confissões de Um Espião Nazista

    Crítica | Confissões de Um Espião Nazista

    Produção da Warner Brothers, lançado em 1939, Confissões de Um Espião Nazista é uma obra comprometida com o anti belicismo e com um discurso anti nazista, e ele não perde tempo uma vez que acaba o anúncio com o nome do filme, é mostrado um misterioso narrador, contando os fatos do cenário político internacional do final dos anos 30, revelando detalhes do drama a partir de uma vila escocesa no ano de 1937. Ali todo o caráter conspiratório é iniciado, mas ainda de maneira misteriosa, e que se desenrolaria só depois de algumas outras sub-tramas serem reveladas.

    O formato da historia é muito curioso para dizer  o mínimo. Os primeiros momentos são como um prologo, indo depois para uma reunião, em território americano onde se veem bandeiras com suásticas ou com outros símbolos tipicamente usados pelo partido nacional socialista e pelas autoridades alemãs, ao lado de bandeiras dos Estados Unidos, e nesse lugar ocorrem reuniões de grupos extremos, mostrando que a influência hitlerista ia muito além do continente europeu, já que esse agrupamento ocorria em uma embaixada, ou seja, com anuência do governo.

    Na tal reunião há palavras de ordem contra a mistura racial, e uma valorização dos ideais arianos, de raça pura, acompanhado por uma plateia onde existem jovens, entre eles o personagem Schneider (Francis Lederer), que por sua vez, é observado ela outra ponta dessa estranha trama, o agente federal Edward Renard de Edward G. Robinson, que pressiona o jovem ao longo do filme para entregar detalhes dos planos do tal grupo.

    Tanto Robinson quanto Lederer se entregam bastante aos seus papeis, parecem realmente dispostos a desempenhar os estereótipos do agente do FBI cheio de artimanhas e o jovem iludido por uma ideologia torpe e que parece bem intencionada quando prega aos seus convertidos, mas o mais surpreendente no filme de Anatole Litvak é que esse é só um dos fatores importantes do filme, uma vez que há alguns outros tipos de abordagens. As especialidades do cinema de Litvak são duas: thriller e obras sobre a guerra. Seus outros filmes famosos são Ataque Nazista e Batalha da Rússia, dois documentários propagandistas, e perto do fim de sua carreira ele fez também filmes de suspense, e nesse Confissões de Um Espião Nazista ele mistura ambos estilos, ora apelando para uma hiper realidade documental, misturando com momentos de propaganda pró Aliados, fazendo o núcleo onde ocorre a tal espionagem e investigação com bastante tensão. Além disso a linguagem comercial do filme facilita a sensação de apreensão em quem assiste.

    Os grupos pró nazismo são tratados como delirantes com mania de grandeza, mas não são subestimados por Renard e por seus homens, ao contrário, há um foco de encara-los como inimigos não só da soberania dos países, mas também como adversários da humanidade em geral. Não há pudor em denunciar o autoritarismo alemão e esse caráter o se intensifica na meia hora final. Os letreiros e narrações denunciam a arbitrariedade de Hitler e a hipocrisia do mesmo, usando pretextos dos mais esfarrapados para invadir republicas independentes europeias.

    Por mais estranha que seja toda essa mistura resulta em um filme muito potente e a frente do seu tempo, principalmente por denunciar a maquina de propaganda nazista, mostrando detalhes  do envio dos folhetos via correios, fato que conversa com a trama apresentada lá no início. O apelo para o perigo que acometeu os Estados Unidos também é muito bem grafado, e embora seja uma trama de ficção, há muita alusão a realidade, e ao desejo expansionista do Fuhrer em espalhar a mentalidade dos que se julgavam superiores e puros de raça para os países do continente americano, incluindo até a America Latina nesse planejamento.

    Em 39 os Estados Unidos não havia entrado no conflito mundial, mas os esforços de guerra já eram conhecidos, através desse tipo de ação artística e social vista em Confissões de Um Espião Nazista, inclusive aludindo a possibilidade – um pouco conspiratória mas ainda assim preventiva 0 de que os Estados Unidos corriam o risco de ser ocupada pelo III Reich como foi a Tchecoslováquia, tendo isso sido evitado entre outros fatores por ações como a feitoria deste filme, que não tem receio de vociferar contra o Eixo no meio desta época tão conflituosa.

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  • Crítica | Cineastas Em Exílio:  Do Terceiro Reich a Hollywood

    Crítica | Cineastas Em Exílio: Do Terceiro Reich a Hollywood

    De Karen Thomas, o documentário Cineastas Em Exílio: Do Terceiro Reich a Hollywood é um programa que reúne esforços de dezenas de estúdios, que ajudaram a resgatar contribuições e trabalhos de alguns diretores que bravamente lutaram contra o reinado nazista de Adolf Hitler através de suas obras artísticas, que faziam frente ao regime e serviam não só de inspiração para o povo, como também parte integrante do esforço de guerra contra o Eixo.

    O início do estudo envolve Casablanca, filme de 1943 que tinha no romance seu norte e como foi o símbolo da resistência de muitos cineastas. Entre 1933 e 40 mais de 800 profissionais fugiram da Alemanha Nazista para alguns lugares do mundo, principalmente para os Estados Unidos, sem ter certeza como viveriam, como teriam sustento e como dariam vazão a arte em que trabalhavam, e boa parte deles se voltaria ainda para a arte, e ajudariam a produzir clássicos como A Noiva de Frankenstein, As Aventuras de Robin Hood, Ninotchka, Pacto de Sangue, Matar ou Morrer, Quanto Mais Quente Melhor e claro, o filme de Michael Curtiz já citado.

    O esforço do especial televisivo (que também foi exibido nos cinemas, em regimes de Festivais) passa pelo sucesso dos anos 20, O Gabinete do Dr. Caligari, produzido por Eric Pommer, e a criação do estúdio que fomentaria o cinema local. As partes onde se descreve o sucesso de Peter Lorre emocionam, seja quando lembram do mesmo participando de M, O Vampiro de Dusseldorf, além de se destacar o mesmo como “muso” dos filmes anti-guerra, como Relíquia Macabra, Passagem Para Marselha e tantos outros. Há até um poema de Bertold Brecht, que louva a memória dele e pede para que o ator volte a pátria que o tornou párea.

    Em alguns pontos, o filme faz tantas citações e cuspe tantas referencias que mal há tempo para refletir a importância das obras e carreiras analisadas, assim como se perde um pouco a discussão sobre o impacto de publico e industria, mas para quem conhece pouco a respeito da temática e das historias de bastidores , o filme presta um enorme papel falando a respeito de como ficou a industria artistica durante a elevação do partido nacional socialista.

    É ótimo que o estudo do filme não se ocupe  só de falar de atores e diretores, mas também de toda sorte de profissionais expulsos  de sua terra natal por ter ligação com origens hebraicas, ou por proximidade do pensamento progressista. O documentário acerta demais, em lidar com questões políticas e sociais, mostrando o infortúnio de muitos trabalhadores do cinema,  inclusive dando documentos e identidades dos mesmos, tirando suas historias e vidas do ostracismo, devolvendo de novo ao lugar que lhe é devido, se não a ribalta, ao menos para um lugar justo de reconhecimento, respeitando o legado de cada um e dando ao menos um alívio para eles, que se viram sem pátria.

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  • Crítica | Rosa de Esperança

    Crítica | Rosa de Esperança

    Lançado em 1942, sob o nome original Mrs Miniver em atenção a personagem de Gree Garson, Kay Miniver, o drama de guerra Rosa de Esperança começa tímido, após um letreiro que situa o espectador no cenário político da Inglaterra, e que discorre um pouco sobre a historia da família de classe media que será mostrada, nos idos de 1939.

    O longa-metragem de William Wyler mostra o tal clã lidando com a imposição do famigerado “esforço de guerra”, que consiste basicamente na mobilização de pessoas comuns para tarefas de apoio bélico. Kay é mostrada como uma mulher comum, de afazeres e interesses que não fogem do ordeiro, ela é uma mulher bem comum, ela mora com seu marido Clem (Walter Pidgeon) e seus dias não vão muito além das tarefas caseiras. O filme é lento, visa  explanar a normalidade do cotidiano inglês, um povo que aquela altura do século XX era bastante pacifico e formal.

    O roteiro adapta as tiras de jornais homônimas de Jan Struther, e há algumas diferenças dramáticas entre esta versão e a original. Os Miniver não são tão ricos, mas ainda assim moram em uma casa grande, chamada Starling, perto  de Tâmisa, em um confortável subúrbio inglês. Surpreende a escolha de Wyler por mostrar múltiplos cenários, para exemplificar bem como é a rotina das pessoas de diferentes classes na Grã-Bretanha, em especial antes dos ataques do Eixo. É como se o script aludisse para o quão maléfica e amaldiçoada é a intervenção dos nazistas e do III Reich, que causaram em corações e mentes muita raiva, ressentimento, para além até dos preconceitos defendidos por eles, uma vez que a postura hiper agressiva e ofensiva mexeu até com pessoas que não estavam no escopo judeu. O extremismo fascista interfere na vida de absolutamente todos.

    A guerra só é dita como de fato acontecendo com aproximadamente um quarto de filme, e o clima e atmosfera mudam por completo. Até os momentos de descontração são comedidos, em lugares fechados, com as pessoas festejando, mas com seus uniformes e trajes formais. Os outros homens, adentram a historia como pessoas comuns, e logo depois, aparecem maltrapilhos, vindos da guerra, e incrivelmente não há tanto lamento pela chegada deles assim, mal alimentados, com perda de peso, claramente passando por necessidades pós chegada do campo de guerra.

    Os vinte minutos finais mostram Miniver vivendo a desesperança de ter sua terra atacada por bombardeios aéreos, e é nesse clímax que Wyler justifica as premiações que ganhou, pois em meio ao cinema hollywoodiano dos anos quarenta, conseguir conduzir cenas com aviões não é tarefa das mais fáceis, ao contrário.

    O diretor e a produção tiveram muita coragem, em retratar uma historia de orçamento estadunidense, situada na Europa na época em que o conflito mundial estava no auge. Não há concessões aos nazistas, apesar de não haver um confronto direto com os nazistas. O culto cristão, na igreja que sofreu com os ataques alemães serve de exemplo, e certamente foi por conta desses momentos que o filme se tornou tão adulado e louvado em sua época, fazendo valer um elogio de Winston Churchill, que dizia que esse era mais efetivo na guerra que uma frota de destróieres, e dada seu caráter denunciativo, ele de fato tinha razão.

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  • Crítica | Passagem Para Marselha

    Produção da Warner Bros, assinada inclusive por Jack L. Warner como produtor executivo, Passagem Para  Marselha é uma obra de Michael Curtiz, que conta um drama de guerra, desenrolando as conseqüências dela, com a produção sendo feita em meio ao conflito dos aliados com os nazistas. O filme tem Humphrey Bogart como seu principal chamariz, no papel de  Jean Matrac, um piloto que estava em combate, e que esteve na estranha Ilha do Diabo e voltou.

    A narrativa começa com um letreiro, explicando as forças francesas, que resistiram em território europeu contra o avanço do Eixo. Isso tudo é acompanhado de música instrumental “inspiradora”, com hinos embalando as explicações, evocando o patriotismo típico dos tempos conflituosos, mas seu espírito é um pouco confuso, pois sua estrutura se baseia em flashbacks dos personagens, repletos de momentos confusos, que remetem a confusão comum dos que lutam as guerras mundiais. Matrac é motivo de orgulho para os que lutam consigo, mas ele mesmo parece um homem ser certezas, de olhar vacilante e postura, e não é à toa, afinal o que se vê durante o filme não é nada épico ou heroico.

    A duração do filme beira as duas horas – 109 minutos, na verdade – e seus momentos mais marcantes são os resgates a náufragos e a necessitados, pessoas que sofreram demais com os conflitos as nações extremas que seguiam o III Reich. Mesmo Matrac sofre com isso, é resgatado magro, com a barba por fazer, com a compleição bem diferente do galã que protagonizou Casablanca e tantos outros filmes, mas não é só fisicamente que ele está diferente, pois alem de sua magreza, há também uma campanha de acusação, que o associa a um massacre, como suspeito direto dos  assassinatos.

    Além dos horrores perpetrados por Adolf Hitler e dos seus subordinados militares e pelo partido nazista, como os óbvios casos de violência e intolerâncias contra os judeus, também havia uma forte campanha de difamação, onde o foco narrativo morava em desacreditar seus adversários através de notícias falsas espalhadas, prática essa bizarramente utilizadas por linhas políticas de extrema direita na atualidade, mas  que normalmente são desassociadas pelos defensores desses sectos políticos, pessoas essas que não conseguem – ou pelo menos não assumem conseguir – ver semelhanças e coincidências entre os métodos.

    As acusações ao herói da jornada incluem incitamento a motins e cumplicidade a arruaças, aludindo a dois fatores primordiais, primeiro, jogando o nome do sujeito de postura até então ilibada no lixo, ao associar ele a homicídio, para logo depois trancafiar o sujeito por suposto envolvimento com causas rebeldes, tentando colocar rivalidades entre ele e o povo.

    Nos vinte minutos finais, a historia se passa em uma embarcação, onde Matrac tem oportunidade de matar adversários de guerra, alvejando os nazistas mesmo com eles desarmados, em uma demonstração certeira de como se deve lidar com ameaças aos extremos da direita, uma vez que se estivessem na posição inversa, certamente não haveria paciência com os aliados, além de que em posição de desvantagem, o comportamento comum dos adeptos do fascismo é de manter-se quieto, aparentemente submisso, mas pronto para a qualquer momento destilar intolerância e seu modo de governo autoritário. O piloto, que tem um final trágico faz lembrar que mesmo com heroísmos, a guerra não retribui de maneira pacificadora aos que entram em si, condenando seus participantes, a perecer por conta de suas escolhas. Passagem Para Marselha é simples, direto, econômico narrativamente e muito certeiro no discurso anti nazismo, utilizando para isso uma inteligente inversão de expectativa, ao por Bogart que normalmente é galã como um soldado forte, complexo e nada maniqueísta ao cumprir sua intolerância  com quem nada tolera.

    https://www.youtube.com/watch?v=z6cQKi4A23o

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  • Crítica | Correspondente Estrangeiro

    Crítica | Correspondente Estrangeiro

    Há um aviso, antes de começar Correspondente Estrangeiro de Alfred Hitchcock, salientando que este não é baseado em nenhuma pessoa ou evento real, e que as coincidências são frutos da ficção e não existe qualquer intenção em retratar uma realidade ou qualquer fração dela. A história é simples, mostra Johnny Jones (Joel McCrea), um correspondente de jornal de Nova York que vai a Europa em viagem, utilizando um pseudônimo (Huntley Haverstock) já com a 2ª Guerra Mundial ocorrendo. Sua jornada se dá em viagens pela Europa e o longa é dedicado aos esforços dos soldados e militares norte americanos.

    O começo da historia mostra o sujeito em Amsterdã, e lá, ele acompanha um estranho evento que envolve a morte de Van Meer (Albert Bassermann), um diplomata holandês. Daí se desenrola toda uma trama de espionagem e paranoia, e obviamente uma perseguição ao personagem, mas muita coisa ocorre até chegar esse status, em um desenrolar lento, diferente até dos filmes do cineasta dessa época, como O Homem Que Sabia Demais (versão de 1934), Rebecca: Uma Mulher Inesquecível e o posterior Sabotador.

    Mesmo sem grande parte das marcas registradas do cinema de Hitch, Correspondente Estrangeiro tem momentos de disruptura. O assassinato de Van Meer mesmo é uma cena brusca, que ocorre rompendo completamente com o estilo apresentado até então, e essa mudança de caráter é registrada de maneira tão abrupta e surpreendente que o estado de calmaria não retorna em momento algum, pelo contrário, a partir desse momento as desventuras de Jones são mostradas freneticamente, como se ele fosse realmente um participante do xadrez estratégico da Segunda Guerra Mundial.

    Os tempos bélicos de certa forma anestesiam o povo, que não vê mais o extremismo se aproximando, nem compreende direito os males que ele faz. Há momentos épicos, como a perseguição que ocorre no catavento, mas o que mais impressiona nas pouco menos de duras de filme é o quanto o protagonista é bobo, imaturo e crédulo em tudo. Ele quase é atropelado, após ser empurrado por um homem que quer seu mal, mas ele sequer nota a má intenção do sujeito.

    Jones é uma demonstração do quanto o povo pode apelar para pensamentos pueris, não entendendo que quem está próximo e quem detém o poder pode querer o seu mal. Hitchcock não permite obviamente que seu protagonista fique estagnado, ele evolui e consegue ao menos perceber as armadilhas que ocorrem no quarto final do longa, se torna mais ardiloso, mais preparado e astuto, ao menos para perceber que não sobreviverá caso não se instrua.

    Há referencias a obras futuras, como a Um Corpo Que Cai, mas também brinca com os clichês de Um Barco e Nove Destinos, em especial na sequencia envolvendo o avião que está sob o ataque o conseqüente naufrágio do mesmo. As marcas de Mestre do Suspense já podiam ser vistas nessa obra também, que mesmo lidando com problemas de efeitos especiais datados, ainda é uma produção que guarda esforços tremendos de sua produção para parecer grandiosa.

    O cineasta é bastante corajoso em utilizar todo o seu conhecimento e talento para registrar essa historia anti bélica, se posicionando de maneira veemente e madura sobre todo o imbróglio contra o fascismo, inclusive culpabilizando os traidores das nações que formaram a Aliança contra o Eixo, pontuando tudo isso com a boa postura de Jones/ Haverstock agindo finalmente como um espião agiria, sendo esperto e manipulador quando precisa. Correspondente Estrangeiro foge bastante do maniqueísmo, ainda mais se comparado aos filmes de sua época, mesmo com o discurso final em rádio, que o protagonista dá ao povo.

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  • Crítica | Sabotador

    Crítica | Sabotador

    O lado B da filmografia de Alfred Hitchcock é composta basicamente pela época em que fazia filmes no Reino-Unido ainda, onde boa parte das marcas de seu cinema ainda estavam em fase embrionária. Há nesse ínterim verdadeiras pérolas, e uma delas mora neste Sabotador, que é uma exceção a essa regra inglesa, pois é considerado entre os especialistas o primeiro filme do cineasta com elenco completamente americano. O filme de 1942, também chamado de Sabotagem em outras traduções brasileiras,  conta uma historia de conspiração e paranoia, provenientes do conflito da Segunda Guerra Mundial, ainda em curso.

    Hitchcock começa seu drama com uma música histriônica, com metais pesados referenciando uma parede listrada e grande, como um portão de fábrica, que é tomado por uma estranha sombra com direito até a sobretudo, numa clara referencia a espionagem. O longa, cujo roteiro de  Peter Viertel, Joan Harrison, Dorothy Parker trata da historia de Barry Kane (Robert Cummings), um mecânico de avião que é acusado de sabotagem na fábrica em que presta serviços, mas antes de chegar nessa conclusão o filme se dá ao trabalho de construir todo o ideal do trabalhador proletário, mostrando o cotidiano dos que trabalham, que no meio de um refeição, vêem uma fumaça preta tomar o lugar, causada pelo incêndio na fábrica.

    Há um sensacionalismo nada sutil no filme, mas que é levado pelo cineasta com uma maestria monstruosa. A pecha de rei do suspense não é à toa, já se percebe uma mão bem habilidosa em criar expectativas, seja com a trilha que as vezes ensurdece, ou com a perversão do mundo comum presente na Jornada do Herói clássica, mesmo que para o diretor britânico o traço de normalidade da humanidade não fosse exatamente normal. As pessoas são exageradas, claro, mas o nível de preocupação com conspirações é bem condizente com o clima conflituoso dos anos quarenta.

    O mundo em conflito deixa as pessoas mais suscetíveis a desconfiança em geral. Antes, para Barry, sua palavra já era o suficiente, agora, ele é obrigado a se envolver com toda sorte de malandros, com pessoas que barganham com o único bem que lhe é direito, que é sua liberdade.

    O extremismo proveniente do governo alemão do III Reich influi na balança ideológica, causando alvoroço entre os países aliados, pondo trabalhador contra trabalhador. O texto é até bem didático nesse ponto, mostrando o proletário como o elo mais fraco, a resultante da quebra da corda quase sempre. Praticamente não há complacência com o pobre diabo que tenta provar sua inocência. As pessoas que o ajudam são tão necessitados quanto ele, se não mais, ele tem a solidariedade de homens e mulheres praticamente miseráveis e de pessoas de feições estranhas.

    Didatismo em uma obra artística não necessariamente é um problema, e no caso de Sabotador esse aspecto é muito bem encaixado. As conclusões que Barry tem ao se aproximar do último quarto de filme impressionam, ele toma uma consciência de classe e uma noção política de embate ao fascismo que seria o comportamento ideal para o povo. É compreensível que o homem comum não queira se envolver com política e não queira perder os poucos privilégios que tem em busca de justiça e do que é certo, mas exemplos como o governo do austríaco Adolf Hitler na Alemanha dos anos 30 e 40 dão provas de que a isenção política ajuda a causar a perda  até dos poucos  direitos que o proletariado tem, e dependendo do regime, se for totalitário como era o III Reich, mais povos tendem a perder até a liberdade de terem suas identidades preservadas, como foi com os descendentes dos hebreus bíblicos. No caso de Barry, ele foi acusado de algo criminoso, que não fez, e tem sua vida posta em risco por conta da situação caótica que o mundo está posto, mesmo o sujeito dentro dos padrões arianos poderia sofrer, ou seja, nem a tola promessa de que os iguais ficariam bem era cumprida pelos poderosos da extrema direita.

    Hitchcock teve bastante coragem em levar a frente um projeto tão engajado, que fez obviamente parte do esforço de guerra contra as forças do Eixo e que tem em seu esforço artístico momentos apoteóticos, sobretudo no final, com as sequencias de bombardeio e de perseguição entre os dois lados postos em contraposição. Mesmo os momentos mais viajandões, como o embate entre Fry (Norman Lloyd) e o herói da fita em plena Estátua da Liberdade é bem encaixada, mesmo com toda a irrealidade da cena em si, mesmo com todo o simbolismo que o ponto turístico teria mais a frente no tempo. Para a época, os efeitos especiais cabiam bem, e a finitude se dar imediatamente após a morte do antagonista é um bom desfecho para um filme que é bastante fruto de seu tempo, um espécime do cinema clássico de uma Hollywood que ia se solidificando, e maturação de um cineasta que ia ganhando contornos de figura lendária aos poucos.

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  • Crítica | Ser Ou Não Ser

    Crítica | Ser Ou Não Ser

    Produzido por Alexander Korda, ainda em preto e branco, Ser ou Não  Ser é um longa de Ernst Lubitsch e é mais um dos filmes dos anos 40 que entraram no esforço anti Segunda Guerra Mundial. Apesar do nome, não vem a ser uma adaptação das peças de William Shakespeare, mostrando na verdade uma historia que se passa na Polônia ocupada, onde um grupo de  atores canastrões acaba caindo na graça dos nazistas, durante a tal ocupação.

    O filme começa com uma longa introdução silenciosa, mostrando os créditos do filme, seguida de um tour pela rua dos teatros na capital polonesa da Varsóvia, onde há inclusive uma representação do Fuhrer em plena rua, em que a maioria da população assiste atônita, mostrando fundamentalmente que as pessoas comuns não tinham uma boa visão de Adolf Hitler.

    As cenas posteriores, em um escritório de militares nazistas, é dentro de um dos espetáculos dos comediantes. Em paralelo com esse espetáculo, há também adaptações das obras de Shakespeare, e claro, bombardeios na Varsóvia, que fazem lembrar a dura realidade da guerra, e que nem a bela arte teatral é capaz de aplacar a dor do povo que sofre com o poderio extremista alemão e nem aliena o povo por completo.

    Há quem  acuse o filme de soar um pouco sensacionalista. A música da trilha é sempre muito alta, dá um ar sensacional mesmo para os anúncios de campos de concentração, e as transições de tempo são bastante bruscos, mas ela traduz de maneira bem fiel a sensação que boa parte dos homens comuns tinham ao perceber o avanço da Guerra, além disso, há uma abordagem da resistência aos nazistas.

    As atuações de Jack Benny e Carole Lombard são de uma entrega intensa, eles vivem respectivamente Joseph e Maria Ture, um casal de atores bem ambiciosos, e que se vêem no meio da trama de espionagem, que envolve Alexander Siletzky (Stanley Ridges), um homem que tem a missão de entregar uma mensagem aos nazistas, que influenciaria no destino da resistência. Todo o desenrolar dessa sequência exige muito dos atores, que dão uma boa demonstração de seus dotes dramáticos.

    Quando atinge perto de uma hora de exibição, há uma intensa perseguição, repleta de suspense, em que um tiro ocorre. Realidade e dramaturgia se confundem, pois a perseguição ocorre no meio dos ensaios, e em meio a um ato onde a cortina sobe e mostra um homem sangrando, indo de encontro a morte. O simbolismo da cena é muito forte, evoca que os tempos de guerra primam pela artificialidade e pela teatralidade, e faz isso de modo sentimental, direto e visceral.

    O fato de se chamar Ser ou Não Ser é até poético, em especial no terço final, onde há uma troca de identidade e um desempenho atroz do ator Ture dentro da trama metalinguística do filme. O grau de paródia, misturado com o conceito de encenação da rotina dos vilões se confunde ao final, mostrando a tal companhia de comediantes agindo a favor dos Aliados contra o Eixo, atacando as células nazistas, fazendo com que eles tenham baixas diretas, atrapalhando claramente o poderio tirânico dos nazistas, ainda que em uma pequena esfera. Lubistch traz a luz um filme que elucubra sobre identidade e sobre as dificuldade de viver em um mundo de extremos, e que não tem medo de escolher um lado ideológico, sendo um dos mais corajosos filmes anti-fascismo da época.

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  • Crítica | Quando Desceram as Trevas

    Crítica | Quando Desceram as Trevas

    Estrelando Ray Miland, que vive Stephen Neale, Quando Desceram as Trevas começa com um relógio badalando, e uma música sensacionalista que evoca o suspense que permearia o pouco menos de 90 minutos de exibição desta obra lançada em 1944, ainda com a Segunda Guerra ocorrendo, e se valendo desse cenário para apresentar uma trama cheia de paranoias, flertes com espionagem e comentários sobre o mundo em ebulição, pondo nazismo e outras ideologias em contraponto.

    O filme em preto e branco prima pelo mistério, mostra personagens letárgicos, que demoram a tomar qualquer ação, que se movem vagarosamente mesmo quando lidam com terceiros, possivelmente em atenção aos estranhos e maniqueístas tempos de perseguição a quem pensasse ou fosse visualmente diferente dos poderosos. Essa letargia se vê principalmente no personagem de Miland, que é um sujeito de passado misterioso e que muito aos poucos vai se desenrolando.

    As primeiras cenas de Neale mostram a sua intimidade, quando está parado dentro de uma casa. Já se nota a diferença dele para os ditos “normais”. Antes mesmo do filme apresentar seus plots de falsas acusações de assassinato para o sujeito, é como se a estranheza fosse o norte do roteiro Selton I. Miller escreveu para que o austríaco Fritz Lang dirigisse. Certamente esse é o mais desconfiado filme dessa fase que o diretor de Metropolis conduziu até então, não é tão explicito quanto Os Carrascos Também Morrem ou O Homem que quis Matar Hitler, mas mostra o mesmo viés condenatório dos extremistas a direita.

    Neale ficou internado durante um bom tempo, em um hospício, graças a acusação de ter assassinado sua esposa. O retorno a sociedade, que deveria ser tranqüilo acaba não sendo, ele se vê invadido por pensamento, entre eles, pensamentos suicidas. Ao tentar voltar a normalidade, ele se vê no meio de uma estranha trama, em um circulo interno que remete a estranhas conspirações e a cultos de seitas igualmente bizarras,  onde ocorre um assassinato e por conta de seu passado, ele é acusado de ser o homicida. Até esse aspecto serve de crítica a sociedade, que pre julga o cidadão sem qualquer prova de culpa ou algo que o valha.

    Entre tentativas de fuga do estado depressivo e melancólico que o sujeito está, moram tentativas de viver uma vida normal, e um flerte que faz com uma bela moça, ele visita um homem já idoso, e lá ele tem contato com um estranho livro, Psicologia do Nazismo, do Doutor Forrester. A partir dali ele passa a pensar em sua própria  situação psicológica, e na conversa com a moça surge uma inocente (e nonsense) conversa sobre espionagem dos nazistas.

    Neale é um personagem simbólico, fruto de seu tempo, acometido pela paranoia típica dos tempos bélicos. É o perfeito exemplo do homem comum que se vê  confuso pelos tempos difíceis e que quase sucumbe ao discurso conveniente e cheios de respostas prontas que provém da fala fascista. Seu drama se encaixa bem na dificuldade que a opinião pública mundial sofreu durante a ascensão do Eixo, e mostra de maneira até um pouco didática como funcionava a cabeça da maioria das pessoas. A influencia nefasta dos que seguiam as ordens do III Reich causava furor na mente do cidadão comum, e deixava o mesmo num estado de alerta tão intenso que qualquer mínima pulsão gerava a sensação e loucura e a vontade de não existir.

    O nome original de Quando Desceram as Trevas é Ministry of Fear, e a tradução literal certamente encaixaria bem, não só com toda a trama de espionagem do filme, mas também com as representações  por ele levantadas, e com o estado mental geral do planeta naquela época, dos filmes que Lang conduziu no esforço anti guerra esse talvez seja o mais diferenciado e inusual, falando de maneira profunda sobre os malefícios do fascismo mas não de uma maneira obvia ou meramente panfletaria, e sim bem emocionante e tocante, mesmo que lance mão de velhos clichês românticos para atrair um público mais universal.

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  • Crítica | O Homem Que Quis Matar Hitler

    Crítica | O Homem Que Quis Matar Hitler

    Clássico de 1941, como parte do esforço hollywoodiano contra a Segunda Guerra Mundial, O Homem Que Quis Matar Hitler é um longa de Fritz Lang, que começa silencioso, com  um homem, que é chamado de  Thorndike (Walter Pidgeon) no meio da floresta, aprontando sua arma escondido, mirando na cabeça do Fuhrer, isso tudo ocorrendo sem que haja qualquer barulho, música ou som que não seja o que é produzido pela arma ou pelo ato de carrega-la com munição. Ele é impedido, por um guarda nazista, que  tenta espancar ele, e o que se vê  nos 105 minutos de filme é uma investigação sobre o caso.

    O roteiro de Dudley Nichols, baseado no livro Man Hunt de Geoffrey Household explora a partir dali toda uma discussão e estudo para descobrir quem poderia ter sido o mandante da tentativa de assassinato, e o capitão Thorndike vira obviamente testemunha chave do caso. Ao ser indagado sobre seus motivos, ele é bastante evasivo, diz que só pratica tiro a distância. O objetivo da policia nazista é associar a tentativa de alvejar o austríaco com um ato do governo britânico, mas eles não conseguem.

    Um pouco diferente do visto em Os Carrascos Também Morrem, aqui ainda há um julgamento mais tímida da figura de Adolf Hitler, embora, pela boca de Thorndike saiam impropérios mais pesados, igualando ele a um megalomaníaco com complexo de Cesar. Há um cuidado especial em sempre apresentar opiniões controversas  pela boca dos personagens que não tem qualquer desejo de parecer isentos, dessa forma, caso Lang ou qualquer membro da produção fosse enquadrado em terras germânicas, poderiam afirmar que aquelas posturas eram individualizadas por personagens ficcionais, e estariam certos, embora pensassem da mesma forma.

    Há espaço é claro para um romance bobo e água com açúcar, que toma boa parte da duração do longa. A tentativa de humanizar os personagens é válida, mas são nas conversas sobre as intenções políticas de Torndike que moram as maiores provas de que ele é destrutível e falível. Toda a conversa que ele tenta passar, afirmando que não tentou matar o líder nazista e que só estava mirando por uma curiosidade esportiva de caça não faz qualquer sentido, mesmo em uma época onde a malícia não era tão escancarada quanto no século XXI. A paranoia da Guerra não permite isso, ainda mais em um país onde impera o reacionarismo e o autoritarismo da extrema direita. O povo está o tempo todo tenso, assim como as autoridades e os militares, não há como driblar isso, nem ludibriar o senso comum neste sentido.

    A tensão é guardada para os momentos finais, onde o herói da jornada é enquadrado por um vigilante defensor do partido nacional socialista, que não crê na inocência do mesmo, e finalmente tem coragem o suficiente para encarar ele. Após um combate que apesar de comedido em violência, é carregado de significado, mostrando um homem acuado contra outro que tem toda a chance de matá-lo, e ainda assim tendo algum tipo de soberania.

    O final de O Homem que quis matar Hitler é pontuado com chamadas de propagandas de chamadas de guerra de cunho anti nazista e contra o Eixo, mostrando o personagem principal despertando e se preparando para a guerra, cumprindo as suspeitas de que seu ato foi sim um manifesto bélico. As sutilezas que Lang impõe em seu filme tem um cuidado e um acuro enorme, as precauções em não parecer explícitos são justas e servem bem ao espectador atual que quer  entender como funciona a cultura em tempos de extremismo, como o cinema pode e deve comunicar com o povo, com os que formam as nações e com a aldeia global, uma vez que a sétima arte tem um caráter universal muito forte.

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  • Crítica | Os Carrascos Também Morrem

    Crítica | Os Carrascos Também Morrem

    Os Carrascos Também Morrem é um longa-metragem do lendário diretor  austro-húngaro Fritz Lang, famoso por conduzir Dr Mabuse, Metropolis e M, Vampiro de Dusseldorf,. Lançado em 1943, a obra fez parte do esforço hollywoodiano anti guerra, ocorrido com o conflito ainda sem resolução. A historia se passa em Praga, atual território tcheco e que na época era da Tchecoslováquia, e seu ponto de partida é a morte de um famoso torturador, Reinhard Heydrich, que era bastante temido pela sociedade, mesmo para os locais tomados pelo exercito nazista, e claro, odiado pela maioria, em um comentário bem pontual e inteligente do roteiro sobre os parâmetro de Maquiavel no livro O Príncipe.

    Há dois fatores dignos de nota e que chamam a atenção do espectador. O primeiro, é que após o letreiro que explica toda a situação social e política daquela época, onde se registra claramente o incômodo que são os soviéticos para o exercito de Hitler e seu avanço no combate ao fascismo, e o segundo é a comoção da população com a morte de Heydrich, onde há comemorações bem efusivas, claro, longe dos olhos da autoridades e da Gestapo. É incrível como mesmo não aparecendo em uma cena sequer, se sente a presença do personagem.

    Ainda no início da historia se percebe um uso de trilha sonora bem sensacionalista, às vezes até intrusiva, fator que faz manipular um bocado as emoções, o que é natural, dado que é um filme de estética e narrativa de uma Hollywood ainda embrionária, ainda sem o conceito de filmes tão populares quanto os blockbuster e que lançava mão demais de personagens estereotipados e de arquetipos, o que (novamente) não é um problema, pois o caráter do filme é tornar universal e comum a jornada de paranoia do filme. Personagens do triangulo amoroso entre Doutor Franticek Svoboda (Brian Donlevy), Masha Novotny (Anna Lee) e Jan Horak (Dennis O’Keefe) servem para humanizar o povo, em especial os que formam a resistência aos nazistas, bem como o pai de Masha, Professor Stephan Novotny (Walter Brennan) que é um homem da educação e que não à toa, é culpado por um crime conspiratório que não tem absolutamente culpa nenhuma.

    A história que Bertold Brecht e Lang escreveram – cuja adaptação para roteiro foi de John Wexley – mostra uma família em frangalhos, graças a mentalidade punidora e castradora da policia nazista. Homens uniformizados, que cumprem ordens e parecem só ter o mal como norte de comportamento impingem ao povo uma sensação de prisão em sua própria pátria. A ocupação, autoritária e ideológica  causava temor, mas não matava a vontade de libertação dos residentes do país.

    A falta de tridimensionalidade do povo pode ser facilmente explicada pela pressão autoritária dos invasores alemães. Os membros das oligarquias vivem em suspenso, em uma realidade quase alternativa, onde eles estão anestesiados, onde não há direito a ideologia ou a qualquer modo de pensar minimamente diferente da ideia estatal do que é certo, correto ou ordeiro, e isso é muito bem construído tanto nos diálogos e interações dos que investigam o assassinato do início do filme quanto os que querem fugir das acusações, além é claro de aludir a paralelos mais atuais, e bastante incômodos, fazendo obviamente temer pelo pior, em especial no espectador mais progressista, que teme que o levante reacionário hiper autoritário que tomou o mundo na última década faça repetir os momentos de intolerância dos anos quarenta do século XXI.

    Há uma única exceção ao engessamento do comportamento humano e a lógica de modo de viver artificial, o astuto e carismático Inspetor Alouis Gruber  , de Alexander Granach, um homem que mesmo diante do autoritarismo seus e dos colegas, segue como o mais humano,  errático e bon vivant dos personagens, desafiando a lógica que muitos opositores ao Eixo tinham de que os nazistas eram monstros desumanos. É importante demarcar isso, até para que as gerações que não viveram esses dias sangrentos tenham noção de que  foram pessoas de verdade que aderiram ao pensamento e comportamento nazista, assim como os apoiadores indiretos da causa, como a pequena burguesia, simbolizada pelo granfino Emil Czaka, executado por sua vez por um Gene Lockhart quase tão inspirado quanto Granach.

    Durante as mais de duas horas de filme, há a repetição de um anúncio escrito propagandista curioso, Se serve a Hitler, serve a Alemanha,  se serve a Alemanha, serve a Deus, e esse slogan denuncia o aspecto religioso que boa parte dos revisionistas – os mesmos que visam a desinformação do povo através de inverdades de cunho absurdo – acusam a Alemanha hitlerista tinha, e Fritz Lang, como bom “filho de sua pátria” (o cineasta viveu a maior parte da sua vida na Alemanha) torna explicito o quão perigoso pode ser o apelo ao discurso religioso e lugar comum, reafirmando que quando essa fala é dita, na maioria das vezes, se esconde uma armadilha ideológica excludente e que contradiz inclusive esses preceitos religiosos, que a priori, pregam tolerância e amor ao próprio, e não a perseguição a quem discorda da suposta maioria.

    Os Carrascos Também Morrem é irônico, lento e muito tenso. A música cantarolada pela resistência,  de refrão  No Surrender é arrepiante em cada uma de suas performances, mesmo quando tem um cunho didático e teatral, e a abordagem que Lang emprega beira o poético,  em especial no final, quando mostra os momentos derradeiros de doutor Novotny. O destino de Szacka também é exemplar, e mesmo em segundo plano, tem um papel fundamental de escrutinar como o apoio burguês/ liberal a regimes fascistas funcionam,  dando um ponto final justificado, que incorre claro em um moralismo, mas que funciona narrativamente, tão bem calculado matematicamente dentro do drama, que faz lembrar a mentalidade teatral de William Shakespeare. Há muita coragem no esforço de Lang em realizar um filme como esse nessa época,  mas não é surpresa dados os filmes que ele fez dos anos 30 até 43, principalmente por explicitar o fracasso nazista e o assumir das autoridades nesse sentido, claro, acompanhado de No Surrender, nos créditos finais, que demarcam bem a principal das mensagens do filme.

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