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  • Resenha | Spartacus – Howard Fast

    Resenha | Spartacus – Howard Fast

    Spartacus, romance escrito por Howard Fast e adaptado para o audiovisual em Spartacus de Stanley Kubrick, e posteriormente, na série da Starz Spartacus: Blood and Sand. Lançado em 1951, o livro conta a história da revolta de escravos liderada pelo personagem-título no ano 71 aC.

    Nota-se na escrita de Fast uma linguagem formal, em atenção à época imperial romana. Se discute bastante o papel dos escravos na república romana e a facilidade que se tem de construir estradas em poucos dias através dessa força de trabalho não-assalariada, além de escrutinar se foi Roma que gerou Spartacus.

    Toda a história por trás do filme de Kubrick geraria um estudo por si só, dada a questão conturbada que fez com que o diretor evitasse a todo custo filmes de estúdio. As histórias paralelas do livro, envolvendo os personagens secundárias, foram muito sublimadas no filme, e nesse ponto, a série da Starz acerta por dar mais camadas aos personagens que circundam o protagonista, e é importante que isso ocorra, pois Fast pensou nele como o líder de uma revolução, e uma revolução não se faz sozinho.

    A realidade é que nenhum personagem que passa pelo encontro com o líder da rebelião passa incólume, em uma comparação de impacto com outro personagem clássico que também ostenta espada, no caso Conan, O Bárbaro, ainda que eles tenham motivações e personalidades muito diferentes entre eles.

    Há bastante lirismo e poesia nas descrições que Fast faz a respeito dos sacrifícios do escravo revoltado. O que ele fala a respeito de não poder vomitar para não desperdiçar nada que está no estômago dá bem a dimensão de como era difícil lidar com as condições enfrentadas.

    As questões relativas a homossexualidade são tratadas de maneira pejorativa, talvez por conta do preconceito da própria época em que o livro foi escrito, já que questões envolvendo sexualidade na Roma Antiga eram vistos de forma completamente diferente daquelas encaradas nos anos 1950. Esse aspecto foi bastante explorado na série da Starz, e também é citado no livro. Os treinadores de gladiadores acreditam que tem que satisfazer sexualmente seus lutadores para que a masculinidade deles não atrofiasse, e foi nesse ínterim que Spartacus teve sua primeira noite de prazer. No entanto, o que Fast escreve foi traduzido de maneira exagerada nas duas mais famosas versões de seu personagem. Não há uma valorização conservadora da virgindade, como visto no cinema, muito menos a libertinagem mostrada no seriado. Há significado e pragmatismo. Os escravos sabiam que eram seres coisificados e que todos os seus pares também eram objetos, e por isso, não deveriam guardar sentimentos mais profundos.

    Outro ponto interessante se dá na forma como os nobres encaram os eventos orquestrados por Spartacus, ao achar que a revolta não é um evento isolado, mas uma guerra contínua. Há um claro subtexto de luta de classes, talvez por conta de sua militância política, já que participava de movimentos sindicais e antifascistas, e por isso, foi perseguido pelo macarthismo, assim como o roteirista que adaptou a obra para os cinemas em 1960, Dalton Trumbo.

    Spartacus se assusta com a volúpia que os romanos têm em matar. Para ele, o valor que os imperiais dão à vida dos outros é praticamente nulo, e essa é a diferença civilizatória entre os tiranos e os explorados. Fast detalha bem os povos que formavam os grupos de escravos.

    Há uma beleza poética no final, em Varínia se entregando ao sexo pós-morte do seu amado, e ao suicídio de um dos poderosos, que faz isso prevendo que sua classe morrerá. Spartacus é um livro claramente político, ainda que seja repleto de aventura, o autor não se omite em discutir o autoritarismo e nazifascismo utilizando os romanos como exemplo de opressão. O fim da vida do herói serve também de prenúncio à queda romana, já que demonstra a inteligência dos escravos, além de sua capacidade de pensamento e mobilização, ao contrário da torpe premissa de que os romanos eram os únicos seres pensantes da época. A mensagem que Fast passa é que mesmo que a batalha seja perdida, é preciso travá-la.

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  • Resenha | Trumbo – Bruce Cook

    Resenha | Trumbo – Bruce Cook


    Trumbo
    é uma publicação em prol do montar, desmontar e, simultâneas vezes, do remontar o que é o sonho americano, questionável desde os anos oitenta, pós era-Vietnã, na terra dos sonhos, onde a magia acontece, palco já de muita perseguição e escândalos inomináveis. Seria a ilusão de sucesso dos idealizadores que se arranja, e aos poucos é rearranjada pela realidade cruel dos fatos, ou apenas o auto-engano que guia os mais corajosos em direção do reconhecimento, da fama e das grandes festas regadas de sexo, promessas e uísque? Publicado no Brasil pela Intrínseca editora, na esteira da vida e obra de um dos mais famosos roteiristas de Hollywood, a tal La La Land das constelações ambulantes, tem-se o retrato de uma época paranoica e que escancarou, de fato, a tensa relação entre Cinema, e política – e o que acontece de pior quando há indícios de traição.

    Tanto que, esconder essa relação, hoje, seria em vão. Hollywood age como a mais útil ferramenta de disseminação de entretenimento mundial, conferindo aos EUA um soft power absoluto, infiltrando o modo de vida americano de uma forma muito mais efetiva do que por armas e exércitos predatórios, colonizando os continentes. O que é divertido nós compramos sem questionar quase nada sobre, e Hollywood sabe disso. Sempre soube, e Dalton Trumbo também – e muito bem. O cara era esperto como poucos, competitivo, e pendendo mais para a megalomania nos projetos de Cinema que escrevia, segundo o depoimento de Ian Hunter, um dos amigos de profissão que salvaram sua pele, na montanha-russa que acometeu sua vida. Todos esses aspectos o faziam diferente de outros roteiristas da era de ouro, quando os estúdios e as grandes estrelas detinham o poder, e não os personagens.

    E por mais brilhante e único que fosse, Trumbo não criou Hollywood, e portanto, tinha de se adaptar as regras pré-concebidas da casa. Assumidamente comunista, o homem que conhecia as celebridades hollywoodianas como a palma de sua mão encabeçou a lista-negra que pretendia varrer qualquer traço comuna do “american business”, como apontou o lendário ator John Wayne, que ajudou a dedurar amigos de profissão. Preso, julgado, difamado, e a pior coisa para um autor, forçado a reescrever e em muitos casos dar seus roteiros para outros nomes assinarem, Trumbo, assim como tantos outros nomes de todos os setores dessa bilionária indústria, desceu aos sete círculos do inferno por trás da máquina de delírios, amparada por um governo capitalista e intolerante. Bruce Cook, num empenhado trabalho de apuração dos eventos, e contando com grandes depoimentos, remete o próprio caminho dessa figura emblemática a história de mil faces de uma Hollywood linda por fora, e, claro, apenas por fora.

    Após sobreviver a grande depressão americana dos anos 1920, sempre quebrado, frustrado, e tendo sido indicado a trabalhar na Warner Bros., onde ganhou notoriedade e escreveu seu roteiro de filme mais famoso, Spartacus, o qual foi filmado por nada menos que Stanley Kubrick, Trumbo notou desde o começo que as cores do sonho americano são pura fachada. Resta, então, já na posteridade hoje presente, ler a obra que disseca o mitológico roteirista para encontrarmos o certo e o errado entre suas inspirações, afiliações e ideais. Certamente polêmico, hoje, o seu comunismo na época foi totalmente imperdoável, enxergado em forma de propaganda sutil nas narrativas que escreveu, forçando-o a se refugiar no México, e recomeçar do zero, após a perseguição política de quem nem ao menos se deu ao trabalho de averiguar seu trabalho (“Páginas demais”, declarou o investigador-chefe do Comitê de Atividades Antiamericanas, em 1947).

    Nem mesmo Luis Buñuel e Charles Chaplin, dois dos maiores cineastas de todos os tempos, escaparam das investigações. Grandes nomes, ou melhor, lendas do passado cultural ocidental que foram prontamente ajudadas por quem defendia a liberdade de pensamento, tal como é garantida na Constituição dos Estados Unidos. Humprey Bogart, Henry Fonda, Bette Davis, John Huston e William Wyler, entre outros gigantes, lutaram em nome dos chamados “traidores” e “antipatriotas”. Os rebeldes com causa cuja política quase os consumiu. Mas é que o escritor, o teimoso extravagante bem representado no filme de 2015, Trumbo: A Lista Negra, na pele de Bryan Cranston, também sabia que os conflitos que planejava na ficção não eram à toa, e que a vida sem uma boa guerra a ser combatida, principalmente em Hollywood, não poderia ser, afinal, uma vida bem vivida.

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