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  • Resenha | O Oceano no Fim do Caminho – Neil Gaiman

    Resenha | O Oceano no Fim do Caminho – Neil Gaiman

    “Adultos seguem caminhos. Crianças exploram.”

    Não tem coisa mais fácil, e descartável, que um mero escapismo infantil em forma de livro. A série nacional Vaga-Lume tornou-se célebre justamente por resgatar a aura das aventuras infanto-juvenis clássicas com o dobro de vida e perspicácia que a maioria das histórias para crianças tanto demonstram, publicadas ano após ano, quase subestimando a inteligência dos pequeninos. Já para Neil Gaiman, criador de Coraline e da obra-prima adulta Sandman, chega a ser uma terapia estimulante pôr pra fora sua criança interior com a sabedoria de um escritor sapiente, tecendo epopeias profundas e reflexivas com a intenção principal de reproduzir, o mais fiel possível, a experiência de ser criança e de encarar (ou não) os nossos medos sem entender, de verdade, nada do que está acontecendo. Quando o mundo é o nosso quintal, tudo é possível nele, tudo é fértil, enquanto somos tão felizes de brincadeira, em brincadeira.

    O que impressiona, mesmo, é a habilidade de Gaiman em levar a sério, na medida perfeita, fábulas tão doces quanto arrepiantes, e que provavelmente toda avó conta a seu neto antes de dormir, ao instigar seus sonhos mais secretos. Reinações estas muito parecidas com a deste O Oceano no Fim do Caminho, narrado em primeira pessoa com um forte clima de confissões de diário aberto, e sem o nome do personagem principal a nos guiar pela aventura que viveu, aos sete anos de idade. Aqui, este (para sempre atormentado pela sua infância) retorna a sua cidade natal apenas para ver como tudo está, mais de vinte anos depois de ter lutado contra todo tipo de força do mal que uma criança pode imaginar, e ainda, ter conhecido a doce e poderosa Lettie, na fazenda de sua família. Sem saber que o destino os lançaria a inúmeras armadilhas, a dupla passa a ser atormentada por monstros do submundo recém invocados, após um homem se matar nas redondezas, com eles farejando a morte e sendo atraídos por ela.

    Há um lago na fazenda de Lettie e sua família, e nele há ondas oceânicas que nos levam a reinos muito distantes! Um portal legítimo, cujos mistérios vão muito além da capacidade de um garoto de sete aninhos entender, e como ele é a voz da jornada, Neil Gaiman cozinha esses mistérios através do olhar cândido e inocente do garoto que embarca com a sua melhor amiga num mar de fantasia que, talvez, só possa ser vivenciado e desfrutado mesmo pelas virtudes dos infantes, e dos de bom coração. Há uma frase dita por Gandalf no livro O Hobbit, de J.R.R. Tolkien, que ilustra perfeitamente boa parte do trabalho de Gaiman: “São os simples atos de bondade e amor do dia a dia, que mantém a escuridão afastada.” Em certo momento, a história incorpora essa verdade nos grudando a ela, e mesmo com criaturas das trevas despertadas naquela pacata cidade americana, longe de tudo, é a força da amizade e de uma família, no meio do nada, que impede as várias formas do mal de eclipsar a luz, e governar o lado de cá desse “oceano” em forma de lago.

    Mas e quando os problemas racham as nossas paredes, se infiltram e conseguem invadir a nossa casa, personificados numa governanta que seduz a todos apenas para vigiar, bem de perto, aquele que impede o triunfo do mal? Eis que surge então a sinistra Ursula Monkton, mulher sem passado e que age como elemento de destruição da normalidade, infernizando ainda mais a nossa dupla de aventureiros. O que poderia ser apenas uma alegoria sobre o terror de uma madrasta cruel morando com você, e ver seu pai enfeitiçado por ela indo contra os seus filhos, isso que poderia ser um longo episódio de Coragem, O Cão Covarde vira, nas mãos magistrais de Gaiman, um exercício literário da mais pura e nobre fantasia que surgiu nos anos 2010. Do início ao término (que nunca desejamos chegar), O Oceano no Fim do Caminho é, além de uma ode à imaginação infantil, colorindo e agitando o mundo de boletos e crises dos adultos, uma impagável homenagem a própria obra geral, super criativa e fabulesca, de Gaiman.

    Obras assim nos transportam para longe, muitas vezes para dentro de nós, isso devido sobretudo a sua atmosfera arquitetada em detalhes, e um suspense bom demais para resistir a imersão. Assim como em O Livro do Cemitério, Gaiman consegue nos encantar com a facilidade do vento, e a leveza de um conto de Roald Dahl mais sinistro, como se os Oompa-Loompas tramassem agora um plano bizarro para comandar a fábrica de Willy Wonka, ou se Matilda decidisse se vingar pra valer da diretora do colégio. Tudo na dinâmica de um pequeno grande conto, e com aquele sabor de infância para o público mais crescidinho que, no fundo, sente saudades de embarcar em aventuras epopeicas como as de Lettie e seu amiguinho, um moleque normal que cai de balão nesse mundo de dimensões paralelas e criaturas inacreditáveis, capazes de engolir a nossa realidade – literalmente. Mas vamos ao que interessa: e se Gaiman escrevesse Harry Potter? Esse é o mundo perfeito onde eu quero viver, explorar, e nunca mais voltar dele.

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  • Resenha | Tempo é Dinheiro – Lionel Shriver

    Resenha | Tempo é Dinheiro – Lionel Shriver

    Tudo está bem, e eis que a vida (a dois) se torna uma guerra de interesses, “evoluindo” logo em seguida para uma luta entre a vida e a sobrevivência de tudo diante da iminência confirmada de um câncer. Se um casal é de fato um mundo, entramos em Tempo é Dinheiro por debaixo de suas nuvens, furamos sua superfície em direção ao centro desta Terra e observamos, de dentro para fora, o lento e problemático apocalipse deste planeta conjugal repleto de cobranças, contradições, alegrias e arrependimentos inesquecíveis. É curioso refletir o quanto a vida nos faz de marionetes no roteiro maluco de um destino brincalhão, mas Lionel Shriver, autora de Precisamos Falar Sobre Kevin e Dupla Falta, mostra-se hábil o bastante na elaboração dramática de um quadro matrimonial à beira do colapso, enquanto quem faz parte deste tenta manter-se vivo, forçosa e literalmente, por eles mesmos, seus filhos ainda pequenos, e o que sobrou do que havia sido seus sonhos, um dia.

    Por mais pessimista que possa parecer, o quadro aqui através desta problemática é preciso para explorar o preço dos nossos desejos e aspirações, por vezes tão mesquinhos e egoístas. Afinal, quando tudo está em jogo, não é possível dar as costas para o que profundamente é caro, de verdade, nas nossas vidas. Todos os dias pessoas desistem de seus objetivos por um ente familiar, até mesmo por questões de amizade, mas quando imprevistos emergenciais de saúde entram no jogo, nesse instante a brincadeira fica séria. Shepherd Knacker sempre quis arriscar, abandonar Nova York, o trabalho chato com o patrão indiferente e o trânsito insuportável de uma cidade enorme. Trocar tudo isso por uma vida mais calma, fora dos Estados Unidos, como se o sonho americano nunca tivesse lavado sua mente, porém, era demais para Glynis. Uma artista que ama lidar com metais e transformá-los em lindas pulseiras e espátulas, Glynis simplesmente não está preparada para deixar tudo para trás como talvez, no começo do casamento com Shep estava. Ele precisa ir, ela precisa ficar, e nesse intempérie a vida acaba decidindo por eles qual será o próximo movimento.

    Sem grandes lamentos, e muito menos covardia para enfrentar as novas condições da esposa, Shep não evita em usar todas as suas economias para a mudança de sua vida no tratamento especial de Glynis, à espera de uma melhora todas as noites no hospital. A nova rotina se impõe, afetando a tudo e todos, e o romance deixa espaço (às vezes, até demais) para lidar com o impacto disso em outro casal amigo deles. Reavaliando o próprio casamento, sua turbulenta dinâmica, o desgaste sentimental e sexual mútuo, e até mesmo a sufocante realidade do péssimo sistema de saúde pública dos Estados Unidos, Jackson e Carol são os cúmplices de um drama cuja intimidade, para eles, não é segredo. Amigos próximos, Jackson e Carol são para o leitor o casal que mesmo sem grandes desafios ou ultimatos, além do peso do tempo que estão juntos, começam a rachar muito mais rápido que Shep e Glynis, sendo que para esses a cola que os une se constitui da esperança por manhãs melhores. Tempo é Dinheiro, da editora Intrínseca, discursa em prosa corrida, e divertida, resistência e desapego como se os dois casais formassem ambos os lados do que pode se tornar, essencialmente, um matrimônio após anos de cumplicidade, trabalho duro e sacrifícios um pelo outro.

    E quando o destino toma as rédeas da situação, este Senhor consegue ser mais implacável que qualquer ação tomada pelo homem – seu poder é alterar o inalterado, e ainda, corrigir o que talvez ainda não esteja na hora de terminar. Glynis então segue lutando pela vida em intermináveis sessões de quimioterapia, encarando a letargia de um câncer tal um debate que precisa ser vencido com determinação, e confiança. Como que inspirado pela força da mulher, Shep segue, por sua vez, sendo o homem da família que explica aos filhos tudo o que está acontecendo no tocante aos problemas que todos enfrentam, afinal, a família não pode quebrar – mesmo com céu e terra caindo agora lá fora, mas quem sabe, no momento mais oportuno possível para isso, antes do sol voltar a aparecer – mas não para todos. Shriver nos convida a reflexão sobre o importante papel dos nossos infortúnios, das lições que tiramos deles, e com uma elegância típica de uma escritora sempre em controle de suas intenções mais nobres para nos emergir em suas histórias, e manter-nos seduzidos assim até o grande fim.

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  • Resenha | Dupla Falta – Lionel Shriver

    Resenha | Dupla Falta – Lionel Shriver

    Há quem acredite que Cenas de Um Casamento, do sueco Ingmar Bergman, é o mais verídico dos romance já exibidos numa tela de Cinema. Isso porque a forma crua e ultra realista de Bergman para expor uma relação “romântica”, quase que documentalmente, fatalmente impressiona os mais apegados a versão conto-de-fadas sobre o que é, de fato, um namoro, noivado ou um casamento de verdade. Poucos filmes, livros ou peças foram tão a fundo e ousados neste sentido quanto a obra-prima do autor de O Sétimo Selo, ao explorar muito do que ocorre, do dito e do não-dito por duas pessoas que dividem a mesma intimidade, os mesmos segredos, a mesma cama e os mesmos problemas. No caso de Willy e Eric, ambos compartilham de algo que pode ser (mais do que) fatal para qualquer casal, que se preze: as mesmas ambições profissionais.

    Ou seja: os mesmos assuntos que não se falam na mesa do jantar, mas que para eles são sussurrados no sexo, e discutidos no banho, de maneira inevitável. Dupla Falta, da editora Intrínseca, é sobre a crescente falta de equilíbrio num relacionamento, quando tudo que se passa a existir entre duas pessoas que antes se amavam é a competição, o egoísmo, e a intriga. Nota-se aqui que o uso da palavra “ambição” não poderia ser substituído por “inspiração”, já que tanto Willy quanto Eric, duas ótimas personagens da ficção moderna, evidenciam cada vez mais sua ganância propriamente (não) dita em relação ao tênis – esporte mais que elitista no Brasil, mas nem tanto nos Estados Unidos para os brancos mais abastados que já possuem um certo dom e adoração por sua prática, como é o caso deles. Dois adultos que, por trás de sua aparência madura e suas raquetes, escondem algo pior que a mais aguda das imaturidades: a perversa rivalidade galopante contra quem, um dia, tentou-se fazer feliz.

    E tudo lavado no mais puro suco da hipocrisia e da falta de comunicação que acomete a tantos, por ai, num drama bem estruturado, no livro. A ponto de Dupla Falta não conseguir mais ser absorvida por nenhum leitor, a certa altura, como uma história de amor com seus clássicos elementos, pois a verdadeira tragédia aqui é o próprio enlace constante, do início ao fim, de uma mulher capaz de tudo para ser uma das melhores no célebre ranking mundial de tênis, e um homem que aparece em sua vida para despertar com força seus instintos mais básicos, dentro e fora das quadras, culminando em grandes consequências em suas carreiras, e visões de mundo. Se antes era ela e seu fiel e exigente treinador Max contra todos, agora o jogo parece ser contra seu próprio instinto de destruição a um sentimento tão nobre, e a um homem que a desafia tanto quanto seus sonhos mais arrogantes. Willy é uma personagem insegura, mesquinha e paranoica, e Eric é a sua possível redenção num mar (que os dois tentam esquecer, se dedicando ao esporte) de pura solidão, stress, e culpa.

    O próprio título do romance já dá o sinal do que vem: o abismo entre os dois é enorme, enquanto ambos tentam se amar e se respeitar numa guerra imposta, e alimentada, pelo o que os uniu: o esporte, a rivalidade, e a ingênua esperança que uma paixão duradoura iria suavizar as coisas na vida profissional, de cada um. Lionel Shriver, autora do popular Precisamos Falar Sobre o Kevin, nos oferece uma narrativa veloz, igualmente sagaz até mesmo nos momentos mais tensos (como no primeiro aniversário de casamento dos dois) junto a um leão, e uma leoa, que lutam pela liderança do seu bando. Ela, desde criança com a raquete em punho, e ele, um matemático que caiu de amores por seu objeto de desejo. Mesmo para os leitores mais desavisados sobre os termos do mundo do tênis, Shriver faz da leitura algo universalmente divertido e instigante sobre uma relação que sabemos, desde o início, que não acabará bem pelo menos para um dos lados – e, se acabar, será por conta de forças muito além desse casal nota mil cujo desequilíbrio, hipocrisia e afetação nós adoramos tanto acompanhar, bem de perto. Eis a realidade forjando seus espelhos na ficção mais uma vez, e com desdobramos tão fortes e imprevisíveis quanto uma chuva de verão.

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  • Resenha | Trumbo – Bruce Cook

    Resenha | Trumbo – Bruce Cook


    Trumbo
    é uma publicação em prol do montar, desmontar e, simultâneas vezes, do remontar o que é o sonho americano, questionável desde os anos oitenta, pós era-Vietnã, na terra dos sonhos, onde a magia acontece, palco já de muita perseguição e escândalos inomináveis. Seria a ilusão de sucesso dos idealizadores que se arranja, e aos poucos é rearranjada pela realidade cruel dos fatos, ou apenas o auto-engano que guia os mais corajosos em direção do reconhecimento, da fama e das grandes festas regadas de sexo, promessas e uísque? Publicado no Brasil pela Intrínseca editora, na esteira da vida e obra de um dos mais famosos roteiristas de Hollywood, a tal La La Land das constelações ambulantes, tem-se o retrato de uma época paranoica e que escancarou, de fato, a tensa relação entre Cinema, e política – e o que acontece de pior quando há indícios de traição.

    Tanto que, esconder essa relação, hoje, seria em vão. Hollywood age como a mais útil ferramenta de disseminação de entretenimento mundial, conferindo aos EUA um soft power absoluto, infiltrando o modo de vida americano de uma forma muito mais efetiva do que por armas e exércitos predatórios, colonizando os continentes. O que é divertido nós compramos sem questionar quase nada sobre, e Hollywood sabe disso. Sempre soube, e Dalton Trumbo também – e muito bem. O cara era esperto como poucos, competitivo, e pendendo mais para a megalomania nos projetos de Cinema que escrevia, segundo o depoimento de Ian Hunter, um dos amigos de profissão que salvaram sua pele, na montanha-russa que acometeu sua vida. Todos esses aspectos o faziam diferente de outros roteiristas da era de ouro, quando os estúdios e as grandes estrelas detinham o poder, e não os personagens.

    E por mais brilhante e único que fosse, Trumbo não criou Hollywood, e portanto, tinha de se adaptar as regras pré-concebidas da casa. Assumidamente comunista, o homem que conhecia as celebridades hollywoodianas como a palma de sua mão encabeçou a lista-negra que pretendia varrer qualquer traço comuna do “american business”, como apontou o lendário ator John Wayne, que ajudou a dedurar amigos de profissão. Preso, julgado, difamado, e a pior coisa para um autor, forçado a reescrever e em muitos casos dar seus roteiros para outros nomes assinarem, Trumbo, assim como tantos outros nomes de todos os setores dessa bilionária indústria, desceu aos sete círculos do inferno por trás da máquina de delírios, amparada por um governo capitalista e intolerante. Bruce Cook, num empenhado trabalho de apuração dos eventos, e contando com grandes depoimentos, remete o próprio caminho dessa figura emblemática a história de mil faces de uma Hollywood linda por fora, e, claro, apenas por fora.

    Após sobreviver a grande depressão americana dos anos 1920, sempre quebrado, frustrado, e tendo sido indicado a trabalhar na Warner Bros., onde ganhou notoriedade e escreveu seu roteiro de filme mais famoso, Spartacus, o qual foi filmado por nada menos que Stanley Kubrick, Trumbo notou desde o começo que as cores do sonho americano são pura fachada. Resta, então, já na posteridade hoje presente, ler a obra que disseca o mitológico roteirista para encontrarmos o certo e o errado entre suas inspirações, afiliações e ideais. Certamente polêmico, hoje, o seu comunismo na época foi totalmente imperdoável, enxergado em forma de propaganda sutil nas narrativas que escreveu, forçando-o a se refugiar no México, e recomeçar do zero, após a perseguição política de quem nem ao menos se deu ao trabalho de averiguar seu trabalho (“Páginas demais”, declarou o investigador-chefe do Comitê de Atividades Antiamericanas, em 1947).

    Nem mesmo Luis Buñuel e Charles Chaplin, dois dos maiores cineastas de todos os tempos, escaparam das investigações. Grandes nomes, ou melhor, lendas do passado cultural ocidental que foram prontamente ajudadas por quem defendia a liberdade de pensamento, tal como é garantida na Constituição dos Estados Unidos. Humprey Bogart, Henry Fonda, Bette Davis, John Huston e William Wyler, entre outros gigantes, lutaram em nome dos chamados “traidores” e “antipatriotas”. Os rebeldes com causa cuja política quase os consumiu. Mas é que o escritor, o teimoso extravagante bem representado no filme de 2015, Trumbo: A Lista Negra, na pele de Bryan Cranston, também sabia que os conflitos que planejava na ficção não eram à toa, e que a vida sem uma boa guerra a ser combatida, principalmente em Hollywood, não poderia ser, afinal, uma vida bem vivida.

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  • Resenha | No Escuro – Elizabeth Haynes

    Resenha | No Escuro – Elizabeth Haynes

    “Mas era simples assim: eu não podia fugir […] Não podia chamar a polícia, podia? Ele era um deles.”

    Bendito seja aquele(a) que nunca passou por um relacionamento tóxico – aliás, sorte de quem nem está acostumado a ter esse termo no vocabulário do dia a dia. Longe de situações do tipo, muitas pessoas não fazem ideia do que é ser subestimado, rebaixado, humilhado, vampirizado por quem a paixão, ou a carência, impossibilita de se ver a verdade. Passar ileso em experiências do tipo é, absolutamente, uma benção para poucos, e com o advento da internet, e o rebaixamento da privacidade individual, vemos todo dia novos casos de relações abusivas entre namorados e cônjuges, por exemplo, popularizando-se em uma escala impressionante. Algo que, na maioria das vezes, vai muito além das sequelas de uma agressão psicológica, externalizando uma violência inesperada na provável forma de hematomas, sangue, e morte.

    É o velho ditado do “só quem passou, sabe como é”. Brigas diárias, uma total falta de comunicação, medo do ridículo, medo de não ser bom o bastante… sinais da toxidade que brota do contato com alguém que se confia, mas que demonstra um comportamento digno da mais alta desconfiança entre quatro paredes – ou em qualquer lugar. Esse sentimento de paranoia é algo onipresente para a vítima, e quando se instaura no seu âmago, o estrago já está feito. É a partir dessa condição de constante desconforto psicológico que Elizabeth Haynes começa o seu primeiro romance, escolhendo o recorte mais difícil da vida de uma mulher para expressar a sensação de viver-se na escuridão das consequências mais nefastas de um entrelace amoroso. No Escuro é o relato prático de uma vulnerabilidade imposta e alimentada por quem menos se espera.

    Tal como num conto de bruxas, onde o príncipe é o dragão e suas labaredas são convertidas em atos de puro caráter feminicida, uma tangente cada vez mais constante no Brasil e no mundo de 2019, a doce e bem-sucedida Catherine Bailey entra numa espiral de perturbações físicas e mentais que nunca consideramos que, um dia, poderá nos tomar de assalto também. Ninguém está livre disso, e o livro não poupa nosso medo diante de uma iminência dessas – desde a primeira página. Nas ruas e apartamentos de Londres, apegada a um policial sedutor que todas as mulheres gostariam de ter a chance de conhecer (Lee Brightman é um Dorian Grey da vida real que não atrai mulheres apenas para transar, e se apaixonar em seguida nas costas de um cavalo branco alugado), Cathy passa a degustar todas os cinquenta tons de abuso que um homem, ciente do que faz, pode expressar àquela que confia nele.

    Íntimo da sua própria manipulação desvairada, sobrepondo-se a aguçada sensibilidade feminina, e aos sinais de imoralidade que ele pode deixar escapar, Lee constrói sua imagem de bom moço antes de, no período de quase um ano, arrasar com a auto confiança de Catherine. O romance então toma formas cruelmente realistas, algo que os leitores desavisados nesse universo de abusos podem considerar fantasioso, se não fosse verdade. Perseguida, afastada das amigas, e desenvolvendo transtornos obsessivos compulsivos pelo contato com o agressor, Cathy expõe claros sinais de mudanças negativas em sua personalidade, enquanto começa a se perguntar, pouco a pouco: Eu mereço ser menosprezada e assombrada mental, corporal, e sexualmente? Uma pergunta absolutamente válida, mas que muitos(as) não conseguem raciociná-la ao longo de um ciclo de violência, cinismo, e perversidade.

    Nesta pesada trama de apelos universais, e intermediada por duas linhas temporais que demonstram o início e o desenrolar do calvário feminino de Catherine, de 2000 a 2004, até chegarmos as tentativas de recuperação da vítima de 2005 a 2010, traída e profundamente afetada pelos traumas inerentes aos fatos de um passado recente, Haynes faz de No Escuro um evidente laboratório da psicologia humana quando esta se encontra num intenso processo de cicatrização. Trafegando pelas mazelas intangíveis que habitam uma mulher nas condições de sua protagonista, e a importância de apoio humanitário a ela que vizinhos e amigos oferecem, a escritora britânica é um tanto óbvia e unilateral em sua narração, mas é feliz na dramatização sem apologias ou quaisquer tipos de excessos que algum leitor poderia acusar de “vitimismo” – como é muito comum, hoje em dia.

    Num dos momentos mais perturbadores, e extremistas, Cathy é submetida a um dos crimes mais diabólicos que existem, assim como tantas outras mulheres que aparecem nos telejornais noturnos. Somos cúmplices então dos seus maiores e inaudíveis temores. “Hoje eu vou morrer”, ela reflete, numa danação impiedosa que a mesma não questiona se merece, afinal, ela é um lixo, um corpo horrível e magricela, um saco de pancada, como Lee sempre faz questão de repetir numa singularidade jamais perigosa para ele – até certo ponto. Não é fácil ser mulher em um mundo desses, exclama essa publicação da editora Intrínseca, e, principalmente, escrever sobre um tema tão delicado com grande familiaridade e foco, num bom exemplar dos resultados de se expor e de se superar essas toxidades alheias, cujas ocorrências, em 2019, ainda continuam em alta.

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  • Resenha | Tempos Extremos – Míriam Leitão

    Resenha | Tempos Extremos – Míriam Leitão

    “A história é dura para com os seus anônimos.”

    A veterana jornalista Míriam Leitão é uma figura controversa por suas opiniões, dona de altos e baixos em sua carreira, em especial na Globo News. Acima de tudo, soma-se a isso sua credibilidade enquanto profissional da comunicação e sua aptidão a literatura, como nesse recente Tempos Extremos, seu primeiro romance, publicado pela famosa editora Intrínseca. Expondo seu vasto repertório intelectual sobre o país que habita, e o seu interesse insaciável por quartos escuros e empoeirados que impede uma casa de ser limpa, Leitão constrói sua própria Macondo, a mítica aldeia de Gabriel García Márquez, tendo na centenária fazenda Soledade de Sinhá o seu portal físico para uma outra “dimensão”; outras eras de um Brasil inacabado que vê suas feridas abertas e nunca as trata. Feito brasa que, ao mero sinal de brisa rarefeita, também revive o fogo de outrora. A história importa, sim, e quem comanda o mundo sabe muito bem disso.

    Em um universo paralelo de múltiplas realidades que suga os mais curiosos, somos a ele tragados junto da doce, discreta, pensativa e corajosa Larissa, jovem mulher que passa um feriado com a família no interior mais denso de Minas Gerais, atendendo ao chamado da avó para ver toda a família reunida. No que começou como um vulto escuro a ser seguido, Larissa então recebe outros chamados de um pretérito que deseja engoli-la por entre suas veredas, como se aceitasse uma turista do presente a transitar pelos idos reprimidos que nunca desapareceram do DNA desta terra. Justamente por ser historiadora, Larissa começa a duvidar se as suas visões e interações com o passado e suas figuras típicas são mero delírio, algum tipo de distúrbio mental projetando períodos históricos diversos, ou uma realidade fantástica que só se revela a ela, e começa a tomar conta do cenário repleto de documentos, cheiros e enigmas históricos.

    Todo escritor merece sua própria Macondo, sua Nárnia, sua Soledade de Sinhá para atravessar a outras realidades temporais, seja lá quais forem os motivos de acessá-las, rompendo linhas entre o hoje, e o ontem. Leitão impressiona em sua prosa por mixar outros conflitos (a época da escravidão, o regime militar) sob a lente política e crítica de uma mulher de alma desbravadora, e que em sua postura e dialética flerta absolutamente bem com os interesses da própria autora de Tempos Extremos. Toda a consciência de Larissa faz paralelo a de Leitão, vivendo uma aventura junto de sua família rumo aos rincões de um país abissal, e promovendo reviravoltas e reflexões para si mesma e aos seus entes queridos acerca do mundos dos mortos que tanto nos influencia – influência inteligentemente metaforizada aqui nas decisões que Larissa começa a tomar, da metade do livro em diante, para se infiltrar, cada vez mais, na sedução que fantasmas de outras raças, outras épocas a propõe. Alma detetivesca incendiada pela iminência das próximas pistas de um quebra-cabeça irresistível.

    “O país tem direito a verdade e a memória”, diria qualquer jornalista e historiadora que se preze. Naquela fazenda, Larissa vai literalmente do século XXI aos porões da Casa Grande, quando a sociedade escravocrata presenciou pela primeira vez uma negra tocando piano (a mais bela e simbólica passagem do livro), enquanto lembranças de um tempo autoritário (e recente) do país vêm à tona, impactando toda a família na fazenda e as relações com o tempo atual. Leitão surfa entre décadas e séculos com grande desenvoltura, e o passado assim se alastra: Tudo é tomado de assalto por verdades antepassadas que precisam se mostrar, urgentemente, seja no claro, seja no escuro. A história importa, e a autora ilustra isso da melhor forma possível em tempos que pedem empreitadas do tipo. Isso porque o Brasil talvez não evolua em seus principais aspectos justamente por não resolver de fato as suas pendências, por não reviver os seus porões, preferindo trancá-los e passar tinta nas imperfeições mais basilares. Não é o mesmo com a gente? Seria então o mesmo com a nossa pátria.

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  • Resenha | O Teorema Katherine – John Green

    Resenha | O Teorema Katherine – John Green

    “[…] E era por isso que ele gostava dela […] Ela falava com ele numa língua que, não importava a quantidade de horas que fosse estudada, não poderia ser totalmente compreendida.”

    De quem será a verdadeira voz das terceira-pessoas de John Green? Será realmente a de seus protagonistas, jovens e ainda imaturos, como no caso de Colin Singleton, ou será a voz um tanto forçada e panfletária dos seus próprios leitores que adoram se ler, com (quase) a mesma forma ávida e desregrada de se expressar nos livros de Green com que respondem a comentários nas redes sociais, ou gravam seus vlogs nerds ou de maquiagem no YouTube? Qual seria a autoria dessas vozes? Seja como for, Green é um esteta no sentido clássico da palavra, e que sabe perfeitamente bem como reproduzir essa linguagem em seus livros, estruturando-os na verdade em torno do poder desse linguajar próprio, direto e popular.

    Suas histórias são rápidas, mastigadas, com toques de previsibilidade e feitas para serem subestimadas por leitores de gosto mais exigente – poderiam ser da Disney se nelas não tivesse sexo. Como se não bastasse sua esperteza, e versatilidade comercial com seus contos de açúcar, injeta-lhes elementos de óbvia identificação geral, e voilá: receita pronta, fast-food servido; basta degustar. O Teorema Katherine não ofende, mas também não ousa enquanto literatura, ficando na famosa zona de conforto das circunstâncias que levam um ator amado por adolescentes a escrever um romance acerca de um garoto que já namorou dezenove vezes (se fosse uma garota, ninguém iria ver com bons olhos esse número) garotas com o mesmo nome: Katherine.

    Por quê? Logo no início, para assegurar o romantismo da história e algum mistério a pergunta,a trama sobre superações deixa de lado o desenrolar da genialidade na qual Colin é creditado a ter, com meros dezessete anos, para focar na cura de sua última paixonite aguda que não deu certo, de novo. Deprimido, o jovem Colin se isola mais do que nunca, oportunidade desperdiçada do livro para revirar enfaticamente a alma do seu protagonista, e nisso, é “salvo” por seu melhor amigo, Hassan, e levado a uma viagem às pressas que iria mudar suas vidas, e com potencial ao longo de uma narrativa dinâmica, como de praxe, de redefinir as suas visões de mundo.Mas por que Colin só tem olhos para as Katherine’s?

    O livro tenta criar alusões de como é sentido e encarado o amor para um adolescente de Q.I. altíssimo, mas apenas sugere situações interessantes sem se aprofundar em nenhuma – até certo ponto. Ao longo da viagem, Colin elabora uma espécie de gráfico matemático para representar o amor entre duas pessoas, do começo ao fim, vendo nisso respostas para explicar a duração de um relacionamento amoroso, ou mesmo as suas paixões de mesmo nome. Explorando a genialidade desse “momento eureca”, e a possibilidade de Colin poder ter de volta a sua última Katherine, John Green se apaixona pela ideia de racionalizar um sentimento, decodificá-lo, literalmente, e torna a jornada do jovem gênio conflituosa ao cubo para alguém que pensa saber de tudo, e ter o controle da emoção das pessoas, afinal, os números garantiriam isso – só que não.

    Já que aqui estamos lidando com os dilemas (white people problems) de um garoto cujo sobrenome Singleton já denota a solteirice que as suas quase dezenas deex’s o fazem experimentar, Green acerta em cheio quando em certos momentos resolve parcialmente desenvolver a personalidade solitária, distante e pragmática de um garoto que, de tanto estudar, desinteressou as Katherine’s de sua vida, e acaba nos seduzindo para quem ele é. Muito antes de sequer estarmos familiarizados com a história do livro, a viagem dos dois amigos, ou o teorema aparentemente idealizado, Colin já nos é tridimensional, quase palpável, e esse é um efeito muito especial e obrigatório para um bom romance juvenil começar a tomar forma, agradar e se sustentar, até o fim. É o que de fato acontece aqui, num dos melhores e mais doces (claro) romances de Green.

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  • Resenha | Quem é Você, Alasca? – John Green

    Resenha | Quem é Você, Alasca? – John Green

    John Green, o autor do famoso A Culpa é das Estrelas, não é um gênio visionário e criativo, tal o marketing dos seus livros costuma indicar. Ele na verdade passa longe dessas qualidades, raras e grandiloquentes a quem as merece, mas é a prova, junto de outros inúmeros autores oportunistas de hoje em dia, que foco é tudo – e mais um pouco – para ser bem-sucedido. Foco absoluto em seu público-alvo, adolescentes que só leem livros de entendimento óbvio e escritos (lê-se: programados) na linguagem semi informal que eles falam, numa carreira sensacionalista baseada em hype, sucessos imediatos e muita publicidade, regendo uma produção em escala industrial de romances água com açúcar que só não são contos de fada assumidos, porque hoje em dia eles saíram da moda. Só que não.

    Green virou especialista em reposicionar príncipes e princesas em outros lugares, além de castelos e masmorras. Agora, eles e elas, velhos arquétipos sob novas roupagens destituídas de delírio ou poesia, encontram-se em shopping centers, salas de aula do ensino médio, quartos bagunçados, universidades, lugarejos típicos da geração dos millennials para quem o escritor de Cidades de Papel escreve, mas o faz subestimando a inteligência e o poder de interpretação nunca testado desses jovens que adoram suas historinhas inofensivas. Quem é Você, Alasca? , publicado pela Editora Intrínseca, serve para nos provar tudo isso. Uma publicação curiosa por usar e abusar do seu realismo jovem contemporâneo, para ser o mais banal e genérico dos livros. Nem J.K. Rowling conseguiu isso com seus últimos Harry Potter, e olha que ela tentou até o fim.

    Temos aqui uma história que se torna popular por ser extraordinariamente simples, e objetivada a quem ela é escrita. Seus personagens refletem seus jovens leitores, adolescentes que pensam conhecer o mundo por estarem constantemente conectados com a internet e seus algoritmos manipuladores, ou ainda, como é o caso aqui, um bando de estudantes em colisão num alojamento conturbado, com seus planos, seus namoricos e a violência que cometem uns com os outros dando o tom de uma leitura fraca, quebradiça, previsível ao cubo e cínica, rodeando fatos e relatos sem conseguir criar tensão alguma, criando pequenos clímaces fajutos que nunca funcionam, e que nunca fazem a história, então, acontecer ou tornar-se remotamente interessante.

    A começar pela personagem título, alguém absolutamente desprezível devido o modo como o autor a posiciona. Alasca é uma garota de personalidade forte, feminista e decidida cuja aparente complexidade jamais é explorada por Green, em desdobramentos literários praticamente amadores para descrever a garota, e seus amigos, ficantes e professores no internato de Culver Creek, nos Estados Unidos. Alasca chega a ser muito mais interessante que o próprio protagonista do livro, o confuso e apático Miles Halter. Ela e Miles formam o casal improvável, mas que sabemos que ficará junto no final, cujo tratamento de Green para seu enlace é tão fraco e raquítico quanto o próprio Miles, magro como só. Sempre contando com outras pessoas da sua idade para sobreviver, superar suas dúvidas existenciais que o perturbam, e descolar cigarros para fumar escondido no banheiro, nessa difícil e inesquecível fase da adolescência.

    Existem livros que se apoiam no simbólico, no emblemático para se dar bem com seu público, entregando um discurso gratuito e sendo levemente ousados ao longo das páginas para render certas discussões, quem sabe até alguma polêmica comercialmente saudável. John Green também domina a arte da persuasão como ninguém, sendo como escritor um bom publicitário, muitas vezes com a sensibilidade de um micro-ondas, e entregando com Quem é Você, Alasca? uma espécie de homenagem quase sem inspiração criativa alguma e pouco marcante ao amor juvenil, a tudo o que habita mentes e corações de jovens em processo de descobrimento e questionamento amplos. Ele poderia ter mandado melhor nessa empreitada, caso tenha o talento que nunca demonstrou, mas aparentemente para seus fiéis seguidores, leituras do tipo são o suficiente para satisfazer seu senso-crítico alimentado por Green, e outros oportunistas de plantão.

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  • Resenha | Black Hammer: Origens Secretas – Volume 1

    Resenha | Black Hammer: Origens Secretas – Volume 1

    A capa de Black Hammer remete muito mais a um filme de terror do que a um quadrinhos. Um pouco ao momento em que Carrie liberta seus poderes na já clássica adaptação da obra de Stephen King para os cinemas, Carrie: A Estranha, pelas mãos de Brian De Palma. Fato é, que a história criada pelo roteirista Jeff Lemire e pelo ilustrador Dean Ormston tem uma narrativa tão intrigante quanto um livro de King.

    Na trama de Origens Secretas somos apresentados a Abraham Slam, Gail, Barbalien, Coronel Weird, Talky Walky e Madame Libélula. Todos possuem características e poderes bem peculiares e foram habitantes de Spiral City. Em um passado não muito distante, o grupo salvou a cidade de várias ameaças. Porém, ao enfrentarem um poderoso inimigo, acabaram sendo transportados para uma idílica fazenda em uma dimensão paralela. Os antigos campeões da cidade foram exilados e os habitantes da cidade que tantas vezes eles salvaram não fazem a menor ideia do que aconteceu, só que eles desapareceram. Já se passaram dez anos e ninguém do grupo sabe como foi parar ali, nem o motivo e nem se um dia vão conseguir dali.

    O volume lançado pela editora Intrínseca reúne os seis primeiros volumes da história. Ainda que bastante introdutórias, as histórias são bem intrigantes, com idas e vindas temporais, mostrando os heróis em seu passado glorioso e seu melancólico presente. Nesse ponto, a trama faz lembrar um pouco da série Lost, com suas idas e vindas e desenvolvimento de personagens, ainda que as histórias idealizadas por Lemire sejam mais interessantes e procuram aos poucos resolver seus mistérios. O roteirista e criador se esmera pra ir criando uma ambientação que prenda o leitor, ao passo que recheia tudo com diálogos inteligentes e influências bem vindas de outras histórias de quadrinhos e obras literárias de ficção científica. Outro ponto de destaque é o desenvolvimento dos personagens, com enfoque em seus dramas pessoais, no isolamento e nas suas emoções. Assim, o roteiro acaba dialogando com grandes obras dos quadrinhos, como Watchmen, Astro City e The Umbrella Academy. Watchmen talvez tenha sido a primeira com a qual pude estabelecer uma relação, principalmente no que tange à narrativa em linhas temporais distintas que mostram os heróis em seu auge e posteriormente já decadentes, com seus conflitos emocionais aflorando e regendo as relações interpessoais. Ormston capta bem as intenções de seu parceiro e cria um traço que prima por ter uma certa crueza, mas que evidencia o sentimento de cada personagem, favorecendo a empatia do leitor com os personagens. A colorização de Dave Stewart também é muito bem sacada, alternando tons vibrantes nos flashbacks com uma paleta mais dark nos momentos do presente.

    Desde o início, nota-se que Jeff Lemire idealizou uma obra referencial e também reverencial, pois seus personagens guardam semelhanças com alguns dos principais super heróis dos universos Marvel e DC, além de alguns outros de quadrinhos pulp. Examinando atentamente, vemos que o Devorador de Mundos é inspirado (e também presta homenagem) em Galactus e Darkseid, respectivamente grandes vilões cósmicos da Marvel e da DC; Black Hammer é inspirado em Thor e Superman, tanto pelo martelo quanto pela sua força e disposição em fazer o sacrifício supremo para proteger o mundo; Abraham Slam pode ser visto como uma mistura de Capitão América e Batman, pois é o único que não possui superpoderes e vive até certo ponto satisfeito com a sua condição atual; a Menina de Ouro é o equivalente ao Capitão Marvel e sua irmã Mary Marvel ,e possui até palavra mágica para transformação, mas sua condição impede seu envelhecimento, o que a torna uma mulher aprisionada no corpo de uma criança de nove anos; Madame Libélula tem suas influências dos quadrinhos de terror da EC Comics e Eerie Comics, com um certo quê das histórias do Monstro do Pântano e uma referência visual que evoca a Ravena dos Novos Titãs; o Coronel Weird é um misto de Adam Strange (o aventureiro cósmico da DC Comics) e do Doutor Estranho, pois é capaz de transitar entre dimensões, universos (e tem como sidekick a robô Talkie Walkie, cujo sentimentalismo lembra Marvin, de O Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams) e não vivencia o tempo como o restante dos seus companheiros; e o Barbalien pode ser visto como uma reimaginação do Caçador de Marte (que eu ainda insisto em chamar de Ajax).

    Enfim, Black Hammer é uma história não convencional de super heróis e seu acerto é justamente esse. Com personagens bem trabalhados, um roteiro que prende a atenção e uma arte em sintonia com tudo isso, a HQ talvez seja uma das melhores coisas surgidas nos últimos tempos e não à toa recebeu o Prêmio Eisner de melhor nova série no ano de 2017.

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  • Resenha | Mitologia Nórdica – Neil Gaiman

    Resenha | Mitologia Nórdica – Neil Gaiman

    Neil Gaiman tem seu lugar assegurado em torno da fogueira dos grandes contadores de histórias. Não é de hoje que o autor britânico, erradicado nos Estados Unidos, desvenda os cosmos mitológicos ao redor do globo. Tudo ganhou forma com Sandman, onde ele usou inspirações de várias mitologias para criar uma própria ao redor dos perpétuos e seus reinos; depois, povoou alguns de seus livros, como Os Filhos de Anansi, Deuses Americanos, etc, com os próprios deuses mitológicos; agora, com Mitologia Nórdica, publicação da editora Intrínseca, o autor reivindica o assento dos primeiros poetas da humanidade que compilaram os mitos de seus povos. Neste livro, especificamente, reconta os nórdicos.

    O ponto de partida de Mitologia Nórdica são as diversas traduções da Edda em Prosa, de Snorri Sturluson e Edda Poética, textos com mais de novecentos anos de idade; com esse material e dicionários a mão, Gaiman selecionou as histórias de que dispunha mais informações, em conjunto com certa ordem cronológica dos mitos, e preencheu as lacunas com seu próprio oficio de contador de histórias. O resultado é um livro informativo, coeso, bem estruturado e literariamente agradabilíssimo que apresenta de forma muito honrada os mitos nórdicos aos leitores.

    Quinze mitos povoam o livro e, do primeiro ao último, o material é pródigo por incitar uma ordem no caos mitológico. Decerto, excluindo a criação e o desfecho nórdico (o relembrado Ragnarök), as histórias não aconteceram na sequência proposta pelo autor, contudo, o ordenamento facilita a compreensão do leitor no meio do emaranhado de deuses, gigantes, heróis, encantamentos e maldições perpetuados pelos poetas do passado.

    Escrita afiada, o inglês tece ótimos diálogos com seus personagens. Só para citar os que mais aparecem, Odin, o Pai de Todos nórdico, varia entre momentos de sabedoria (afinal ele deu um olho por isso) e outros de estupefação, sem qualquer descrédito ou perda de qualidade; Tor é um brutamontes que fala sem qualquer zelo, orgulhoso por seus instrumentos de poder; Loki é o instrumento do caos, deus da trapaça e da enganação, sibila para armar conflitos entre os deuses e seus inimigos, e quando é pego, sempre consegue se safar. Outros deuses e variados gigantes compõem o cenário, todos encarnando em diálogos bem feitos os princípios que defendem ou suas vontades e propósitos.

    Diferente de livros do tipo Mitologia para apressados e parecidos, Mitologia Nórdica não entrega pílulas sem sabor traduzidas a esmo, ao contrário, temos um livro muito bem pensado, de leitura fácil e encantadora, que não peca por alguma superficialidade. O grande mérito da obra também reside no fato de não substituir outros livros sobre aquele passado mitológico, mas antes, os atualiza e serve como porta a imaginação dos povos nórdicos. Livro muito recomendado.

    Texto de autoria de José Fontenele.

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  • Resenha | Os Filhos de Anansi – Neil Gaiman

    Resenha | Os Filhos de Anansi – Neil Gaiman

    Neil Gaiman é o bardo moderno que mistura histórias mitológicas com cotidianas. Em Os Filhos de Anansi, publicação da Editora Intrínseca, não é diferente. Partindo do pressuposto de como seria a vida de alguém filho de um deus antigo, e não qualquer um, mas Anansi, a aranha tecedora de histórias primordiais, Gaiman cria uma narrativa bonita e atual sobre reconciliação e herança familiar.

    Anansi é a Aranha que surrupiou as histórias do Tigre. O Tigre era o primeiro dono das histórias, mas elas eram violentas, sangrentas, duras, e por isso ninguém as gostava de escutar, mas quando a Aranha as reivindicou, os ouvintes passaram a contar e ouvir histórias com mais gosto. E por isso todos dizem que as histórias pertencem a a ela.

    Charlie Nancy é um homem pacato vivendo em Londres prestes a se casar, na bagagem familiar, uma mãe morta e um pai desaparecido. Quando sua mulher pede para que ele chame o seu pai (o mesmo que gostava de fazer piadas com ele quando criança), a festa de casamento, Charlie telefona para uma antiga vizinha e descobre que seu pai está morto. Certo de que gostaria de dizer muitas coisas ao pai, ele volta para casa e encontra duas informações surpreendentes: tem um irmão e ambos são filhos de Anansi, um deus africano que toma a forma de aranha.

    Os irmãos nada se parecem, enquanto ele é quieto, introvertido e envergonhado, Spider tem poderes, é expansivo e consegue tudo o que quer. Encontram-se em Londres por conta do casamento de Charlie e aí começam os problemas de convivência; não conseguem dividir o mesmo espaço, mesmas vontades e o mesmo passado. A desunião entre os dois leva a um conflito que envolverá não só os próprios filhos, mas todos os familiares e amigos ao redor.

    Gaiman costura o passado com o futuro de forma elegante e mítica. Ao se apoderar do mito de Anansi para contar a história, toma liberdades interpretativas sobre a teia de seus personagens, intercalando-os ou remodelando como um arquiteto invisível por trás de suas tramas pessoais e familiares. Os Filhos de Anansi é uma história de reparação familiar, união e desunião a ferro e fogo, temperada com folclore e música. Charlie Nancy não é um semideus como seu irmão, mas quando canta, as coisas acontecem da forma que ele quer. Música é sua magia, um Orfeu vestido de aranha. O complicado é fazer um introvertido cantar, aí está a chave.

    Os Filhos de Anansi pode ter um começo devagar, mas engrena muito bem. Uma história saborosa, familiarmente crível e mitologicamente bem feita. Livro muito recomendado.

    Texto de autoria de José Fontenele.

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  • Resenha | Endgame: O Chamado – James Frey e Nils Johnson-Shelton

    Resenha | Endgame: O Chamado – James Frey e Nils Johnson-Shelton

    Primeiro livro de uma trilogia, publicado em outubro de 2014 pela HarperCollins — publicado no Brasil pela editora Intrínseca — e parte de um projeto mais amplo que inclui games, mídias sociais e novelas. O livro contém vários enigmas e, no lançamento, os autores anunciaram que aquele que os completasse primeiro ganharia um baú, localizado em Las Vegas, contendo US$ 500 mil em ouro. O único requisito para participar é ter conta no Google e concordar com as regras de privacidade.

    O livro é uma mistura de Battle Royale (ou Jogos Vorazes, para a molecada mais jovem) e Jogador Número 1. De Battle Royale pegou a ideia – atualmente super disseminada – de jovens se enfrentando até restar apenas um. De Player n.1, a busca pelas três chaves, que são encontradas resolvendo-se enigmas dos mais variados tipos. A história se passa em um mundo alternativo, onde 12 civilizações antigas estão à espera do “Endgame”, cada uma delas preparando um guerreiro com menos de 20 anos, que irá fazer parte do jogo. Quando o jogo começa, esses jovens devem encontrar três chaves. O vencedor garantirá a sobrevivência de seus descendentes.

    Contudo, diferente dos livros referenciados, tanto a escrita quanto a narrativa deixam a desejar. Um dos muitos conselhos dados a escritores é evitar períodos muito longos, certo? Os autores levaram essa dica ao pé da letra demais. As frases, em boa parte do texto, são excessivamente curtas, quase telegráficas. Muitas páginas parecem ser uma sucessão de haikais – infelizmente pouco criativos. E o ritmo impresso por essas frases “taquicárdicas” deixa a leitura cansativa e, por vezes, aborrecida. Para piorar, mesmo quando o leitor consegue ficar absorvido na narrativa, há erros de revisão que prejudicam a fluidez da leitura e o removem da imersão no universo da história.

    Há partes que fariam um bom preparador de texto querer cortar os pulsos:

    “Marcus está sem camisa e com um short de ginástica preto e largo. As 24 costelas ficam aparentes sob a pele bronzeada. Seus braços são fortes e definidos. A respiração, tranquila. O abdome é chapado, o cabelo é preto, rente, e os olhos são verdes. Uma gota de suor escorre pela ponta de seu nariz. Istambul inteira está fervenda essa noite, e com Marcus não é diferente.”
    (p.11)

    Sem considerar a descrição estilo aluno de 1º grau, o parágrafo deixa a desejar. Ou o rapaz é forte ou é possível ver-lhe as costelas. E, mesmo se ele fosse raquítico, por razões anatômicas seria impossível ver as 24. E este á apenas um dos exemplos de trechos que fazem qualquer leitor mais atento parar e ficar pensando que “há algo errado que não está certo”. Mais um fator para tirá-lo da imersão.

    O livro é narrado em terceira pessoa, mas os autores não conseguem se decidir entre um narrador onisciente objetivo e um narrador múltiplo. Há momentos em que apenas registra os eventos; em outros, sabe dos sentimentos dos personagens. Mas não há um padrão, é algo totalmente aleatório. Não sei como foi o processo de escrita de Frey e Johnson-Shelton, mas tem-se a impressão que cada um optou por uma forma e não houve preocupação em tornar essas alternância mais “orgânica” – para usar uma palavra da modinha.

    A história pouco se desenvolve ao longo das 500 e poucas páginas do livro. O final do livro se aproxima e o leitor pensa “Ah, agora vai começar a desenrolar!”. Ledo engano. Sempre mais do mesmo. A sequência de conflitos que atrapalham o avanço dos personagens é bastante previsível. Lógico, toda trama se baseia numa sucessão de conflito-resolução. Mas, neste caso, o ritmo é constante. Não há um clímax que deixe o leitor na ponta da poltrona ou um plot twist que o surpreenda a ponto de xingar os autores.

    Curiosa em alguns trechos, fatigante em outros, a leitura avança aos trancos e barrancos até um desfecho pouco surpreendente. A premissa de ser multimídia é muito interessante. Principalmente a ideia de complementar o livro com links e pistas para a resolução do enigma. Mas calcar-se nisso, acreditando que basta implementar um conceito diferenciado, não garante a qualidade do livro.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Os livros Que Inspiraram os Indicados ao Oscar 2018

    Os livros Que Inspiraram os Indicados ao Oscar 2018

    Assim como no ano passado (clique aqui), selecionamos a lista de todas as obras que foram adaptadas e indicadas na premiação do Oscar de 2018, a maioria delas traduzida e publicadas por editoras nacionais.

    Me Chame Pelo Seu Nome (Compre aqui)

    O livro do egípcio André Aciman que deu origem ao filme homônimo dirigido por Luca Guadagnino — aclamado nos festivais de Berlim, Toronto, do Rio, no Sundance e um dos principais candidatos ao Oscar de 2018 — foi traduzido por Alessandra Esteche e publicado pela editora Intrínseca. Até o momento, Me Chame Pelo Seu Nome é o único livro traduzido e publicado de Aciman no Brasil.

    Sinopse: A casa onde Elio passa os verões é um verdadeiro paraíso na costa italiana, parada certa de amigos, vizinhos, artistas e intelectuais de todos os lugares. Filho de um importante professor universitário, o jovem está bastante acostumado à rotina de, a cada verão, hospedar por seis semanas na villa da família um novo escritor que, em troca da boa acolhida, ajuda seu pai com correspondências e papeladas. Uma cobiçada residência literária que já atraiu muitos nomes, mas nenhum deles como Oliver.

    Elio imediatamente, e sem perceber, se encanta pelo americano de vinte e quatro anos, espontâneo e atraente, que aproveita a temporada para trabalhar em seu manuscrito sobre Heráclito e, sobretudo, desfrutar do verão mediterrâneo. Da antipatia impaciente que parece atravessar o convívio inicial dos dois surge uma paixão que só aumenta à medida que o instável e desconhecido terreno que os separa vai sendo vencido. Uma experiência inesquecível, que os marcará para o resto da vida.

    Com rara sensibilidade, André Aciman constrói uma viva e sincera elegia à paixão, em um romance no qual se reconhecem as mais delicadas e brutais emoções da juventude. Uma narrativa magnética, inquieta e profundamente tocante.

    Todo o Dinheiro do Mundo (Compre aqui)

    O filme mais recente de Ridley Scott foi uma adaptação do livro do romancista e biografo inglês John Pearson. O autor se tornou conhecido nos anos 1960 por ter escrito a biografia de Ian Fleming, criador do 007. Além disso, nos anos 1970 escreveu uma biografia de James Bond em primeira pessoa, apesar do sucesso de vendas, o autor recusou uma  nova oferta para escrever mais romances do agente fictício, passando a se dedicar a literatura de não-ficção. Em 1995 escreveu Painfully Rich: the Outrageous Fortunes and Misfortunes of the Heirs of J. Paul Getty, que acaba de ganhar uma versão traduzida e publicada pela HarpersCollins Brasil, com o mesmo nome do longa-metragem.

    Sinopse: O magnata do petróleo J. Paul Getty construiu a maior fortuna dos Estados Unidos – e chegou perto de destruir a própria família no processo, com o nome Getty, como um jornalista declarou, “se tornando sinônimo de família problemática”. Mas o desastre precisava acontecer?

    Quando Paul Getty foi sequestrado aos dezesseis anos, a notícia se espalhou pelo mundo. Mas seu avô, então o americano mais rico vivo, se recusou a pagar o resgate, ignorando o sofrimento do neto. Com os dias se arrastando dolorosamente, virou responsabilidade de Gail, a mãe perturbada mas determinada de Paul, negociar com os sequestradores…

    Nesta biografia completa da família Getty, John Pearson narra a criação da riqueza fenomenal e as maneiras como ela tocou e manchou as vidas de várias gerações, traçando boa parte dos problemas até a figura bizarra do bilionário avarento, o próprio J. Paul Getty – e demonstra que o dinheiro pode sim comprar a sobrevivência e até a felicidade.

    Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi (Compre aqui)

    Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi não é o primeiro romance publicado da autora americana Hillary Jordan no Brasil. Em 2013, a editora Bertrand anunciou o lançamento do livro Quando Ela Acordou. Quase cinco anos depois, com o advento do filme de Dee Rees lançado na Netflix que adaptou a obra de Jordan, a editora Arqueiro decidiu investir nos direitos de publicação. O responsável pela tradução é Marcelo Mendes, tradutor de outras obras da editora e de outro romance recém-adaptado que chegou nos cinemas recentemente, Operação Red Sparrow: Pronta Pra Seduzir, Treinada Para Matar.

    Sinopse: Ao descobrir que o marido, Henry, acaba de comprar uma fazenda de algodão no Sul dos Estados Unidos, Laura McAllan, uma típica mulher da cidade, compreende que nunca mais será feliz. Apesar disso, ela se esforça para criar as filhas num lugar inóspito, sob os olhos vigilantes e cruéis de seu sogro.

    Enquanto os McAllans lutam para prosperar numa terra infértil, dois bravos e condecorados soldados retornam do front e alteram para sempre a dinâmica não só da fazenda, mas da própria cidade. Jamie, o jovem e sedutor irmão de Henry, faz Laura de repente renascer para a vida, enquanto Ronsel, filho dos arrendatários negros que trabalham para Henry, demonstra uma altivez que não será aceita facilmente pelos brancos da região.   

    De fato, quando os jovens ex-combatentes se tornam amigos, sua improvável relação desperta sentimentos violentos nos habitantes e uma nova e impiedosa batalha tem início na vida de todos.

    Alternando a narrativa entre vários pontos de vista, este premiado romance oferece ao leitor diferentes versões dos acontecimentos. Os personagens, lutando por sentimentos de amor e honra num lugar e época brutais, se veem dentro de uma tragédia de enormes proporções e encontram redenção onde menos esperam.

    Artista do Desastre (Compre aqui)

    The Disaster Artist: My Life Inside the Room, the Greatest Bad Movie Ever Made é certamente uma das publicações mais curiosas da lista. O livro que ganhou uma adaptação recente de James Franco, infelizmente não foi publicado no Brasil e não há qualquer notícia de que o seja. Curiosamente, o livro de Tom Bissell e Greg Sestero é um best-seller lá fora, diferente de vários outros livros desta seleção.

    Sinopse: Em 2003, um filme independente chamado The Room, estrelado e escrito, produzido e dirigido por um desajustado social misteriosamente rico, chamado Tommy Wiseau, fez sua desastrosa estréia em Los Angeles. Descrito por um crítico como “como ser esfaqueado na cabeça”, o filme de US$ 6 milhões ganhou um valor total de US$ 1.800 de bilheteria e foi retirado de cartaz após duas semanas. Dez anos depois, se tornou um fenômeno de culto internacional.

    Aclamado pelo The Huffington Post como “possivelmente a parte mais importante da literatura já impressa”, The Disaster Artist é a história hilária de um fenômeno cinematográfico deliciosamente horrível, bem como a história de uma estranha e inspiradora amizade de Hollywood. Greg Sestero, amigo de Tommy, relata a estranha jornada do filme para a infâmia, explicando como as inúmeras cenas absurdas do filme e o diálogo começaram a revelar o mistério do próprio Tommy Wiseau. Mas mais do que apenas uma história divertida sobre a arrogância cinematográfica, “The Disaster Artist é um dos livros mais honestos sobre a amizade que eu li em anos” (Los Angeles Times).

    A Grande Jogada (Compre aqui)

    Adaptado para os cinemas com direção e roteiro de Aaron Sorkin, de A Rede Social Steve Jobso filme marca o primeiro trabalho de Sorkin como diretor. A Grande Jogada tem no elenco Jessica Chastain (Perdido em Marte e A Hora Mais Escura) no papel de Molly Bloom, além de Idris Elba, Kevin Costner e Michael Cera. A biografia escrita pela própria biografada foi traduzida e publicada pela editora Intrínseca.

    Sinopse: Com pouco mais de 30 anos, Molly Bloom ganhou as manchetes dos jornais ao ser presa pelo FBI por operar fora da legalidade uma das mais milionárias mesas de pôquer do mundo. Bonita e atraente, cortejada por homens poderosos, com um guarda-roupa de grife e montanhas de dinheiro no banco, a Princesa do Pôquer, como ficou conhecida, parecia mais uma estrela de Hollywood que uma criminosa confessa.

    E foi em Hollywood mesmo que ela começou, do zero, a promover as mesas pelas quais passariam, nos anos seguintes, centenas de milhões de dólares, em partidas que aconteciam em luxuosas suítes de hotéis, para uma seleta lista de convidados dispostos a desembolsar quantias que partiam dos seis dígitos. Entre eles, astros como Leonardo DiCaprio, Tobey Maguire e Ben Affleck, mandachuvas da indústria do entretenimento, líderes estrangeiros, grandes magnatas e até mesmo a máfia russa.

    Memórias de excessos, glamour e ganância narradas por uma mulher que sabia exatamente onde estava a linha que separa o legal do ilegal e escolheu conscientemente cruzá-la.

    Logan (Compre aqui)

    Livremente inspirado no quadrinho escrito por Mark Millar (Supremos, Kick-Ass) e desenhado por Steven McNiven (Guerra Civil), O Velho Logan foi lançado em 2008, e tinha como plano de fundo um universo alternativo distópico. Posteriormente, Brian Michael Bendis trabalhou com o personagem durante o evento Guerra Secreta, que contou com a arte de Andrea Sorrentino. No Brasil, a série de Millar e McNiven foi publicada mensalmente na revista Wolverine nº 57 a 64, pela Panini Comics, e encadernada na Coleção Oficial de Graphic Novels Marvel, A n° 58, pela editora Salvat.

    Sinopse: Cinquenta anos no futuro, a América se tornou um vasto território dividido em feudos e governado por vários supervilões. Desde que os heróis tombaram, o que aconteceu com Wolverine passou a ser um grande mistério: em seu lugar vive um velho chamado Logan. Sem querer nada além de poder cuidar da família, Logan tem sua vida subitamente ameaçada… e se vê obrigado a viajar pela estranha nova América com a missão de proteger seu futuro e redescobrir seu passado.

    O Poderoso Chefinho (Compre aqui)

    Marla Frazee, autora de The Boss Baby — livro adaptado para os cinemas na animação homônima —  é reconhecida pelo seu trabalho voltado a literatura infantil, sendo vencedora de dois Caldecott Honors, premiação esta destinada ao reconhecimento do melhor livro ilustrado americano para crianças. A autora não tem nenhum trabalho publicado no Brasil até os dias de hoje.

    Sinopse: A partir do momento em que o bebê chegou, era óbvio que ele era o chefe.

    O bebê do chefe está acostumado a obter o seu caminho – bebidas feitas sob encomenda 24 horas por dia, 7 dias por semana, um jato particular e reuniões 24 horas por dia. Mas quando suas demandas não estão obtendo respostas adequadas, ele tem que dar novos comprimentos para alcançar a atenção que ele merece.

    Marla Frazee traz sua sagacidade de assinatura e humor – juntamente com ilustrações adoráveis ​​- para um livro que explora o efeito da nova chegada muito incomum de uma família.

    O Touro Ferdinando (Compre aqui)

    Um dos maiores clássicos da literatura infantil e que ganhou vida na animação dirigida por Carlos Saldanha. Escrito pelo americano e professor de literatura inglesa Munro Leaf e ilustrado pelo desenhista americano Robert Lawson. Leaf também foi editor literário, mas é mais lembrado pelo livro infantil em questão, que trazia um touro espanhol mais interessado em cheirar flores do que participar de touradas. O pequeno romance, assim que publicado, provocou considerável polêmica, sendo proibido na Espanha e queimado na Alemanha nazista por ser considerado um símbolo pacifista. Em 1938 o livro foi adaptado em um curta-metragem da Disney. O livro foi republicado, recentemente, pela editora Intrínseca.

    Sinopse: Com mais de 80 anos de vida, o simpático Ferdinando continua em boa forma. Sua história não envelheceu um dia sequer, ainda hoje conquistando corações e inspirando o respeito pelas diferenças.

    Publicado originalmente em 1938, O touro Ferdinando marcou gerações no mundo todo, tendo sido traduzido para mais de 60 idiomas. Com uma narrativa singela, uma união perfeita entre as ilustrações e o texto de humor delicado, o livro conta a história de um touro que, apesar de seu tamanho e sua força, não tem interesse em lutar nas touradas. Tudo que ele quer é cheirar as flores e ficar quietinho no seu canto, mas às vezes o mundo à nossa volta não compreende aqueles que são diferentes da maioria.

    Com um personagem encantador e ilustrações impecáveis, a obra traz uma mensagem universal e atemporal e certamente será amada também pelo público brasileiro.

    The Breadwinner (Compre aqui)

    The Breadwinner é uma das animações que estão na disputa pelo Oscar. O filme ainda não foi lançado no Brasil, no entanto, o livro que serviu de inspiração para o longa já ganhou tradução de ninguém menos que Ana Maria Machado e foi publicado em 2012 pela editora Ática. A continuação do livro de Deborah Ellis, A Viagem De Parvana: Mais Histórias De Uma Garota Afegã, também foi publicado no Brasil pela mesma editora.

    Sinopse: Aos 11 anos, a afegã Parvana está em apuros. Com o pai preso e o irmão mais velho morto, quem sustentará a casa se, pelas leis do governo Talibã, as mulheres não podem trabalhar? Só resta a Parvana se disfarçar de menino.

    A Bela e a Fera (Compre aqui)

    Imortalizado pela animação de 1991 da Disney, e recentemente, transformado em live-action, A Bela e a Fera é um romance de 1740, escrito por Madame de Villeneuve, e posteriormente reescrito em 1756 por Madame de Beaumont. A editora Zahar em sua coleção clássicos reuniu as duas versões em um belo livro repleto de cores, ilustrações e curiosidades sobre a obra e as autoras.

    Sinopse: A versão original do clássico que inspirou o novo filme da Disney, estrelado por Emma Watson Adaptado, filmado e encenado inúmeras vezes, o enredo de A Bela e a Fera vai muito além da jovem obrigada a casar com uma horrenda Fera que no final se revela um lindo príncipe preso sob um feitiço. Nessa edição bolso de luxo da coleção Clássicos Zahar você encontra reunidas duas variantes da história. A versão clássica, escrita por Madame de Beaumont em 1756, vem embalando gerações e inspirou quase todos os filmes, peças, composições e adaptações que hoje conhecemos. A versão original, que Madame de Villeneuve publicara em 1740, é de uma riqueza espantosa, que entre outras coisas traz as histórias pregressas da Fera e da Bela e dá voz ao monstro para que ele mesmo narre seu destino. Toda em cores e ilustrada, essa edição conta com ótima tradução do premiado André Telles, uma apresentação reveladora e instigante assinada por Rodrigo Lacerda e cronologia das autoras. A versão impressa apresenta ainda capa dura e acabamento de luxo.

    Victoria e Abdul: O Confidente da Rainha (Compre aqui)

    O drama dirigido por Stephen Frears e estrelado por Judi Dench e Ali Fazal recebeu duas indicações pontuais: Melhor figurino e maquiagem e cabelo. O que poucos sabem é que o longa-metragem foi baseado no romance homônimo da jornalista indiana Shrabani Basu. Fruto de uma pesquisa intensa de mais de 4 anos, Basu descobriu a existência de um indiano que se tornou amigo e conselheiro da Rainha Victoria, em pleno período de colonização inglesa na Índia. O livro não foi publicado no Brasil até o momento.

    Sinopse: A amizade mais improvável da história – esta é a história surpreendente da rainha Victoria e do jovem indiano Abdul Karim.

    Nos anos crepusculares de seu reinado, após as mortes devastadoras de seus dois grandes amores – o Príncipe Albert e John Brown – a Rainha Victoria conhece o alto e belo Abdul Karim. Os dois formam um vínculo improvável e, dentro de um ano, Abdul se torna uma figura poderosa na corte, professor da rainha e conselheiro sobre assuntos urdu e indianos, e um amigo verdadeiro. Isso marcou o início da década mais escandalosa no longo reinado da rainha Victoria. À medida que a casa real se arrependia de ressentimento, a devoção de Victoria e Abdul crescia desafiando. Tirado de segredos cuidadosamente guardados por mais de um século, Victoria & Abdul é uma história extraordinária e íntima dos últimos anos da corte inglesa do século XIX e uma visão inesquecível sobre as paixões de uma rainha envelhecida.

    Extraordinário (Compre aqui)

    O diretor Stephen Chbosky fez história em 2012 com o longa-metragem As Vantagens de Ser Invisível, romance de sua autoria sobre adolescentes desajustados que tentam encontrar o seu lugar no mundo. Em 2017, Chbosky decidiu adaptar um romance publicado na mesma época em que havia sido publicado o seu The Perks of Being a Wallflower. Extraordinário, de R.J. Palacio foi um sucesso quase instantâneo, sendo traduzido e publicado pela editora Intrínseca pouco tempo depois de ser lançado nos EUA.

    Sinopse: August Pullman, o Auggie, nasceu com uma síndrome cuja sequela é uma severa deformidade facial, que lhe impôs diversas cirurgias e complicações médicas. Por isso ele nunca frequentou uma escola de verdade.. até agora. Todo mundo sabe que é difícil ser um aluno novo, mais ainda quando se tem um rosto tão diferente. Prestes a começar o quinto ano em um colégio particular em Nova York, Auggie tem uma missão nada fácil pela frente: convencer os colegas de que, apenas da aparência incomum, ele é um menino igual a todos os outros.

    R.J.Palacio criou uma história edificante, repleta de amor e esperança, em que um grupo de pessoas luta para espalhar compaixão, aceitação e gentileza. Narrado da perspectiva de Auggie e também de seus familiares e amigos, com momentos comoventes e outros descontraídos, Extraordinário consegue captar o impacto que um menino pode causar na vida e no comportamento de todos, família, amigos e comunidade – um impacto forte, comovente e , sem dúvida nenhuma, extraordinariamente positivo, que vai tocar todo tipo de leitor.

    Para espalhar a mensagem de Extraordinário, Palacio iniciou uma campanha antibullying, da qual milhares de crianças já participaram.

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  • Resenha | Percy Jackson e os Deuses Gregos – Rick Riordan

    Resenha | Percy Jackson e os Deuses Gregos – Rick Riordan

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    Para todos que acompanharam o adolescente Percy Jackson enquanto ele se descobria um semideus, enfrentava monstros e entrava em contato com todo tipo de divindades e seres mitológicos, chegou a hora de conhecer com detalhes as histórias dos doze principais deuses gregos, contadas por ninguém menos que o próprio Percy.

    O título dá a entender que esta é mais uma história da enorme coleção de aventuras de Percy Jackson. Mas basta iniciar a leitura para perceber que não é bem isso. O livro é uma enciclopédia sobre a mitologia dos deuses gregos. Ou melhor, é a versão de Percy Jackson dessa mitologia. Assim, tem-se a história dos deuses contada através do olhar desse semideus adolescente.

    Narrado em primeira pessoa, conta fatos e relacionamentos de cada um dos deuses de forma bastante despojada, cheia de humor e ironia. E é essa toda a graça do livro. Lógico que conhecer a mitologia não deixa de ser interessante. Mas o modo como Percy conta os causos, e seus comentários sarcásticos entremeados às histórias, deixam a leitura muito mais envolvente.

    “(…) o Oráculo de Delfos tinha dito a ele para seguir uma determinada vaca, e quando essa vaca caísse de exaustão, eles saberiam que ali era o melhor lugar para construir a sua cidade.
    Sei lá. Vocês seguiriam um sujeito que está seguindo uma vaca?”

    Retirando a aura tradicional e prestigiosa dos deuses, Percy deixa-os mais próximos e palpáveis ao leitor. Não é de se estranhar, afinal, o narrador está falando de sua própria família. A edição é bem caprichada, em capa dura e recheada de ilustrações. Coisa de colecionador. Item obrigatório para os fãs da série.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | A Verdade é uma Caverna nas Montanhas Negras – Neil Gaiman

    Resenha | A Verdade é uma Caverna nas Montanhas Negras – Neil Gaiman

    Gaiman e os mitos populares

    A Verdade é uma Caverna nas Montanhas Negras, da editora Intrínseca, é um conto do escritor Neil Gaiman baseado em uma lenda popular da Escócia. Este, aliás, talvez seja o assunto principal na obra do autor: o resgate de mitos. Gaiman já declarou que uma função dos escritores modernos é a reconciliação com as histórias populares contadas ao redor do mundo. E ele faz isso com maestria.

    As Montanhas Negras, conforme nota do próprio Gaiman, são as Black Cuillins na Ilha de Skye, também conhecida como Ilha Alada ou Ilha das Brumas, onde, o autor ouviu, contam que há uma caverna cheia de ouro e que aqueles que a saqueiam se tornam um pouco mais malignos. Estes os motes principais do conto: a ganância e a maldade.

    O conto parte da simplicidade: um anão procura um guia que o conduza até as Montanhas Negras. Ele vai à casa do único homem que conhece o caminho, mas a princípio tem a aventura negada. Os homens não tem confiança um com o outro, clima que acompanha toda a história. Mas, por fim, o guia resolve conduzir o anão até as montanhas.

    A partir daí, Gaiman trabalha a informação sobre as montanhas e o passado dos dois homens às migalhas. Tanto a lenda sobre o ouro quanto o motivo deles se estranharem são explicados aos poucos, e sentimos a escalada do conto de forma análoga a um filme ou animação clássica. O autor tem essa sensibilidade para nos dar a informação precisa do momento, nunca mais, nem menos. Em paralelo, o autor desenvolve metáforas rurais para os humores das personagens e faz descrições belíssimas da natureza e da geografia que enfrentam. É um ritmo lento ao leitor mais apressado, mas é necessário para a absolvição de toda a potência da trama.

    As imagens ficam por conta do experiente Eddie Campbell e o que temos não é uma história em quadrinho nem um conto ilustrado, mas um híbrido ainda não catalogado. Motivo: as ilustrações por vezes sustentam a história, às vezes rasgam a mancha gráfica do texto e por vezes surgem entre o texto e novas imagens. Ou seja, apostaram em ferir a linha textual inserindo aquarelas para tornem cada página diferente da outra.

    Por fim temos uma história belíssima rica em forma e conteúdo. Livro mais do que recomendado.

    Texto de autoria de José Fontenele.

    Compre: A Verdade é uma Caverna nas Montanhas Negras.

  • Resenha | Nimona

    Resenha | Nimona

    Nimona, quadrinho com roteiro e arte de Noelle Stenvenson, é o gibi com o qual as pessoas facilmente se identificam e gostam. Não sei como explicar, algo lhe chama a atenção e você já começa a gostar antes mesmo de ler. Como dito em podcasts por aqui: fácil de ver (ler), fácil de gostar e fácil de esquecer. Com a diferença que você não vai se esquecer com facilidade desta obra.

    O enredo consiste na chegada de Nimona, uma metamorfa com poderes absurdos, que quer se unir ao vilão daquele mundo, Ballister Coração Negro, no combate ao herói, Ouropelvis (isso mesmo) e a instituição que ele representa. O gibi como um todo surpreende, pois aparentemente se trata de uma história cômica, e realmente o humor é uma de suas principais características, mas vai muito além disso.

    Neste sentido o mais interessante é a quantidade de vezes que a autora nos mostra um aparente clichê e o desenvolve até desconstruí-lo. O primeiro é a própria ambientação, um cenário de fantasia medieval com cavaleiros e uma personagem que pode se transformar em animais mitológicos. Porém, o ambiente de fantasia medieval é repleto de ciência e alta tecnologia. Então, nos deparamos com castelos medievais com capacidade de comunicação parecido com skype ou mesmo com laboratórios de cientistas malucos no subsolo, um dos protagonistas possui um braço mecânico.

    Os personagens também compõe bem a ideia de clichê, que não são na verdade. O vilão, sempre de cabelo preto e com planos diabólicos, o herói louro e bonitão que sempre aparece em horas de necessidade e a própria Nimona, no papel da adolescente incompreendida e rebelde. Mas tudo se trata apenas de fachada, todos os personagens são muito mais do que apenas esses estereótipos, são mais profundos e tornam a história mais complexa e interessante.

    Aliás, a própria história de herói e vilão é bastante questionada, sempre se pensa em pessoas como vilões, talvez o gibi nos mostre que organizações e complexos podem ser mais perigosos. Claro que essas organizações são criadas e geridas por pessoas, mas muitas das vezes a estrutura se impõe sobre a pessoa. Enfim, nos faz pensar em situações bem mais profundas do que a capa do gibi nos faz pensar.

    E, não podemos nos esquecer da grande protagonista, Nimona. Uma personagem interessante e carismática desde as suas características assassinas até o seu complicado psicológico, que vai muito além da tradicional rebeldia adolescente. A arte cartunesca cai como uma luva para o gibi e sua proposta. Novamente o clichê, com esse estilo de desenho se espera algo somente leve e engraçado, e nos é apresentado algo bem maior e melhor.

    Compre: Nimona – Noelle Stevenson

    Texto de autoria de Douglas Biagio Puglia.

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  • Resenha | Sal, Açucar e Gordura – Michael Moss

    Resenha | Sal, Açucar e Gordura – Michael Moss

    sal-acucar-gordura-michael-moss

    Há uma máxima envolvendo os hábitos alimentares que afirma que você é aquilo que consome. Em outras palavras, a qualidade e a variedade dos alimentos serão parcialmente responsáveis pelo equilíbrio corporal, resultando em uma vida saudável. Mesmo aqueles que desejam realizar uma alimentação balançada, sofrem com outros conflitos contemporâneos como a escassez do tempo no preparo de alimentos, recorrendo à comidas industrializadas ou produzidas por terceiro como fonte diária de nutrientes.

    Devido a esta falta de tempo, grande parte da população substitui refeições por alimentos processados, motivo pelo qual a indústria alimentícia produz uma gama quase infinita de produtos industrializados ao gosto do freguês. O vencedor do Pulitzer Michael Moss observou este universo atentamente e compôs um bom livro fundamentado a partir dos três aditivos mais utilizados pela indústria: o sal, o açúcar e a gordura.

    Lançado pela Intrínseca, o livro Sal, Açucar e Gordura: como a indústria alimentícia nos fisgou é dividido em três partes específicas focada em cada um destes aditivos, explorando tipos alimentares diferentes que tem em comum a habilidade de produzirem produtos irresistíveis para o público. Truques promovidos por empresas para fisgar consumidores pela boca. A obra apresenta pesquisas, relatos de grandes empresários do ramo e uma quantidade intensa de informação adicional promovendo um livro informativo sobre o tema, esclarecendo como o alimento disponível nas gôndolas dos mercados passam por processos longos e calculados para que cada mordida seja degustada com prazer.

    A exposição de uma vasta gama de conhecimento e de visões diferentes da industria fundamenta uma obra analítica sobre a manipulação da comida a partir das empresas, reconhecendo que grande parte dos alimentos possuem calorias excessivas ao mesmo tempo em que são bem sucedidas comercialmente, apontando que muitos destes processados foram inovadores na época de seu lançamento. Moss apresenta casos bem sucedidos de vendas como a Coca-Cola, a revolução do suco Tang e outros sucessos que causaram conflito em diversos órgãos do governo quando se descobriu que os alimentos com excesso de sal, gordura e açúcar poderiam ser tão nocivos quanto a indústria do tabaco. E, a partir de então, a indústria apresentou movimentos de ação e recuo quanto a conscientização da população dos males do consumo excessivo de processados. Informações muitas vezes deixada de lado para manter o alto retorno financeiro.

    O livro reportagem é formatado para o público em geral, e a escrita de Moss é envolvente e informativa suficiente para que mesmo o leitor que não conhece o tema possa se integrar e se sentir dentro desta complexa indústria. O grande problema da edição brasileira reside no trabalho de revisão do texto, deixando alguns erros crassos na edição final que não causam um incômodo permanente na leitura mas que requeriam um pouco mais de atenção do revisor.

    Bem informativo e desmistificador dos processos da indústria alimentícia, Sal, Açúcar e Gordura é uma excelente obra de não-ficção sobre um tema necessário tanto como leitura informativa como para aqueles que desejam conhecer mais sobre as armadilhas produzidas pelos alimentos processados. Se cada um é aquilo que come, saber como cada alimento é recebido pelo corpo é um primeiro passo para uma consciência e uma saúde mais eficiente.

    Compre: Sal, Açucar e Gordura – Michael Moss

    michael-moss

  • Resenha | Frank Einstein e o Motor Antimatéria – Jon Scieszka

    Resenha | Frank Einstein e o Motor Antimatéria – Jon Scieszka

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    Frank Einstein e o Motor Antimatéria, primeiro livro de uma coleção, conta a história do menino Frank Einstein, um mini-gênio de 10 anos de idade, que usa a garagem do avô para colocar suas ideias e experiências em prática. Frank constrói e tenta dar vida ao Robôgente numa noite de tempestade. O experimento não dá certo, mas tem um efeito colateral inesperado – dois robôs, Klink e Klank – uma dupla bem no estilo Pinky e Cérebro, um muito inteligente e o outro meio tonto e estabanado. Frank e seu amigo Watson querem ganhar o Prêmio de Ciências de Midville. Os robôs os ajudam nessa empreitada e também ajudam a derrotar o arqui-inimigo de Frank, T. Edison, um colega de classe que quer roubar sua invenção.

    Apesar de infanto-juvenil, a história não é “bobinha”. Lógico que os personagens seguem arquétipos bem definidos e que a trama segue fielmente a jornada do herói – é necessário que seja assim para atingir o público-alvo. Mas o autor é um nerd no que se refere a ciência e consegue rechear o livro de informações sem ser chato ou professoral demais. Certamente, há coisas ali que mesmo alguns adultos não sabem, ou não lembram. Para dar uma mãozinha, há um glossário no final do livro. Os diagramas que acompanham as explicações são divertidos, bem criativos e, na medida do possível, muito fiéis às definições científicas a que se referem.

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    (ilustrações: Brian Biggs)

    A trama é bem construída, apesar de o tema ser bem comum – o coleguinha de escola invejoso que usa estratégias escusas para levar vantagem. Mas não só de ação e ciência é feita a história. O lado emocional é bem trabalhado, tanto com o relacionamento de Frank com o avô quanto com a amizade entre Frank e Watson.

    Como bom nerd científico, o autor faz referências óbvias a vários cientistas e estudiosos – reais ou fictícios. Tanto o nome do protagonista quanto o experimento que abre a história são uma referência óbvia ao Dr. Frankenstein e sua criatura – do livro Frankenstein, de Mary Shelley. Seu sobrenome remete a Albert Einstein. Watson, certamente refere-se ao companheiro de aventuras de Sherlock Holmes, criação de Conan Doyle, que, além de detetive, era cientista amador. T. Edison, refere-se a Thomas Edison, inventor americano que registrou dezenas de patentes, entre elas a da lâmpada elétrica. Essas são as mais óbvias, mas há outras, divertido é encontrá-las.

    O autor conseguiu usar termos científicos sem ser chato ou pedante e a combinação de ciência com humor funcionou muito bem. Leitura para agradar pais e filhos.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Caixa de Pássaros – Josh Malerman

    Resenha | Caixa de Pássaros – Josh Malerman

    Caixa de Pássaros 1

    Mesmo no preâmbulo da história contida em Caixa de Pássaros, não há qualquer menção a tranquilidade. O romance de Josh Malerman utiliza seu ponto de partida como um lugar comum onde a tensão e sensação de tragédia coabitam harmoniosamente, interferindo nos desígnios e prospectivos de vida de Malorie e seus dois filhos. O senso de urgência faz a família fugitiva estar apta para sobreviver, mesmo os infantes sabem exatamente o que fazer, e não demoram a sair da letargia e partir para ação. Tal perspectiva rasga o coração da mãe, que enxergava no comportamento de seus filhos, o ideal de curiosidades com a vida, e não necessariamente o temor por ela.

    O estado do mundo é calamitoso, e aos poucos revelados. O que se sabe no início do conto é que uma violência atroz acomete os humanos que cruzam as ruas sem vendas nos olhos, com atos de violências capazes de causar morte, tumulto e muitos atos de ódio. Após morar um tempo em uma casa abandonada, a beira do lago, Malorie deseja alcançar um lugar seguro, um refúgio, chamado de santuário, mas que está distante demais de sua localidade atual.

    No convívio com outros homens é demonstrado que sua paranoia de Malorie não é algo isolado, ainda que o perigo que os cerca seja ainda não revelado, permanecendo na mente do leitor como um vulto, distante de ganhar contornos reais. O perigo prático deles incorre sobre a dificuldade em manter suprimentos, especialmente aos que sofrem de vícios com bebidas e cigarros, já que em estado de sítio, achar tais bens torna-se uma hercúlea tarefa. Quase tão assustador quando a ação das criaturas, é a condição de completo abandono das cidades e lugares antes habitados. A descrição que Malerman exibe, descreve um retrato semelhante a aridez que predomina em outros cenários póstumos ao fim da civilização, como Mad Max, Livro de Eli e Eu Sou A Lenda, piorado e muito pelo protagonismo materno, que teme por si e principalmente por seus herdeiros, lamentavelmente lançados em um ambiente hostil demais.

    As tentativas de fuga deixam marcas nos personagens, mesmo quando são bem sucedidos. Os hematomas que causam dor nos membros inferiores servem como lembrete da mortandade que se aproxima. A catástrofe paira sobre a cabeça das personagens, usando a gravidez de Malorie como função narrativa para aumentar a urgência na tentativa de escapar daquele cenário hostil, piorando a situação quando um parto se vê prestes a acontecer.

    Caixa de Pássaros se baseia em um terror evocando uma estranha criatura, que ajuda a tornar ainda mais ambíguo o sentimento materno, já que as intenções do “monstro” também são ligadas ao cuidado da cria. O conjunto de alegorias é muito grande, apesar de óbvias, especialmente no que tange o uso das vendas oculares para salientar a alienação do mundo, tanto o particular do livro de Josh Malerman, quanto com a sensação de que o perigo não mais habita a rotina dos personagens, mas que pode retornar a qualquer momento, paralelo fundamental com a realidade contemporânea, em especial a cenários reais que já tiveram em situações catastróficas.

    Compre: Caixa de Pássaros: Josh Mallerman

  • Resenha | As Ilusões Armadas: A Ditadura Envergonhada – Elio Gaspari

    Resenha | As Ilusões Armadas: A Ditadura Envergonhada – Elio Gaspari

    As Ilusões Armada - A Ditadura Envergonhada vol 1

    Em 1984, o ítalo-brasileiro Elio Gaspari, agraciado com uma bolsa de estudos na Wilson Center for International Scholars, desenvolvia um artigo sobre a ditadura brasileira, destacando a atuação dos generais Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva no processo; um ensaio cuja estimativa era alcançar a média máxima de 100 páginas. Conforme avançava nas pesquisas, percebeu que seria impossível manter tal número e imaginou um texto de maior fôlego, inicialmente, dividido em duas partes. Em 2002, o fruto de sua pesquisa chegava às livrarias em dois volumes lançados pela Companhia das Letras de um total de quatro que seriam lançados posteriormente.

    Relançada pela Editora Intrínseca, As Ilusões Armadas e O Sacerdote e o Feiticeiro, uma quadrilogia formada por estes pares de nomes distintos (As Ilusões Armadas: A Ditadura Envergonhada e A Ditadura Escancarada, respectivamente volume 01 e 02 e O Sacerdote e o Feiticeiro: A Ditadura Derrotada e A Ditadura Encurralada, volume 03 e 04), é um denso e precioso documento narrativo que exibe em qualidade impecável boa parte dos 21 anos os quais o Brasil esteve sob regime da ditadura. Os quatro volumes formam um panorama geral desde os dias que antecederam o golpe, até 1977 e a demissão do general Sylvio Frota, ministro do Exército durante o governo Geisel.  Os quatro volumes foram revistos pelo autor contendo um novo prefácio, fotos inéditas, eventuais correções da edição anterior e novos documentos revelados recentemente pelo Arquivo Nacional, como uma ata de julho de 1968 que apontava a intenção de decretar estado de sítio cinco meses antes do AI-5 e gravações que comprovavam que John F. Kennedy discutiu a possibilidade de uma ação militar no país contra o comunismo.

    Utilizando o ensaio como narrativa, Gaspari mantém entrelaçado o desenvolvimento histórico ao mesmo tempo em que desenvolve uma voz literária para apresentar nossa história. A fluidez pela qual pontua os acontecimentos é pautada em sutilizas narrativas que fazem do texto um objeto além de um mero registro historiográfico, produzindo um ritmo fluído que nunca perde a fidelidade história e a voz autoral. Fundamentado por Michel de Montaigne e Francis Bacon, o ensaio é considerado a forma mais livre da literatura, pela ausência de formalidades obrigatórias para sua execução. Um espaço que permite o desenvolvimento de certa lírica ou narrativa sem que se perca a fidelidade da informação em seu conteúdo.

    A pesquisa do autor é intensa, apoiando-se em uma literatura anterior de grandes livros sobre o tema, tanto de estudiosos, com biografias de homens que viveram sob o golpe, quanto de documentos oficiais do país, além de notas e diários íntimos que formam um panorama concreto destes acontecimentos, focando diversos polos diferentes. Além disso, o escritor desenvolveu uma pesquisa direta promovendo entrevistas com personagens centrais, como o general Geisel. Todo este longevo trabalho de pesquisa e fidelidade aos fatos resultou em um excelente livro de não-ficção que intenta ser uma voz definitiva de parte de nosso passado histórico.

    Este primeiro volume abarca o espaço temporal antes do golpe, nas tensões que o presidente Jango Goulart causavam em parte da sociedade, e se encerra na composição do Ato Constitucional nº5. Um fato que, além de explicitar este momento como um ponto de transição da ditadura, promove um gancho narrativo para a segunda parte do ensaio. É brilhante a maneira pela qual o autor conduz este momento final, fazendo da fundamentação do AI-5, no capítulo A Missa Negra, um registro de conflito interno do governo sem perder a vertente narrativa. Gaspari se baseou na transcrição da reunião feita pelo governo, tanto a escrita quanto a sua gravação, para criar uma ambientação que insere o leitor na cena, mostrando as discrepâncias do governo Costa e Silva sem nenhum julgamento, entregando ao leitor os fatos e evidenciando que, neste caso, a verdade dos acontecimentos é mais forte do que qualquer composição literária.

    A obra observa em seu todo tanto o movimento militar quanto os levantes contra o regime, reconfigurando uma difícil linha histórica em um relato coerente que ilumina o período. Não à toa, recebeu o Prêmio Ensaio, Crítica e História Literária de 2003 da Academia Brasileira de Letras, em 2003, e se mantém como uma narrativa brilhante e bem equilibrada entre os aberrantes fatos históricos do país e uma voz talentosa para narrar tais acontecimentos.

    Compre aqui: As Ilusões Armadas: A Ditadura Envergonhada – Elio Gaspari

    Elio Gaspari

  • Resenha | Cidades de Papel – John Green

    Resenha | Cidades de Papel – John Green

    Cidades de Papel - John Green

    John Green esteve recentemente no Brasil para divulgar, ao lado do ator Nat Wolff, o lançamento cinematográfico de Cidades de Papel, quinto romance do autor publicado no país somente em 2013 pela Editora Intrínseca. Mais do que apresentar a produção, que estreia nesta quinta-feira em circuito nacional, o autor contempla, mesmo que tardiamente, o sucesso de uma de suas obras anteriores à época em que era um dos grandes representantes do young adult.

    Movimento comum no mercado editorial, nosso país recebeu primeiro sua obra de maior sucesso, A Culpa é Das Estrelas e em seguida sua bibliografia, cujo marco inicial é Quem é Você, Alasca?, seguido de O Teorema Katerine e o romance escrito a seis mãos Deixe a Neve Cair. O público brasileiro conheceu, portanto, a obra de maneira retroativa. Acompanhando sua trajetória por estas narrativas, impressiona que A Culpa é das Estrelas tenha alcançado um sucesso tão estrondoso com uma trama simples ao extremo. Considerando o público-alvo de suas narrativas, Cidades de Papel é um excelente romance de formação para jovens adultos e leitores.

    Há uma fórmula pela qual Green desenvolve seus personagens além da estrutura do young adult com personagens adolescentes narrando seus feitos: o estilo e sua linguagem favorecem a credibilidade destes papeis na época da vida em que diversas crenças são destruídas e os alicerces do mundo adulto começam a se construir: a transição da convivência escolar para a graduação, a um trabalho e, consequentemente, a ampliação do universo que o cerca.

    Não existe sutileza em sua obra: as personagens são simples ao extremo, e cativantes por serem normais. A normalidade, inclusive, torna-se objeto de identificação do público, que projeta seus anseios e inseguranças em cada personalidade. Mesmo a leitura feita por um adulto o levará a um momento nostálgico de sua própria história e, assim, o momento de transição se transforma em universal.

    O autor apresenta um romance de tese ao público juvenil, desenvolvendo entre a trama superficial uma teoria subterrânea que dialoga sobre a maturidade da vida e as mudanças que surgem naturalmente. A história é narrada por Quentin Jacobsen, adolescente que nutre pela vizinha, Margo Roth Spielman, uma paixão platônica. Certa noite, a garota invade o quarto do rapaz convocando-a para um urgente e um engenhoso plano de vingança. Após esta noite de aventura, a garota desaparece.

    O primeiro capítulo da narrativa é situado no passado destas personagens quando, ainda infantes, presenciaram um acontecimento trágico que marcou a amizade, o primeiro contato com a efemeridade da vida: um homem morto em um parque. É esta lembrança a única memória que une Quentin e Margo até o início da ação e da noite de vingança. Com o desaparecimento da personagem, o leitor conhece sua figura pelas palavras de Quentin e as demais opiniões de seus amigos. Inconformado com o desaparecimento proposital de sua amada, o garoto procura maiores informações sobre Margo e descobre que ela lhe deixou pistas de seu futuros passos. Em companhia de amigos, segue rumo à caça de seu paradeiro.

    A amizade surge como um dos primeiros argumentos defendidos pelo autor. Mesmo deslocados da popularidade escolar, Quentin e os amigos Radar e Ben formam um trio, diferentes entre si mas unidos pela fraternidade. São eles que ouvem a obsessão do garoto em encontrar Margo e também apoiam-no com teorias a respeito. Enquanto, ao mesmo tempo, a mística da garota perfeita e do amor platônico perde camadas aos poucos, revelando fragilidade.

    Como em outras obras, Green se apoia em grandes escritores para desenvolver com maior autoridade suas teses, dando vazão à ciranda narrativa que fará leitores procurarem novos autores. Dessa vez, é Walt Whitman e seu Folhas de Relva a inspiração narrativa e espelho para as personagens. Com seus poemas profundos sobre a interconectividade dos seres humanos, a sabedoria em observar outros e se reconhecer em estranhos, Whitman se transforma no símbolo de reflexão para este grupo que, aos poucos, tem consciência de que está diante de um novo momento vazio após o término do colegial.

    A jornada estabelecida à procura de Margo é um símbolo da própria transição da maturidade, de uma última aventura em conjunto. A composição não é fatalista, mas deixa nas entrelinhas a importância de se compreender cada momento de transição, respeitando os caminhos divergentes sem perder a ligação entre cada um, os fios que ligam um ao outro como citado na história.

    Sem ceder a um final feliz que seria favorável à felicidade do público mas não à própria história, Green faz um interessante romance de formação carregado de reflexões pontuais sobre a vida, principalmente no momento primordial em que boa parte de seus leitores estão situados, e encerra a narrativa sendo fiel aos princípios de seus personagens ficcionais.

    Compre: Cidades de Papel – John Green

    John Green