Tag: Young Adult

  • Resenha | O Teorema Katherine – John Green

    Resenha | O Teorema Katherine – John Green

    “[…] E era por isso que ele gostava dela […] Ela falava com ele numa língua que, não importava a quantidade de horas que fosse estudada, não poderia ser totalmente compreendida.”

    De quem será a verdadeira voz das terceira-pessoas de John Green? Será realmente a de seus protagonistas, jovens e ainda imaturos, como no caso de Colin Singleton, ou será a voz um tanto forçada e panfletária dos seus próprios leitores que adoram se ler, com (quase) a mesma forma ávida e desregrada de se expressar nos livros de Green com que respondem a comentários nas redes sociais, ou gravam seus vlogs nerds ou de maquiagem no YouTube? Qual seria a autoria dessas vozes? Seja como for, Green é um esteta no sentido clássico da palavra, e que sabe perfeitamente bem como reproduzir essa linguagem em seus livros, estruturando-os na verdade em torno do poder desse linguajar próprio, direto e popular.

    Suas histórias são rápidas, mastigadas, com toques de previsibilidade e feitas para serem subestimadas por leitores de gosto mais exigente – poderiam ser da Disney se nelas não tivesse sexo. Como se não bastasse sua esperteza, e versatilidade comercial com seus contos de açúcar, injeta-lhes elementos de óbvia identificação geral, e voilá: receita pronta, fast-food servido; basta degustar. O Teorema Katherine não ofende, mas também não ousa enquanto literatura, ficando na famosa zona de conforto das circunstâncias que levam um ator amado por adolescentes a escrever um romance acerca de um garoto que já namorou dezenove vezes (se fosse uma garota, ninguém iria ver com bons olhos esse número) garotas com o mesmo nome: Katherine.

    Por quê? Logo no início, para assegurar o romantismo da história e algum mistério a pergunta,a trama sobre superações deixa de lado o desenrolar da genialidade na qual Colin é creditado a ter, com meros dezessete anos, para focar na cura de sua última paixonite aguda que não deu certo, de novo. Deprimido, o jovem Colin se isola mais do que nunca, oportunidade desperdiçada do livro para revirar enfaticamente a alma do seu protagonista, e nisso, é “salvo” por seu melhor amigo, Hassan, e levado a uma viagem às pressas que iria mudar suas vidas, e com potencial ao longo de uma narrativa dinâmica, como de praxe, de redefinir as suas visões de mundo.Mas por que Colin só tem olhos para as Katherine’s?

    O livro tenta criar alusões de como é sentido e encarado o amor para um adolescente de Q.I. altíssimo, mas apenas sugere situações interessantes sem se aprofundar em nenhuma – até certo ponto. Ao longo da viagem, Colin elabora uma espécie de gráfico matemático para representar o amor entre duas pessoas, do começo ao fim, vendo nisso respostas para explicar a duração de um relacionamento amoroso, ou mesmo as suas paixões de mesmo nome. Explorando a genialidade desse “momento eureca”, e a possibilidade de Colin poder ter de volta a sua última Katherine, John Green se apaixona pela ideia de racionalizar um sentimento, decodificá-lo, literalmente, e torna a jornada do jovem gênio conflituosa ao cubo para alguém que pensa saber de tudo, e ter o controle da emoção das pessoas, afinal, os números garantiriam isso – só que não.

    Já que aqui estamos lidando com os dilemas (white people problems) de um garoto cujo sobrenome Singleton já denota a solteirice que as suas quase dezenas deex’s o fazem experimentar, Green acerta em cheio quando em certos momentos resolve parcialmente desenvolver a personalidade solitária, distante e pragmática de um garoto que, de tanto estudar, desinteressou as Katherine’s de sua vida, e acaba nos seduzindo para quem ele é. Muito antes de sequer estarmos familiarizados com a história do livro, a viagem dos dois amigos, ou o teorema aparentemente idealizado, Colin já nos é tridimensional, quase palpável, e esse é um efeito muito especial e obrigatório para um bom romance juvenil começar a tomar forma, agradar e se sustentar, até o fim. É o que de fato acontece aqui, num dos melhores e mais doces (claro) romances de Green.

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  • Resenha | Quem é Você, Alasca? – John Green

    Resenha | Quem é Você, Alasca? – John Green

    John Green, o autor do famoso A Culpa é das Estrelas, não é um gênio visionário e criativo, tal o marketing dos seus livros costuma indicar. Ele na verdade passa longe dessas qualidades, raras e grandiloquentes a quem as merece, mas é a prova, junto de outros inúmeros autores oportunistas de hoje em dia, que foco é tudo – e mais um pouco – para ser bem-sucedido. Foco absoluto em seu público-alvo, adolescentes que só leem livros de entendimento óbvio e escritos (lê-se: programados) na linguagem semi informal que eles falam, numa carreira sensacionalista baseada em hype, sucessos imediatos e muita publicidade, regendo uma produção em escala industrial de romances água com açúcar que só não são contos de fada assumidos, porque hoje em dia eles saíram da moda. Só que não.

    Green virou especialista em reposicionar príncipes e princesas em outros lugares, além de castelos e masmorras. Agora, eles e elas, velhos arquétipos sob novas roupagens destituídas de delírio ou poesia, encontram-se em shopping centers, salas de aula do ensino médio, quartos bagunçados, universidades, lugarejos típicos da geração dos millennials para quem o escritor de Cidades de Papel escreve, mas o faz subestimando a inteligência e o poder de interpretação nunca testado desses jovens que adoram suas historinhas inofensivas. Quem é Você, Alasca? , publicado pela Editora Intrínseca, serve para nos provar tudo isso. Uma publicação curiosa por usar e abusar do seu realismo jovem contemporâneo, para ser o mais banal e genérico dos livros. Nem J.K. Rowling conseguiu isso com seus últimos Harry Potter, e olha que ela tentou até o fim.

    Temos aqui uma história que se torna popular por ser extraordinariamente simples, e objetivada a quem ela é escrita. Seus personagens refletem seus jovens leitores, adolescentes que pensam conhecer o mundo por estarem constantemente conectados com a internet e seus algoritmos manipuladores, ou ainda, como é o caso aqui, um bando de estudantes em colisão num alojamento conturbado, com seus planos, seus namoricos e a violência que cometem uns com os outros dando o tom de uma leitura fraca, quebradiça, previsível ao cubo e cínica, rodeando fatos e relatos sem conseguir criar tensão alguma, criando pequenos clímaces fajutos que nunca funcionam, e que nunca fazem a história, então, acontecer ou tornar-se remotamente interessante.

    A começar pela personagem título, alguém absolutamente desprezível devido o modo como o autor a posiciona. Alasca é uma garota de personalidade forte, feminista e decidida cuja aparente complexidade jamais é explorada por Green, em desdobramentos literários praticamente amadores para descrever a garota, e seus amigos, ficantes e professores no internato de Culver Creek, nos Estados Unidos. Alasca chega a ser muito mais interessante que o próprio protagonista do livro, o confuso e apático Miles Halter. Ela e Miles formam o casal improvável, mas que sabemos que ficará junto no final, cujo tratamento de Green para seu enlace é tão fraco e raquítico quanto o próprio Miles, magro como só. Sempre contando com outras pessoas da sua idade para sobreviver, superar suas dúvidas existenciais que o perturbam, e descolar cigarros para fumar escondido no banheiro, nessa difícil e inesquecível fase da adolescência.

    Existem livros que se apoiam no simbólico, no emblemático para se dar bem com seu público, entregando um discurso gratuito e sendo levemente ousados ao longo das páginas para render certas discussões, quem sabe até alguma polêmica comercialmente saudável. John Green também domina a arte da persuasão como ninguém, sendo como escritor um bom publicitário, muitas vezes com a sensibilidade de um micro-ondas, e entregando com Quem é Você, Alasca? uma espécie de homenagem quase sem inspiração criativa alguma e pouco marcante ao amor juvenil, a tudo o que habita mentes e corações de jovens em processo de descobrimento e questionamento amplos. Ele poderia ter mandado melhor nessa empreitada, caso tenha o talento que nunca demonstrou, mas aparentemente para seus fiéis seguidores, leituras do tipo são o suficiente para satisfazer seu senso-crítico alimentado por Green, e outros oportunistas de plantão.

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  • Resenha | O Erro – Elle Kennedy

    Resenha | O Erro – Elle Kennedy

    Em observação às obras lançadas nos últimos anos no país, bem como a lista de livros mais vendidos, não é surpresa afirmar que o young adult se tornou um gênero importante para o mercado. O jovem foi redescoberto como um leitor e consumidor fundamental, fator que tem se retroalimentado em novos autores escrevendo diretamente para o público-alvo em uma linguagem direta e coloquial.

    A série Off Campus da canadense Ellen Kennedy mantém a tendência ao explorar o Ensino Médio americano, o famoso high school, como ambiente para apresentar personagens típicos como garotas tímidas, astros do esporte de beleza ímpar, em tramas simples e focadas no entretenimento.

    Lançada pela Paralela, selo editorial da Companhia das LetrasO Erro é o segundo volume da série intitulada no país como Amores Improváveis. A série composta por 4 livros e lançadas originalmente entre 2015 a 2016, buscava registrar narrativas de um grupo de amigos pertencentes a mesma escola, apresentando, como demonstra o título, histórias amorosas improváveis, aliadas a conquistas esportivas e a diversão tradicional de jovens sadios prestes a entrar na vida adulta.

    Na trama, Logan é o típico adolescente talentoso no esporte, dono de uma personalidade charmosa que, aliada a beleza, conquista as mulheres. Porém, o personagem está apaixonado pela namorada do melhor amigo e prevê um futuro difícil a sua frente ao lidar com esse conflito e também devido ao pai alcoólatra. Até que um dia, como se espera naturalmente, ele conhece a tímida Grace.

    A narrativa se estabelece a partir da visão padrão do colégio americano, inicialmente fortalecendo arquétipos para depois quebra-los parcialmente. O casal da trama segue a estrutura de opostos que se atraem: o mocinho famoso da escola que parece malvado e a menina comum que conquista seu coração. A história narrada pelos dois personagens alterna os ponto de vista, explorando, tanto ansiedade masculinas como femininas concentradas na juventude.

    Embora outras narrativas do gênero sempre se mantenham desequilibrada ao unir uma trama de entretenimento, humor e erotismo, Kennedy sabe dialogar com naturalidade sobre tais polos. Principalmente, por seguir a risca a métrica de que a trama apresenta adolescentes falando com leitores adolescentes. Nenhuma cena sexual envolve descrições rebuscadas, mas se alinha e descreve as sensações mais naturais que qualquer adolescente sentiria se envolvido dessa maneira, uma autenticidade funcional ao seu público-alvo.

    Focado em adolescentes, é natural que os conflitos sejam extremos, afinal, as personagens estão em uma fase de amadurecimento em que o imediatismo ainda é uma das tônicas. Embora seja perceptível a condução de alguns conflitos apenas como drama dentro da trama, o enredo fluí pelo carisma das personagens.

    O Erro é uma narrativa rápida, feita para distrair os leitores, principalmente os jovens, em uma trama direta. Aos leitores jovens, o diálogo é mais forte e pode lhes transmitir uma mensagem mais profunda, ainda que, como outros young adults o final se ancora no mítico final feliz. Um contraponto oposto de narrativas maduras que nunca poupam o leitor de dramas severos.

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  • Resenha | Sou Fã! E Agora? – Frini Georgakopoulos

    Resenha | Sou Fã! E Agora? – Frini Georgakopoulos

    O Young Adult é um mercado em ascensão tanto no Brasil quanto mundialmente. A maioria das editoras possui um autor para o gênero, escrevendo diretamente para jovens leitores em narrativas cujos personagens possuem a mesma faixa etária do publico-alvo. Um movimento que tem gerado alta identificação entre os jovens e promovendo uma nova faixa rentável de vendas.

    Como todo estilo, ou gênero, algumas fórmulas narrativas se acondicionam as obras. Alguns autores trabalham-nas com melhor qualidade, outros deixam transparecer seus defeitos pela falta de cuidado em construir as engrenagens da história. Independente de autores bons ou medianos, os Young Adults promovem discussão através de seus temas mas nem sempre são capazes de estudar a própria obra como um objeto literário. Dentro deste cenário literário, em que há diversos recursos para produzir uma boa obra, Sou Fã! E Agora?, de Frini Georgakopoulos, é um interessante manual literário composto para os leitores jovens.

    Lançada pela Editora Seguinte, a bonita edição feita em duas cores possui uma linguagem dedicada ao público. Falando diretamente com o leitor, mantendo uma estética mista de informação com o estilo faça você mesmo com espaços para o leitor preencher o livro com suas preferências, o exemplar dialoga sobre diversas franquias literárias e menciona as características de personagens, os estilos de composição de uma obra, trazendo aos fãs um material informativo sobre a própria literatura.

    Dividido em quatro partes, a autora apresenta preceitos básicos da literatura e consegue explicar com qualidade alguns sistemas técnicos da teoria literária de maneira funcional. O que são heróis, vilões, narrativas submersas no tema central, construção de personagens. Ou seja, um manual que explora o que acontece por de trás dos grandes sucessos literários, informativo o suficiente para compartilhar um pouco de teoria a um novo público.

    Voltado com maior enfase para o público leitor de Young Adult, Sou Fã! E Agora? Pode ser uma obra comum a maioria dos leitores tradicionais ou adultos. Dentro de seu público, trata-se de uma obra interessante que traz maior amadurecimento técnico ao leitor, fornecendo-lhe um espaço possível para que, um dia, ele também se sinta confortável para caminhar para uma literatura mais densa, não que este fator seja preponderante. Afinal, todas as narrativas são válidas.

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  • Melhores Leituras de 2015

    Melhores Leituras de 2015

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    Devido ao maior tempo dedicado a uma leitura do que assistir a um filme ou a episódios seriados de uma temporada, é natural que uma lista de Melhores Leituras seja um tanto anacrônica aos lançamentos. A isso soma-se o fato de que, ao encerrar 2014, planejei a leitura de alguns autores que desejava conhecer ou me aprofundar em suas obras, e assim chegamos às edições selecionadas abaixo como as melhores leituras do ano passado.

    Como não havia número suficiente para formatar uma única lista de livros, decidi pela abordagem mista ao introduzir e pontuar os bons quadrinhos lidos no ano. Neste aspecto, é evidente que foquei as leituras no eixo tradicional da Marvel/DC Comics, um aspecto que pretendo evitar este ano, realizando a leitura de outras obras mais autorais (possivelmente veremos esse impacto em uma futura lista deste ano, a ser publicada em 2017).

    Explicitando a falta de sincronia com lançamentos e formatos, a lista nem mesmo se ajusta à tradicional recomendação de dez itens selecionados. Mas sim doze obras, seis livros e seis HQs, para que nenhuma das boas leituras ficasse de fora. Algumas dessas indicações também foram analisadas no site logo após a leitura, dessa forma peço desculpas aos leitores por eventuais repetições de abordagem.

    Manual de Pintura e Caligrafia – José Saramago (Companhia das Letras)

    Manual de Pintura e Caligrafia - Saramago

    Narrativa de estreia do lusitano José Saramago – posteriormente, uma obra anterior seria lançada após sua morte – Manual de Pintura e Caligrafia é um vigoroso romance de estreia. O autor inverte a lógica sobre a carreira e descreve sua proposta literária logo no primeiro lançamento, contrariando manuais tradicionais de autores que sempre, em um estágio avançado da carreira, versam sobre o ofício. Misturando duas narrativas, a personagem atravessa a arte da pintura rumo à escrita, uma transição feita pelo próprio autor, transformando esta obra em um misto de metalinguagem e tese literária, ainda que os elementos narrativos que o consagraram ainda não estivessem presentes.

    Demolidor – Fim Dos Dias (Panini Comics)

    Demolidor - Fim dos Dias

    Inserido na série O Fim da Marvel Comics, Fim dos Dias é uma clara homenagem à trajetória do Homem Sem Medo. Sob a batuta de Brian Michael Bendis, a história leva Ben Ulrich a uma última reportagem quando os heróis perderam sua força como defensores. A equipe de primeira linha desenvolve uma história sem igual, simultaneamente apresentando grandes momentos e figuras de Demolidor ao mesmo tempo em que se configura como mais uma grande história de um dos personagens mais coesos do estúdio.

    Romeu e Julieta – William Shakespeare (Saraiva de Bolso, tradução de Bárbara Heliodora)

    Romeu e Julieta - Shakespeare

    Casal mais conhecido da dramaturgia de William Shakespeare, Romeu e Julieta são símbolo de amor universal, representado, transcrito e transformado em um amor perfeito. A peça considerada uma das mais líricas do autor é fundamental para destruir o conceito das personagens através dos tempos, evidenciando que o amor de dois adolescentes termina de maneira trágica devido ao frenesi impulsivo e a imaturidade. Versando com qualidade sobre a agressividade desse amor, o casal permanece no imaginário coletivo em uma bonita história trágica.

    Pantera Negra – Quem é o Pantera Negra? (Salvat / Panini Comics)

    Pantera Negra - John Romita Jr - destaque

    Anterior a modificações estruturais de personagens representativos de uma causa, a Marvel fundamentou, dois anos após a nova lei de direitos civis nos Estados Unidos, um personagem negro com uma bela mitologia. Erigido como um deus no coração de um país futurista na África, local que nunca cedeu a colonizadores, a concepção do Pantera Negra atinge versão definitiva na narrativa de Reginald Hudlin. Retomando conceitos de tradições africanas, T’Challa adquire simultaneamente uma história coesa e uma tradição tribal forte, tornando-se um importante e imponente personagem político no cenário da editora.

    O Silêncio do Túmulo – Arnaldur Indridason (Companhia das Letras)

    O Silêncio do Tumulo - Arnaldur Indridason

    Impressiona que em uma literatura normalmente considerada formulaica como a narrativa policial se possam desenvolver tantos estilos diferentes e histórias genuinamente interessantes a partir de um crime. Arnaldur Indridason compõe sua narrativa a partir de dois focos: a investigação de um esqueleto encontrado nas imediações da Reykjavík, Islândia e uma trama familiar sobre um pai abusivo. O leitor reconhece de imediato que as narrativas iram se entrecruzar e, mesmo enfocando tais tramas de modo diferente, o autor é capaz de mantê-las em um mesmo tom que, quando chega em seu ápice, desvenda o crime e revela um aspecto crítico sobre a condição social e psicológica que fomentou o assassinato. É a partir desta obra que Indridason alcança sua melhor forma.

    Gotham DPGC: No Cumprimento do Dever (Panini Comics)

    Gotham GPGC

    Ed Brubaker e Greg Rucka partiram de uma premissa interessante ao indagar como seria o contingente policial de Gotham City vivendo à sombra do Homem-Morcego. O resultado é uma revista que destaca personagens comuns vivendo em um cotidiano padrão, no qual a figura de Batman é vista com mística, sem explorar a personagem interiormente como em suas revistas mensais. A partir de dramas pessoais em meio a atentados e crimes de grandes vilões e bandidos comuns, a equipe de crimes hediondos de Gotham sobrevive diariamente nesta pesada rotina criminal. Com uma vertente narrativa genuína de histórias policiais, a equipe apresenta uma visão diferente deste universo tão explorado e querido do público.

    Here, There And Everywhere: Minha Vida Gravando os Beatles – Geoff Emerick e Howard Massey (Novo Século)

    Here There Everywhere - Minha vida gravando os beatles

    Na vasta bibliografia sobre The Beatles, dividida entre obras de jornalistas experientes, críticos renomados e personagens que pontualmente passaram pela carreira da banda, a biografia de Geoff Emerick é fundamental como uma figura de autoridade intrinsecamente ligada à banda. Responsável pela formatação da fase mais prolífica da carreira do quarteto, Emerick narra brevemente sua trajetória até conhecer a banda e nos brindar com informações daquilo que fizeram dos Beatles a banda por excelência: sua qualidade musical. Detalhes técnicos, informações e curiosidades são costuradas em uma prosa suave que nos coloca ao lado da intimidade do Fab Four sob a visão daquele que esteve acompanhando a progressão a cada ensaio e moldando o som da banda. A obra é prazerosa e nos aguça a ouvir de maneira diferente a discografia do quarteto.

    Superman – A Queda de Camelot (Panini Comics)

    Superman - A Queda de Camelot

    Publicada simultaneamente a outra grande saga de Superman, O Último Filho, esta Queda de Camelot é um longo épico dividido em duas partes. Conduzida por Kurt Busiek, um dos responsáveis pelas revistas do herói ao lado de Geoff Johns na época pós Crise Infinita no projeto Um Ano Depois. Trabalhando em linhas temporais de passado, presente e futuro, o autor cria uma história provável sobre um futuro apocalíptico ao mesmo tempo em que desenvolve o passado do vilão Arion e as crescentes ameaças do presente conhecido. O tamanho da série cria uma narrativa aventureira cíclica, composta de diversos ganchos e conduzida pela aventura, dando sequência à explícita homenagem a Era de Prata desenvolvida desde o primeiro arco de Um Ano Depois. Se O Último Filho é uma reflexão pretensiosa e fabular sobre passado e descendência, A Queda de Camelot faz da aventura o fio condutor.

    Dragão Vermelho – Thomas Harris (Record)

    Dragão Vermelho - Thomas Harris

    Um dos grandes vilões do cinema, Hannibal Lecter inicia sua trajetória nesta narrativa escrita em 1988. Thomas Harris explora com eficiência a psicologia de seu assassino e compõe um interessante laço entre o investigador Will Graham e o psicanalista canibal, o qual colabora no caso. Em um thriller psicológico aclamado por James Ellroy como um dos grandes livros do gênero, a história é pautada no desenvolvimento do caso e no suspense, demonstrando talento na composição narrativa ao criar densos personagens bizarros, inovando ao introduzir com esmero a mente criminosa em cena. Mais impressionante que esta trama é o fato do autor, após a sequência O Silêncio dos Inocentes, ter produzido duas obras sobre a personagem sem nenhum apelo e vigor equivalentes a esta obra inicial. Mesmo com uma carreira desequilibrada, Dragão Vermelho é uma narrativa impecável.

    Os Vingadores – O Mundo Dos Vingadores (Panini Comics)

    Vingadores - n 1 - Avengers World

    Responsável por assumir duas revistas dos Vingadores após oito anos sob comando de Brian Michael Bendis, Jonathan Hickman iniciava um novo ponto de partida para os Heróis Mais Poderosos da Terra, reconfigurando a equipe em sintonia com o novo processo editorial intitulado Nova Marvel. O Mundo dos Vingadores alinha novos e antigos personagens em uma renovada formação da equipe, ao mesmo tempo em que introduz novos vilões que seriam fundamentais para futuras sagas da editora. Sem medo da sombra do sucesso da passagem de Bendis, o arco é simultaneamente uma boa história como também funciona como um início para novos leitores.

    A Ditadura Envergonhada – Elio Gaspari (Intrínseca)

    Ditadura Envergonhada - Elio Gaspari

    Com intensa pesquisa em fontes diversas e uma prosa ensaística de primeira qualidade, Elio Gaspari produz uma das obras definitivas sobre a ditadura militar brasileira. Indo além da formalidade dos fatos, o autor insere um estilo narrativo próprio que aviva a época e os dramas dos conflitos vividos e seus delicados detalhes. Traçando um panorama da sociedade, observando tanto o movimento militar como os levantes contra o golpe, este é o primeiro volume de uma vasta obra sobre o período que, ainda este ano, ganha o último e definitivo desfecho.

    Batman: Cidade Castigada (Panini Comics)

    Batman - Cidade Castigada

    A saga Silêncio, anterior a Cidade Castigada, talvez tenha eclipsado a atenção voltada a esta história escrita por dois grandes parceiros: Brian Azzarello e Eduardo Risso. Se a anterior pretendia ser um grande épico em doze partes, apresentando diversões heróis e a galeria de vilões do Morcego, Cidade Castigada enfoca o Batman investigador em uma história mais eficiente e coesa que a de Jim Lee e Jeph Loeb. Gotham adquire contornos noir entre poesia e corrupção enquanto o roteiro foge de uma tradicional narrativa feita pelo morcego, acrescentando tanto uma reflexão erudita sobre a cidade quanto ampliando a limitação física do herói, sem contar uma improvável cena em que Bruce Wayne faz seu próprio jantar, desmitificando, com certo humor sem perder o tom sério da narrativa, os fatos cotidianos que o personagem, como um reflexo de um ser humano normal, executa todos os dias.

    Cidades de Papel - John GreenMenção Honrosa: Cidades de Papel – John Green. Considerando o público-alvo de sua narrativa, Green surpreende com uma história pontual sobre a transição entre a adolescência e o mundo adulto e uma percepção madura de um grupo de amigos. Um romance de formação que tem potencial para se tornar significativo no crescimento do leitor jovem.

  • Resenha | Amor em Jogo – Simone Elkeles

    Resenha | Amor em Jogo – Simone Elkeles

    O Amor em Jogo - Simone Elkeles

    Em sua primeira obra, lançada no Brasil pela Editora Globo, Simone Elkeles apresenta um tradicional universo adolescente típico da maioria das narrativas young adult. Amor em Jogo possui dois narradores diferentes, um garoto e uma garota, intercalando o desenvolvimento da trama. O ideário proposto pela história de amor adolescente ainda está preso no padrão entre mocinho e mocinha, ambos populares à sua maneira e descritos energicamente como sedutores. Uma repetição que parece comum no gênero, sempre destacando personagens ou com muitas qualidades positivas ou com muitas negativas, sem uma dosagem que equilibre a composição das figuras ficcionais.

    O estilo alternado de narradores promove maior dinamicidade e evita a parcialidade proposital ao observarmos somente um narrador. Mesmo sob dois pontos de vista diferentes, a história é linear, sem mudanças bruscas de estilo, afinal, não faz parte da intenção da autora buscar vozes diferentes na narrativa, mas sim demonstrar o desenvolvimento da história de amor em ambos os lados da relação.

    Ashtyn Parker e Derek Fitzpatrick têm em comum um passado atribulado de difícil compreensão diante da imaturidade natural do adolescente. Capitã do time de futebol americano do colégio, Ashtyn foi abandonada pela mãe quando criança, e o trauma impede-a de aproximar-se de qualquer pessoa, com medo de uma futura rejeição; enquanto o jovem Derek perdeu a mãe na infância e convive somente com a madrasta, já que o pai trabalha em alto-mar como integrante da Marinha. Após um trote na escola, que lhe rende uma expulsão, o garoto é obrigado a mudar-se para Illinois com a madrasta e começar uma nova vida.

    O encontro das personagens produz certa originalidade à obra, foge de um tradicional encontro em lugares comuns, como uma escola ou locais de lazer juvenil, para se apresentar em laços fundamentados por parentes: a irmã de Ashtyn é a namorada jovem do pai de Derek. Um acaso que coloca os dois jovens vivendo sob o mesmo teto.

    A antipatia inicial de adolescentes contrariados pela invasão do espaço é quebrada aos poucos pela atração física que um sente pelo outro. A narrativa desenvolve pequenas intrigas para dificultar a aproximação amorosa: Ashtyn namora outro rapaz, e Derek é tido como um galinha galanteador. Dificuldades que se sobrepõem e geram uma tensão interna entre amor e medo.

    Mesmo que parte da composição dos personagens centrais seja tradicional, com exagero em apresentá-los como populares, engraçados e com um porte físico invejável, uma tipificação do americano médio, a personalidade irônica de cada um é o grande destaque. É certa agressividade que promove bons diálogos e humor durante a história. Ashtyn e Derek cativam o leitor por suas características pessoais, motivo que também nos faz torcer pelo casal.

    Na parte final da história, entretanto, Elkeles exagera em algumas descrições eróticas, desequilibrando uma obra que, até então, fazia breves insinuações sobre a sexualidade, detalhes antes apresentados de maneira leve ou atenuados pelo humor. É uma mudança breve na qual se demonstra uma escrita que, por não estar ainda completamente madura, entrega uma cena explícita, talvez como uma demanda para atender a um público mais específico. Ainda assim, as personagens mantêm seu brilho durante toda a trama.

    Amor em Jogo é o primeiro livro de uma trilogia de sucesso lançada nos Estados Unidos. Mesmo apresentando as situações típicas de um young adult – estendendo a discussão sobre até que ponto um gênero ou estilo é castrador de uma narrativa –, a obra se mantém e é uma boa indicação, principalmente para os leitores do gênero. O diálogo com o público jovem, apresentando suas incertezas internas, os ápices de desejo, a sensação de incompletude e os medos primários, transpõe com qualidade o universo adolescente para a literatura atual.

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  • Resenha | Paralela – Lauren Miller

    Resenha | Paralela – Lauren Miller

    Paralela - Lauren Miller

    Existe aquele apelo irresistível em todas as histórias que envolvem duas possibilidades: o tempo e os rumos diferentes que a vida poderia ter tomado se tivéssemos optado por diferentes caminhos. Em Paralela, esse apelo é levado ainda mais longe porque as decisões que delineiam a história são acontecimentos cotidianos, daqueles que não se espera que definam destinos.

    Em um young adult competente, que flerta com a ficção científica se apropriando de termos de física quântica, Lauren Miller prende nossa atenção até a última letra. Em 327 páginas de narração não linear, a história de Abby Barnes conquista o leitor, que percorre as páginas ansioso pelo próximo revés. Um feito e tanto para o primeiro livro da autora.

    Abby Barnes está prestes a acabar o colegial e tem seu futuro todo planejado. A faculdade onde vai estudar, o emprego que almeja, nada deixa a cargo do destino, planejando muito bem o seu futuro. Isso não impede que alguns acontecimentos inesperados a coloquem em uma realidade bem distante de seus planos iniciais.  No entanto, um estranho acontecimento dará a Abby a oportunidade de experimentar uma vida que ela não viveu, e ela vai descobrir o que teria acontecido se não fossem alguns desses desvios.

    A autora é muito hábil em mesclar o universo adolescente, com seus triângulos amorosos e intrigas de colégio, e o argumento de ficção científica, ainda que não se aprofunde demais nas teorias que explicam o fenômeno de intersecção dos universos paralelos. Vivendo os muitos amores, conquistas e decepções de Abby, somos jogados de um tempo ao outro, vivenciando o sentimento da falta de controle que a protagonista experimenta. O desfecho competente, embora não ofereça todas as respostas, satisfaz. Uma leitura que pretendo repetir em breve.

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    Mariana Guarilha é devota de George R. R. Martin, assiste a séries e filmes de maneira ininterrupta e vive entre o subconsciente e o real.

  • Resenha | A Culpa é das Estrelas – John Green

    Resenha | A Culpa é das Estrelas – John Green

    No sexto romance de sua carreira, o americano John Green alcançou um feito invejável ao tornar-se um dos escritores vivos mais lidos e vendidos no mercado editorial global. Representante do estilo young adult, o autor foi um dos responsáveis por expandir o gênero além do nicho natural, pavimentando um caminho que se demonstrou frutífero, dando espaço a outros escritores semelhantes e promovendo uma relação coerente entre leitura e público jovem.

    Antes de se tornar a maior referência no estilo – fama que tem incomodado o escritor –, Green possuía uma base de fãs, vindos de um vlog realizado em parceria com seu irmão, promovendo, desde o início, um diálogo constante com o público. Uma ponte necessária para o reconhecimento e o sucesso, ainda mais se considerarmos que boa parcela dos leitores é  adolescente.

    Lançado pela Editora Intrínseca, A Culpa é das Estrelas permanece há mais de 65 semanas na lista dos livros mais vendidos no país. A narrativa utiliza o difícil tema do câncer como elemento central de uma história com adolescentes, um dos princípios fundamentais do gênero, o de narradores que conversam diretamente com a faixa etária alvo.

    Ao narrar como a adolescente Hazel Grace, o autor é capaz de apresentar um tema pesado com leveza. Evita o conceito amargado do fatalista para desenvolver inicialmente uma personagem simpática que, mesmo reconhecendo sua difícil condição, vive em equilíbrio com os problemas diários de um adolescente americano, e, com ironia, aceita sua condição de ter câncer no pulmão – e por isso, necessitar de aparelhos que ajudam sua respiração diariamente.

    Se dentro do gênero alguns autores conseguem expandir sua história e cativar outros leitores, esta narrativa é primariamente voltada ao público adolescente. Em décadas passadas, o jovem era um público pouco explorado pelo mercado de livros. Alguns poucos autores representava-os pontualmente, mas não havia uma linha editorial cujo enfoque destacava romances no estilo. Desde que a saga do bruxo Harry Potter de J. K. Rowling demonstrou-se eficiente e criativa (com a qualidade de ser uma leitura universal para jovens e adultos), o enfoque de um mercado adolescente se consolidou, buscando em obras anteriores uma justificativa – como o clássico O Apanhador No Campo de Centeio, de J. D. Salinger, considerado um proto-young adult – e desenvolvendo um mercado que fornece novas leituras para este grupo ávido por literatura.

    Green desenvolve com talento seus personagens centrais, reconhecendo que, além da própria doença que os atinge, há um sentimento interno de reconhecimento que precisa ser explorado. No entanto, demonstra certa imaturidade ao adentrar o inevitável drama, não inserindo o peso necessário numa trama, que, com seus personagens, ganharia maior densidade.

    Em relação ao drama, a história parece composta de maneira exemplar para realçar a emoção ao público, um artifício ideal se a obra concentra-se somente na busca da emoção pela emoção. Em uma narrativa de aproximadamente duzentas páginas, com uma leitura leve, tem-se a impressão de que o tema apresentado se desgasta rapidamente, e o autor necessitou de temas paralelos para sustentar sua história.

    Focalizando o conceito da metaficção artística, Green desenvolve um escritor fictício – lido por Hazel Grace e seu namorado, Augustus Waters –, que se transforma no objetivo de vida dos personagens. Um diálogo interessante com a ideia da ficção literária e de como os leitores veem a figura do escritor. Ao entrar em cena o escritor Van Houten, percebe-se o abismo que há entre a obra literária e a pessoa por trás do autor. Um elemento que pode se expandir através do próprio Green como autor, ciente de que os jovens leitores precisaram de uma figura concreta e real para admirar.

    Mesmo que o recurso represente uma tradição literária e adicione uma camada extra ao enredo, a história paralela ocupa boa parte da trama, demonstrando o vazio inconsistente da história de amor e sua natural desenvoltura trágica. Torna-se evidente que os jovens procuram um mestre a seguir e encontram nas palavras do escritor uma verdade supostamente universal. Mas ao enfocar a viagem e a personagem do escritor em demasia, Green assinala nas entrelinhas sua incapacidade de sustentar o bom drama que criou no primeiro terço do romance.

    Contemporâneo do escritor, Mathew Quick desenvolveu procedimentos semelhantes em sua obra mais recente, Perdão, Leonard Peacock. Porém, sua narrativa demonstra que o adolescente problemático do título é mais uma máscara do próprio autor que não tem medo de demonstrar a interferência de uma voz adulta em sua narração. Compondo um personagem mais erudito que amplia o tom dramático e conquista com maior eficiência leitores não acostumados com o gênero.

    É irrevogável a importância de Green dentro do cenário narrativo. Após o espaço aberto por Rowling, é fundamental que um autor seja capaz de oferecer ao público jovem uma leitura que o agrade. Ainda mais reconhecendo que tais jovens podem ler histórias com maior complexidade e temas difíceis de serem assimilados. Porém, no interior de sua narrativa, A Culpa é das Estrelas falha por não se estruturar com qualidade no drama proposto. O autor demonstra reconhecer muito bem as teses que promovem a emoção no leitor, mas, produzindo-a de maneira tão milimétrica, perde a naturalidade fundamental de uma trama, que, acima de tudo, é um relato amoroso.