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  • Crítica | Amor, Sublime Amor (2021)

    Crítica | Amor, Sublime Amor (2021)

    West Side Story é um musical da Broadway, conhecido por suas várias versões, sendo a mais famosa vista no filme de Robert Wise e Jerome Robbins lançado em 1961. Sua história atualiza o conto shakesperiano de Romeu e Julieta, ambientando na cidade de Nova York  do século XX. A expectativa em relação à nova versão de  Amor, Sublime Amor não eram pequenas, ainda mais por ser conduzida por Steven Spielberg, que vem de uma fase de adaptações bastante elogiadas.

    As escolhas visuais e temáticas do cineasta foram bem diferentes da versão dos anos sessenta. O figurino das gangues Jets e Sharks, assim como a direção de arte é bem mais realista nesta abordagem. Como na primeira montagem cinematográfica, o longa também se inicia com uma tomada aérea sobre a cidade de Nova York, dessa vez, bem mais cinza e suja, combinando com o visual maltrapilho dos grupos de foras-da-lei.

    O roteiro fica a cargo de Tony Kushner, que já trabalhou antes com o realizador em Munique e Lincoln. Aqui há um subtexto diferente da versão de Wise: o território disputado estava em fase de realocação urbana, ou seja, estavam todos se despedindo e em vias de sofrer despejo, o pedaço de terra era utilizado apenas pelos miseráveis que não tinham condições de se mudar. Os personagens possuem problemas reais, faltam-lhe condições básicas de conforto e de sobrevivência. No entanto, esses trechos poderiam ser menos didáticos.

    O elenco é comandado por Ansel Elgort (Em Ritmo de Fuga), que faz o papel do recém-reabilitado Tony, fundador dos Jets, e que se submete a um trabalho simples para tentar se regenerar nesse momento de liberdade condicional, distante dos seus antigos colegas de vadiagem. Ainda assim, ele causa em Riff (Mike Faist) a esperança de poder, enfim, sobrepujar os seus rivais, de maneira “definitiva”, mas sem os eufemismos ou artifícios retóricos que tentam esconder a vontade de matar, e até mesmo de morrer, comum a tragédia de tantos jovens.

    Tony é a exceção dentro dos Jets. Ao contrário dos outros rapazes ele tem uma ocupação. Ele é como um dos Sharks, dado que do grupo, todos trabalham, mesmo os que estudam. De maneira simples o roteiro demonstra como funciona a realidade diferenciada deles, pois mesmo sendo pobres, os brancos podem se dar ao luxo de não trabalhar, enquanto os hispânicos precisam lutar para viver.

    Tanto Riff quanto Bernardo (David Alvarez) são inspiradores se comparados aos seus capangas, mas os melhores diálogos e canções caem sobre a protagonista, Maria (Rachel Zegler), uma menina inocente e disposta a amar infinitamente. Já Anita (Ariana DeBose), é uma moça que não se permite domar nem pelo namorado violento, e nem pelas pressões comuns a um jovem latino na América. Dos arcos dramáticos, este é o mais profundo e plausível, seu intento de ser uma desenhista de moda é um bom resumo do desejo de vencer na vida.

    Os amores são mostrados quase sempre de maneira trágica e melancólica, em especial os que envolvem os personagens latinos. Tony e Maria tem química, se sentem unidos mesmo em meio ao mar de gente no momento de seu encontro. A atração pelo olhar e pela alma é pontuado de forma intensa, fato que faz essa versão contemplar bem o mito de William Shakespeare. Pode-se dizer o mesmo de Anita e Bernardo.

    Os coadjuvantes têm seu espaço, protagonizam cenas de dança grandiosas, além de números de sapateado igualmente bons. A maior parte das cenas são maiores aqui do que em comparação com a versão de Wise, além de não se depender tanto de Tony ou Riff para acontecerem os momentos musicais dos Jets. A música de Gustavo Dudamel está muito bem encaixada, e a melodia, letra e coreografia fluem muitíssimo bem. A atmosfera de musical moderno faz invejar obras recentes como La La Land: Cantandos Estações e Os Miseráveis, no sentido de popular e épico.

    Amor, Sublime Amor é divertido, consegue variar bem entre o escapismo e a violência. Spielberg captura bem a atmosfera da delinquência juvenil que residia nos Estados Unidos no pós-Segunda Guerra. Sua forma de contar história certamente agradará o público afeito a musicais, e consegue saciar até quem não costuma consumir esse gênero, mas sua maior qualidade é a de atualizar bem os temas do clássico, com alma, emoção e energia. O único senão fica com as legendas que poderiam ter um maior cuidado com o que é dito nas músicas. Não é preciso ser especialista em língua inglesa para perceber que os textos não casam com o que é cantado e tudo é completamente modificado em sentido e espírito.

  • Resenha | A Alquimia da Tempestade e Outros Poemas – D. G. Ducci

    Resenha | A Alquimia da Tempestade e Outros Poemas – D. G. Ducci

    O amor é revolucionário.

    A Alquimia da Tempestade e Outros Poemas (7Letras, 2017), de D. G. Ducci é um livro de poemas classudo, com uma lógica bem estruturada do início ao fim e forte âncora na segunda fase do Romantismo brasileiro (os ultrarromânticos), sobretudo por declarada inspiração do autor no trabalho de Álvares de Azevedo.

    O livro é dividido em cinco partes. A primeira delas, “Os outros poemas”, aglutina versos que não compõem a alquimia romântica proposta pelo poeta. Aqui encontramos desabafos, metapoemas, sonetos de variados temas, poesias sem forma fixa e um poema em inglês.

    “Poesia-grangrena” abre o livro como um poema-protesto aos poemas-protesto: “Insira aqui um poema de agora/ bastante recente/ um desabafo qualquer desses moços/ em terceira pessoa/ a rima vista com tédio e desgosto./” Ao escolher esses versos na abertura do livro, Ducci situa seus poemas à margem do desabafo cotidiano. É como se avisasse ao leitor para ele abrir os olhos e se abrigar, porque logo vem tempestade.

    Antes de iniciarmos a alquimia, encontramos o “Prólogo e invocação”. Algo comum à poesia clássica, no primeiro poema o poeta pede inspiração às musas ou aos deuses para compor os versos. É um poema sacrifício. Aqui, o autor invoca a própria Poesia e a clama “redentora”, personificando-a como divindade que expurga os pecados predecessores. Assim se faz o poeta.

    Logo temos “A brisa”, a primeira fase da tempestade. O autor agarra-se aos sonetos (forma que utiliza até a quarta parte), e os tempera com o amor idealizado; encontramos o sumo sentimento íntegro, presente na consciência e no desejo dos amantes, e assistido pela Natureza e o Tempo (o que remete à gênese do mundo grego, que enlaça Kronos, Gaia e Eros).

    “O vento” precede a brisa. Os sonetos desse grupo eriçam o desejo. A paixão agarra o eu lírico e o arrebata pelos caminhos do corpo, da noite e da conquista. Seguimos o vendaval guiado pelo autor com curiosidade e lembranças aguçadas. Quando “A chuva” começa, os sonetos adquirem forma shakespeariana e os versos dilaceram a fúria (benigna?) do amor enquanto também expõem a suspeita de rejeição do(a) amado(a). A morte ultrarromântica está presente em “Morrerei”: “Se a vida me foi drástica morada, / que a Morte seja fuga desejada!”.

    Na última parte, “O furacão”, a tempestade alcança o ápice com poemas de formas variadas sobre o amor não realizado (a intempérie desfaz a forma fixa dos sonetos predecessores). Encontramos alternativas para a fuga do sentimento pleno: o além-mar, o sonho, o mundo de lugar algum e a sempre presente morte: “Me cura da doença que devora/ e mostra para mim a eternidade!”, versos de “Morte”.

    Os ultrarromânticos sofrem/sofreram para exprimir em poemas esse desvario tresloucado que responde por amor; e nós, leitores, brutos como plateia de gladiadores, aplaudimos e nos comprazemos com o resultado do sofrimento desses poetas. Mas não apenas por valor artístico, reconhecemos o valor dessas almas líricas por nos arrancar da ignorância do cotidiano e resgatar o sonho de amar e ser correspondido. E, sobretudo nos tempos atuais de ódio e intolerância, amor é um ato revolucionário. O livro de estreia de D. G. Ducci é, por isso, também revolucionário.

    Texto de autoria de José Fontenele.

    Compre: A Alquimia da Tempestade – D. G. Ducci.

  • Melhores Leituras de 2015

    Melhores Leituras de 2015

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    Devido ao maior tempo dedicado a uma leitura do que assistir a um filme ou a episódios seriados de uma temporada, é natural que uma lista de Melhores Leituras seja um tanto anacrônica aos lançamentos. A isso soma-se o fato de que, ao encerrar 2014, planejei a leitura de alguns autores que desejava conhecer ou me aprofundar em suas obras, e assim chegamos às edições selecionadas abaixo como as melhores leituras do ano passado.

    Como não havia número suficiente para formatar uma única lista de livros, decidi pela abordagem mista ao introduzir e pontuar os bons quadrinhos lidos no ano. Neste aspecto, é evidente que foquei as leituras no eixo tradicional da Marvel/DC Comics, um aspecto que pretendo evitar este ano, realizando a leitura de outras obras mais autorais (possivelmente veremos esse impacto em uma futura lista deste ano, a ser publicada em 2017).

    Explicitando a falta de sincronia com lançamentos e formatos, a lista nem mesmo se ajusta à tradicional recomendação de dez itens selecionados. Mas sim doze obras, seis livros e seis HQs, para que nenhuma das boas leituras ficasse de fora. Algumas dessas indicações também foram analisadas no site logo após a leitura, dessa forma peço desculpas aos leitores por eventuais repetições de abordagem.

    Manual de Pintura e Caligrafia – José Saramago (Companhia das Letras)

    Manual de Pintura e Caligrafia - Saramago

    Narrativa de estreia do lusitano José Saramago – posteriormente, uma obra anterior seria lançada após sua morte – Manual de Pintura e Caligrafia é um vigoroso romance de estreia. O autor inverte a lógica sobre a carreira e descreve sua proposta literária logo no primeiro lançamento, contrariando manuais tradicionais de autores que sempre, em um estágio avançado da carreira, versam sobre o ofício. Misturando duas narrativas, a personagem atravessa a arte da pintura rumo à escrita, uma transição feita pelo próprio autor, transformando esta obra em um misto de metalinguagem e tese literária, ainda que os elementos narrativos que o consagraram ainda não estivessem presentes.

    Demolidor – Fim Dos Dias (Panini Comics)

    Demolidor - Fim dos Dias

    Inserido na série O Fim da Marvel Comics, Fim dos Dias é uma clara homenagem à trajetória do Homem Sem Medo. Sob a batuta de Brian Michael Bendis, a história leva Ben Ulrich a uma última reportagem quando os heróis perderam sua força como defensores. A equipe de primeira linha desenvolve uma história sem igual, simultaneamente apresentando grandes momentos e figuras de Demolidor ao mesmo tempo em que se configura como mais uma grande história de um dos personagens mais coesos do estúdio.

    Romeu e Julieta – William Shakespeare (Saraiva de Bolso, tradução de Bárbara Heliodora)

    Romeu e Julieta - Shakespeare

    Casal mais conhecido da dramaturgia de William Shakespeare, Romeu e Julieta são símbolo de amor universal, representado, transcrito e transformado em um amor perfeito. A peça considerada uma das mais líricas do autor é fundamental para destruir o conceito das personagens através dos tempos, evidenciando que o amor de dois adolescentes termina de maneira trágica devido ao frenesi impulsivo e a imaturidade. Versando com qualidade sobre a agressividade desse amor, o casal permanece no imaginário coletivo em uma bonita história trágica.

    Pantera Negra – Quem é o Pantera Negra? (Salvat / Panini Comics)

    Pantera Negra - John Romita Jr - destaque

    Anterior a modificações estruturais de personagens representativos de uma causa, a Marvel fundamentou, dois anos após a nova lei de direitos civis nos Estados Unidos, um personagem negro com uma bela mitologia. Erigido como um deus no coração de um país futurista na África, local que nunca cedeu a colonizadores, a concepção do Pantera Negra atinge versão definitiva na narrativa de Reginald Hudlin. Retomando conceitos de tradições africanas, T’Challa adquire simultaneamente uma história coesa e uma tradição tribal forte, tornando-se um importante e imponente personagem político no cenário da editora.

    O Silêncio do Túmulo – Arnaldur Indridason (Companhia das Letras)

    O Silêncio do Tumulo - Arnaldur Indridason

    Impressiona que em uma literatura normalmente considerada formulaica como a narrativa policial se possam desenvolver tantos estilos diferentes e histórias genuinamente interessantes a partir de um crime. Arnaldur Indridason compõe sua narrativa a partir de dois focos: a investigação de um esqueleto encontrado nas imediações da Reykjavík, Islândia e uma trama familiar sobre um pai abusivo. O leitor reconhece de imediato que as narrativas iram se entrecruzar e, mesmo enfocando tais tramas de modo diferente, o autor é capaz de mantê-las em um mesmo tom que, quando chega em seu ápice, desvenda o crime e revela um aspecto crítico sobre a condição social e psicológica que fomentou o assassinato. É a partir desta obra que Indridason alcança sua melhor forma.

    Gotham DPGC: No Cumprimento do Dever (Panini Comics)

    Gotham GPGC

    Ed Brubaker e Greg Rucka partiram de uma premissa interessante ao indagar como seria o contingente policial de Gotham City vivendo à sombra do Homem-Morcego. O resultado é uma revista que destaca personagens comuns vivendo em um cotidiano padrão, no qual a figura de Batman é vista com mística, sem explorar a personagem interiormente como em suas revistas mensais. A partir de dramas pessoais em meio a atentados e crimes de grandes vilões e bandidos comuns, a equipe de crimes hediondos de Gotham sobrevive diariamente nesta pesada rotina criminal. Com uma vertente narrativa genuína de histórias policiais, a equipe apresenta uma visão diferente deste universo tão explorado e querido do público.

    Here, There And Everywhere: Minha Vida Gravando os Beatles – Geoff Emerick e Howard Massey (Novo Século)

    Here There Everywhere - Minha vida gravando os beatles

    Na vasta bibliografia sobre The Beatles, dividida entre obras de jornalistas experientes, críticos renomados e personagens que pontualmente passaram pela carreira da banda, a biografia de Geoff Emerick é fundamental como uma figura de autoridade intrinsecamente ligada à banda. Responsável pela formatação da fase mais prolífica da carreira do quarteto, Emerick narra brevemente sua trajetória até conhecer a banda e nos brindar com informações daquilo que fizeram dos Beatles a banda por excelência: sua qualidade musical. Detalhes técnicos, informações e curiosidades são costuradas em uma prosa suave que nos coloca ao lado da intimidade do Fab Four sob a visão daquele que esteve acompanhando a progressão a cada ensaio e moldando o som da banda. A obra é prazerosa e nos aguça a ouvir de maneira diferente a discografia do quarteto.

    Superman – A Queda de Camelot (Panini Comics)

    Superman - A Queda de Camelot

    Publicada simultaneamente a outra grande saga de Superman, O Último Filho, esta Queda de Camelot é um longo épico dividido em duas partes. Conduzida por Kurt Busiek, um dos responsáveis pelas revistas do herói ao lado de Geoff Johns na época pós Crise Infinita no projeto Um Ano Depois. Trabalhando em linhas temporais de passado, presente e futuro, o autor cria uma história provável sobre um futuro apocalíptico ao mesmo tempo em que desenvolve o passado do vilão Arion e as crescentes ameaças do presente conhecido. O tamanho da série cria uma narrativa aventureira cíclica, composta de diversos ganchos e conduzida pela aventura, dando sequência à explícita homenagem a Era de Prata desenvolvida desde o primeiro arco de Um Ano Depois. Se O Último Filho é uma reflexão pretensiosa e fabular sobre passado e descendência, A Queda de Camelot faz da aventura o fio condutor.

    Dragão Vermelho – Thomas Harris (Record)

    Dragão Vermelho - Thomas Harris

    Um dos grandes vilões do cinema, Hannibal Lecter inicia sua trajetória nesta narrativa escrita em 1988. Thomas Harris explora com eficiência a psicologia de seu assassino e compõe um interessante laço entre o investigador Will Graham e o psicanalista canibal, o qual colabora no caso. Em um thriller psicológico aclamado por James Ellroy como um dos grandes livros do gênero, a história é pautada no desenvolvimento do caso e no suspense, demonstrando talento na composição narrativa ao criar densos personagens bizarros, inovando ao introduzir com esmero a mente criminosa em cena. Mais impressionante que esta trama é o fato do autor, após a sequência O Silêncio dos Inocentes, ter produzido duas obras sobre a personagem sem nenhum apelo e vigor equivalentes a esta obra inicial. Mesmo com uma carreira desequilibrada, Dragão Vermelho é uma narrativa impecável.

    Os Vingadores – O Mundo Dos Vingadores (Panini Comics)

    Vingadores - n 1 - Avengers World

    Responsável por assumir duas revistas dos Vingadores após oito anos sob comando de Brian Michael Bendis, Jonathan Hickman iniciava um novo ponto de partida para os Heróis Mais Poderosos da Terra, reconfigurando a equipe em sintonia com o novo processo editorial intitulado Nova Marvel. O Mundo dos Vingadores alinha novos e antigos personagens em uma renovada formação da equipe, ao mesmo tempo em que introduz novos vilões que seriam fundamentais para futuras sagas da editora. Sem medo da sombra do sucesso da passagem de Bendis, o arco é simultaneamente uma boa história como também funciona como um início para novos leitores.

    A Ditadura Envergonhada – Elio Gaspari (Intrínseca)

    Ditadura Envergonhada - Elio Gaspari

    Com intensa pesquisa em fontes diversas e uma prosa ensaística de primeira qualidade, Elio Gaspari produz uma das obras definitivas sobre a ditadura militar brasileira. Indo além da formalidade dos fatos, o autor insere um estilo narrativo próprio que aviva a época e os dramas dos conflitos vividos e seus delicados detalhes. Traçando um panorama da sociedade, observando tanto o movimento militar como os levantes contra o golpe, este é o primeiro volume de uma vasta obra sobre o período que, ainda este ano, ganha o último e definitivo desfecho.

    Batman: Cidade Castigada (Panini Comics)

    Batman - Cidade Castigada

    A saga Silêncio, anterior a Cidade Castigada, talvez tenha eclipsado a atenção voltada a esta história escrita por dois grandes parceiros: Brian Azzarello e Eduardo Risso. Se a anterior pretendia ser um grande épico em doze partes, apresentando diversões heróis e a galeria de vilões do Morcego, Cidade Castigada enfoca o Batman investigador em uma história mais eficiente e coesa que a de Jim Lee e Jeph Loeb. Gotham adquire contornos noir entre poesia e corrupção enquanto o roteiro foge de uma tradicional narrativa feita pelo morcego, acrescentando tanto uma reflexão erudita sobre a cidade quanto ampliando a limitação física do herói, sem contar uma improvável cena em que Bruce Wayne faz seu próprio jantar, desmitificando, com certo humor sem perder o tom sério da narrativa, os fatos cotidianos que o personagem, como um reflexo de um ser humano normal, executa todos os dias.

    Cidades de Papel - John GreenMenção Honrosa: Cidades de Papel – John Green. Considerando o público-alvo de sua narrativa, Green surpreende com uma história pontual sobre a transição entre a adolescência e o mundo adulto e uma percepção madura de um grupo de amigos. Um romance de formação que tem potencial para se tornar significativo no crescimento do leitor jovem.

  • Crítica | Macbeth: Ambição e Guerra

    Crítica | Macbeth: Ambição e Guerra

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    Adaptado de modo bastante fiel, Macbeth: Ambição e Guerra tem seus méritos em conseguir transpor em tela uma versão do clássico de William Shakespeare, ainda que seus acertos não ocorram necessariamente graças à direção de Justin Kurzel, que faz um trabalho interessante organizando todos os bons fatores do longa, deixando claro o quanto a trama de glória e sangue é importante para o imaginário popular e o quão atual ela pode ser.

    Desde o começo da pré-produção, os holofotes estavam sobre a dupla de intérpretes destacando o militar e personagem-título interpretado por Michael Fassbender, enquanto Lady Macbeth é vivida por Marion Cotillard. Tais personificações beiram a perfeição, fator que rivaliza com a bela direção de arte e fotografia utilizando tons vermelhos como as características positivas do filme. A construção deste tripé – arte, atuações e fotografia – fazem de toda a poesia e lirismo do texto teatral algo belo, visto poucas vezes em adaptações de peças.

    A violência gráfica se faz presente, mostrando influências de Kurzel indo desde a filmografia de Mel Gibson enquanto diretor – principalmente em Coração Valente, na estética, e em A Paixão de Cristo, na emoção – além de fortificar os momentos canônicos do argumento original. O sangue se mistura com a ambição, resultando em uma amálgama que emula o drama até a atualidade, ainda que todos os méritos dessa atemporalidade fujam completamente ao trabalho do realizador, uma vez que Macbeth só foi refilmado graças ao bom texto do dramaturgo.

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    No entanto, a complexidade passa longe dos esforços dos produtores. A fidelidade, que normalmente é um aspecto elogiável neste tipo de fita, soa covarde e conservadora, uma vez que, do ponto de vista da história, pouco ou nada se acrescenta. O filme é monotônico, soando repetitivo graças à reverência exagerada da parte do cineasta.

    A despeito de suas muitas qualidades positivas, a produção perde atração graças ao ritmo complicado, não tão grave quanto em alguns de seus pares recentes, tanto nos dramas épicos, como em filmes históricos semelhantes na ambientação da Idade Média. A escolha por manter intactos os diálogos é comum a outros tantos filmes shakesperianos, e poucas vezes faz tanto sentido como neste. Mesmo com tanta verve e sentimento, falta um elo sentimental entre o espectador e a obra, mesmo com a bela apresentação de Sean Harris e seu McDuff, o que é uma pena, já que o filme gerava uma expectativa enorme em seu entorno, resultando em uma obra mediana.

  • Sai de Cena Bárbara Heliodora

    Sai de Cena Bárbara Heliodora

    Barbara Heliodora

    Aos 91 anos de idade, sai de cena a tradutora, ensaísta e crítica Bárbara Heliodora, no Rio de Janeiro.

    Considerada uma das maiores críticas de teatro do país, Heliodora veio de uma época em que a dramaturgia nos palcos era grande destaque na produção cultural brasileira, e a função do crítico também formava a opinião pública. Rigorosa, era tida como severa e não poupava comentários quando não gostava de uma peça apresentada, um papel que a fez amada pela sua rica análise e temida pelo dramaturgos por seu critério, fator que gerou inimigos intelectuais.

    Em 2014, encerrou sua carreira crítica após 28 anos escrevendo para o jornal O Globo. Dedicaria tempo integral a traduções de clássicos da literatura. Clássicos que sempre foram representados com extrema competência e qualidade por seu trabalho.

    O amor pela obra de William Shakespeare talvez seja o maior reconhecimento de seu nome através de edições que até hoje publicam sua tradução. Figurando na lista de grande estudiosos do Bardo, Heliodora devotava o amor pelo dramaturgo em traduções definitivas que versavam para nossa língua a composição rítmica e o linguajar apurado do escritor. Através de sua tradução, a obra de Shakespeare foi difundida em palcos na voz de diversos atores famosos ou amadores. Foi além das traduções de suas peças mais famosas, muitas delas lançadas em português pela primeira vez no país e, ainda hoje, como única tradução existente. Sempre analisava as obras situando críticos anteriores e mantendo sua voz própria, demonstrando domínio e conhecimento sobre dramaturgia.

    Recentemente, lançou o livro Caminhos do Teatro Ocidental, uma análise da história do teatro de sua época como professora. Sua análise também observou obras do dramaturgo Martins Pena, o qual considerava esquecido pelo Brasil, e destacava o Teatro Elisabetano com ênfase em Shakespeare.

    Seu legado se mantém vivo graças à imortalidade do verbo e à potência de suas palavras críticas e bem selecionadas em traduções definitivas. De alguma maneira metafísica, Heliodora encontra-se hoje com o autor ao qual teve maior devoção, despedindo-se também da brevidade da vida.

    Sempre presente em suas obras, a morte era um tema recorrente das tragédias shakespearianas. Encerrado o último ato, observando as cortinas fechadas, ecoando as palavras de Macbeth escritas séculos atrás pelo Bardo e traduzidas por sua pena:

    A vida é só uma sombra: um mau ator
    Que grita e se debate pelo palco,
    Depois é esquecido

  • Crítica | Muito Barulho Por Nada

    Crítica | Muito Barulho Por Nada

    Much Ado Whedon

    Shakespeare talvez seja um dos autores mais adaptados pelo cinema. Em versões de época ou modernizadas, fiéis aos diálogos ou adaptadas, de menor e maior sucesso, há centenas de filmes baseados em peças shakespearianas, muitas vezes, diversas versões para a mesma peça. Ainda assim, soou surpreendente quando Joss Whedon, recém-saído das filmagens de Os Vingadores, anunciou sua própria versão de Muito Barulho Por Nada.

    O filme foi feito em doze dias de  pausa nas filmagens da franquia. Whedon ainda tinha direito aos equipamentos, embora a equipe estivesse de folga e, portanto, juntou alguns amigos em sua casa na Califórnia e filmou com orçamento mínimo a comédia clássica. Em algumas entrevistas, ele afirmou que foi uma brincadeira de amigos, algo como dar uma festa muito elaborada, e a sensação do filme é exatamente essa.

    Muito Barulho Por Nada é, como a maior parte das comédias de Shakespeare, menos conhecida que suas tragédias. A história se passa em Messina e apresenta dois casais de amantes, um que terá que superar as armações de um vilão invejoso, e outro que, sem querer, descobrirá que não despreza tanto assim o amor. A trama dupla é cheia de tiradas verbais, trocadilhos, disfarces e armações e Whedon capta maravilhosamente seu espírito.

    A mistura de cenário contemporâneo com diálogos do século XVI é delicada: há adaptações de Shakespeare que soam artificiais, deslocadas, estranhas. Mas aqui, a casa com ares de terraço italiano e a visível despretensão dos atores faz com que o filme ganhe ares de se passar fora de qualquer tempo e espaço, a história torna-se uma fábula, algo como uma parábola sobre amores e amantes. Esse ar de descompromisso e a preocupação zero com o realismo da coisa dão charme e colocam Muito Barulho Por Nada em algum lugar entre o cinema e o teatro filmado.

    A peça se passa toda no castelo de Leonato, com personagens entrando e saindo ou passeando pelos jardins e Whedon não tenta complicar a cenografia. Os atores se deslocam em uma casa de decoração limpa, sofisticada, mas sem grandes adornos. Isso contribui para a atmosfera de sonho e permite que a ação se concentre e o espectador tenha mais facilidade em acompanhar a trama intrincada e os ricos diálogos. A complexidade da prosa e a rapidez das falas, aliás, são um dos poucos problemas do filme: o texto em inglês é original (apenas uma alteração foi feita, para retirar uma fala anti-semita) e as legendas acompanham a tradução em português da obra. No entanto, os atores falam rápido, sobretudo nos momentos em que Beatrice e Benedick (um dos casais de protagonistas) trocam insultos irônicos e às vezes torna-se difícil acompanhar.

    Ainda assim, a ironia do texto e o ar espirituoso dos atores faz com que a comédia funcione. Os diálogos entre Beatrice e Benedick são deliciosos, trocas divertidas e bem humoradas de falas inspiradas onde pode se ver claramente que os dois atores se divertem tanto, ou mais do que a plateia. E o charme de Muito Barulho Por Nada é bem esse: um filme em que todo mundo parece se divertir.

    Mais do que a ironia, o diretor respeita as “incorreções” do texto: há sempre uma taça de vinho na mão de um personagem e closes na bela Beatrice engolindo a sua de uma vez só. Honrando um texto que deveria ser bastante escandaloso para sua época, o diretor não se priva de sequências bastante sensuais e constrói uma tensão quase palpável entre seus protagonistas.

    A impressão geral (e a verdade, provavelmente) é que Joss Whedon fez um filme para si mesmo e seus amigos, juntou-os em casa e arranjou uma desculpa para beber vinho (muito vinho é consumido pelos personagens ao longo do filme), dar festas e recitar o dramaturgo inglês. A fotografia em preto e branco dá uma cara minimalista ao que poderia ser mínimo e a acidez do texto é honrada pelas atuações excelentes. É um filme divertido, leve, lindo e delicioso, ao final a vontade é implorar para que Whedon dê mais festas e adapte mais peças de Shakespeare.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Anônimo (2013)

    Crítica | Anônimo (2013)

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    Afastando-se do tradicional costume de produções com desastres e catástrofes mundiais, Roland Emmerich se volta para uma teoria a respeito da origem do dramaturgo William Shakespeare, polêmica fundamentada por um estudioso em décadas passadas, afirmando que um dos maiores da literatura mundial era apenas um ghost writer de um nobre inglês.

    Antes que o absurdo gere protestos ou reclamações, Anônimo é um interessante exercício shakespereano. A trama inicia-se no próprio teatro com um ator apresentando a importância do dramaturgo e pedindo ao público um pouco de audácia para ouvir uma outra história sobre a origem deste mito. É a partir dessa história dentro da história – elemento clássico do autor – que conhecemos seu argumento.

    Um dos fundamentos principais para afirmar que William Shakespeare foi apenas um objeto de um escritor desconhecido se relaciona ao pouco material histórico encontrado do dramaturgo. Como um mero ator de teatro, há quem afirme que William não teria formação suficiente para escrever as peças e o fato de ter morrido sem nenhuma posse confirmaria sua função de fantasma. Afirmações que vão contra uma gama vasta de escritores que, mesmo iletrados ou sem uma formação acadêmica, produziram grandes obras literárias.

    No filme, o autor das conhecidas histórias mundiais viria da pena de Conde de Oxford, um apaixonado pelas letras mas que, oprimido pela família, prefere compor suas obras as escondidas. Encontrando na figura deste dramaturgo a possibilidade para escoar, de tempos em tempos, sua produção, alimentando a lenda de William Shakespeare.

    Leitores que possuem afinidade com o bardo podem reclamar do exagero da narrativa mas não devem deixar de admirar diversas cenas famosas de suas peças que, mesmo entrecortadas, aparecem em cena em diversas apresentações. Pois, a potência de Shakespeare foi tão grandiosa que atraiu a própria Rainha além das massas populares que lotavam o teatro para assistir suas obras.

    A produção de Emmerich tem um figurino tão apurado que mereceu a indicação ao Oscar. É curioso compreender porque diretor tenha se interessado por uma história que nada tem a ver com seu projeto constante de destruição mundial. Mesmo valendo-se de uma teoria fraca que tem mais imaginação do que realidade, a história é divertida e não deixa de ser um exercício de questionamento sobre a potência de grandes escritores. Mais importante é que o público saia deste filme desejando saber mais sobre Shakespeare, debruçando-se em sua obra única e ilimitada. Mesmo que Shakespeare não tenha sido este que conhecemos, a força de suas histórias falam por si só.

  • Resenha | Do Jeito Que Você Gosta – William Shakespeare

    Resenha | Do Jeito Que Você Gosta – William Shakespeare

    do_jeito_que_voce_gostaO maior escritor da literatura universal. Completo. Ilimitado. Gênio. Estes são alguns exemplos dos muitos superlativos que o inglês William Shakespeare conquistou por conta de sua grandiosidade e excelência, tanto no teatro como na poesia – potencial inversamente proporcional à habilidade deste crítico, que procura um senso mínimo para expressar ao menos uma parcela do significado do autor nas artes.

    A marca de Shakespeare na literatura é definitiva, até hoje sendo referência como leitura, objeto de estudo, citações ou releituras. O distanciamento temporal, acrescido da falta de material histórico a seu respeito, produz dúvidas quanto a quem foi o homem por trás do mito, dando espaço para teorias conspiratórias que, de qualquer maneira, nunca negaram o óbvio. Shakespeare é um escritor ímpar. Suas peças eram populares, apresentadas para diversas parcelas da população. Hoje em dia parece estranho conceber esta façanha, em um país em que a cultura, principalmente o teatro, se desenvolve em eixo e tenta ser elitista. Ainda assim, encontramos sempre em cartaz uma interpretação de suas peças.

    Todas as obras do dramaturgo estão disponíveis em nossa língua, com mais de uma tradução. Há desde traduções mais clássicas, que rebuscam desnecessariamente a linguagem, a obras de estudiosos shakespearianos que se esforçam para não perder o estilo original e são bem-sucedidos na empreitada. Porém, nenhuma delas tem como função primária compreender o texto como material para uma peça teatral: ao se ler uma peça de teatro, os leitores devem levar em conta que apreciam apenas parte de uma intenção maior. O texto de um drama pode ser suficiente para produzir excelente literatura, mas só alcança a plenitude quando encenado.

    A Balão Editoral, em parceria com a Cia. Elevador de Teatro Panorâmico, lançam no mercado uma nova tradução de As You Like It, tida como uma das comédias maduras do dramaturgo. A companhia dedicou-se a estudar e discutir a obra do bardo e, em uma ação coletiva, traduzir a peça a partir do original, sem perder o estilo e a eficiência para o teatro.

    O título foi versado como Do Jeito Que Você Gosta, mantendo a intenção de uma comédia popular que explicita a composição da história ao gosto do povo. A peça é chamada também de “a comédia de Rosalinda”, por ser esta a personagem central responsável por boa parte do elemento cômico em cena.

    A trama se desenvolve em dois polos, evidenciando um estilo duplo que permeará toda a história. De um lado, um duque e sua filha que usurpou o poder de outro e o baniu do reino; de outro, um irmão que, mesmo orientado pelo testamento do pai a cuidar do irmão mais novo, o trata como um mero empregado. É a partir desse conflito, e do descontentamento das personagens, que nasce o riso.

    Shakespeare desenvolve o conceito de que o poder, movido por desejos pessoais, sempre corrompe, enquanto no desapegar dos bens – principalmente em encontro com a natureza – seria possível reencontrar-se uma harmonia. A peça retoma um dos conceitos primordiais do dramaturgo, que sempre fundamenta o palco como um exemplo da própria vida em que cada um, movido por seus atos e falas, é responsável por um enredo, dando voz a personagens que, dentro da sociedade, são periféricos – como o bobo da corte, a personagem mais sã e sábia da história, em analogia aos que se dizem nobres mas são os mais cegos do reino.

    Seu estilo é simples, mas repleto de uma sutileza poética emocionante. Suas personagens possuem a língua afiada e sempre estão dispostas a nos presentear com reflexões breves sobre o momento em que estão. Escrito concentrado na ação e nas palavras das personagens, há poucas referências cênicas em suas peças, fazendo da leitura um espaço mais imaginativo para o leitor e, nos palcos, dando fluidez para que encenadores contemplem a cena da maneira que acharem mais conveniente.

    A edição da Balão Editorial, além da excelente tradução (que contém poucas adaptações, todas explicadas pela equipe), conta com uma introdução do diretor artístico da companhia, Marcelo Lazzaratto, explicando a concepção da adaptação, e uma entrevista com os atores tradutores da peça. Além disso, o livro vem também com um marcador de páginas que lista as personagens, uma simples, porém excelente, ideia que facilita o acesso do leitor a elas, sem a necessidade de, caso esqueça quem é quem, voltar ao começo do texto.

    O projeto da Cia. De Teatro Panorâmico com a Balão Editoral é um interessante conceito que poderia ser apenas o início para que a editora fundamentasse uma coleção com traduções de companhias teatrais, além de enriquecer o cenário da dramaturgia brasileira. Mesmo que alguns leitores fiquem incrédulos, ler uma peça teatral é sempre prazeroso. No caso de uma obra como a de Shakespeare, tão múltipla, nunca é demais ler ou reler.

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