Tag: Sean Harris

  • Review | Os Bórgias

    Review | Os Bórgias

    Serie dramática do canal Showtime, Os Bórgias, assinada por Neil Jordan, narra a história do polêmico religioso Rodrigo Bórgia e sua família, conhecidos por sua luxúria e ganância. O programa estrelado por Jeremy Irons ficou notadamente conhecido por conta do ator, dado que em 2011 não era tão comum grandes atores do cinema migrarem para a televisão. Já na primeira temporada, acompanhamos Rodrigo (Irons) se tornando o Papa Alexandre VI.

    Apesar de sua nacionalidade espanhola, isso pouco importa para a série. Os Borjas/Bórgias são uma grande família com três filhos adultos: o primogênito e também padre Cesare, de François Arnaud, que passa o programa tentando largar o manto religioso para ser um líder de exército; a filha Lucrécia (Holliday Grangier), uma bela e lasciva moça de aparência virginal e tendências incestuosas com o primeiro filho; o inconsequente e cruel Juan (David Oakes).

    Jordan dirige o piloto e brinca com a visão do espectador, colocando a câmera em lugares específicos, sob a ótica e perspectiva de algumas criaturas, como a gaiola do pombo-correio que leva as informações sobre os votos necessários para que Bórgia vença a eleição ao papado, ou a de outras figuras subalternas dentro desse xadrez político.

    Há algumas boas cenas de ação, inclusive de batalhas. Os exércitos do Papa e de outros países tem uma boa representação. Visualmente parecem realistas como bons filmes de época. A recriação de cenários e figurinos também impressiona. Porém, os efeitos de computação gráfica decepcionam, apesar da direção de arte compensar esses momentos.

    A série subverte temas como o machismo com uma astúcia grande, exibindo mulheres fortes capazes de manipular e dominar esse mundo comandado por homens. O primeiro ano termina com humilhações públicas e a ascensão da família que dá nome ao seriado. Com o tempo os episódios ganham tons mais “adultos”, desde cenas de nudez à violência.

    Durante o decorrer das temporadas, Rodrigo muda, passa a ser mais temente a religiosidade, mas não demora a retornar ao seu estado de escárnio com o catolicismo. Os personagens vão perdendo suas condições básicas de vida, inclusive o controle de suas faculdades mentais e até partes substanciais das memórias. É como se uma maldição caísse sobre eles, incluindo o avanço das questões relacionadas ao incesto. De todas as tramas, romances, traições e problemas tratados, certamente o mais focado no último e terceiro ano é a exploração da fé por parte dos políticos e poderosos de Roma.

    O seriado teve três temporadas sendo interrompido de forma abrupta, com apenas 29 episódios, tendo sua trama terminada em um ebook, fato que impede boa parte da audiência de saber o que aconteceria com os personagens, até por conta das muitas liberdades tomadas pelo roteiro. O que se observa no período em que ficou no ar é uma história em que o conservadorismo, a política e a hipocrisia sempre andaram juntos.

    Os Bórgias termina abruptamente, e nas temporadas seguintes lidaria com a morte do Papa e sua tentativa de se confessar para salvar a própria alma, porém sem sucesso. Diz-se também que teria uma participação maior do escritor Nicolau Maquiavel que se tornou personagem recorrente. É curioso como a série estreou no mesmo ano que Game Of Thrones, com semelhanças de tramas, contudo sem a mesma popularidade. Ainda assim, mesmo com os muitos defeitos em sua produção, a série de Jordan e da Showtime tem ótimos momentos.

  • Crítica | O Rei

    Crítica | O Rei

    David Michôd é um diretor de potencial grande, alguns anos atrás faz Rover: A Caçada e Reino Animal, e mais recentemente, fez um outro filme em parceria com a Netflix, Máquina de Guerra, uma comédia bélica de qualidade discutível. Finalmente chega ao streaming  sua nova produção, O Rei, que conta a historia da transição da coroa para o rei Henrique V.

    A gênese do filme mostra Hal, personagem de Timothée Chalamet, um jovem indolente que vê com maus olhos o fato de a coroa restar para si, uma vez que sua fama de promíscuo é bem justificada, já que ele gosta mesmo de curtir a vida ao invés de trabalhar para a coroa. O roteiro demonstra uma problemática relação com a geração anterior, onde o filho vive brigando com seu pai, Henrique IV, interpretado por Ben Mendelsohn, e nem a doença do seu progenitor o amolece, ou o faz ter apreço pelo trono.

    De maneira lenta e gradual a  trama se mostra cheia  de ardis e armadilhas. As batalhas campais são inclementes e há um belo trabalho para tornar  todos as justas no mais real possível. A reconstrução de cenários, figurinos e atmosfera da época é muito bem encaixada. Todo o visual favorece o drama e o caráter épico dos embates.

    A inconsequência dos jovens cobra seu preço, esbarra na completa falta de noção dos moços em entrar em lutas desnecessários, onde nada além da vaidade justifica o fato delas ocorrerem. As disputas são acompanhadas de bravatas de guerra e discussões entre os reais e os subalternos, mostrando o quão conturbadas são as relações, e o quanto Hal não é visto como o monarca ideal até por seus soldados.

    Michôd traz a luz um filme que destaca a morosidade dos combates desse século, sendo bastante o oposto do épico que normalmente se vê nas aventuras próximas da época da Era Medieval, que dirá as fantasias típicas. Não há nada ali próximo dos produtos comerciais como Coração Valente, Excalibur, a trilogia Senhor dos Anéis ou Gladiador, exceção é claro pelo elenco estelar, composto por Robert Pattinson, Joel Edgerton, Sean Harris, Tom Fisher Mendehlson, que estão para basicamente servir de escada para Chalamet. A maioria das performances são discretas, quase apagadas, mas em momento nenhum são desimportantes, há espaço para cada um expressar sua arte ao seu modo, com nuances e chances de parecerem insanos, entediados ou com qualquer outro estado de espírito possível.

    Ao menos nas mortes de pessoas indefesas, o filme não se acovarda. Os golpes em crianças são secos, as cenas viscerais, causam impacto exatamente por parecerem de verdade, e não algo romantizado. Não há espaço na obra para misericórdia ou para relevar os horrores entre os povos ingleses e franceses. Próximo da meia hora final o longa se torna apoteótico, especialmente considerando que esta é uma obra que busca primar pelo realismo, ainda que não abra mão do gore. O Rei é um filme que dá muitas chances ao seu protagonista de brilhar, e que não trata o espectador como bobo, mesmo quando perde em ritmo há recompensas, com confrontos diretos, violentos e sujos, como de fato eram na época em que foram travados.

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  • Crítica | Macbeth: Ambição e Guerra

    Crítica | Macbeth: Ambição e Guerra

    Macbeth 5

    Adaptado de modo bastante fiel, Macbeth: Ambição e Guerra tem seus méritos em conseguir transpor em tela uma versão do clássico de William Shakespeare, ainda que seus acertos não ocorram necessariamente graças à direção de Justin Kurzel, que faz um trabalho interessante organizando todos os bons fatores do longa, deixando claro o quanto a trama de glória e sangue é importante para o imaginário popular e o quão atual ela pode ser.

    Desde o começo da pré-produção, os holofotes estavam sobre a dupla de intérpretes destacando o militar e personagem-título interpretado por Michael Fassbender, enquanto Lady Macbeth é vivida por Marion Cotillard. Tais personificações beiram a perfeição, fator que rivaliza com a bela direção de arte e fotografia utilizando tons vermelhos como as características positivas do filme. A construção deste tripé – arte, atuações e fotografia – fazem de toda a poesia e lirismo do texto teatral algo belo, visto poucas vezes em adaptações de peças.

    A violência gráfica se faz presente, mostrando influências de Kurzel indo desde a filmografia de Mel Gibson enquanto diretor – principalmente em Coração Valente, na estética, e em A Paixão de Cristo, na emoção – além de fortificar os momentos canônicos do argumento original. O sangue se mistura com a ambição, resultando em uma amálgama que emula o drama até a atualidade, ainda que todos os méritos dessa atemporalidade fujam completamente ao trabalho do realizador, uma vez que Macbeth só foi refilmado graças ao bom texto do dramaturgo.

    Macbeth 2

    No entanto, a complexidade passa longe dos esforços dos produtores. A fidelidade, que normalmente é um aspecto elogiável neste tipo de fita, soa covarde e conservadora, uma vez que, do ponto de vista da história, pouco ou nada se acrescenta. O filme é monotônico, soando repetitivo graças à reverência exagerada da parte do cineasta.

    A despeito de suas muitas qualidades positivas, a produção perde atração graças ao ritmo complicado, não tão grave quanto em alguns de seus pares recentes, tanto nos dramas épicos, como em filmes históricos semelhantes na ambientação da Idade Média. A escolha por manter intactos os diálogos é comum a outros tantos filmes shakesperianos, e poucas vezes faz tanto sentido como neste. Mesmo com tanta verve e sentimento, falta um elo sentimental entre o espectador e a obra, mesmo com a bela apresentação de Sean Harris e seu McDuff, o que é uma pena, já que o filme gerava uma expectativa enorme em seu entorno, resultando em uma obra mediana.

  • Crítica | Missão: Impossível – Nação Secreta

    Crítica | Missão: Impossível – Nação Secreta

    Missão Impossível - Nação Secreta - poster

    Após Missão: Impossível – Protocolo Fantasma, a carreira de Tom Cruise foi novamente consolidada, lhe garantindo a popularidade costumeira graças aos blockbusters, vertente primordial de sua filmografia. Em Missão: Impossível – Nação Secreta, o ator volta a trabalhar com o roteirista e diretor Christopher McQuarrie, cuja parceria foi iniciada em Operação Valquíria e com o qual estreitou laços em Jack Reacher – Um Tiro, adaptação da obra de Lee Child.

    Em história desenvolvida e roteirizada por McQuarrie, a produção segue a linha da narrativa anterior, equilibrada e bem ponderada entre ação e humor sutil. Nessa nova aventura, a força-tarefa Missão Impossível lida com as consequências da missão anterior, enquanto um membro senior da CIA (Alec Baldwin) deseja desativar a equipe, considerando-a secreta demais para a vertente política de transparência do governo. Enquanto a equipe sofre o abalo político, Ethan Hunt se torna alvo do grupo terrorista que investigava há mais de um ano, o Sindicato.

    Considerando uma franquia com quatro bons filmes, a nova trama tem base na estrutura do impossível, que confere estilo à série e leva-a a um novo patamar ao mostrar um grupo terrorista cuja função primordial é sabotar o IMF, bem como outros grupos secretos de espionagem – o Sindicato é uma organização criminosa à altura dos espiões mundiais. Desde sua divulgação, o enredo foi bem conduzido. O trailer, que apresenta a história e sintetiza a força da série em uma grande cena de ação – também presente em um dos posteres –, é apenas uma sequência de alto impacto que introduz a trama. Uma estratégia que esconde os grandes atos de ação desta aventura, cuja intenção é provar a importância da força-tarefa e de Ethan Hunt como um dos agentes ativos mais brilhantes da equipe e um dos personagens mais cativantes do cinema de ação. Em nenhum momento, Hunt trata suas desventuras como uma vingança pessoal, mas trabalha sempre com técnica para provar seu ponto de vista e destruir qualquer plano que o acuse de traidor.

    Como nas histórias anteriores, a ação conduz a trama em três grandes atos, enquanto a investigação é responsável por levar a equipe a pontos diferentes do globo e proporcionar belas cenas equilibradas, com tensão e drama. O primeiro ato, passado inteiramente dentro de um teatro durante uma apresentação de ópera, é um belo trabalho apurado de perfeição e composição narrativa. Sem nenhuma trilha sonora fora de cena, as canções do libreto proporcionam a tensão sonora necessária para as cenas, ampliando o conflito de Hunt tentando descobrir um assassino para evitar a morte de um político. Um ato que eleva a linguagem narrativa do filme.

    Explorando caminhos diferentes dos anteriores, essa quinta aventura segue a estrutura fundamentada mas distorcendo-a sempre quando possível. Se anteriormente os picos de ação necessitavam da habilidade física de Hunt e, consequentemente, da forma física de Cruise, um dos pontos atos de um segundo ato se desenvolve em uma cena submersa, e a respiração do agente é fundamental para a sua sobrevivência. A potência física é trocada por outro tipo de treino rigoroso, mais técnico e mental, modificando os clichês de ação e provando que há maneiras diferentes de criar tensão necessária para promover uma outra grande sequência, filmada de maneira excepcional.

    A composição do vilão líder do Sindicato, um grupo que espelha a IMF, se expande além de um terrorista com um plano de dominação mundial. Trata-se de um embate de inteligências: uma espécie de Moriarty que usa sua sagacidade e técnica a favor do crime ou daquilo que considera verdadeiro, ainda que sempre seja difícil compreender doutrinas diferentes. Solomon Lane (Sean Harris) foge da loucura de grandes vilões para realizar uma interpretação mais sutil, mantendo o aspecto assustador de frieza, sem afetação. Uma vertente que explicita a espionagem ligada à origem da série, que inclui a participação de uma personagem dúbia, Ilsa Faust (Rebecca Ferguson), simultaneamente agente britânica e infiltrada no Sindicado. É ela que trabalha ao lado de Hunt, além de Benji.

    A personagem de Simon Pegg, presente a partir de Missão Impossível III, também merece destaque por sua evolução desde sua primeira aparição na franquia. Benji foi além do alívio cômico, se transformando em um ativo de campo em Protocolo Fantasma, e, nessa história, está envolvido diretamente na ação. Assim, sua personagem cresceu, adquiriu contornos dramáticos e maior presença em cena como um parceiro não-usual de Hunt, demonstrando bom entrosamento entre os personagens.

    O exagero do impossível está presente em cena, mas situado em momentos precisos, com atenção e qualidade. A câmera de McQuarrie demonstra talento e apuro para a ação, e compõe cenas ágeis e, ao mesmo tempo, esteticamente belas, como a luta de facas de Ilsa filmada em dois planos paralelos devido às sombras das personagens – um jogo semelhante ao de Sam Mendes no primeiro ato de 007 – Operação Skyfall. Nação Secreta rompe os contornos de uma série blockbuster para engrandecer sua história, entregando, além da vertente habitual – ação, queda e ascensão, tríade vista nos filmes anteriores, com uma linguagem própria de cada diretor –, um novo patamar narrativo que retoma a vertente de espionagem e aprofunda-a na política, dando margem a possíveis novas aventuras dentro de uma mitologia própria. Um grande filme de ação (possivelmente figurando na lista de melhores filmes de 2015) que evidencia o talento de Tom Cruise, e seu ainda evidente carisma, e aponta um futuro talentoso para McQuarrie na direção.

  • Crítica | Livrai-nos do Mal

    Crítica | Livrai-nos do Mal

    Baseado em uma história verídica, Livrai-nos do Mal começa focando o deserto arenoso do Iraque, com uma gravação amadora de militares americanos, que, em solo estrangeiro, tencionam levar a mesma civilização nada conciliatória que descobriram para sua terra natal. Após os créditos iniciais, é apresentada uma Nova Iorque oprimida, vítima de assassinatos a sangue frio, que tem em Ralph Sarchie (Eric Bana) o avatar de todo o seu pessimismo. O policial é cético, de relações nada íntimas e pouco fáceis, que vê somente em sua família a possibilidade de paz, mesmo que nem junto a ela consiga encontrar a serenidade.

    A partir da larga experiência do diretor Scott Derrickson em chocar, de modo amedrontador, o espectador – tomando por exemplo seus momentos anteriores, como em O Exorcismo de Emily Rose e A Entidade –, a fita segue apelando para lugares comuns no quesito fobia, em que a câmera constantemente evidencia o medo de aranhas, cobras e morcegos. Até em seus aspectos emocionais, o roteiro se baseia na melancolia, outro clichê de temor. Tudo, claro, calcado no personagem de Bana, que, ao mesmo tempo em que possui uma vida familiar bela, tem de encarar uma profissão cuja função é resgatar bebês em lixeiras. No entanto, as imagens chocantes perdem um bocado do seu impacto, por serem seguidas de momentos de humor extremo.

    A fotografia e iluminação ajudam a aumentar a aura de horror por serem mostradas quase sempre no breu, tanto nas casas quanto no zoológico – um lugar assustador quando anoitece, como um dos personagens destaca. Algo oculto move as pessoas vitimadas, um artifício que parece incorpóreo e irreal e realizado por meio de uma clara apelação para um medo comum. Sem contar o fato de mostrar pessoas repletas de cicatrizes, outro temor comumente compartilhado por todo o público.

    No decorrer das investigações, Sarchie começa a ter sua falta de fé questionada, pois os mesmos eventos vistos em sua intimidade ocorrem também na casa em que vive, onde a origem paranormal ou espiritual é deveras discutida. Ele é descrente quanto a ações de seres invisíveis, mas incrivelmente ouve uma estática nas gravações e o som de pessoas rindo, elementos exclusivamente contemplados por ele e fruto de um radar, dito por seus colegas como um talento inato.

    Após verificar uma moça que tentou matar seu filho, Sarchie encontra um padre latino de aparência bela. Padre Mendoza (Édgar Ramirez) é um religioso diferente, que tenta convencer o agente da lei sobre a “verdade”, o irremediável mal que insiste em provocar pavor nos homens, tentando-os com seus mistérios, que, em última análise, são como ritos de invocação para ação dos maus agouros. É como se todo lugar fosse o hall, a passagem para a habitação dos que estão embevecidos pelo torpor da ação daquilo que os inspira. As escrituras do Iraque são reproduzidas nas casas dos envolvidos e parecem provocar nos que as habitam uma influência hostil e maléfica, primeiro fazendo temor, depois, tomando suas ações.

    Sob a trilha de The Doors, o padre conta sua intimidade e antigos vícios em heroína que lhe fizeram mal, mas que o impediram de beber ou fumar – ou de ceder a uma olhada a belos corpos femininos. A desculpa – plausível – é de que as drogas legais o matam lentamente, e não rapidamente como as anteriores. Finalmente Archie cede, após começar a se identificar com o pároco. Aparentemente não fica apenas nisso, visto que o personagem até volta a proferir o chamado a Jesus, mesmo que sua fé tenha sido abandonada há décadas.

    Seu intenso trabalho forense invade sua casa; os mesmos sinais malignos investigados passam a habitar seu lar, e a construção do roteiro é lenta, gradual e plenamente cabível. Ele teria um dom chamado “discernimento de espírito”. O tal radar, que seus parceiros acham ser um talento policial, seria, segundo Mendoza, um dom espiritual que nem mesmo o reverendo teria a sua mão, dada a raridade desta habilidade. Aos poucos, a relação dos dois se estreita cada vez mais, emulando as duplas de agentes de raças diferentes, típicas dos filmes de tira oitentistas.

    O grito abafado pelos sons cotidianos simboliza o abandono ou o receio de que isto isto se concretize por parte de Sarchie, assemelhando-se demais à fala do sacerdote: “Um santo não é um exemplo de moral, um santo presenteia à vista.”. A premissa justificaria as falhas de ambos os protagonistas, além de unir os dois em torno do mesmo objetivo.

    Ao contrário de seus primos semelhantes, Livrai-nos do Mal tem no elenco, equilibrado e inspirado, um ponto forte. Por mais irreais que sejam seus dramas, a abordagem se aproxima muito do verossímil, um realismo fantástico bem construído e que faz poucas concessões à suspensão de descrenças, mesmo nos insistentes duelos de facas feitos por Butler (Joel McHale). A experiência de Derrickson como realizador fez valer os préstimos na toada espiritual, mas se mostrou ainda mais incomum e bem-sucedida nas sequências policiais e nos momentos de inspiração e tentativas de redenção. Toda a tragédia que toca o policial é maximizada pela ótima interpretação de Bana, na volúpia do personagem pelo perdão, que ignorou por anos, mas que não o impediu de sofrer represálias. Os pecados de Ralph até aparentam ser o motivo de todo aquele apuro que se apresentava, o que evidentemente era uma artimanha do rival de suas almas, que buscava engodá-lo.

    Após as fortes cenas onde é feito um ritual e onde todos os pecados pretéritos da dupla são escrutinados e usados contra si, enfim ocorre a bonança, com a libertação da alma de Santino (Sean Harris, irreconhecível quase), que logo traz à luz a paz de volta à vida de Sarchie, sobrevivendo até mesmo à mudança de gênero. Sua segunda metade, apesar de ser bem mais didática do que o todo, é reveladora, tendo sua credibilidade posta em cheque por abandonar um pouco o suspense, mas conseguindo apresentar uma boa ambientação policial. Os últimos momentos têm uma notável queda de qualidade, por ter um cunho demasiado piegas, mas que, à luz de toda a extensão do filme, não se caracterizam como um elemento necessariamente ruim.