Tag: Joel Edgerton

  • Crítica | O Rei

    Crítica | O Rei

    David Michôd é um diretor de potencial grande, alguns anos atrás faz Rover: A Caçada e Reino Animal, e mais recentemente, fez um outro filme em parceria com a Netflix, Máquina de Guerra, uma comédia bélica de qualidade discutível. Finalmente chega ao streaming  sua nova produção, O Rei, que conta a historia da transição da coroa para o rei Henrique V.

    A gênese do filme mostra Hal, personagem de Timothée Chalamet, um jovem indolente que vê com maus olhos o fato de a coroa restar para si, uma vez que sua fama de promíscuo é bem justificada, já que ele gosta mesmo de curtir a vida ao invés de trabalhar para a coroa. O roteiro demonstra uma problemática relação com a geração anterior, onde o filho vive brigando com seu pai, Henrique IV, interpretado por Ben Mendelsohn, e nem a doença do seu progenitor o amolece, ou o faz ter apreço pelo trono.

    De maneira lenta e gradual a  trama se mostra cheia  de ardis e armadilhas. As batalhas campais são inclementes e há um belo trabalho para tornar  todos as justas no mais real possível. A reconstrução de cenários, figurinos e atmosfera da época é muito bem encaixada. Todo o visual favorece o drama e o caráter épico dos embates.

    A inconsequência dos jovens cobra seu preço, esbarra na completa falta de noção dos moços em entrar em lutas desnecessários, onde nada além da vaidade justifica o fato delas ocorrerem. As disputas são acompanhadas de bravatas de guerra e discussões entre os reais e os subalternos, mostrando o quão conturbadas são as relações, e o quanto Hal não é visto como o monarca ideal até por seus soldados.

    Michôd traz a luz um filme que destaca a morosidade dos combates desse século, sendo bastante o oposto do épico que normalmente se vê nas aventuras próximas da época da Era Medieval, que dirá as fantasias típicas. Não há nada ali próximo dos produtos comerciais como Coração Valente, Excalibur, a trilogia Senhor dos Anéis ou Gladiador, exceção é claro pelo elenco estelar, composto por Robert Pattinson, Joel Edgerton, Sean Harris, Tom Fisher Mendehlson, que estão para basicamente servir de escada para Chalamet. A maioria das performances são discretas, quase apagadas, mas em momento nenhum são desimportantes, há espaço para cada um expressar sua arte ao seu modo, com nuances e chances de parecerem insanos, entediados ou com qualquer outro estado de espírito possível.

    Ao menos nas mortes de pessoas indefesas, o filme não se acovarda. Os golpes em crianças são secos, as cenas viscerais, causam impacto exatamente por parecerem de verdade, e não algo romantizado. Não há espaço na obra para misericórdia ou para relevar os horrores entre os povos ingleses e franceses. Próximo da meia hora final o longa se torna apoteótico, especialmente considerando que esta é uma obra que busca primar pelo realismo, ainda que não abra mão do gore. O Rei é um filme que dá muitas chances ao seu protagonista de brilhar, e que não trata o espectador como bobo, mesmo quando perde em ritmo há recompensas, com confrontos diretos, violentos e sujos, como de fato eram na época em que foram travados.

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  • Crítica | Erased Boy: Uma Verdade Anulada

    Crítica | Erased Boy: Uma Verdade Anulada

    Boy Erased: Verdade Anulada é o novo filme de Joel Edgerton, e já causou alguma polêmica no Brasil por ter sua estreia em cinema cancelada perto da data limite. Muito se falou em censura, por ter uma temática LGBT, mas nada se comprovou, e o que se vê já no começo é uma historia emocional, de cunho intimista, que mostra Jared Eamons, em gravações de sua infância, partindo logo para sua fase adolescente, onde é interpretado por Lucas Edges. Seu comportamento aparentemente não é incomum, mas ele guarda um segredo que para os seus, é vergonhoso.

    O personagem mora em uma cidade pequena do Arkansas, e tem de lidar com a família e amigos conservadores – seu pai é pastor batista – e ele é levado por sua mãe, Nancy (Nicole Kidman) há uma clínica hospitalar, que logo se mostra um lugar estranho, um internato onde  os pacientes ficam presos, tem tudo fiscalizado, tem proibições de diários e tem sua privacidade invadida e retirada. Incrivelmente, se fala muito sutilmente sobre qual é a função daquela clínica, as pregações religiosas apelam para falas genéricas que desconstroem a ideia de que ali se persegue um nicho da população e um comportamento sexual.

    O roteiro brinca com sua linha do tempo. Jared é mostrado conversando com seu pai Marshall (Russel Crowe), que aliás, está muito bem), em alguns pontos jogando basquete no colegial, pelo time do Rebels, e até passando por rituais típicos de jovens que estão prestes a ir para a universidade, começando a namorar meninas e até recebendo um carro de seu pai. Entre esses momentos, também são mostrados os internos, como Jon (Xavier Dolan), um jovem que chega sempre atrasado e que tem um comportamento um tanto rebelde, e o palestrante da clínica Victor Skyes, feito pelo próprio diretor do filme, sujeito esse aparentemente mais paciente e compreensivo com os jovens.

    O protagonista é sensível, gosta e artes, de desenhar, tem hobbys comuns como jogar vídeo game, e acaba se envolvendo emocionalmente com outros alunos do tal instituto. Ainda assim, ele frequenta a sua igreja e a de outros, se permitindo assim ouvir a palavra do Divino. Por mais que ele tente mudar seus pensamentos e seus impulsos, ele não consegue, e o filme representa isso muito bem, entre tentativas mais assertivas e outras mais ligadas ao lugar comum, mas o que se percebe é incomodo.

    O fato de não se encaixar nas expectativas de seus pais faz o drama de Jared ser mais universal até do que a fala direta para o nicho de pessoas que tem dificuldade em aceitar sua orientação sexual ou serem aceitas. Isso pode não parecer algo importante, mas é, pois é fácil digerir até para quem tem um preconceito “brando” com pessoas de não hetero-normativas, mostrando a elas o sofrimento que alguém comum tem e como é pesado ter que lidar com o preconceito de terceiros, dos próximos e até o preconceito interno que, apesar de não ser algo natural e originário (em termos freudianos), é adquirido há tanto tempo que parece ser assim, parece ter nascido com cada pessoa.

    Embora em alguns pontos se apele um pouco na carga dramática, o filme é sóbrio, não é afetado, ou demasiadamente panfletário, mesmo que o tema de “cura  gay” pedisse isso. A maior parte do cunho emotivo provém das interpretações, Crowe, Kidman, Edgerton e os atores mais jovens estão muito afiados, e a entrega de Hedges é enorme também. Se percebe o quão aflito e desesperado é o seu Jared, e não é difícil se afeiçoar ou por qualquer um dos que são tratados, e qualquer clichê ou fala de ordem como “não há cura para o que não é doença” não é tão forte quanto a expressão de medo e receio que ele tem ao ver o tratamento de um dos internados que se deixou falhar na repressão sexual, ou nas reprimendas que faz a si por ainda ter sentimentos e pulsões por outros homens.

    Se falta poesia no filme, sobra condenação aos que tentam impor suas verdades, embora o dedo acusatório não seja obvio. O roteiro de Edgerton é delicado até nisso, permitindo que as partes mais comoventes sejam ternas e sem falas, ensurdecendo publico e personagens durante as sessões de tortura, para aplacar a dor e a miséria dos que são julgados e consertados. É um filme forte, com um caráter educativo inclusive para plateias mais novas, como uma versão moderna e mais econômica melodramaticamente falando de Diário de Um Adolescente.

    O filme no final mostra os homens reais que inspiraram os personagens, e é um dos poucos momentos em que ele se permite ser otimista, já que boa parte deles está bem, aceitos por suas famílias, constituindo suas próprias. O final de Erased Boy não é tão sutil e econômico quanto o restante do filme, mas não há nada nele que denigra todo o resto, ou diminua sua força de denúncia, esse funciona perfeitamente como o antônimo de Eu Sou Michael, filme que fala sobre um tema parecido cuja abordagem é estranha e até homofóbica, mas seu mérito maior certamente é o fato dele ser palatável e de fácil compreensão mesmo para a parcela do público mais conservadora, ao menos a que é aberta ao diálogo civilizado.

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  • Agenda Cultural 65 | Car Wash, Lionélson ataca novamente, 1000 edições de Superman

    Agenda Cultural 65 | Car Wash, Lionélson ataca novamente, 1000 edições de Superman

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira) e Filipe Pereira (@filipepereiral) recebem o convidado Wilker Medeiros (@willtage) para bater um papo sobre o que rolou nos cinemas, as polêmicas envolvendo a série “O Mecanismo”, a edição comemorativa de Actions Comics e muitos mais.

    Duração: 93 min.
    Edição: Julio Assano Junior
    Trilha Sonora: Flávio Vieira e Julio Assano Junior
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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    Comentados na Edição

    Séries

    Review O Mecanismo – 1ª Temporada (Vídeo Cinema Raiz)
    Jessica Jones – 2ª Temporada

    Cinema

    Crítica Projeto Flórida (Alerta Vermelho #68)
    Crítica 15h17: Trem Para Paris
    Crítica Operação Red Sparrow
    Crítica O Passageiro
    Crítica Tomb Raider: A Origem
    Crítica Círculo de Fogo: A Revolta
    Crítica A Melhor Escolha
    Crítica Jogador Nº 1

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  • Crítica | Operação Red Sparrow

    Crítica | Operação Red Sparrow

    Francis Lawrence e Jennifer Lawrence têm uma parceria de anos, o diretor comandou os últimos três filmes da franquia que levou a jovem atriz ao estrelato, Jogos Vorazes. O trabalho de Francis na série de filmes sobre a revolucionária Katniss foi marcado pela grandiosidade que ele deu à franquia, com um controle requintado de cinematografia e design de produção, mas focando mesmo nas artimanhas e temáticas mais adultas e sérias que os últimos filmes possuíam. Jennifer Lawrence seguiu o mesmo caminho. A parceria dos dois rendeu frutos preciosos que chegam até ao novo filme deles, Operação Red Sparrow, que acaba sendo nada mais do que o esperado.

    Dominika (Jennifer Lawrence) é uma ex-bailarina prestigiada que acaba sendo recrutada para o mais importante programa de espionagem russo, que treina “sparrows”, homens e mulheres que usam da sensualidade e sedução para conseguirem o que o Estado precisa. O treinamento é violento, Dominika se destaca e recebe a importante missão de encontrar um traidor, para isso terá que se relacionar com o agente americano Nathan (Joel Edgerton).

    Tecnicamente, Francis está ainda mais apurado, a cinematografia cinza contínua dá espaço para momentos de uma fotografia mais quente muito bem colocados e coerentes. O filme não foca na ação, mas quando a situação é mais violenta, o amarelo fica presente e sempre destaca a cor mais presente em todo o longa, o vermelho. Presente no título, a cor vermelha está em todas as cenas, ela segue os passos da protagonista desde suas apresentações de dança até seu constante contato com sangue, dá identidade á personagem principal e ao próprio longa.

    O longa está mais para um thriller denso do que um filme de ação como a promoção dele possa ter deixado parecer, os muitos diálogos costuram acontecimentos arrastados e blocos claramente separados, essa estrutura dá um tom significativo para o longa mas acaba o enchendo de excessos, alguns dos blocos só servem para esticar a trama principal e criar novas subtramas que fazem o filme perder ritmo, principalmente no confuso segundo ato. A sensação é que a história se acha mais complexa do que realmente é e tenta dar meias voltas enquanto um espectador um pouco mais atento já consegue enxergar os caminhos que a história vai levar, as opções são muito limitadas para a trama querer parecer tão complexa.

    A protagonista carrega o filme inteiro, mas parece que Francis não soube diferenciar o trabalho com a atriz nos seus últimos filmes e nesse. É uma interpretação inexpressiva boa parte do tempo e que ocasionalmente explode, isso funcionava com a Katniss, e por isso não parece caber na personagem Dominika, parece repetido. O restante do elenco é funcional, mas nenhum tem grande tridimensionalidade, o personagem de Edgerton ganha um espaço desnecessário antes dele se tornar de fato importante na trama e soa pura encheção de linguiça.

    Com um plot bastante interessante, como o de se treinar espiões e espiãs especialistas em sedução, Operação Red Sparrow é uma doa indicação, mas é uma pena que o filme não decida o que quer ser e acabe deixando bons filmes que ele poderia ser pelo caminho. Tem um tom emergente e violento muito imersivo e seus melhores momentos são em cenas mais gráficas, a violência e a nudez cabem no contexto e dão a verossimilhança necessária. Mas a parceria de Francis e Jennifer segue os moldes dos últimos trabalhos dos dois e por isso não surpreende, como temática avançam, mas como execução pararam no tempo, não digo que não quero mais um trabalho juntos porque sempre pode acontecer uma surpresa, mas acho que Francis Lawrence vai ter que tirar um tempo para se repensar.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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  • Crítica | Bright

    Crítica | Bright

    bright

    Em um presente alternativo onde humanos e criaturas de fantasia – Orcs, Fadas, Elfos, Centauros, etc. – coexistiram desde o início dos tempos, o oficial Dale Ward (Will Smith) e o orc Nick Jakoby (Joel Edgerton) embarcam em uma noite de patrulha de rotina. Acabam descobrindo um artefato antigo, mas poderoso: uma varinha mágica, que pensava-se que havia sido destruída. E encontram uma escuridão que poderá alterar o futuro e seu mundo tal como o conhecem.

    Com roteiro de Max Landis e direção de David Ayer (Corações de Ferro, Esquadrão Suicida), o filme mostra uma Los Angeles em que humanos e criaturas fantásticas convivem, mas não em harmonia. Os orcs se dividem em guetos e disputam território entre si. Os elfos se acham superiores, frequentando apenas locais privilegiados da cidade. Por conta de um programa de inclusão, Ward é obrigado a trabalhar diariamente com Jakoby, orc que sonhava em ser policial. Usando a ideia clássica de parceiros antagônicos obrigados a conviver, no primeiro terço do filme o roteiro empurra goela abaixo uma série de obviedades e clichês sobre preconceito racial, bullying, violência policial e estratificação da sociedade. Esses assuntos são tratados de forma tão expositiva e didática que faz parecer que nunca tinham sido abordados antes.

    A narrativa não chega a ser chata, mas Ayer erra mais uma vez no ritmo e, principalmente, na ação. Apesar de alguns momentos de tiroteio e perseguições intensas, não há cenas memoráveis. Várias delas bem previsíveis e não provocam qualquer emoção. Não há nada memorável ou marcante. O terceiro ato tenta compensar a falta de ritmo do restante com cenas de ação em excesso, o que acaba sendo cansativo para o espectador.

    O estrelismo de Smith atrapalha, mas não chega a estragar o filme. Edgerton convence bem como orc, auxiliado, obviamente, pela ótima maquiagem. O que realmente importa é que a parceria funciona, a química entre os personagens (e os atores) funciona bem. E por ser tão convincente, faz o espectador se importar e querer saber o desenrolar da história.

    A premissa é bastante interessante, mas a narrativa é um tanto confusa. O roteiro peca pela falta de coerência e de clareza em vários momentos. A história mistura elementos demais sem ter o cuidado de amarrar as pontas soltas. É uma ideia que seria muito bem aproveitada em um formato mais extenso. Comecei a assistir achando que era uma série. E terminei tendo certeza que deveria ser uma série.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Ao Cair da Noite

    Crítica | Ao Cair da Noite

    Se tem algo que a sétima arte é capaz de fazer, é tocar seu espectador. Com a imagem, o som, o texto, uma narrativa tem a capacidade de transcender os limites de alguns dos nossos sentidos, ou seja, ela provoca reações. Para um filme causar reações, sejam externamente físicas como o levantar dos braços em comemoração numa cena triunfante, ou íntimas como o desconforto em uma sequência que lhe incomoda, o filme deve ser ou muito bom ou muito ruim. Ao Cair da Noite (It Comes At Night) é um exemplo ímpar de como a arte do cinema pode tomar conta da sua mente por duas horas e te presentear com algumas sensações, quando os créditos sobem o filme não te deixa, ele fica com você ainda por muitos dias, te fazendo refletir, reagir.

    Trey Edward Shults, diretor e roteirista do longa, tem no currículo o incrível Krisha, filme que nos mostra de cara como Trey sabe construir uma atmosfera imersiva e criar personagens tridimensionais e propensos a identificação. Em Ao Cair da Noite, o diretor nos coloca em um futuro aparentemente não tão distante, em que uma doença desconhecida e contagiosa mantém uma família – composta pelo casal Paul (Joel Edgerton) e Sarah (Carmen Ejogo) e pelo único filho Travis (Kelvin Harrison Jr.) – refugiados dentro de uma casa no meio de uma floresta. A “paz” é contrariada quando a família recebe a visita de novas pessoas.

    Como em A Bruxa (The Witch), que inclusive é da mesma distribuidora, a A24 – o longa teve um marketing que o vendeu como terror e teve/terá reações decepcionadas de parte do grande público, não que o longa não tenha uma veia de horror, mas aqui o suspense paranoico e sem grandes jump scares é que prevalece. Suspense esse que é arquitetado da maneira mais ambígua possível, enquanto a trama possa parecer lenta e sem grandes acontecimentos, é só observar mais a fundo que percebe-se o quão complexo e alarmante é o caminho que a trama segue, deixando com que o silêncio se case com uma trilha musical singular, a fotografia escura e composta por sombras e silhuetas dê às cenas incríveis pontos de vista, e que as personagens pareçam críveis.

    Acompanhamos a trama pelos olhos do adolescente Travis, e como Shults trabalha os impactos de um “pós-apocalipse” na vida de um jovem é genial, mais do que tudo soa sincero e corajoso. Harrison Jr. entrega a atuação mais tridimensional com seu Travis, o personagem tem constantes pesadelos e isso vai tomando dimensões cada vez maiores e é neles que o filme abusa um pouco mais de seu viés do horror e do suspense. É através do garoto também que o longa expõe as relações de suas personagens, desde o cachorro Stanley até o pequeno Andrew (Griffin Robert Faulkner).

    Dando o tempo que sua história precisa, Ao Cair da Noite é como uma fragmento no tempo, nem um pouco preso em obrigações de se explicar tudo, o filme não subestima seu espectador e soa como uma das muitas tristes histórias que o universo do longa abriga. É uma aula de construção de expectativa, ambiente e personagens, além de ser impecável nos responsáveis pelo filme causar tantas sensações: imagem e som. É um casamento perfeito. Shults entrega um daqueles filmes memoráveis, que te faz ficar inquieto na cadeira do cinema, que te faz torcer e criar fortes relações com o que se vê em tela mesmo que seja um sentimento inevitavelmente pessimista levando em conta  tudo que já se viu. É de provocar reações, é de ser como um peso que você carrega nas costas quando sai do cinema. Pesado. O trabalho de Shults é a confirmação de que o terror e suas variáveis está em alto nível e de que seu diretor é uma das promessas dessa nova geração.

    É de sair do cinema e se enxergar como humano, e falho. Ao Cair da Noite é desses.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | Loving

    Crítica | Loving

    loving

    O cinema de Jeff Nichols investiga a alma do americano, desde o cidadão conservador médio, até o comumente marginalizado. Foi assim em Separados Pelo Sangue e O Abrigo e é assim com o drama biográfico Loving, que começa através da história do casal Richard (Joel Edgerton) e Mildred Loving (Ruth Negga), que decidem contrair matrimônio na década de 1960 em Virgínia, sendo então proibidos de continuar juntos graças as rígidas leis que coíbem o casamento entre pessoas de raças diferenças.

    Os primeiros momentos do filme se dedicam a construir a relação amorosa entre os dois entes, mostrando a dicotomia entre a paixão presente na intimidade dos dois e a total frieza dos agentes da lei que parecem achar certo suas ações de correção via racismo, fator que salta aos olhos do público a todo momento. Nichols consegue causar comoção e aflição em seu espectador, além de uma profunda empatia em quem assiste, o problema é o caminho para chegar a esses sentimentos.

    O estudo sobre a intolerância da época é feito via exploração de arquétipos, que ate condizem com a realidade, mas que soam livres de maiores nuances. O filme não é longo, mas aparenta ter uma duração ainda maior que seus 123 minutos exatamente por focar demais em personagens periféricos incapazes de gerar qualquer sentimento que não o cômico, com ótimas tiradas, mas que vez por outras distraem quem está vendo no real foco do roteiro, que é discutir o quão injustas são as leis do ontem e o quanto essas ainda influenciam o sistema atualmente.

    Dentre as reações do cinema norte americano a campanha Oscar So White, este Loving acaba por ser dos mais concisos e relevantes esforços para quebrar a pecha de oportunismo, ainda que seu título original possa vir a enganar. O sobrenome que encabeça o pôster se refere ao clã estabelecido a partir da união de amor e ternura entre Richard e Mildred, e não necessariamente ao nome de batismo do personagem caucasiano.

    Nichols faz o mais normativo de seus filmes até agora e novamente tece um retrato da memória estadunidense. Mesmo com todas as formulas e com alguns de seus defeitos, o longa cumpre um papel essencial na discussão a respeito dos direitos civis americanos, bem e o conjunto de sensações nele apresentado abarca as mais diversas plateias, exemplificando o quão vergonhoso é e sempre será a segregação em quaisquer moldes.

  • Crítica | O Presente

    Crítica | O Presente

    O Presente - Poster

    Mesmo com a diluição de gêneros cinematográficos, o Terror continua se mantendo firme dentro de sua esfera narrativa e, anualmente, é responsável por diversas produções lançadas em nossos cinemas. Distribuído pela Playarte Pictures, O Presente marca a estreia do ator e roteirista Joel Edgerton na direção. Responsável pela adaptação do roteiro de The Rover – A Caçada, a produção dirigida, roteirizada e estrelada pelo australiano, ao lado de Jason Bateman e Rebeca Hall, segue a fórmula de um estilo característico do Terror: a presença incômoda de um estranho que modifica a rotina familiar.

    Na trama, Simon (Bateman) e Robyn (Hall) se mudam recentemente para Chicago a fim de um recomeço e reencontram um antigo colega da escola de Simon, Gordo (Edgerton). Após um contato inicial amigável, a personagem se torna presença constante na vida do casal, mas é vista como um incômodo. Após pedidos de que se afaste, o conflito se intensifica e um segredo do passado corrompe a relação harmônica do casal.

    Diante de um cenário cuja temática é comum e repetida ao extremo em outras produções, Edgerton tenta contornar a situação modificando o vilão aparente. A primeira hora de produção se desenvolve no conflito entre a família e o estranho que se torna cada vez mais inoportuno. Gordo é representado como a figura parcialmente carismática e irritante que incomoda o casal por se sentir solitário ao mesmo tempo que tem admiração genuína pela relação. O terror, então, cede espaço para um drama que reflete a condição do estranho e o segredo compartilhado entre Simon e ele, analisando a relação de colégio das personagens, onde o bullying foi parte fundamental.

    Este recurso ocupa parte da história e, mesmo gerando um conflito no casal, quebra a barreira plana do terror desenvolvido até então. A personagem de Simon adquire contornos vilanescos e parece evidente a intenção de explorar o efeito dramático da relação anterior das personagens, mesmo que a história seja voltada ao terror com vícios narrativos comuns ao gênero.

    Como um suspense, o roteiro se mantém até esta modificação na história, quando o impacto da personagem se perde e o drama serve somente como conflito entre o casal para uma reviravolta artificial e chocar o público. Sem nenhuma sutileza, o desfecho parece uma obrigação do roteiro, como um pré-requisito para um suspense psicológico, uma história que o espectador assistiu anteriormente em outras versões melhores.

  • Crítica | Aliança do Crime

    Crítica | Aliança do Crime

    Aliança do Crime 1

    Em 1975, o gângster James “Whitey” Bulger controla quase todo o crime organizado no sul de Boston, liderando o chamado Winter Hill Gang. A trama, que adapta o livro de Dick Lehr e Gerard O’Neil, acompanha Bulger ao longo de três décadas, indo de criminoso comum a líder de um dos maiores grupos da máfia de Boston. Em paralelo, vemos sua colaboração com o amigo de infância e agente do FBI John Connoly (Joel Edgerton) e sua transformação em um informante superprotegido.

    Existe uma tendência nos filmes de máfia em se transformarem em uma sequência metafísica de dissertações morais construídas em cima dos conflitos ideológicos dos protagonistas em suas ações, mas o diretor Scott Cooper (Coração Louco, Tudo Por Justiça) consegue fugir da habitual relação entre protagonista e audiência, nos apresentando uma personificação do estereótipo cruel e maléfico de mafioso que, surpreendentemente, se apresenta de forma completamente fresca.

    Por essa razão, Bulger foge da caricata figura que Johnny Depp construiu para si mesmo com o passar dos anos. Controlado, seguro e maduro, o ator se apresenta de forma nunca antes vista. E é nesse registro que ganha notabilidade, sempre sendo uma ameaça, um psicopata que não se importa com os meios, apenas com os fins.

    A verídica história de como um gângster qualquer foi “promovido” a rei do crime de Boston pelo FBI é intrigante ao extremo, mas a falta de um melhor posicionamento narrativo é prejudicial. O filme parece, em todo o tempo, se deslumbrar mais com a figura de Bulger do que com as inúmeras críticas e comparações cabíveis dentro da história em relação à eterna política de intervenção dos EUA.

    Mesmo com elenco bem afinado – embora mal aproveitado pelo foco no personagem de Bulger -, não fosse Depp mostrando que ainda tem muito a oferecer, Aliança do Crime seria apenas mais um filme genérico sobre a máfia, ignorado pela maior parte do público e rumando para o esquecimento, o que é incabível considerando o peso da história.

    Texto de autoria de Matheus Mota.

  • Crítica | Êxodo: Deuses e Reis

    Crítica | Êxodo: Deuses e Reis

    Êxodo - Deuses E Reis 1

    A frieza dos números proferidos antes da ação começar é quase como um alerta, um aviso aos desavisados sobre a morosidade que estava prestes a ocorrer. Passados 1300 anos antes da “era comum”, somados a 400 anos de escravidão do povo hebreu, Ridley Scott foca a parte burocrática da Bíblia para introduzir o público no épico que retrata o segundo livro das escrituras cristãs sagradas, no qual se destaca um povo devoto, apesar das adversidades que ocorrem em seu cotidiano escravagista.

    O Moisés de Christian Bale seria um resistente. Mesmo nas cenas em que é mostrado agindo a favor do país que o acolheu, percebe-se um bocado de hesitação, fruto de uma desconfiança ainda não justificada, visto que o filme começa com o protagonista já adulto. Coincidentemente, a trajetória do Libertador começa semelhante a de outro herói ao qual Bale deu vida, pois Batman e Moisés começam suas jornadas na meia-idade – ainda que em Batman Begins haja variados flashbacks da traumática infância do destemido protagonista, e o segundo já comece mostrando Moisés ornado com vestes douradas, remetendo à condição real do hebreu criado no palácio.

    Um dos pontos facilmente notáveis é a estrutura narrativa “clonada” de Gladiador, talvez o último sucesso indiscutível do diretor. A posição do herói, antes ao lado do tirano império para depois voltar-se contra ele, é a mesma, assim como a estranha coincidência entre Maximus e Moisés, ambos muito admirados por seus mentores, em detrimento da figura que sucederia o trono da instituição monárquica. Reside o primeiro dos muitos problemas de Êxodo na completa ausência de interpretação do estrelado elenco. Quase todas as performances são realizadas no piloto automático, exceção, talvez, de John Turturro, que faz um iluminado Seth – faraó do começo do filme. Sigourney Weaver, Ben Kingsley, Bale e até Joel Edgerton atuam de forma mecânica, com muitas dificuldades de demonstrar qualquer sentimento em tela, o que prejudica demais a rivalidade que deveria haver entre o futuro faraó Ramses (Edgerton) e seu primo/irmão Moisés.

    Apesar do caráter épico da obra e das cenas em CGI serem deslumbrantes, o mesmo não se pode dizer da postura do protagonista. O Libertador de Israel deveria mostrar-se um sujeito em franca evolução, um incrédulo que passa a acreditar no Deus de seus pais e que, com o tempo, retorna a confiança que tinha desde os tempos em que reinava sobre todos. Quanto à primeira parte, não há crítica alguma. Bale consegue interpretar bem o herói falido, mas não consegue ser nada parecido com o colossal personagem bíblico. Não parece a figura imponente que deveria subjugar o inimigo comum do Povo de Deus, representado por Babilônia e Roma em tempos posteriores e neste, mostrado como o Egito. A frase dita pelo príncipe egípcio de que “a verdade não é uma boa história” se encaixa perfeitamente no arquétipo do personagem, ainda que essa “verdade” seja bastante discutível.

    A primeira recusa ao chamado transforma Moisés em um homicida, em uma versão diferente da bíblica, mas fiel em essência e ideia. Esse é o catalisador da mudança que o leva a ser pastor e pai de família. No entanto, a transição é problemática, pois seu retorno à terra dos escravos como um eremita faz Moisés parecer insano, um louco que cedeu à pressão dos muitos anos no deserto, movido por vozes de Um Invisível. O estigma de louco piora ao revelar o comportamento de seu futuro discípulo, Josué, vivido por um Aaron Paul ainda mais entorpecido do que em Breaking Bad.

    Moisés logo abandona o arquétipo de resignado profeta para se tornar um guerrilheiro visionário, liderando os seus como o general que inspira a resistência aos tiranos. Os métodos que começa a usar são pouco ortodoxos, extremamente belicistas, errados aos olhos do Criador. A ideia de mostrar os hebreus insatisfeitos é bela – e válida –, mas soa forçada e inverossímil.

    Há uma tentativa de compensação das falhas de conteúdo com o realismo auto infligido às pragas egípcias. O visual é belo, mas não consegue esconder as terríveis falhas de motivação dos personagens centrais, especialmente o estupefato comportamento do líder israelita, que não tem qualquer segurança em seus mandos e desmandos.

    Nota-se uma leve elevação da qualidade dos filmes de Ridley Scott, mas que é somente notada pela extrema decepção que foram O Conselheiro do Crime, Robin Hood e Prometheus. Moisés é um libertário sem nuances, um líder irresoluto durante a fita inteira, incapaz de evoluir, distante demais do arquétipo de Libertador, como é conhecido na Bíblia Sagrada, não inspirando qualquer confiança ou avidez por mudança. Êxodo: Deuses e Reis tenta ter pompa e procura ser magnânimo, mas sofre os defeitos de concepção, injustificáveis sequer pelo fato de ser um blockbuster.

  • Crítica | O Grande Gatsby (2013)

    Crítica | O Grande Gatsby (2013)

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    Baz Luhrmann é um cineasta conhecido por seus filmes exuberantes: cenários barrocos, trilha sonora rica e cenas apoteóticas. Romeu + Julieta e Moulin Rouge, seus melhores filmes, são belos exercícios visuais onde a estética característica de Luhrmann reforça e ambienta a história contada. O Grande Gatsby é o oposto disso.

    O romance de Fitzgerald fornece uma história sutil, construída em detalhes e subtexto e cuja força está justamente naquilo que não é contado.  A trama é contada por Nick Carraway, jovem recém-saído de Yale com um emprego no mercado financeiro de Manhattan e um pequeno chalé em West Egg, região de Long Island onde vivem os novos ricos. Nick é vizinho de Jay Gatsby, o homem misterioso que dá festas homéricas, mas de quem ninguém sabe nada. Gatsby se aproxima de Nick para chegar em sua prima Daisy Buchanan, que vive com o marido em East Egg, o lado do dinheiro tradicional, e com quem Gatsby, anos antes, teve uma história.

    A história é simples, mas as relações entre os personagens, a relação deles com o dinheiro e o poder e a função desse dinheiro na identidade de um indivíduo são o que está realmente em questão Tudo isso presente apenas por baixo de diálogos ácidos e ações frívolas.

    No filme de Luhrmann não há nada por baixo. Ele constroi maravilhosamente a estética e o espírito dos anos loucos, seu filme não é apenas visualmente impressionante, é frenético e excessivo como foram os anos 20 e nisso o diretor acerta muito mais do que Jack Clayton, responsável pela morna adaptação de 1974.  A essa estética se alia a trilha sonora carregada de hip hop organizada por Jay Z: a estética de opulência do hip hop é quase a versão atual das festas desproporcionais do “novo rico” Jay Gatsby, é um paralelo interessante e uma ironia fina.

    Mas essa ironia é o único sinal de acidez, crítica ou descontrução em todo o filme. Luhrmann toma uma história sobre a podridão do sonho americano e as falsas promessas feita por ele e a transforma em ode à esperança. Gatsby não ama Daisy, ele a confunde com a identidade que deseja para si mesmo e o filme chega mesmo a explicar isso, de forma bastante didática, apenas para logo em seguida voltar a ser uma história de amor.

    O didatismo, aliás, é um dos maiores problemas do filme, comprovando mais uma vez o pouco talento de Baz Luhrmann para sutilezas. A narração em off é excessivamente presente e explica em detalhes o que os personagens pensam e sentem mesmo que os bons atores pudessem muito tem demonstrar isso de forma mais cinematográfica.  Essa necessidade de ser explícito e literal gera inclusive soluções feias e absurdamente clichês, como palavras surgindo na tela quando um personagem escreve uma carta.

    Por outro lado, enquanto o diretor retira toda sutileza e subtexto do filme, os atores injetam nuances em suas interpretações. A Daisy de Carey Mulligan é ao mesmo tempo frágil, vulnerável e sedutora, a sua consciência de si mesmo, exaustão e frivolidade convivem de forma ambígua e encantadora. Leonardo DiCaprio é um Gatsby artificial, duro, ansioso e pouco confiante e deixa o espectador vislumbrar todo o vazio de um personagem que tem muitas histórias.

    Há sem dúvida bons momentos em O Grande Gatsby, principalmente quando Luhrmann se afasta um pouco, dá tempo de respiro e deixa seus atores e o universo de Fitzgerald trabalharem. Entretanto, na maior parte do tempo tudo que vemos são milhões de planos muito curtos, uma montagem muito rápida e infinitos elementos em cena. É um videoclipe muito bonito, mas em que as cenas se sucedem tão rapidamente e há tantos elementos em tela que é impossível identificar, e mais ainda digerir, qualquer coisa.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.