Tag: Ben Mendelsohn

  • Crítica | O Rei

    Crítica | O Rei

    David Michôd é um diretor de potencial grande, alguns anos atrás faz Rover: A Caçada e Reino Animal, e mais recentemente, fez um outro filme em parceria com a Netflix, Máquina de Guerra, uma comédia bélica de qualidade discutível. Finalmente chega ao streaming  sua nova produção, O Rei, que conta a historia da transição da coroa para o rei Henrique V.

    A gênese do filme mostra Hal, personagem de Timothée Chalamet, um jovem indolente que vê com maus olhos o fato de a coroa restar para si, uma vez que sua fama de promíscuo é bem justificada, já que ele gosta mesmo de curtir a vida ao invés de trabalhar para a coroa. O roteiro demonstra uma problemática relação com a geração anterior, onde o filho vive brigando com seu pai, Henrique IV, interpretado por Ben Mendelsohn, e nem a doença do seu progenitor o amolece, ou o faz ter apreço pelo trono.

    De maneira lenta e gradual a  trama se mostra cheia  de ardis e armadilhas. As batalhas campais são inclementes e há um belo trabalho para tornar  todos as justas no mais real possível. A reconstrução de cenários, figurinos e atmosfera da época é muito bem encaixada. Todo o visual favorece o drama e o caráter épico dos embates.

    A inconsequência dos jovens cobra seu preço, esbarra na completa falta de noção dos moços em entrar em lutas desnecessários, onde nada além da vaidade justifica o fato delas ocorrerem. As disputas são acompanhadas de bravatas de guerra e discussões entre os reais e os subalternos, mostrando o quão conturbadas são as relações, e o quanto Hal não é visto como o monarca ideal até por seus soldados.

    Michôd traz a luz um filme que destaca a morosidade dos combates desse século, sendo bastante o oposto do épico que normalmente se vê nas aventuras próximas da época da Era Medieval, que dirá as fantasias típicas. Não há nada ali próximo dos produtos comerciais como Coração Valente, Excalibur, a trilogia Senhor dos Anéis ou Gladiador, exceção é claro pelo elenco estelar, composto por Robert Pattinson, Joel Edgerton, Sean Harris, Tom Fisher Mendehlson, que estão para basicamente servir de escada para Chalamet. A maioria das performances são discretas, quase apagadas, mas em momento nenhum são desimportantes, há espaço para cada um expressar sua arte ao seu modo, com nuances e chances de parecerem insanos, entediados ou com qualquer outro estado de espírito possível.

    Ao menos nas mortes de pessoas indefesas, o filme não se acovarda. Os golpes em crianças são secos, as cenas viscerais, causam impacto exatamente por parecerem de verdade, e não algo romantizado. Não há espaço na obra para misericórdia ou para relevar os horrores entre os povos ingleses e franceses. Próximo da meia hora final o longa se torna apoteótico, especialmente considerando que esta é uma obra que busca primar pelo realismo, ainda que não abra mão do gore. O Rei é um filme que dá muitas chances ao seu protagonista de brilhar, e que não trata o espectador como bobo, mesmo quando perde em ritmo há recompensas, com confrontos diretos, violentos e sujos, como de fato eram na época em que foram travados.

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  • Crítica | Capitã Marvel

    Crítica | Capitã Marvel

    Cercado de muitas expectativas, Capitã Marvel finalmente chega aos cinemas, dirigido pela dupla Anna Boden e Ryan Fleck, mais de dez anos depois do marco inicial do universo compartilhado da Marvel, com o Homem de Ferro de John Favreau, e o resultado é um filme divertido e despretensioso, mas que tem um desenvolvimento inicial um pouco desnecessário.

    Carol Danvers (Brie Larson) nos quadrinhos sempre foi uma personagem controversa, teve fases entre os codinomes de Miss Marvel, Binária e Warbird em que tratou de temas pesados como alcoolismo e abuso sexual, e de certa forma, o ponto de início da personagem no filme conversa com isso, estabelecendo no roteiro que a heroína teve um passado que não se recorda, e por algum motivo, não há esforço ou curiosidade para se explorar esse ponto. É como se ela estivesse se distanciando dessa época, simplesmente pelo fato de ali habitar traumas tão grandes que fazem a moça esquecer quem era.

    A composição visual desta parte soa estranha e artificial, bastante genérica, curiosamente há um efeito oposto ao visto em Homem de Aço, com Krypton sendo a melhor configuração visual do filme de Zack Snyder para logo depois cair sobre um texto sofrível. Em Capitã Marvel ocorre o exato oposto disso. Neste ponto há uma boa relação do personagem de Jude Law com a protagonista, variando entre a figura do mentor, preocupado com sua talentosa aprendiz, e o sujeito castrador, que impede sua aluna de voar, apelando sempre para o clichê da humanidade, de que ela é muito emocional, afirmando que isso atrapalha sua função de protetora da cultura Kree. A grande questão é o que ocorre depois, onde as curvas dramáticas de certa forma invertem um pouco o sentido desse relacionamento, e caem sobre clichês batidos. Essa pecha de desqualificar a pessoa por conta das suas emoções é um clichê muito utilizado para desqualificar as mulheres e a maior riqueza do roteiro é a desconstrução desta questão, resultando inclusive nesse ser o diferencial da personagem enquanto guardiã da justiça.

    O retorno à Terra é sem dúvida nenhuma um dos melhores momentos do longa. Tudo que envolve a chegada da heroína ao planeta é carregada de paranoia extrema, que começa pelo conflito entre Krees e Skrulls. Essa dicotomia traz ecos da Guerra Fria, e é acertada demais à época em que o filme de passa, nos anos noventa, com a humanidade que já viveu a Guerra Fria e que se permite não ser mais tão maniqueísta e preocupada quanto os dois povos em conflito. De inteligente também existe o comentário sobre o quão vazias podem ser as razões para a guerra, além da desconstrução da demonização de ambos os lados, pois durante as mais de duas horas de filme os dois povos alienígenas são mostrados como cruéis e honrados quase na mesma medida.

    O Nick Fury de Samuel L. Jackson se torna um coprotagonista, a quantidade de tempo e de importância que tem no filme talvez seja maior do que toda a soma de suas participações nos outros capítulos do MCU. A reconstrução visual de sua juventude é muito bem feita, a maquiagem o deixa mais jovem e ele claramente está em boa forma. Não faz lembrar o seu personagem Zeus em Duro de Matar: A Vingança, mas ainda assim ele aparenta ter entre 30 e 40 anos. Boa parte das piadas e momentos engraçados do longa passam por ele, e a relação entre ele e a personagem-título flui muito bem entre o receio mútuo dos dois e a parceria franca e crédula. A dinâmica de filmes policiais com parceiros diferentes funciona bem demais, fazendo o fracasso de Homem de Ferro 3 soar ainda maior por ter tentado isto com os filmes da Marvel e simplesmente não ter conseguido.

    As piadas com a tecnologia descartável da década de 90 são muito boas, e apesar de não ter um vilão muito inspirado tal qual a maioria absoluta dos filmes da Marvel, as relações de Capitã Marvel são muito críveis, seja as de Larson com Annette Benning, que faz uma mentora que se baseia em um personagem clássico dos quadrinhos, mas com diferenças importantes, ou com Talos, o personagem de Ben Mendelsohn, que faz um sujeito desconfiado, sorrateiro mas que é capaz de travar uma amizade que varia entre a rivalidade e a cooperação amistosa com Fury — aliás poucas vezes se viu uma versão tão acertada e diferenciada dos Skrulls quanto aqui.

    Há uma outra relação interessante, embora não tenha muito tempo de tela, entre Danvers e sua amiga e antiga copilota Maria Rambeau, interpretada por Lashana Lynch, que além de carregar o sobrenome da personagem Monica Rambeau (a primeira Capitã Marvel), ainda dá ares de antigo par romântico de Danvers, ainda que isso não seja dito com todas as letras, de qualquer forma é louvável que tenha se levantado essa possibilidade, ainda mais se tratando de um filme feito para o público nerd, que tem sido um reduto de conservadores nos últimos anos.

    Apesar de alguns problemas com a história muito formulaica, a obra de Boden e Fleck tem mais acertos do que equívocos, sobretudo no que não é dito e no que é implícito. Se Larson não é tão brilhante, ao menos seus coadjuvantes são, em especial Jackson e Mendelsohn, que pavimentam bem o caminho para que a personagem heroica consiga atingir seu apogeu, a despeito até do fraco desempenho de Law no ingrato papel que lhe cabe. Ao menos nesse filme não existe a mesma problemática de tantos outros filmes de origem, embora seja um pouco necessário ter assistido Capitão América: O Primeiro Vingador e Guardiões das Galáxias para relembrar alguns personagens e situações. As cenas pós-créditos pouco acrescentam e ao menos neste filme não se justifica o fato de Fury não ter chamado através do pager uma mulher tão forte e poderosa em Vingadores, Vingadores: Era de Ultron ou em Capitão America: O Soldado Invernal, e as possibilidades para o futuro da Marvel nos cinemas seguem como antes do lançamento do filme, intactas, abrindo a possibilidade para talvez terem histórias mais fechadas em si, como esta, onde o escapismo e a falta de pretensão cronológica possam reinar de modo livre e sem pudor de ser somente isso.

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  • Crítica | Una

    Crítica | Una

    Em tese nenhum tópico é tabu, ou ao menos não deveria ser. Afinal, aquilo que é pouco dito costuma esgueirar-se pelas sombras da sociedade, e ao tema é associada apenas obscuridade e medo. Mas o que parece fazer sentido também é que nem toda forma de se abordar um tema é exatamente adequada.

    Una debruça-se sobre uma história de abuso infantil e seus posteriores desdobramentos sobre a vida do abusador, da vítima, e de suas famílias, onde anos após o abuso, a jovem Una confronta seu abusador e expõem os destroços de sua vida marcada por tribunais, olhares tortos, tristeza confusão. O grande problema deste filme, porém, é sua complacência com o abusador. Tal abordagem já foi usada antes, no clássico livro e filmes Lolita. Porém, em Lolita a empatia com o abusador ocorre por conta da história ser contada sobre seu ponto de vista, mas ao final consegue tornar clara o quão patética é aquela figura de um homem moralmente falido e incapaz de controlar seus desejos, e assim expondo a podridão de conceitos entranhados em nossa cultura. Una, ao contrário, quase tem pena do “sofrimento” do abusador, e quase defende sua paixão pela garota.

    O filme é estrelado por Rooney Mara (Os Homens Que Não Amavam as Mulheres) e Ben Mendelson (Rogue One: Uma História Star Wars), e dirigido por Benedict Andrews, diretor de teatro em seu primeiro longa, sendo baseado na peça Blackbird, do mesmo roteirista de Una, David Harrower. Esta ‘mais longa do que deveria’ explanação sobre quem são os envolvidos na produção é para dizer que o egocentrismo é a tônica desta história. Tão autocentrada em si, que percorre boa parte dos seus longos minutos com dificuldades de estabelecer com eficiência seus personagens, apesar de ter uma dinâmica que consiste basicamente em tentar desenvolvê-los, não possuindo assim nenhuma subtrama que justifique este déficit de atenção.

    Incapaz de ser rigoroso com o abusador, o filme explana de forma quase que protocolar que ele teve a condição de refazer sua vida, enquanto a vítima não. Mas nada disso adianta tão logo ele é colocado constantemente como uma vítima. Um homem perdido que cedeu à um erro bobo, e não como sendo aquilo que é, no alto da maldade que seus atos deveriam estar. Ele é um criminoso. Já Una, é eventualmente mostrada como uma moça confusa, que hoje e talvez ontem usava o sexo de forma autodestrutiva, dando a entender que aquilo talvez tenha sido realmente um romance, e não a história de um homem de 40 anos abusando de uma menina de 13.

    As tentativas de fazer de Una uma pessoa forte que sofreu, mas sobreviveu, soam todas equivocadas, protocolares e fora de tom. A única ideia de seu medo constante é quando o filme demonstra que mesmo as voltas de homens de aparente boa índole, ela está constantemente entrando em tocas de lobos, pois tão logo adentra a fábrica onde irá confrontar seu abusador, o simpático Scott insiste em suas cantadas. Ele realmente parece uma boa pessoa, mas ainda assim à vê como algo disponível simplesmente por ser mulher.

    Equivocado, inconsequente, sem atenção e pobre no discurso, Una não é capaz de discutir os temas que se propõem, e erra em forma e conteúdo.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

    https://www.youtube.com/watch?v=UgiN35SC-hM

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  • Crítica | Rogue One: Uma História Star Wars

    Crítica | Rogue One: Uma História Star Wars

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    Um dos maiores méritos de Rogue One: Uma História Star Wars foi o de conseguir esconder a maior parte de suas tramas do marketing esclarecedor péssimo, que tomou conta de Holywood, onde a regra é revelar absolutamente tudo no material acessório. O longa de Gareth Edwards vai completamente na contramão dos outros blockbusters, que normalmente explicitam seus detalhes nos trailers, spots de tv e demais meios de divulgação.

    Apesar de já se saber o final, já que o filme conta uma sub trama essencial de Uma Nova Esperança, as revelações contidas no texto de Toni Gilroy e Chris Weitz são bombásticas, além de serem a principal característica positiva do longa. A Vingança dos Sith foi um filme da franquia que sofreu com esse estigma, já que para todos os efeitos, era obrigatório que o ansioso Anakin Skywalker fizesse a transição para o lado negro da Força. O mote principal de Rogue One são as estranhas relações que os rebeldes tem entre si, mostrando uma resistência fragmentada, com os mais moderados sendo os da Aliança Rebelde, liderados por Mon Mothma (Genevieve O’Reilly) e Bail Organa (Jimmy Smits), e os extremistas de Saw Gerrera (Forest Whitakker). Esse dois lados em alguns momentos convergem no mesmo caminho e em outros não, e essa dicotomia acrescenta uma riqueza política até então inédita na saga.

    A jornada do herói é executada por dois personagens da mesma família, primeiro com a jovem Jyn Erso (vivida por Felicity Jones na fase adulta) que sobrevive ao ataque do vilão da película, o militar imperial Orson Krennic (Ben Mendelsohn). A proximidade entre esses dois personagens se dá graças as antigas colaborações imperiais do segundo Erso envolvido na trama, Galen (Mads Mikkelsen), o pai da menina, que passou muito tempo afastado de seu clã, de maneira forçosa evidentemente. É nesse núcleo que se concentram a maioria dos eventos dramáticos importantes, fator este que traz bons e maus momentos para o script.

    A maior força dos bons filmes de Guerra nas Estrelas mora na humanidade dos seus personagens centrais que, mesmo em meio a tantas batalhas épicas, se mostram sentimentais, passíveis de erros e bem construídos. Tanto isso acontece que os trechos dignos de aplausos envolvem esses personagens clássicos. Não falta menção aos antigos aventureiros e o timing das aparições só faz melhorar quanto a qualidade das aparições. Uma em especial é de deixar o público boquiaberto, mas o sigilo quanto a identidade do personagem é importante para a apreciação do filme.

    Há um conjunto de personagens coadjuvantes bem divertida e visualmente bela. Os personagens periféricos como o crente na força Chirrut Îmwe (Donnie Yen) e o androide K-2SO (Alan Tudyk) garantem bons momentos cômicos, no entanto, o excessivo enfoque nessas personagens denuncia um problema do argumento, que é a falta de interesse causado por Jyn e por seu pseudo par romântico, o piloto Cassian Andor (Diego Luna), em especial pelo talento pouco aproveitado desse casting, fato que obviamente não ocorreu com o bom Despertar da Força, que também faz menções aos guerreiros clássicos e introduz novas figuras.

    A atmosfera do filme no entanto resgata qualquer possibilidade de amargor com o resultado final da obra que Edwards orquestra. A trilha sonora de Michael Giacchino não soa tão clássica quanto a de John Williams, mas faz um belo papel, elevando os eventos de guerra a um tom bastante dramático. A sensação terrível de uma batalha perdida é elevada a uma qualidade gritante, sentimental e tocante, ainda dando vazão a uma nova esperança, como denunciado no subtítulo do episódio IV. A fotografia de Greig Fraser é apurada e ajuda a reconstruir a mesma sensação de se explorar novamente os momentos clássicos de Star Wars, sem precisar de muletas narrativas como cópias de momentos históricos ou repetições de arcos, neste ponto, Rogue One: Uma História Star Wars é conciso e econômico, sendo equilibrado apesar dos defeitos pontuais citados.

  • Crítica | O Lugar Onde Tudo Termina

    Crítica | O Lugar Onde Tudo Termina

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    Segundo longa-metragem de Derek Cianfrance, este The Place Beyond the Pines traz um drama com uma história pouco convencional, cheia de reviravoltas e magistralmente filmada.

    O filme é dividido em três atos que são protagonizados por personagens diferentes. O primeiro deles é estrelado por Luke Glanton, interpretado por Ryan Gosling que já havia trabalhado com Cianfrance no excelente Blues Valentine. A situação familiar indesejada em que o personagem se mete o leva a tomar atitudes precipitadas e impensadas, fazendo-se valer de seu talento como dublê de motocicletas – papel muito semelhante a um de seus recentes sucessos, Drive. A tatuagem no rosto de Glanton prevê as lágrimas que viriam a cair sobre o seu rosto – um paralelo interessante entre sua antiga e desregrada vida, e seu novo estilo “familiar”. A decisão que o personagem toma por impulso o leva a uma série de ocorrências cada vez mais perigosas, Glanton parece não conseguir medir a gravidade das coisas que faz e das consequências que elas trariam.

    A perseguição policial em que o dublê se envolve é uma sequência impressionante, oras em primeira pessoa e em outros momentos com câmera na mão. Cianfrance evolui cada vez mais em suas realizações. Ao apresentar o próximo protagonista, o diretor registra uma lágrima caindo da janela do segundo andar, o que não poderia ser mais emblemático. Mudar o foco e mostrar histórias distintas no mesmo filme é uma tarefa complicadíssima, e o roteiro não peca, ao contrário, mostra a evolução dos envolvidos sobre outra ótica. A trama de Avery Cross – Bradley Cooper – é bastante diferente da de Luke Glanton, seus dramas e problemas são o completo inverso do criminoso.  Em todo momento, o policial é reticente em praticar atos ilícitos, seu Ethos parece incorruptível, e seu pecado, ao menos em sua própria interpretação é o de conivência e não corrupção pura e simples.

    O terceiro ato ocorre após 15 anos e registra as ações da geração posterior a de Luke e Avery. O passado de Cross – que agora ocupa o cargo de promotor público – vem para assombrá-lo e ele tenta mais uma vez remediar a situação de forma equivocada.

    As atuações certamente são o ponto forte do filme, Derek Cianfrance trabalha muito bem com o que tem em mãos. Coadjuvantes como Robin – Ben Mendelsohn – marcam presença de forma eficiente e abrilhantam demais o produto final. O trio de protagonistas também exerce seu oficio de maneira belíssima, Gosling faz o que já está habituado – o que é sempre bom – Cooper encarna muito bem o policial honesto e o político ganancioso e isolado, seus problemas são reais e fazem o espectador sentir a sua dor e  isolamento. Dani DeHaan faz um papel riquíssimo e é a boa surpresa do filme. Em muitos momentos emula as características de seu pai, agindo como uma bomba prestes a explodir, e em outros ele tem atitudes como as de sua mãe e seu pai adotivo, seu personagem é uma amálgama muito bem feita e mesmo com tudo isso possui personalidade própria.

    Os 15 minutos finais são de uma tensão absurda. O Lugar Onde Tudo Termina fala sobre como um péssimo dia pode gerar uma cadeia de eventos  caótica, e acabar com toda uma (ou mais) vida(s) “correta(s)”. Não trata o espectador como imbecil e não faz concessões morais, seus personagens são tridimensionais e cheios de falhas.

  • Crítica | O Homem da Máfia

    Crítica | O Homem da Máfia

    Andrew Dominik chamou atenção em 2007 ao revisitar o western, um gênero praticamente esquecido, com o excelente O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford. A direção sóbria e a crueza de Dominik injetaram frescor na fórmula e, a partir de então, alguns diretores consagrados – notavelmente os irmãos Coen – voltaram a olhar para um tipo de filme até então ultrapassado.

    Em O Homem da Máfia, Dominik novamente se volta pra um gênero fora de moda e o moderniza com uma direção precisa e eficiente. A trama se foca em Jackie (Brad Pitt), uma espécie de investigador da máfia chamado a uma cidade não identificada para investigar o assalto a uma casa de carteado. O filme se passa durante a primeira campanha de Barack Obama para a presidência, no auge da crise econômica que atingiu os Estados Unidos e principalmente os bancos e instituições financeiras de Wall Street. Esse pano de fundo está sempre presente, fazendo um paralelo com a história apresentada.

    Assim que Jackie entra em cena, fica claro que a máfia de Dominik não é a de Copolla: aqui não existem valores de nenhum tipo, nenhuma consideração familiar, e o método frio, burocrático e eficiente do protagonista claramente vem tomando o lugar das investigações e ferramentas tradicionais. Segundo Jackie, os Estados Unidos não são um país baseado em comunidade, solidariedade ou qualquer um dos valores apregoados por Obama; se trata, pura e simplesmente, de dinheiro e negócios.

    A visão política do diretor é muito clara durante todo o filme; no entanto, ele nunca se torna panfletário ou didático. Dominik é claramente um republicano, mas sua posição está costurada na trama, tanto no desenrolar da história quanto nas falas de seu personagem principal. É um filme pessoal, autoral e político, mas é também um belo filme de máfia.

    A fotografia escura e cinzenta lembra o tempo todo ao espectador que se trata de um mundo devastado e uma instituição decadente. A montagem é rápida, mas rígida, sem espaço para cenas desnecessárias ou cortes que desorientem o espectador: é um filme firme, austero, no roteiro e na linguagem. Essas escolhas são aliadas a interpretações excelentes (Brad Pitt é de uma precisão absurda) e provam que Dominik é um diretor extremamente competente e que caminha para grandes filmes.

    O Homem da Máfia não chega a ser um filme tão bom quanto O Assassinato de Jesse James, mas é competente, firme e tem a qualidade muito rara de articular perfeitamente as opiniões de seu diretor à trama. A visão cínica e controversa de Dominik e o brilhantismo técnico com que ele conduz seus filmes o apontam como um dos diretores mais interessantes da atualidade.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.