Tag: Mads Mikkelsen

  • VortCast 102 | James Bond – 007: A Era Daniel Craig

    VortCast 102 | James Bond – 007: A Era Daniel Craig

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira | @flaviopvieira) e Mario Abbade (@marioabbade)  se reúnem para comentar sobre o encerramento da era Daniel Craig como James Bond nos cinemas. Quais foram os pontos altos e baixos, as polêmicas e o futuro da franquia.

    Duração: 74 min.
    Edição:
     Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
    Arte do Banner:
     Bruno Gaspar

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  • Crítica | Druk: Mais uma Rodada

    Crítica | Druk: Mais uma Rodada

    E se quatro professores de ensino médio, cansados de tudo, resolvessem testar um método científico para ingerir uma pequena quantidade de álcool, todo dia, a fim de melhorar suas habilidades sociais e profissionais? Receita do apocalipse individual? Sim, é claro, mas não há nada que Martin, Tommy, Nikolaj e Peter não topem para se sentir mais jovens e dispostos. Livres dos quarenta anos que pesam nas suas costas, presos a salas de aula, a rotina, a famílias que estão perdendo valor. Druk: Mais Uma Rodada é um estudo dinâmico sobre o auto engano coletivo, fomentado em grupo até o limite da sua intoxicação – não apenas alcoólica, mas ideológica, numa revitalização contemporânea do clássico Farrapo Humano. E aqui, o dinamarquês Thomas Vinterberg dirige o filme através de uma tensão crescente, e bem modulada, a fim de esclarecer a grande dúvida: de onde nasce a necessidade de uma catarse?

    Seria do mesmo lugar que surgiu a violência de William Foster, de Um Dia de Fúria, ou pior, a rebeldia de classe média alta do jovem Alexander, de Laranja Mecânica? A arte de “chutar o pau da barraca” pode ter vários gatilhos estudados a exaustão, e em Druk, eis um gatilho tão auto destrutivo, quanto passivo-agressivo. Um quarteto que quer fugir da realidade, até então livre de vícios, e mesmo que correndo o risco de levar todos com eles, destruindo lares, seus alunos, ou qualquer chance de futuro. Mads Mikkelsen se joga (como sempre) na pele de Martin, o professor desiludido que, junto de outros, só quer um buraco pra entrar e sumir. “Você não é o mesmo Martin de antes.”, admite sua esposa, cansada de secar gelo em sua relação. Mas o experimento do álcool não para, e de repente, não há mais volta. De rodada em rodada, os quatro mudam sua história, gerando dó, e tragédia. Prisioneiros das próprias armadilhas, como alguns belos closes nos dão conta de transmitir também.

    O principal, então, é o manifesto do desespero. Aquele que assalta tantos homens de meia idade sobre seu papel na sociedade, e que os leva a uma ação imediata: beber, fugir, esquecer, e isso no fim da juventude, dos sonhos de conquistar o mundo e se casar com a Beyoncé. Martin e os outros decidiram não enfrentar a vida, e se são obrigados a isso, vão enfrentar bêbados. É claro que o tiro vai sair pela culatra, mas Vinterberg, cineasta engenhoso, ainda dá espaço no filme para a redenção. Para um lembrete que a vida não para, e a armadura da coragem, se vestida, pode render bons momentos de alegria que fazem tudo valer a pena – a vida não tem sentido e menos sentido ainda tem a nossa procura por ele, exclama o final. Druk é um filme que choca mas não merece ser polêmico, dada a sua questionável apologia ao alcoolismo, e o seu retrato ultrarrealista das consequências da cachaça, e imprudência. Usa da controvérsia para subvertê-la, e nisso, é bem-sucedido. Cinema europeu por excelência e muito bem feito.

  • Review | Death Stranding

    Review | Death Stranding

    Muitos se lembram dos atritos entre Hideo Kojima e a empresa Konami. Após o lançamento do maravilhoso Metal Gear Solid V, Kojima deixa a empresa e, quase que imediatamente, anuncia um novo jogo com a participação de Norman Reedus (conhecido pela série The Walking Dead) e Guillermo Del Toro. Ambos fariam parte de Silent Hills, projeto sumariamente engavetado pela Konami que teria Kojima à frente. Após diversos teasers malucos e alguns vídeos de gameplay, quatro anos se passaram e finalmente Death Stranding vê a luz do dia. A repercussão foi bem dividida, e não podíamos esperar algo diferente.

    O jogo traz impressões e emoções muito diversas. Ao mesmo tempo que temos a narrativa competente de Kojima, o jogo em si desafia a paciência do jogador.

    Mas afinal, o que é o jogo? A internet, com sua zoeira habitual, definiu-o como um “Correio Simulator”, e convenhamos, não está longe da verdade. A premissa básica é ir ao ponto A, pegar uma carga e levar ao ponto B. Para não sermos injustos, existem variações nessa premissa, às vezes para coletar alguma coisa em determinado lugar, ou até se infiltrar num acampamento de terroristas para recuperar algum item (aqui você pode tentar metralhar todo mundo ou se valer da furtividade). Nestes quesitos, o jogo é muito competente. Suas mecânicas funcionam e permitem diversas formas de jogar. Porém, partes de ação e combate são a exceção.

    Porém, a mecânica principal envolve a entrega de cargas. Enquanto percorre os longos caminhos a pé, em terrenos bem acidentados, íngremes e repletos de rochas, você precisa fazer algo importantíssimo: se equilibrar! Sim, o personagem vai perdendo o equilíbrio, perdendo para algum lado. Cabe a você utilizar os botões R2 e L2 para se manter em pé. Quanto mais peso você carrega, e quanto mais íngreme ou acidentado for o terreno percorrido, mais fácil você perde o equilíbrio. Não é tão difícil fazer isso, apesar de que, em determinadas situações, a queda é quase inevitável. O jogo soube usar a raiva do jogador para trazer sensações de alívio, uma vez que, logo após uma missão no começo do jogo, onde você precisa carregar uma pesada carga por uma distância enorme, é habilitado um equipamento que permite andar mais rápido e se manter mais equilibrado. Mas não me surpreende se alguém desistir do jogo antes de adquirir tal equipamento, vez que o início é bem monótono e, por vezes, frustrante.

    O jogo se passa nos Estados Unidos de um mundo pós-apocalíptico onde um evento denominado Death Stranding trouxe caos e destruição ao mundo. Uma organização está tentando reconstruir o país com a ajuda do governo (ou o que restou dele), e você será uma peça fundamental dessa reconstrução, afinal está levando suprimentos e materiais para novas pesquisas e até alimentos para outras cidades se manterem. Mesmo destruído, o mundo conta com uma tecnologia avançada de construção e comunicação.

    Apesar de vazio, o mapa a ser explorado é muito grande. O relevo é quase um personagem, sendo claro a qualidade do level design. Mesmo em missões em que você percorre o mesmo caminho, eventualmente utilizará outra rota, tornando a experiência diferente. E isso é o espírito do jogo, algo minimalista e jornadas solitárias – às vezes aparecem companhias desagradáveis que trazem um ar de quase terror.. O clima de solidão lembra um pouco Shadow of the Colossus, mas de vez em quando, em momentos específicos, somos brindados com uma bela música aleatória, na maioria das vezes da banda Low Roar. Temos a impressão que a atmosfera do jogo foi feita com base nas músicas do Low Roar, pois criou-se um aspecto de familiaridade impressionante. Uma simples música tocada durante uma longa caminhada já traz um sentimento de recompensa. Pode não ser o suficiente para boa parcela dos jogadores.

    Mesmo na constante solidão, não pense que você é o único entregador. Os outros jogadores interagem com o seu jogo, ainda que de forma indireta, mas te ajudarão a entregar alguma carga que você perdeu, ou mesmo na construção de estruturas que ajudarão em sua jornada (pontos, estradas, abrigos, escadas, cordas de escalada). Além disso, é possível deixar placas para sinalizar algo ou simplesmente pela zoeira. Tendo em vista que o tópico principal do jogo é a conexão, os jogadores podem curtir as estruturas dos outros, como se fosse uma rede social (é claro que o Kojima vai fazer algumas brincadeiras com isso ao longo do jogo). É uma forma interessante de utilizar os recursos online de jogo, lembrando vagamente as mensagens deixadas pelos outros jogadores em Dark Souls.

    Sobre o aspecto visual, o jogo está lindo. Os cenários foram bem construídos e trazem muita realidade ao jogo. A modelagem dos personagem, especialmente do protagonista, tem um nível de realismo e detalhes impressionante. As cutscenes são um show à parte, com movimentos e expressões muito fluidas e realistas. Vale destacar as presenças de Mads Mikkelsen e do onipresente Troy Baker, além de vários outros rostos conhecidos.

    Talvez você esteja se perguntando: se o jogo em si não é tão divertido, a história compensa? Infelizmente, não. A narrativa é muito boa, o mundo é interessante, há uma vontade de saber o que vai acontecer, mas ao final, não pareceu suficiente. Então a história é ruim? Não!  Mas as comparações com Metal Gear são inevitáveis (e digo em termos de qualidade, reviravoltas e coisas instigantes, pois a pegada aqui é muito diferente). Parece que Kojima tentou fazer algo mais intimista, que traga reflexões sobre outras questões profundas. E sim, a história tem muita qualidade Talvez faltou mais impacto.

    Como puderam notar, o jogo tem altos e baixos. O jogo não parece comercialmente apelativo. Na verdade, ele tem tudo que um jogo comercialmente promissor não pede.  Mas, se relembrarmos o início de sua carreira, Kojima propôs, em 1987, um jogo onde fugir e se esconder é melhor que matar, o que ia na contramão do senso comum. Muitos não botaram fé no jovem Hideo, mas o jogo acabou saindo e fez história Foi o primeiro Metal Gear. Aqui, Kojima quis criar um novo gênero, trazer algo diferente, e até conseguiu. Death Stranding tem um quê diferente dos outros jogos, isso é fato. Se isso é bom ou ruim, cabe ao jogador decidir. Fica muito difícil recomendar este jogo por causa de sua morosidade e proposta. Mas, relembrando tudo que fiz nas mais de 40 horas, tiveram momentos interessantes que trouxeram emoções variadas (satisfação, raiva, frustração,). É um jogo contemplativo para quem tem paciência.

  • Critica | Polar

    Critica | Polar

    Filme original Netflix, Polar conta a história de um assassino aposentado, um sujeito implacável que só quer ser deixado em paz, mas que ainda aceita alguns poucos trabalhos. A história que Jonas Akerlund conta começa com um grupo de assassinos de aluguel, formado por Sindy (Ruby O. Fee), Karl (Robert Maillet), Facundo (Anthony Grant), Alexei (Josh Cruddas), Hilde (Fei Ren) assassinando Johnny Knoxville, que faz o personagem Michael Green, cujo pecado foi estar velho e ter tomado a decisão de se aposentar.

    Não demora a aparecer Duncan Vizla, o Black Kaiser, que é interpretado por Mads Mikkelsen, que se consulta com um médico para ver se ainda está bem. Antes mesmo do lançamento, muitos comparavam este filme com De Volta ao Jogo é John Wick: Um Novo Dia Para Matar por conta das semelhanças narrativas, como se não houvessem obras anteriores com a mesma premissa – Busca Implacável e Marcas da Violência por exemplo – e até posteriores, que inclusive tem o mesmo estilo de filmagem, mais parecidas que essa, caso de Atômica e A Justiceira com Jennifer Garner.

    Outra grave diferença entre este e a criação de David Leitch e Chad Stahelski é a diferença de tom enquanto um emula a estética de revistas em quadrinhos adultos como Cem Balas, Polar tem um tom parodial é quase cartunesco, em alguns pontos lembra as cores gritantes do filme de Warren Beatty Dick Tracy, que também adapta quadrinhos. Essa violência extrema também está no material original que Victor Santos lançou pela Dark Horse, mas claramente Akerlund gosta de referenciar outras adaptações de quadrinhos para a sétima arte.

    Tudo no roteiro de Jayson Rothwell é tão irreal que é impossível se levar a sério. Mesmo quando retratam a vida de uma prostituta que Duncan se relaciona se nota um enorme exagero, pois ela atende em casa, com o filho tendo livre acesso ao quarto onde ela faz sexo e ela vai colocar ele na cama após transar e sem roupa. A intenção é ser engraçado mesmo, tanto que quando a violência é mostrada, sobretudo com os quatro assassinos do esquadrão, é sempre tão artificial que o impacto do sangue jorrando é perdido, se assemelhando de certa forma aos desenhos Looney Tunes, Pica Pau, Tom e Jerry, quase como um Comichão e Coçadinha live action, lembrando um pouco o filme com Clive Owen Mandando Bala, de 2007.

    Ao menos no quesito mortes, o filme acerta demais, e ele não tem dó em descartar personagens secundários cedo, mesmo os mais cools entre eles. A questão é que algumas subtramas fazem pouco ou nenhum sentido diante da galhofa que o filme se torna, e após uma hora de filme há claramente uma barriga, que prejudica muito o filme, tornando ele enfadonho. Quase tudo que envolve a tortura de Blut (Matt Lucas) e o acréscimo de Camille (Vanessa Hudgens) é fraco, não soando tão divertido quanto o restante, e as curvas finais tem esse mesmo tom. Até há possibilidades e abertura para ocorrer continuações  a partir daqui, mas Polar é divertido na maior parte do seu tempo, e se uma sequência seguir no mesmo ritmo deste final, certamente será algo pouco memorável.

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  • Crítica | Rogue One: Uma História Star Wars

    Crítica | Rogue One: Uma História Star Wars

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    Um dos maiores méritos de Rogue One: Uma História Star Wars foi o de conseguir esconder a maior parte de suas tramas do marketing esclarecedor péssimo, que tomou conta de Holywood, onde a regra é revelar absolutamente tudo no material acessório. O longa de Gareth Edwards vai completamente na contramão dos outros blockbusters, que normalmente explicitam seus detalhes nos trailers, spots de tv e demais meios de divulgação.

    Apesar de já se saber o final, já que o filme conta uma sub trama essencial de Uma Nova Esperança, as revelações contidas no texto de Toni Gilroy e Chris Weitz são bombásticas, além de serem a principal característica positiva do longa. A Vingança dos Sith foi um filme da franquia que sofreu com esse estigma, já que para todos os efeitos, era obrigatório que o ansioso Anakin Skywalker fizesse a transição para o lado negro da Força. O mote principal de Rogue One são as estranhas relações que os rebeldes tem entre si, mostrando uma resistência fragmentada, com os mais moderados sendo os da Aliança Rebelde, liderados por Mon Mothma (Genevieve O’Reilly) e Bail Organa (Jimmy Smits), e os extremistas de Saw Gerrera (Forest Whitakker). Esse dois lados em alguns momentos convergem no mesmo caminho e em outros não, e essa dicotomia acrescenta uma riqueza política até então inédita na saga.

    A jornada do herói é executada por dois personagens da mesma família, primeiro com a jovem Jyn Erso (vivida por Felicity Jones na fase adulta) que sobrevive ao ataque do vilão da película, o militar imperial Orson Krennic (Ben Mendelsohn). A proximidade entre esses dois personagens se dá graças as antigas colaborações imperiais do segundo Erso envolvido na trama, Galen (Mads Mikkelsen), o pai da menina, que passou muito tempo afastado de seu clã, de maneira forçosa evidentemente. É nesse núcleo que se concentram a maioria dos eventos dramáticos importantes, fator este que traz bons e maus momentos para o script.

    A maior força dos bons filmes de Guerra nas Estrelas mora na humanidade dos seus personagens centrais que, mesmo em meio a tantas batalhas épicas, se mostram sentimentais, passíveis de erros e bem construídos. Tanto isso acontece que os trechos dignos de aplausos envolvem esses personagens clássicos. Não falta menção aos antigos aventureiros e o timing das aparições só faz melhorar quanto a qualidade das aparições. Uma em especial é de deixar o público boquiaberto, mas o sigilo quanto a identidade do personagem é importante para a apreciação do filme.

    Há um conjunto de personagens coadjuvantes bem divertida e visualmente bela. Os personagens periféricos como o crente na força Chirrut Îmwe (Donnie Yen) e o androide K-2SO (Alan Tudyk) garantem bons momentos cômicos, no entanto, o excessivo enfoque nessas personagens denuncia um problema do argumento, que é a falta de interesse causado por Jyn e por seu pseudo par romântico, o piloto Cassian Andor (Diego Luna), em especial pelo talento pouco aproveitado desse casting, fato que obviamente não ocorreu com o bom Despertar da Força, que também faz menções aos guerreiros clássicos e introduz novas figuras.

    A atmosfera do filme no entanto resgata qualquer possibilidade de amargor com o resultado final da obra que Edwards orquestra. A trilha sonora de Michael Giacchino não soa tão clássica quanto a de John Williams, mas faz um belo papel, elevando os eventos de guerra a um tom bastante dramático. A sensação terrível de uma batalha perdida é elevada a uma qualidade gritante, sentimental e tocante, ainda dando vazão a uma nova esperança, como denunciado no subtítulo do episódio IV. A fotografia de Greig Fraser é apurada e ajuda a reconstruir a mesma sensação de se explorar novamente os momentos clássicos de Star Wars, sem precisar de muletas narrativas como cópias de momentos históricos ou repetições de arcos, neste ponto, Rogue One: Uma História Star Wars é conciso e econômico, sendo equilibrado apesar dos defeitos pontuais citados.

  • Crítica | Doutor Estranho

    Crítica | Doutor Estranho

    doutor-estranho

    A popularidade da Marvel nos cinemas é tanto que as abordagens dos heróis dentro do MCU  não necessariamente passam pelos personagens mais populares. Ao mesmo tempo em que o Hulk parece não ter perspectivas de mais uma aventura solo, Guardiões das Galáxias foi um sucesso e terá uma continuação em breve. O Doutor Estranho que em breve estreará é um caso curioso, por morar em dois limbos, sendo o primeiro entre a grande importância que o personagem no background da editora ao passo que não é tão popular quanto Thor, Capitão América e companhia, e o segundo por estar este presente na face mágica dessa nova versão em audiovisual da Casa das Ideias.

    O longa começa com um epílogo mostrando um pouco do novo cenário a ser explorado estabelecendo a rivalidade entre a figura a Anciã vivida por Tilda Swinton ( papel que originalmente era de um sujeito oriental envelhecido) e um mago das trevas Kaecillius (Mads Mikkelsen), que lidera por sua vez um grupo de magos transgressores. Logo as tramas se cruzam, com um Benedict Cumberbatch que vive um exímio neuro cirurgião, falastrão, egocêntrico, vaidoso e egoísta. Ciente dos seus dotes, o comportamento dele é por vezes é mais arrogante do que brilhante, fator que faz afastar seu par, a bela doutora Christine Palmer (Rachel McAdams), até que algo terrível acontece.

    O acidente que faz o personagem perder seu ofício o obriga a tentar se reinventar e essa virada poderia ter tornado o filme em algo épico por completo, mas isso não chega a alcançar um êxito indiscutível. Stephen Strange passa por muitos problemas, perde sua fortuna, seu respeito próprio e passa a acreditar até em possibilidades não pragmáticas, mas essa jornada de redução de expectativas e reconstrução de caráter não faz dele o candidato ideal para uma missão tão grandiosa, ao menos não de maneira tão categórica como mostra o argumento.

    Scott Derrickson pega emprestado alguns efeitos especiais de A Origem de Christopher Nolan, em especial no início e na demonstração de poder da Anciã. Isso deixa de ser um problema no decorrer do filme. Alguns visuais de personagens soam meio bobos, variando entre uma versão mais cara e melhor colocada de Mortal Kombat, além de tentar capturar também os aficionados por Assassins Creed, utilizando algumas vezes o figurino de capuzes e lutas rápidas, usando e abusando da técnica parkour.

    A salvação do longa-metragem certamente é a presença de espírito de seu personagem principal. A personalidade de Strange nos quadrinhos se assemelha demais ao que Robert Downey Junior fez em Homem de Ferro, e Cumberbatch consegue equilibrar algumas dessas características canônicas com novas, tendo um senso de humor fino e direto. O deslumbre visual faz o filme crescer muito em conceito. Há muitos problemas de incongruência, desde elementos Deus Ex Machina até coincidências que poderiam facilmente ser podadas, mas nada que avilte tanto quanto havia ocorrido na filmografia recente de Derrickson. Doutor Estranho consegue usar muito da fórmula da Marvel Studios, sendo ainda um filme de origem competente, carismático e memorável ao ponto de fazer seu espectador achar divertido mas não indispensável.

  • Crítica | Michael Kohlhaas: Justiça e Honra

    Crítica | Michael Kohlhaas: Justiça e Honra

    Michael Kohlhaas - Justiça e Honra

    Michael Kohlhaas: Justiça e Honra adapta o romance homônimo, publicado entre 1808 a 1810, de Heinrich von Kleist. O autor baseou-se na figura real de um comerciante local para desenvolver sua novela, que trata a vida de um homem dividido entre a justiça dos homens e a concepção interna de honra.

    A estrutura original da obra, dirigida por Arnaud des Pallières, foi mantida. Porém, a ação se desenvolve em Cévennes, no centro-sul da França. Mads Mikkelsen interpreta o personagem do título, um comerciante de cavalos que, para atravessar uma ponte, é indevidamente cobrado. Deixando em sua guarda dois de seus melhores cavalos e um vassalo como segurança, o vendedor retorna ao local dias depois com o pagamento e encontra os animais machucados e desnutridos e o vassalo, morto. Desejando justiça, o homem pede à corte um julgamento. Após ter o pedido negado, Kohlhaas decide impor sua vontade à força perante a injustiça que o tribunal cometeu.

    A novela é considerada um dos livros preferidos de Franz Kafka, e também responsável por uma das poucas aparições públicas do escritor para fazer leitura de trechos da obra. Trata-se, inicialmente, de uma história com ideário romântico, com uma personagem central incorruptível vivendo a tensão entre a justiça divina e a dos homens.

    Ao ter seu direito retirado por um nobre, Kolhaas utiliza sua influência e capital para arregimentar um exército que lute por sua causa. O grupo destrói locais que estão sob proteção do nobre, e esta violência chama atenção da Princesa Real, que tenta interceder. Porém, há um elemento paradoxal diante desta disputa. A busca quase fanática por justiça pelo comerciante o transforma em um pária diante do mesmo conjunto de leis. O exército não poupa homens, mulheres ou crianças, compondo um cenário curioso a respeito do que é, de fato, a justiça para o personagem.

    Há tensões inversas dentro da história: a injustiça cometida pelo nobre com a devida consequência do ataque de Kolhlhaas, e a ciência por parte do comerciante de que, ao decidir levar suas atitudes até o limite, as leis também serão aplicadas contra si. A honra perde seu contorno heroico e parece questionar a fragilidade do que pode ou não ser considerado correto ou justo. Pode um homem em sua jornada por justiça retirar a vida de inocentes que não lhe fizeram mal? Como um bem maior definido pela honra pode ser capaz de derrubar séculos de leis criadas pelo Estado para, justamente, evitar que atos como esse saiam impunes? A luta do comerciante contra o nobre também pode ser lida como uma análise das classes sociais vigentes na época, ainda que a deturpada justiça do personagem demonstre uma vontade maior em desenvolver seus interesses pessoais do que tratar de uma representação entre esferas de poder.

    A produção escolhe uma narrativa lenta, semelhante à prosa do século XIX. São cenas que evidenciam a beleza do interior da França e desafiam a percepção de que se trata de um país civilizado. A natureza pacata parece remeter-se a épocas anteriores, e o vazio dos cenários concentram ainda mais o drama do personagem, muitas vezes único em cena. A composição de Mikkelsen para Michael Kohlhaas segue o mesmo estilo de outras caracterizações anteriores do ator: são interpretações bem calculadas e contidas e que, em momentos chave, despertam maiores sentimentos. Um conjunto que faz do comerciante um homem dúbio, ciente de sua justiça ao mesmo tempo que parece realizar tais atos com sentimentos calculados. Uma dúvida que gera controvérsias, desde a figura impassível até o mencionado senso de justiça.

    A produção muito bem realizada tem méritos por não apresentar em cena nenhuma eclosão de drama ou sentimentalismo, acompanhando a jornada de Kohlhaas sem um julgamento prévio, além daquele estabelecido pelo próprio comerciante. Porém, a referida dubiedade de sua figura retira parte da simpatia que a personagem poderia conquistar. Como se a moral sobre justiça e honra fosse o principal porto para reflexão, e não o homem que a executou.

  • 5 Filmes Essenciais Sobre Cassino

    O cinema sempre nos fez pressupor que cassinos são formados por luzes de halogênio, acesas o tempo todo, homens bem vestidos e mulheres sedutoras. Não que tais máximas não sejam verdadeiras. Porém, diante de tantas maneiras de apostar e conquistar o público com boas histórias, selecionamos cinco obras essenciais.

     

    Onze Homens e Um Segredo (Ocean´s Eleven, 2001)

    Baseada na produção de 1960, com Frank Sinatra, Dean Martin, Sammy Davis Jr., Peter Lawford e Joey Bishop, Onze Homens e Um Segredo trouxe novamente o cassino às tramas hollywoodianas e foi o responsável pela realização de diversos filmes com temáticas parecidas, que faziam de um assalto excêntrico e ousado o elemento central da ação.

    Neste remake, dirigido por Steven Soderbergh e estrelado por George Clooney, Brad Pitt, Matt Damon, Julia Roberts e Andy Garcia, o equilíbrio entre estilo, bom humor e um plano de assalto mirabolante é composto com perfeição. Formado por estereótipos bem delineados – o galante, o braço direito, o engenhoso, o habilidoso, o esquivo, a mulher fatal, o vilão –, o enfoque da narrativa é produzir uma história para o grande público. Diante deste espetáculo, a trama não poderia ser mais óbvia: um homem apaixonado que faz de tudo para reconquistar a ex-mulher.

    A direção de Soderbergh, que já havia misturado humor e ação em Irresistível Paixão, adaptação do livro de Elmore Leonard, traz maior requinte à história. Um roubo que se aproxima de uma obra de arte.

    Cassino (Casino, 1995)

    Martin Scorsese retorna ao submundo – depois de Cabo do Medo e Época da Inocência – nesta produção épica que carrega tudo o que há de melhor em seu estilo. Uma produção longa, brutal, em que nenhuma saída dramática é fácil. A trama se baseia na história de Frank Rosenthal, um judeu que assumiu grandes cassinos para a máfia na década de 70.

    Com Robert De Niro e Joe Pesci, com quem já havia trabalhado em outra obra mafiosa do diretor – Os Bons CompanheirosScorsese está à vontade em seu habitat natural e, como novidade, apresenta uma Sharon Stone como mulher linda, loira e fatal. Além da violência excessiva, a narrativa feita em off e os espaços temporais entrecortados comprovam a genuína marca de Scorsese.

    Até hoje, o diretor nunca deixou que as imposições de estúdios impedissem a metragem de suas produções, propositadamente longas, narrando com detalhes as jornadas de seus personagens. Um dos grandes filmes do diretor, sem dúvida.

    Cassino Royale (Cassino Royale, 2006)

    A obra primordial de Ian Fleming, finalmente gravada em 2006 e com um novo James Bond (Daniel Craig), foi capaz de promover uma bem-sucedida trinca: consagrou o novo Bond em um tipo diferente dos vistos até então, trouxe a um novo público um clássico personagem e soube ser fiel à obra original sem perder seu estilo.

    Na versão, o bacará do original cede espaço ao poker, um dos jogos mais populares até mesmo no espaço virtual. Envolvendo o jogo de espionagem, o agente com licença para matar deve competir nas mesas contra Le Chifre (Mads Mikkelsen), um banqueiro com investimentos no submundo. A trama dirigida por Martin Campbell produz um dos jogos de poker mais aflitivos do cinema, em parte devido às boas interpretações de Craig e Mikkelsen.

    Além deste impasse, as cenas de ação apresentam um estilo diferenciado, fundamentando um conceito de realidade que a trilogia Bourne ajudou a criar: um estilo de luta menos coreografado e mais brutal, longe do balé da década de 90. Muitas grandes cenas da produção – como a perseguição de carros e a tortura sofrida por Bond – vieram diretamente da obra de Flemming. Um clássico que não envelheceu.

    Crupiê – A Vida em Jogo (Croupier, 1998)

    Após anos distante do cinema, Mike Hodges (Carter – O Vingador, Flash Gordon) retorna com este drama sobre um escritor falido, que retorna à sua antiga profissão de crupiê graças ao um pedido do pai. Conduzido com uma parcela de um thriller de mistério, foi graças a este papel de Clive Owen, no papel central de crupiê, que seu talento foi evidenciado com atenção suficiente para estrelar produções como Rei Arthur e Closer – Perto Demais.

    O rosto sisudo e o olhar penetrante do ator adequavam-se à vida desencantada de um homem incapaz de galgar sucesso na profissão desejada. Seu papel como crupiê é melancólico, uma mera subsistência banal. Um símbolo de uma vida paralisada, que parece não se importar com as ações – criminosas ou não – as quais pode cometer. É um drama cuja análise concentra-se na existência do próprio ser e suas motivações pessoais, sem nenhum arroubo de violência explícita ou glamour.

    Maverick (Maverick, 1994)

    Mel Gibson ainda era cool e Richard Donner, diretor de filmes significativos quando Maverick, adaptado da série homônima de 50, estreou nos cinemas. A trama apresentava dois elementos-fetiche que sempre encantaram uma grande parcela do público: o ambiente western e jogos de aposta. Uma história que parecia impossível dar errado.

    Sem perder o tom aventuresco, o roteiro de William Goldman (Todos Os Homens do Presidente, Uma Ponte Longe Demais, Louca Obsessão e Butch Cassidy) apoia-se no humor para apresentar a história do malandro Maverick, que junta o dinheiro necessário para um jogo de apostas em um barco do Mississipi e acredita ser capaz de sentir as energias das cartas antes de tirá-las – uma das cenas mais divertidas da produção.

    Se hoje o gênero Western é pontuado pelo lançamento anual de poucos filmes, ainda na década de 90 grandes obras foram relevantes, tanto as que se apoiaram no drama, caso de Os Imperdoáveis, quanto nesta comédia aventureira, bem realizada e que não envelheceu.

  • Review | Hannibal – 2ª Temporada

    Review | Hannibal – 2ª Temporada

    hannibal-season-2A morte é um dos elementos primordiais nos trabalhos de Bryan Fuller. Suas séries, se não tiveram sequências e o êxito esperados, ao menos exploraram argumentos interessantes e característicos. Misturando drama e humor negro, Dead Like Me, exibida de 2003 a 2004, tem como plot o cotidiano de Georgia “George” Lass (Ellen Muth), uma garota sem amigos, com problemas com a família, e que, depois da própria morte, tem uma segunda chance de fazer as ações deixadas em aberto. Em 2004, após o cancelamento da série, Fuller criou Wonderfalls, comédia que foca a vida de Jaye Tyler (Caroline Dhavernas), atendente de loja que conversa com os objetos vendidos no estabelecimento. A trama só durou uma temporada. Pushing Daisies – Um Toque de Vida, exibida de 2007 a 2009, é o seu trabalho de maior fôlego, mas foi cancelado após duas temporadas em razão da baixa audiência na época. Lembrando um conto de fadas moderno – novamente utilizando-se de uma referência ao mundo fantástico –, a história tem como foco um confeiteiro (Lee Pace) com o dom de trazer os mortos de volta à vida.

    Sua mais recente produção, a adaptação para a televisão da aclamada franquia literária Hannibal, utiliza-se da morte. Porém, ao contrário dos trabalhos anteriores de Fuller, o tema é abordado de forma grotesca, retratando o famoso psiquiatra canibal, criado por Thomas Harris em sua série de romances, como um bestial caçador de carne humana, muito mais visceral do que o personagem evocado nas adaptações cinematográficas. Longe das grades e da desconfiança pública, Hannibal Lecter – excelentemente interpretado por Mads Mikkelsen – percorre os corredores do escritório policial do FBI e realiza reuniões gastronômicas em sua mansão sem oferecer o menor sinal de suspeita, o que confirma seus poderes de fingimento e influência.

    Exibida de fevereiro até o fim do último mês, a segunda temporada dá sequência aos eventos do gancho apresentado no ano anterior, com Will Graham (Hugh Dancy) preso, acusado de ser o Estripador de Chesapeake, mostrando a luta para provar sua inocência. Longe de Hannibal, Will começa a recordar-se do fatídico episódio em que foi hipnotizado ante a morte de Abigail Hobbs (Kacey Rohl). Pouco a pouco, a imagem do alce negro, que simboliza o torpor de seu estado psicológico, antropomorfiza-se, remetendo à figura de seu maior inimigo.

    Ao longo dos treze episódios – nomeados por pratos culinários japoneses, seguindo a mesma tendência da temporada anterior, que homenageou a gastronomia francesa – Lecter, ainda que tenha escapado da apuração de provas físicas em sua residência, continua sendo o alvo de Will, cuja única aliada, Beverly Katz (Hettienne Park), é a primeira a perder no bizarro jogo de destruição causado pelo monstro. Em seguida, o doutor Frederick Chilton (Raúl Esparza) também é envolvido, tornando-se a nova vítima, não necessariamente fatal. Todos os personagens que se colocam contra o psiquiatra são prejudicados, demonstrando que ele não sente pena ou remorso e age com violência até mesmo quando no tédio.

    Diferentemente da temporada anterior, que trabalhou a disfunção mental de Will promovida pelo assassinato de Garret Jacob Hobbs (Vladimir Jon Cubrt) e aprofundada pelo poder de persuasão de Lecter, esta é centrada na relação de Graham com seu psiquiatra. Os dois personagens entram em um embate psicológico onde um joga contra o outro em busca de proveito próprio, embora não haja sinais claros em tela que comprovem a trapaça envolvida.

    Focando em demasia os dois personagens centrais, não houve espaço para trabalhar os outros núcleos. Não há na história menção à influência de Lecter sobre a doutora Alana Bloom – Caroline Dhavernas, presente, quase dez anos depois, em outro trabalho de Fuller –, evidenciando que o relacionamento dos dois teve mais função de um possível triângulo amoroso em companhia de Will do que caracterizado por um resistente trabalho de manipulação usado pelo psiquiatra. Além disso, Jack Crawford (Laurence Fishburne) revela em seu semblante uma espécie de conformismo que não combina com um chefe de seção do FBI voltada à investigação de serial-killers. Esse fator pode ser explicado pela doença de sua mulher, Bella (Gina Torres), o que pode ter afetado o seu trabalho investigativo, mas não justifica a falta de poder perante todos os movimentos narrativos que o envolvem.

    A temporada transcorre bastante irregular ao dar mais destaque aos ganchos e revelações, além do choque pelo choque, do que à coerência do roteiro em si. Reapresentando personagens tidos como mortos, a série peca em não aprofundá-los como deveria, prejudicando recursos que poderiam ser mais bem explorados, caso da volta da trainee Miriam Lass (Anna Chlumsky), quase esquecida pouco tempo depois de ser salva, e o retorno de Abigail no season finale, injustificável por si só. Além disso, a reaberta investigação do real assassino de Chesapeake – ainda não encontrado – e a consequente libertação de Will foram desenvolvidas em sete episódios, uma demora que não se explica senão pela justificativa de criar mais suspense em algo desnecessário.

    A inclusão dos irmãos Margot (Katharine Isabelle) e Mason Verger – interpretado de forma magnânima por Michael Pitt (Os Sonhadores) –, trouxe, porém, maior energia à trama. Mason futuramente será um dos maiores inimigos de Lecter, e a sua participação na série foi muito fiel à cronologia de Hannibal, quarto livro de Harris no qual aparece. Mason é um autêntico psicopata que bebe lágrimas de pessoas que massacra, e não demonstra nenhum tipo de piedade, nem com a irmã, subjugada por ele. Até mesmo a aterradora frase “você deveria ter aceitado o chocolate”, proferida pelo personagem em uma dúbia mas mórbida cena que o envolve junto a Margot, é lembrada, comprovando a mesma força aterrorizante que o personagem manifesta no romance.

    Enquanto falha no roteiro, a série continua primorosa em relação ao caráter técnico. Os tons lavados da fotografia em planos abertos salientam a artificialidade do lugar, distanciando o público daquele universo. Enfatizando as cores em cenas de crime como uma paleta – semelhante a do serial-killer que aparece no início da temporada –, mostra-se a beleza no horrendo. A morte como linguagem da arte.

    Há a impressão de que os roteiristas não querem que a história alcance os eventos de captura do canibal para, assim, focar com mais intensidade a vida do doutor longe das grades. Talvez para mascarar uma história executada de maneira disforme, apelam para toda a sorte de situações, chegando ao incabível. Um plot twist e o aparecimento, no final, da doutora Bedelia Du Maurier (Gillian “Agente Scully” Anderson) como personagem importante à trama não são o bastante para dar credibilidade necessária a um roteiro que carece de maior apuro. Se confirmados os boatos de que a próxima temporada da série contará com a participação de Francis Dollarhyde, o antagonista de Dragão Vermelho, livro que sucede os eventos de prisão do psiquiatra canibal, será preciso haver mais desenvoltura para que a história não pereça em qualidade como sofreu anteriormente.

    Com o risco de ser fechada ao final da primeira temporada e quase agoniando outro possível cancelamento ao final desta, a série de Bryan Fuller ultrapassou a meta de alcançar a realização de um terceiro ano da produção, algo que o produtor nunca teve em mãos. Que a morte, tão presente em suas obras, se mantenha apenas como temática e não se transpareça em seu campo de ideias e argumentos.

    Texto de autoria de Karina Audi.

  • Crítica | A Caça

    Crítica | A Caça

    a caça

    O movimento Dogma 95 é conhecido por mim, mas não contemplado com um olhar mais atento do que aquele dividido entre crítico e apaixonado por cinema. Após assistir esta produção,  observei que o diretor era Thomas Vinterberg, um dos criadores do movimento. Desde já, peço que relevem qualquer omissão que faça em relação às regras primordiais do movimento.

    Com direção de Vintenberg e estrelado por Mads Mikkelsen – vencedor do prêmio de Melhor Ator em Cannes e hoje conhecido por interpretar o psiquiatra Hannibal Lecter A Caça é uma produção excelente que funciona, além de sua história em si, como uma análise e um estudo do comportamento coletivo e das fabulações de uma mentira.

    Mikkelsen é um professor de uma creche em uma pequena cidade em que todos se conhecem e luta para sobreviver a um complicado divórcio que lhe tirou a guarda do filho. Em um desses arroubos infantis, uma de suas alunas projeta uma pequena paixão no professor e, ao ser reeprendida por ele ao tentar beijá-lo, desenvolve a mentira de que o professor teria lhe mostrado as partes íntimas.

    A trama escolhe nos apresentar a história de maneira natural e coerente, sem nenhum apelo e nem escolha de lados. Parte de um gesto simbólico de uma pequena garota para uma mentira que conquista maiores dimensões e destrói a vida do professor.

    Mesmo que ao professor tenha sido confiada a educação dos filhos, a cordialidade e a amizade que a comunidade tem por ele são destruídas pela potência do rumor que promove uma histeria no coletivo, que começa a vê-lo como um monstro.

    O tema que serve como base da história é um dos mais polêmicos da atualidade, presente em notícias diárias de adultos que abusaram sexualmente de infantes. Se o assunto por si só tem uma pesada carga, a trama demonstra que até mesmo uma acusação neste teor é o suficiente para produzir uma raiva coletiva e desestabilizar o acusado. É inegável que trata-se de um crime hediondo; contudo, é interessante ressaltar que, em casos como este, a necessidade pública de fazer justiça ultrapassa a punição de uma lei e produz uma massa que deseja, literalmente, liquidar o acusador.

    A personagem julgada pela própria sociedade, sem oportunidade real de defesa, perde sua base. Aos poucos, vemos um homem equilibrado que tentava seguir sua vida após um divórcio ser destruído por uma opinião histérica pública. A composição de Mikkelsen para o papel demonstra que é um ator de grande intensidade vista em pequenas expressões. Sua dor é interna, minimalista nos gestos, se acumula em um crescendo que explode em uma das melhores cenas do longa, realizada em contraste tanto pelo espaço cênico, que demonstra o sagrado e o blasfemo, como é o auge da libertação emotiva.

    Em outro aspecto, há a mentira criada pela criança, motivo que desequilibra toda a vida do professor. Adentrando um pouco o escopo da psicologia, há estudos que afirmam que seres humanos são capazes de mentir desde a infância. O filme demonstra como uma mentira branca, uma pequena criatividade na hora de expor os fatos, pode ser fatal na vida dos ofendidos.

    A naturalidade da narrativa, que nunca transforma o tema em polêmica como normalmente é visto, e a boa credibilidade de suas personagens fazem de A Caça um reflexo e uma análise incrível sobre a força da mentira e o julgamento de um coletivo, nunca desequilibrando sua trama bem composta e sem nenhuma crítica prévia.

    Ao expor um acusado frente uma multidão que não acredita nele e o repreende, observamos uma angustiante sensação de que a verdade nem sempre é prerrogativa que a massa deseja ouvir. E a angústia da personagem permanece no espectador, que reconhece que há certas dúvidas que jamais se dissipam, mesmo na clareza dos fatos. É devastador.

  • Crítica | O Amante da Rainha

    Crítica | O Amante da Rainha

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    Nikolaj Arcel foi roteirista da versão sueca de Os Homens que Não Amavam as Mulheres, mas seu novo filme como diretor tem pouco em comum com o romance policial. O Amante da Rainha, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro pela Dinamarca, é um drama de época, clássico, embora violento a sua maneira.

    Caroline é uma adolescente inglesa enviada à Dinamarca para se casar com o jovem rei, o instável Christian. Entre a loucura de Christian  e a constante vigilância da corte, Caroline, ainda uma menina, vive infeliz e solitária até conhecer Johann Struensee o novo médico real. Excêntrico, Johann consegue se aproximar do rei e ajuda-lo a exercer realmente seu poder,de forma humana e moderna, além de começar um caso com a rainha. Mas O Amante da Rainha é uma tragédia e no final tanto o plano de uma nova Dinamarca quanto o romance do casal desmoronam.

    O fio condutor da narrativa é uma carta que Caroline escreve aos filhos no leito de morte e é a voz dela que guia os acontecimentos. Quase todo o filme se passa dentro do palácio, ricamente decorado, mas claustrofóbico, o único momento em que há luz e ar é quando Caroline se aproxima de Johann. Essa oposição entre ambientes fechados e abertos, iluminação dourada e cinzenta, marca de forma muito clara  as partes do filme: a solidão inicial de Caroline, o idílio com Johann e o sonho de uma Dinamarca iluminista e o drama final.

    Da mesma forma o filme opõe iluminismo e religião: a juventude de Caroline, Johann e Christian à velhice dos membros do conselho, suas roupas claras ao preto deles e inclusive a luz com que os personagens são iluminados. A discussão de Arcel sobre o peso da religião na política e os interesses do jogo político são extremamente atuais, ainda que ele cite filósofos do século XVIII.

    O Amante da Rainha se parece com uma tragédia grega, ou de Shakespeare: é a paixão dos personagens que os destrói no fim e desde o início o diretor anuncia isso. O espectador vê , devagar, o poder subindo a cabeça de Johann e Caroline se tornando menos cautelosa em esconder sua traição. O filme é tenso porque envolve o espectador no destino dos personagens, o faz gostar e torcer por eles, mesmo sabendo desde o início que o final não pode ser bom.

    Arcel fez um filme clássico, em termos de cinema e dramaturgia, extremamente minuncioso e bem feito. Mads Mikkelsen (aparentemente o ator nacional da Dinamarca) dá nuances variadas ao seu Johann, mas é Alicia Vikander que brilha no filme: o sofrimento de sua Caroline é real e pungente e ela é igualmente frágil e ousada.

    O Amante da Rainha é um filme longo e de pouca ação. Mas é bem filmado, muito bem atuado e angustiante como as melhores tragédias.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Pusher (1996)

    Crítica | Pusher (1996)

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    O filme Pusher, de 1996, é o primeiro da cultuada e violenta trilogia que alavancou a carreira do então jovem diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn. Obviamente a trilogia só tomou uma maior notoriedade devido à boa receptividade que seus últimos filmes tiveram – vide Bronson (2008) e Drive (2011) –, mas, segundo as palavras do próprio Refn, Pusher foi o fator determinante para a sua carreira.

    Já na sua estreia, Refn deixa impressa sua forma particular de contar histórias. Ele nos convida a passar uma semana na vida de Frank, um traficante que, junto de seu parceiro Tonny, limita-se a pequenas transações e a gastar o lucro obtido com as mesmas da forma mais inútil possível. Até que, na oportunidade de uma grande negociação que, em um primeiro momento, parecia fácil, nada sai como o esperado e a partir daí vemos o desespero de Frank em consertar erro em cima de erros.

    Logo após o seu lançamento, o filme virou cult na Europa pela forma com que o diretor expôs o panorama do submundo do tráfico em Copenhagen e pela violência presente em toda a trilogia. Eu disse no início que “ele nos convida”: na verdade ele nos pega pela mão e nos arrasta junto ao protagonista, pois por diversas vezes a câmera apenas segue literalmente atrás de Frank, e a utilização apenas da iluminação ambiente – ou, por vezes, a falta dela – nos faz sentir imersos naquela atmosfera pesada e muitas vezes claustrofóbica. Em algumas cenas ocorre a ausência total de iluminação. Refn deixa aqui também muito claro o seu (bom) gosto pela trilha sonora.

    Toda a violência crua, a direção marcante, a exposição do submundo da época ou a procura por referências (como um pôster gigante do filme Mad Max logo no início) pode fazer passar despercebido o fato de que Pusher trata de pessoas, que não só não têm a que se agarrar como também não fazem muita questão de ter algo para se agarrar. Os quatro personagens que julgo principais (Frank, Tonny, Vic e Milo) são o que não queriam ser, vivem uma vida querendo estar em outra, mas não conseguem mudar ou, como nas palavras da própria Vic: “Eu poderia ser o que eu quisesse, só não tenho vontade”.

    De fato, quem for ver Pusher tendo como refrência o recente Drive pode achar o filme um pouco difícil pela sua densidade e pela já citada falta de luz. Entretanto, assim que você se deixar ser arrastado atrás da decadente semana de Frank certamente não terá do que se arrepender, pois uma das características de Nicolas Winding Refn é saber deixar uma história interessante, por mais simples que ela seja.

    Texto de autoria de Fabio Monteiro.