Tag: Laurence Fishburne

  • Crítica | Matrix Revolutions

    Crítica | Matrix Revolutions

    Crítica Matrix Revolutions

    Matrix Revolutions é o terceiro filme da saga idealizada pelas irmãs Wachowski, e carrega muitas expectativas, em especial, ter que fechar as pontas soltas de Matrix Reloaded, dar sequência aos conceitos filosóficos primordiais de Matrix e pincelar questões ligadas a aceitação de gênero. Todas essas resoluções teriam de ocorrer em pouco mais de duas horas. Se perder em meio a essas demandas é fácil.

    Filmado em conjunto com Reloaded, o longa se inicia em um cenário de limbo, com o Neo (Keanu Reeves) aguardando seu destino enquanto seus amigos tentam resgatá-lo, num conceito bem mais filosófico que as brigas envolvendo Trinity nos dois primeiros. Este trecho é obviamente um paralelo com o purgatório, lugar onde as almas se preparam para o julgamento de danação ou paraíso segundo a fé cristã católica. Este momento serve para lidar com a obsolescência dos programas, e para ratificar o sentimentalismo e “humanidade” desses seres.

    Se a Matrix é programada para domar os homens e precisa se alimentar das emoções deles em um esquema de vida falso, mas que necessita ser congruente para quem nela vive, pode-se dizer que é preciso sensibilidade para equilibrar tudo. Se as máquinas têm anseios e sentimentos, seria natural que os programas do simulacro também fossem igualmente sentimentais, que tivessem desejos e inseguranças. O conceito de um casal de programas, querer que sua filha (Sati) viva apesar da programação de destino fatal relegado a eles faz sentido, e conversa bem com o segmento O Segundo Renascer, do compilado de animações Animatrix, lançado em 2003. Se conceitos relacionados ao potencial de Merovingio e Persephone são abandonadas nesta parte, essa questão é um ponto positivo, e conversa bem com a condição do Agente Smith (Hugo Weaving), já que após sua derrota ele se reinventa, e age como um vírus predatório. Esses programas buscam viver a todo custo, assim como Roy Batty em Blade Runner, buscam se adaptar e seguir vivos, mesmo que essa condição comprometa o funcionamento básico da matrix.

    O subtexto mais rico certamente tem a ver com a transição de gênero. A jornada de Neo não é só um paralelo com Cristo, há a percepção que sua identidade no mundo real também não é “verdadeira” quanto deveria ser. Para muitos, o fato dele ter poderes fora da Matrix é incongruente ou é a demonstração cabal de que Zion era outra camada de simulação, hoje faz  mais sentido comparar isso com a descoberta da identidade, no caso de Neo sua relação com os poderes, enquanto para as diretoras têm toda a conotação de gênero. A Matrix não permite que Neo tenha poderes não por ele estar acima do código-fonte, mas por conta das habilidades que ele sequer tem consciência. Para acessar essa condição, Neo precisou se entender, descobrir quem ele era, assim como ocorreu com as cineastas anos depois.

    Da parte da ação houve um salto de qualidade. Os confrontos melhoraram muito entre Reloaded e Revolutions, inclusive no que toca o agente Smith. Foram utilizados mais dublês e efeitos práticos, além de mais cenas noturnas que disfarçam melhor as fragilidades dos efeitos em computação gráfica. Outro bom ponto são as batalhas em Zion, que lembram animes de mechas e robôs gigantes, tais como Gundam. Aqui também se dribla a máxima de batalha em várias frentes carente de emoção, diferente de outros filmes, é fácil ter empatia pelos humanos nessas lutas.

    Essa terceira parte também faz justiça a Niobe (Jada Pinkett Smith). Sua jornada é bem pontuada e mesmo com pouco tempo de tela se percebe a difícil decisão que ela teve que tomar. Trinity também é valorizada, sua relação com Neo é mostrada como um grande pilar na franquia, e Carrie-Anne Moss está de novo muito bem.

    Matrix Revolutions não é um fechamento ideal, mas a decisão de Neo em estabelecer a paz entre os dois povos guerreiros é sábia, mostra que seus poderes enquanto paralelo de Cristo não são só de onipotência, mas também de conhecimento e sabedoria, finalizando bem seu papel de sacrifício. Ao menos nesse ponto o roteiro seguiu tão inspirado quanto o filme original, e certamente essas continuações seriam melhor construídas caso houvesse um espaço de intervalo maior entre elas.

  • Crítica | Matrix Reloaded

    Crítica | Matrix Reloaded

    Crítica Matrix Reloaded

    Matrix foi um sucesso estrondoso e mudou os paradigmas do cinema de ação. Natural que continuações surgissem, e em 2003 Matrix Reloaded foi anunciado em conjunto com sua continuação, Matrix Revolutions, ambos gravados simultaneamente. Segundo as irmãs Wachowski, a história sempre foi pensada para ser uma trilogia, embora o primeiro filme tenha um fechamento satisfatório.

    O início desse remete ao primeiro, com uma cena de ação com Trinity (Carrie-Anne Moss) em um momento de perigo iminente, com uma possibilidade de fracasso ligeiramente provável. Essa sequência é breve, e serve para mostrar que as lutas com arame seguem bem feitas e, em contrapartida, também prevê o uso de computação gráfica mais extensivo nessa parte da saga, quase sempre com problemas.

    No primeiro filme, a cidade dos humanos, Zion, é apenas citada. Já aqui é um cenário grande, belo à sua maneira, mesmo que seja paupérrimo, com famílias amontoadas em pequenas baías que se assemelham ao cenário favelizado dos morros cariocas e em diversos outros lugares suburbanos nas metrópoles do mundo. A liberdade de escolha tem um preço.

    Muito se reclama a respeito dos roteiros das sequências, mas a realidade é que os paralelos com as mitologias e religiões segue sendo um ponto bem explorado. Entre eles está na adulação que boa parte dos habitantes de Zion fazem a Neo, tratado realmente como uma figura divina, inclusive com sacrifícios e oferendas. A reação que Keanu Reeves tem a esses momentos de agradecimento surpreende pelo desempenho do intérprete, conhecido por não ter dotes dramáticos tão valorosos, a exemplo de Drácula de Bram Stoker, mas o destaque maior está obviamente na referência ao culto a personalidade, denunciado por Cristo, mas tão presentes nas religiões.

    Outro fator é a figura de Morpheus como o profeta que prepara a vinda do Messias. Laurence Fishburne ratifica e evolui sua variação de João Batista. Tal qual era o primo carnal de Cristo que anunciava a vinda do Escolhido à Terra, ele segue auxiliando o Salvador. Batista vivia no deserto se alimentando de gafanhotos e mel, enquanto Morpheus no primeiro Matrix se alimenta sem luxos, de forma precária e ainda arrasta os seus seguidores da Nabucodonosor a fazer o mesmo. Aqui outro sacrifício também é mostrado, já que ele abriu mão da relação com Niobe (Jada Pinkett Smith), cortando os vínculos carnais.

    Há muitos bons conceitos, como a expansão dos programas, representados de forma complexa, com anseios humanos, como também os novos personagens introduzidos que ajudam a expandir a mitologia da série de filmes, ainda que muitos deles não tenha nenhum aprofundamento. Outro destaque fica para as cenas de ação, em especial a de perseguição na auto-estrada, certamente o ápice emocional do filme. O segmento põe à prova toda a extensa preparação do elenco que durou oito meses, e isso é visto nos momentos de luta, como nos choques de carros e perseguições que resgatam os clássicos Bullit e Operação França, em um circuito de cinco quilômetros, feito exclusivamente para a produção.

    Há muitas fragilidades no filme, em especial o primeiro embate de Neo com a nova versão do Senhor Smith. Um produto que foi tão bem cuidado não merecia uma computação gráfica tão artificial quanto esta, e isto resume os problemas de Matrix Reloaded, um produto mal-acabado tecnicamente, imaturo enquanto história solo e pouca dramaticidade. Tudo parece mecânico e presunçoso, e essa é uma história de homens, não de máquinas.

     

  • Crítica | Apocalypse Now

    Crítica | Apocalypse Now

    O filme de guerra definitivo, ou quase isso. Quase porque existe Vá e Veja, mas Francis Ford Coppola chegou muito perto em 1979 de roubar o trono desse filme soviético – essa sim, a mais delirante história de conflitos militares já feita no cinema. Veja: a perspectiva histórica aqui não poderia ser evitada, já que estamos pisando num panteão de lendas e falando sobre monumentos titânicos de uma arte engrandecida por tais façanhas. Apocalypse Now, por exemplo, é fenômeno único, um tour de force que jamais será repetido ou reproduzido pelos efeitos especiais de um James Cameron. Poucas vezes Hollywood foi tão longe com as suas imagens, tão verdadeira ao enquadrar o caos e o horror que leva um país a atacar o outro, e dentro dele, se desesperar. O diretor de O Poderoso Chefão, na década do seu mais famoso diamante, ainda estava com uma fome incontrolável de cinema, fome de contar a história mais ousada que ninguém mais seria louco de contar. E depois disso, não teve como não saciá-la.

    Baseado nos livros Despachos no Front e No Coração das Trevas, no auge da fracassada guerra do Vietnã, um coronel americano louco por poder se deserta do exército, e passa a comandar uma tropa de nativos para resistir a outros brancos invasores. O coronel Kurt (Marlon Brando) não é maluco por enxergar o imperialismo do seu povo e não aceitar sua manipulação, mas por reproduzi-lo nos vietnamitas por conta própria. Assim, uma missão saindo de Saigon visa localizar e exterminar Kurt nas profundezas das selvas de um país-manicômio, lar de um inferno na Terra devido à forte invasão “democrática” dos EUA. Helicópteros avançam ao som de Wagner numa cortina de fogo enquanto o Vietnã explode mas revida, não só com armas improvisadas nas mãos de civis, e sim com a loucura que volta como um bumerangue e atinge como um míssil a mentalidade cada vez mais fragilizada do capitão Willard (Martin Sheen) e seus recrutas. Se quem não fala inglês merecia morrer, a intolerância e a petulância dos americanos nunca sofreu por isso um carma e um trauma tão fortes igual aqui. Ninguém vai voltar pra casa, e se voltarem, nenhuma psicóloga vai lhes ajudar com os gritos daquelas crianças.

    Bem antes do coronel/ ditador Kurt finalmente expor sua face, num magnífico plano negro e alaranjado dentro de um purgatório conquistado por sua soberba de imperador, Coppola critica de forma visceral a política de invasão dos Estados Unidos através de suas consequências com os envolvidos, homens antes comuns e que perdem a moral e a sanidade servindo a pátria. Com toda a certeza pode-se averiguar que o Oscar de 1980 foi negado a Apocalypse Now por este ser dois dedos na ferida americana, potente demais na força de sua mensagem nada subliminar. Para atingir a experiência de uma catarse cinematográfica naturalista, Francis Ford Coppola quase se suicidou com as dificuldades no Vietnã, liderando uma tropa de atores e técnicos sob total pressão do governo local, com grana do próprio bolso financiando as filmagens, e um Marlon Brando impossível de se trabalhar junto (muito acima do peso, alcoólatra e relutante até o último segundo de viver na mata fechada para interpretar Kurt), além dos prejuízos financeiros pessoais e ao estúdio – o martírio nunca chegava ao fim, e os jornais já acusavam a aventura de O fracasso. O universo queria Coppola no sanatório, mas ele já estava dirigindo o seu.

    Hoje, quarenta anos depois e com várias versões do diretor, é um exagero aceitável afirmar que Apocalypse Now e Agonia e Glória, de Samuel Fuller, foram os últimos épicos de guerra vindos de Hollywood, cinemão em todos os aspectos, sujos e que nunca apelam a extravagâncias, com suas vaidades técnicas poderosamente bem aplicadas numa duração a qual nunca desejamos o fim. Steven Spielberg tentou em 1999 um feito parecido com o seu grande O Resgate do Soldado Ryan, e anos antes Oliver Stone tirou seu Platoon da manga, filme-propaganda americana e repleto de apologias irritantes que Spielberg romantizou até o talo com seu sentimentalismo divertido mas hipócrita (a bandeira americana dançando no vento ao som de fim de novela). A ironia mora, talvez, no fato de Trovão Tropical, a paródia meio esquecida de tudo isso feita por Ben Stiller, em 2008, ser bem mais interessante que toda essa panfletagem do Tio Sam. Coppola, se a fez, fez para subvertê-la sem medo. O mundo é um teatro regido por doidos que dormem mal, e esse foi aonde ninguém foi, ganhou Cannes e dinheiro nenhum, e quase se matou no carnaval pagão de criar a sua própria Monalisa de celuloide.

  • Crítica | Os Donos da Rua

    Crítica | Os Donos da Rua

    A história de Os Donos da Rua é bastante curiosa, tanto na forma como John Singleton dirigiu e escreveu, como dentro de sua narrativa. A trama começa em 1984, em South Central, um bairro de Los Angeles predominantemente habitado por negros, onde mora Tre Styles, uma criança de dez anos, que já na infância mostra traços de rebeldia. Com medo de não conter seu filho, Reva Devereaux (Angela Bassett) o deixa com seu pai, Furious (Laurence Fishburne).

    Pai e filho tem uma relação bastante próxima e amorosa. Os primeiros quinze minutos são movimentados, mostrando a mudança e o crescimento do garoto e da violência do bairro em que vive, desde as gangues existentes na comunidade, como do próprio Estado, na figura da polícia de Los Angeles. Tre, agora vivido por Cuba Gooding Jr., Ricky Baker (Morris Chestnut) e Doughboy (Ice Cube) possuem expectativas diversas, Tre começa a se vestir melhor que seus vizinhos graças ao trabalho que tem numa loja cara, Ricky pleiteia uma bolsa de estudos graças ao futebol americano e Doughboy anda sempre cercado de outros jovens negros que cometem pequenos crimes.

    A primeira hora de filme serve basicamente para estabelecer clichês de comportamento, mostrando pessoas religiosas, outras que flertam com a criminalidade, além de abordar temas sérios como a gentrificação dos bairros negros, tudo dito de uma forma simples, ao passo que se preocupa em não subestimar o espectador. A diversidade de personagens e os interesses que os movem os afastam de meros estereótipos do que o cinema branco entendia por comunidade afro-americana. O que se vê aqui são pessoas reais, com seus erros e acertos, e que precisam conviver com uma violência institucionalizada, que toca algumas de suas crianças, em uma guerra que eles não pediram, financiada por terceiros e distantes de seus bairros.

    Singleton apresenta uma jornada cuja história começa simples e se agrava com o decorrer do tempo. Toda a carga emocional envolvendo o caso de Ricky desnuda uma realidade dos bairros negros dos Estados Unidos, e encontra eco na maior parte dos guetos dos países, sobretudo os ditos de terceiro mundo.

    É curioso como o personagem de Fishburne possui o nome de Furious, embora ele seja o mais pacífico dos personagens apresentados. A brincadeira com alcunhas o faz ter objetos que servem de signo, como as bolas de metal que ele maneja entre os dedos, que servem para retirar o estresse e a tensão que vivencia diariamente. Cube, Gooding Jr. e Chestnut fazem um trio imbatível, se entregam de corpo e alma aos seus papéis e fazem toda essa odisseia ganhar contornos realistas e cruéis.

    A história que Singleton conta já o coloca em um lugar especial do cinema, e é realmente uma pena que seu cinema não seguiu tão maduro e forte quanto aqui. Os Donos da Rua não é perfeito, mas até seus defeitos ajudam a compor um bom quadro de violência e visceralidade, resultando em um conto urbano, infelizmente, corriqueiro nas áreas mais pobres e à margem da sociedade.

    https://www.youtube.com/watch?v=aD4GMr2pICA

  • Crítica | Matrix

    Crítica | Matrix

    Duas décadas após seu lançamento, Matrix continua atual em linguagem e temática, embora se baseie demais no conceito de Complexo de Frankenstein – tão criticado por Isaac Asimov. As primeiras sequências de ação envolvem Trinity (Carrie-Anne Moss), que após se ver cercada diante da polícia, consegue se desvencilhar facilmente através de golpes graciosos, que desafiam a gravidade e maximizados pelo bullet time de das irmãs Lilly e Lana Watchowski.

    A ação ainda melhoraria consideravelmente com o acréscimo dos agentes liderados por Smith (Hugo Weaving). Após a fuga da moça, o vilão já sabe da existência de Neo antes mesmo dele aparecer. Quando o protagonista messiânico surge já estão estabelecidas as referências visuais da série. Aliás, importante que se diga, as referências com o cristianismo em Matrix só não são mais manjadas e amplamente conhecidas quanto o didatismo da “Jornada do Herói”, de Joseph Campbell, no entanto, outra temática fica de lado a quem normalmente analisa este roteiro. O Complexo de Frankenstein está posto como pilar da história, e nada mais natural, afinal se trata de um conflito entre humanos e máquinas, mas o conceito da matrix envolve um simulacro mantido por inteligências artificiais que propiciam algum conforto a quem é escravizado, mesmo que esse conforto seja moderado, e como o domínio dessas máquinas é total e a infiltração dos agentes é facilitada por conta das regras do jogo, todos são potencialmente inimigos. A invisibilidade desses inimigos não só faz eco com a Guerra Fria, encerrada quase uma década, mas evolui a paranoia.

    A jornada rumo a verdade continua cheia de simbolismos, a mansão antiga e deteriorada é repleta de escadas empoeiradas, como os castelos antigos típicos das historias medievais. O encontro com o mentor – Lawrence Fishburne – prossegue repleto de falas e enigmas, desafios de inteligência e fé ao escolhido, que precisa provar não só aos outros o seu valor, mas a si mesmo. Cada simbolismo dentro do simulacro tem uma resposta prática no mundo real, como o paralelo das pílulas com o sinal que é emitido do recém liberto da ilusão para a nave de fuga, no caso a Nabucodonosor, comandada por Morfeus e seus tripulantes.

    A cena em que Neo finalmente se liberta das amarras da Matrix se dá em outro simulacro, onde luta contra Morfeus após “aprender” kung fu – chega a ser cômico que os homens e mulheres a bordo da Nabucodonosor se reúnam para assistir a luta em um painel de algoritmos. A questão da paranoia se agrava em outro treinamento, onde o mentor explicita o óbvio: se uma pessoa não é um liberto, é obviamente um deles. Ainda que tenham aparência e física humanas, eles ainda são codificados, é preciso demarcar essas diferenças na cabeça do público e de Neo.

    Matrix conta com momento memoráveis, como a visita ao Oráculo que faz com que Neo se desiluda dos delírios de grandeza e sofra uma provação, mas a lição prática que sofre, ao conversar com um menino sobre como entortar colheres e o quanto elas são reais funciona melhor na prática. Mesmo que no momento seguinte ele não use isso a seu favor no momento seguinte. O momento da luta no banheiro é um dos ápices de cenas do tipo, seja pelos detalhes bem pensados pela direção de fazer a tentativa de fuga de Neo pelas paredes, reverberando na queda dos azulejos na parte de fora como também na troca de golpes entre Morpheus e Smith, onde os socos secos são fortes o suficiente para quebrar paredes, mas não o suficiente para matar o líder dos rebeldes. A poeira caindo sobre a pele deles mostra o quão humanos e falíveis podem ser os personagens, embora Weaving só esteja assim por sua contraparte no filme estar imitando a condição de ser humano. A conversa entre os dois sobre as versões antigas da Matrix onde todos eram felizes é bastante profunda para um filme dessa natureza.

    A sequência dos tiros ao entrar no prédio, com o futuro casal destruindo absolutamente tudo que anda e respira impacta mais pelo prejuízo ao cenário do que pelas mortes e pelos efeitos especiais em si, pois para Trinity e Neo foi tudo muito fácil. O uso indiscriminado da câmera lenta faz lembrar os clássicos de Sam Peckinpah, um especialista em faroestes modernos. A luta no metrô é muito bem coreografada e estava lá o embrião do que Chad Stahelski (dublê de Neo à época) e David Leitch fariam em De Volta ao Jogo e seus filmes posteriores. As frentes de batalha remetem a Star Wars, onde as lutas entre Jedi e Sith passam ao mesmo tempo que as batalhas espaciais, aqui mostradas entre o Kung Fu dentro do simulacro e as Sentinelas tentando destruir a Nabucodonosor.

    Neo precisou perecer para assumir finalmente sua condição, em mais uma referência óbvia ao cristianismo, mas o simbolismo é ainda mais universal, representando qualquer possibilidade de que a salvação da humanidade viria dela própria. Ainda assim, o que as Watchowski fizeram foi um trabalho hercúleo, e que jamais se imaginou funcionar tão bem, desde a trilha sonora repleta até as doses de filosofia oriental.

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  • Crítica | Homem Formiga e a Vespa

    Crítica | Homem Formiga e a Vespa

    Acusado por muitos de ser capacho de Kevin Feige ao aceitar o projeto do Homem Formiga — anteriormente capitaneado por Edgar Wright — Peyton Reed retorna para em Homem Formiga e a Vespa, tentando trazer uma sequência que fuja do usual, e em meio a rumores de que seria o filme da Marvel com elementos de comédia romântica – fato afirmado e negado por Reed. No entanto, a continuação de Homem Formiga é tão baseada numa comédia romântica quanto Thor: Ragnarok, Guardiões da Galáxia e Guardiões da Galáxia: Vol. 2 possui de comédia, está presente, mas não é seu norte.

    A história não ignora os fatos que ocorreram em Capitão América: Guerra Civil, e Scott Lang (Paul Rudd) está em prisão domiciliar, em decorrência dos acontecimentos no terceiro longa do Capitão América. O filme sequer ignora Guerra Infinita, embora esse filme não cause tanto impacto na maior parte da trama. Lang sente culpa, e toda sua jornada  na direção da redenção, seja com sua filha ou seus amigos que construíram com ele uma empresa — o núcleo com Michael Pena, que inclusive funciona melhor nesta sequência —, e claro, com Hope ( Evangeline Lily) e Hank Pym (Michael Douglas),  que o enxergavam como um traidor por ter se aliado ao Capitão América.

    Contudo, um dos erros do primeiro filme permanece em sua continuação. A falta de um antagonista físico interessante. A personagem trágica Ghost (Hannah John-Kamen) tem um pano de fundo interessante, mas não causa tanta empatia no público, o mesmo se pode dizer de Bill Foster , que nos quadrinhos é o personagem Golias, e só se salva por conta do carisma que Laurence Fishburne empresta ao papel. Ao menos, é de Foster que vem um dos maiores questionamentos do filme, e que obviamente poderia ser melhor explorado: o maior vilão de Pym, seja em qual mídia for, sempre foi seu ego. No entanto, quando o roteiro dá algum sinal de que discutirá isso, simplesmente o deixa de lado, para dar mais vazão a piadas físicas, que ao menos aqui estão bem afiadas.

    As questões envolvendo o Reino Quântico prosseguem misteriosas apesar de boa parte da historia girar em torno da exploração desse cenário, ainda se guardaram muitas dúvidas para serem resolvidas nos proximos filmes. O roteiro é refém demais dos momentos em que essa dimensão é explorada, seja na busca incessante por tentar resgatar Janet Van Dyne do lugar onde ela supostamente está vivendo, seja pela exploração que finalmente ocorre. Da parte da ação, o modo com que Reed conduz algumas cenas traz um ligeiro incômodo, decorrente da escolha de ângulos muito fechados, claramente há um desejo de emular o que David Leitch e Chad Stahelski fizeram em Atômica, De Volta ao Jogo e John Wick: Um Novo Dia Para Matar, mas sem o mesmo brilho.

    Da parte do humor, esse talvez seja o produto recente mais voltado para isso, de certa forma tentando compensar o espectador pelo que se viu em Vingadores: Guerra Infinita. Esse exercício é um pouco desnecessário, pois o público da Marvel nos cinemas certamente está fidelizado o suficiente para entender a hora de lamentar por seus heróis perdidos e a hora de rir com eles. De qualquer forma, o núcleo de Peña segue engraçadíssimo, e quase todas as cenas envolvendo escaladas de tamanho menores são absolutamente hilárias, além é claro de Rudd estar afiadíssimo quando lhe é exigido ser o condutor da veia cômica.

    Reed parece mais seguro no filme, conseguiu enfim impor ao longa o que ele queria, dando um pouco de vazão para o humor familiar que a Marvel exige, mas também tratando de forma madura e inteligente questões anti-éticas envolvendo a S.H.I.E.L.D., Hidra e demais órgãos governamentais, inclusive, debochando bastante do FBI. Seu pecado maior é o mesmo da maioria dos filmes de heróis da Marvel, sua vilã é fraca, tem motivações urgentes e que assim que são atendidas, passa a agir de maneira maniqueísta e oposta a todas as ações demonstradas anteriormente. Ao menos em relação a obsessão dos Pym, Homem Formiga e a Vespa consegue acertar em cheio, acrescentando uma bela dose de sentimentalismo que jamais soa piegas.

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  • Review | Hannibal – 2ª Temporada

    Review | Hannibal – 2ª Temporada

    hannibal-season-2A morte é um dos elementos primordiais nos trabalhos de Bryan Fuller. Suas séries, se não tiveram sequências e o êxito esperados, ao menos exploraram argumentos interessantes e característicos. Misturando drama e humor negro, Dead Like Me, exibida de 2003 a 2004, tem como plot o cotidiano de Georgia “George” Lass (Ellen Muth), uma garota sem amigos, com problemas com a família, e que, depois da própria morte, tem uma segunda chance de fazer as ações deixadas em aberto. Em 2004, após o cancelamento da série, Fuller criou Wonderfalls, comédia que foca a vida de Jaye Tyler (Caroline Dhavernas), atendente de loja que conversa com os objetos vendidos no estabelecimento. A trama só durou uma temporada. Pushing Daisies – Um Toque de Vida, exibida de 2007 a 2009, é o seu trabalho de maior fôlego, mas foi cancelado após duas temporadas em razão da baixa audiência na época. Lembrando um conto de fadas moderno – novamente utilizando-se de uma referência ao mundo fantástico –, a história tem como foco um confeiteiro (Lee Pace) com o dom de trazer os mortos de volta à vida.

    Sua mais recente produção, a adaptação para a televisão da aclamada franquia literária Hannibal, utiliza-se da morte. Porém, ao contrário dos trabalhos anteriores de Fuller, o tema é abordado de forma grotesca, retratando o famoso psiquiatra canibal, criado por Thomas Harris em sua série de romances, como um bestial caçador de carne humana, muito mais visceral do que o personagem evocado nas adaptações cinematográficas. Longe das grades e da desconfiança pública, Hannibal Lecter – excelentemente interpretado por Mads Mikkelsen – percorre os corredores do escritório policial do FBI e realiza reuniões gastronômicas em sua mansão sem oferecer o menor sinal de suspeita, o que confirma seus poderes de fingimento e influência.

    Exibida de fevereiro até o fim do último mês, a segunda temporada dá sequência aos eventos do gancho apresentado no ano anterior, com Will Graham (Hugh Dancy) preso, acusado de ser o Estripador de Chesapeake, mostrando a luta para provar sua inocência. Longe de Hannibal, Will começa a recordar-se do fatídico episódio em que foi hipnotizado ante a morte de Abigail Hobbs (Kacey Rohl). Pouco a pouco, a imagem do alce negro, que simboliza o torpor de seu estado psicológico, antropomorfiza-se, remetendo à figura de seu maior inimigo.

    Ao longo dos treze episódios – nomeados por pratos culinários japoneses, seguindo a mesma tendência da temporada anterior, que homenageou a gastronomia francesa – Lecter, ainda que tenha escapado da apuração de provas físicas em sua residência, continua sendo o alvo de Will, cuja única aliada, Beverly Katz (Hettienne Park), é a primeira a perder no bizarro jogo de destruição causado pelo monstro. Em seguida, o doutor Frederick Chilton (Raúl Esparza) também é envolvido, tornando-se a nova vítima, não necessariamente fatal. Todos os personagens que se colocam contra o psiquiatra são prejudicados, demonstrando que ele não sente pena ou remorso e age com violência até mesmo quando no tédio.

    Diferentemente da temporada anterior, que trabalhou a disfunção mental de Will promovida pelo assassinato de Garret Jacob Hobbs (Vladimir Jon Cubrt) e aprofundada pelo poder de persuasão de Lecter, esta é centrada na relação de Graham com seu psiquiatra. Os dois personagens entram em um embate psicológico onde um joga contra o outro em busca de proveito próprio, embora não haja sinais claros em tela que comprovem a trapaça envolvida.

    Focando em demasia os dois personagens centrais, não houve espaço para trabalhar os outros núcleos. Não há na história menção à influência de Lecter sobre a doutora Alana Bloom – Caroline Dhavernas, presente, quase dez anos depois, em outro trabalho de Fuller –, evidenciando que o relacionamento dos dois teve mais função de um possível triângulo amoroso em companhia de Will do que caracterizado por um resistente trabalho de manipulação usado pelo psiquiatra. Além disso, Jack Crawford (Laurence Fishburne) revela em seu semblante uma espécie de conformismo que não combina com um chefe de seção do FBI voltada à investigação de serial-killers. Esse fator pode ser explicado pela doença de sua mulher, Bella (Gina Torres), o que pode ter afetado o seu trabalho investigativo, mas não justifica a falta de poder perante todos os movimentos narrativos que o envolvem.

    A temporada transcorre bastante irregular ao dar mais destaque aos ganchos e revelações, além do choque pelo choque, do que à coerência do roteiro em si. Reapresentando personagens tidos como mortos, a série peca em não aprofundá-los como deveria, prejudicando recursos que poderiam ser mais bem explorados, caso da volta da trainee Miriam Lass (Anna Chlumsky), quase esquecida pouco tempo depois de ser salva, e o retorno de Abigail no season finale, injustificável por si só. Além disso, a reaberta investigação do real assassino de Chesapeake – ainda não encontrado – e a consequente libertação de Will foram desenvolvidas em sete episódios, uma demora que não se explica senão pela justificativa de criar mais suspense em algo desnecessário.

    A inclusão dos irmãos Margot (Katharine Isabelle) e Mason Verger – interpretado de forma magnânima por Michael Pitt (Os Sonhadores) –, trouxe, porém, maior energia à trama. Mason futuramente será um dos maiores inimigos de Lecter, e a sua participação na série foi muito fiel à cronologia de Hannibal, quarto livro de Harris no qual aparece. Mason é um autêntico psicopata que bebe lágrimas de pessoas que massacra, e não demonstra nenhum tipo de piedade, nem com a irmã, subjugada por ele. Até mesmo a aterradora frase “você deveria ter aceitado o chocolate”, proferida pelo personagem em uma dúbia mas mórbida cena que o envolve junto a Margot, é lembrada, comprovando a mesma força aterrorizante que o personagem manifesta no romance.

    Enquanto falha no roteiro, a série continua primorosa em relação ao caráter técnico. Os tons lavados da fotografia em planos abertos salientam a artificialidade do lugar, distanciando o público daquele universo. Enfatizando as cores em cenas de crime como uma paleta – semelhante a do serial-killer que aparece no início da temporada –, mostra-se a beleza no horrendo. A morte como linguagem da arte.

    Há a impressão de que os roteiristas não querem que a história alcance os eventos de captura do canibal para, assim, focar com mais intensidade a vida do doutor longe das grades. Talvez para mascarar uma história executada de maneira disforme, apelam para toda a sorte de situações, chegando ao incabível. Um plot twist e o aparecimento, no final, da doutora Bedelia Du Maurier (Gillian “Agente Scully” Anderson) como personagem importante à trama não são o bastante para dar credibilidade necessária a um roteiro que carece de maior apuro. Se confirmados os boatos de que a próxima temporada da série contará com a participação de Francis Dollarhyde, o antagonista de Dragão Vermelho, livro que sucede os eventos de prisão do psiquiatra canibal, será preciso haver mais desenvoltura para que a história não pereça em qualidade como sofreu anteriormente.

    Com o risco de ser fechada ao final da primeira temporada e quase agoniando outro possível cancelamento ao final desta, a série de Bryan Fuller ultrapassou a meta de alcançar a realização de um terceiro ano da produção, algo que o produtor nunca teve em mãos. Que a morte, tão presente em suas obras, se mantenha apenas como temática e não se transpareça em seu campo de ideias e argumentos.

    Texto de autoria de Karina Audi.

  • Crítica | O Homem de Aço

    Crítica | O Homem de Aço

    o homem de aço - cartaz

    É fato que todos conhecem a estória do Superman, nem que seja apenas em linhas gerais. Bebê chega à Terra sozinho numa espaçonave oriunda de Krypton. Criado pelo casal Kent, Clark cresce tendo que aprender a lidar com suas habilidades sobre-humanas.

    Apesar de ser mais um filme da franquia Superman, este não é uma continuação dos demais, mas sim, um filme de origem. E, sendo assim, é em torno do início da estória de Clark que gira a trama do filme. Claramente superior a Superman: O Retorno de Bryan Singer ( morno demais, demasiado entediante ) , este investe suas fichas num personagem mais realista, mais sombrio e, contrariando o senso comum, mais alienígena que todos os anteriores. E por conta disso, pode-se arriscar dizer que este não é um filme do Superman – de um homem com superpoderes –  mas sim de um herói ou um deus  em processo de construção.

    O prólogo, interessante mas excessivamente longo no meu entender, nos mostra o conflito que causou a destruição de Krypton e que levou Jor-El (Russell Crowe), um cientista do alto-escalão, a enviar seu filho recém-nascido, Kal-El – que virá a ser Clark Kent (Henry Cavill) – numa espaçonave à Terra. Não conheço os quadrinhos – aliás, o personagem em si não me agrada muito – e, portanto não faço a menor ideia de como “deveria” ser retratado o planeta. Mas a direção de arte acertou ao optar por um aspecto biomecânico, lembrando um pouco os desenhos de H.R.Giger utilizados em Alien.

    E, desde o início, já começam a aparecer os típicos buracos de roteiro, quase inevitáveis nesses filmes de super-heróis. Se, conforme é esclarecido tanto por Jor-El como pelo General Zod (Michael Shannon), todos os kriptonianos já nascem com papéis pré-definidos, o espectador um pouco mais observador certamente se pergunta como Jor-El, predestinado a ser um cientista, luta tão bem quanto (ou quase melhor que) Zod, um soldado nato. Isso e mais a cena “ironman style” em que Jor-El veste sua armadura, diminuem o impacto da sequência do confronto entre eles, enfraquecendo a imersão na trama. Mas ainda assim, esse primeiro terço do filme consegue prender o público o suficiente para querer assistir ao desenrolar da estória.

    A opção de retratar a infância e adolescência de Clark através de flashbacks, ao invés de seguir uma narrativa linear, deu certa leveza e dinamismo à estória. Desse modo, o espectador vai, aos poucos, sendo apresentado ao personagem, conhecendo seu passado, seu convívio com os pais adotivos – Martha (Diane Lane) e Jonathan Kent (Kevin Costner), e o modo como descobriu e aprendeu a controlar seus poderes. Algumas sequências poderiam ser mais curtas, mas não chegam a comprometer o ritmo do filme.

    Aproveitando a deixa, vale ressaltar que a tentativa de reafirmar o personagem como sendo o “homem que veio do céu para salvar a humanidade” é forçada e fora de contexto. O tom messiânico incomoda bastante em vários momentos. O discurso de Jor-El sobre o destino do filho, afirmando que seu papel é ser um “guia” para os humanos atingirem a paz e a felicidade eternas – algo como um nirvana – soa piegas e até meio ingênuo. Como se já não bastasse Clark falar, sem mais nem menos, que tem 33 anos, a cena em que ele aparece numa igreja conversando com um padre, que surgiu do nada na estória, é patética, além de totalmente desconectada da estória.

    O filme não é feito só de cenas intimistas e familiares, logicamente. O que todo fã espera são as sequências de ação, que são inegavelmente muito boas. O problema é que, devido à escala megalomaníaca (justificável), as cenas lembram demais Os Vingadores – principalmente o momento de embate entre Superman e Zod em Metrópolis. E, assim como o prólogo, esta sequência acaba sendo cansativa pela duração extensa e pela falta de estratégia do vilão que afinal, é um militar. E não apenas isso, tem-se a impressão de que toda a ação, a luta, a destruição está concentrada demais nesse momento da estória, quase saturando o espectador.

    Interessante reparar que, apesar de não haver semelhança física, em alguns momentos Cavill lembra um pouco “O Superman”, Christopher Reeve – convenhamos que não é muito difícil ser mais expressivo que Brandon Routh – e o ator consegue dar ao personagem tanto a insegurança de quem ainda não tem certeza de que rumo irá tomar, quanto o carisma do herói que vai “salvar o dia”. Não é atuação digna de prêmio, até pela quase bidimensionalidade do personagem, mas é convincente na medida certa. Kevin Costner e Diane Lane estão ok como os pais adotivos de Clark. Amy Adams consegue tirar de Lois Lane aquele ar de mocinha indefesa em perigo. Mas quem se destaca é Michael Shannon, construindo um vilão a seu modo incorruptível e ao mesmo tempo bastante ameaçador.

    É natural que um reboot  gere estranheza e divida opiniões, e também é natural que não agrade a gregos e troianos – isto é algo inerente aos filmes do gênero. É difícil encontrar o ponto de equilíbrio entre tornar a estória palatável aos “leigos” e agradar aos fãs de carteirinha. E, apesar de alguns defeitos, Man of Steel é um filme que cumpre sua função de entreter.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.

  • Crítica | O Homem de Aço

    Crítica | O Homem de Aço

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    O Super-Homem é um dos personagens mais emblemáticos da DC, e do mundo dos quadrinhos em geral, e provavelmente uma das figuras mais lucrativas da indústria de entretenimento mundial. Ainda assim, recentemente a editora vinha encontrando dificuldade em emplacar o personagem no cinema, a falta de qualidade dos filmes era um problema, mas mais que isso, o Homem de Aço parecia não se comunicar com as novas gerações, seu personagem aparentemente obsoleto em uma época de heróis menos maniqueístas, mais ambíguos.

    No entanto, após o sucesso estrondoso da releitura que Christopher Nolan fez do Batman e da Marvel ter vendido com relativo sucesso o Capitão América (ainda mais anacrônico que o Super-Homem) uma nova tentativa se tornou inevitável. Confesso que fiquei surpresa quando um projeto desse tamanho foi parar nas mãos de um diretor que acabava de sair de um fracasso tão absoluto (não por acaso, todo material de divulgação diz apenas “do diretor de 300 e Watchmen“) e cuja fama nunca foi das melhores, mas Zack Snyder, com supervisão de Nolan é preciso dizer, assumiu o trabalho de finalmente tornar o Super-Homem um blockbuster.

    E Homem de Aço faz exatamente isso: ele torna o personagem palatável, viável para o público de hoje, menos patético e bom moço e entrega um filme com boas sequências de ação e altamente vendável. Não é que a direção exagerada e um tanto sem rumo de Snyder não esteja presente, ela está, mas a impressão é que o diretor foi posto na coleira e essa coleira foi entregue na mão de Nolan.

    Em primeiro lugar há um prólogo em Krypton: o filme situa o planeta, apresenta os pais de Kal-El e mostra o como seu mundo desmoronou.  É um mau começo. Embora visualmente impressionante, as cenas deveriam ter uma carga dramática que Snyder é completamente incapaz de segurar, os diálogos soam artificiais e tudo alterna entre vergonha alheia e novela mexicana intergalática, mas felizmente isso passa.

    Mesmo quando chega na Terra, Homem de Aço é um filme de origem, contando como Clark Kent se tornou o Super-Homem. A estrutura é pouco linear e a narrativa alterna entre cenas do presente, da adolescência e da infância de Clark, poderia funcionar na mão de um diretor mais competente, embora eu ache que a narrativa linear e clássica funcionasse melhor em um filme que conta tão obviamente a jornada de um heroi, mas com Snyder tudo parece apenas confuso, ainda que o fluxo não seja seriamente comprometido. Snyder insere, como já é hábito dos filmes de super-heroi, pequenos bônus para os fãs do personagem: a presença de Pete Ross e Lana Lang, um cartaz escrito Smallville (embora o nome da cidade nunca seja mencionado), outro da Lexcorp e outras referências que são divertidas e ajudam a dar substância ao universo que ele está construindo.

    O filme melhora consideravelmente nos momentos que se passam no presente. Lois Lane é a melhor personagem feminina que ja apareceu em um filme do gênero: inteligente, sexy e longe do estereótipo da donzela em perigo. As cenas de ação são bastante boas também, surpreendentemente o filme tem ritmo, tensão e ótimas explosões. A sequência final acaba sendo arrastada (na verdade, o filme todo é uns 20 minutos mais logo do que o necessário), mas não chega a ser ruim.

    Se como filme de ação, Homem de Aço funciona, seus problemas estão justamente na tentativa de fazer drama. O novo Super-Homem é um ser dividido dentre duas identidades, um estrangeiro na terra, algo que potencialmente será rejeitado pelos humanos, mas as cenas de carga emocional não se sustentam, assim como o prólogo em Krypton tem diálogos terríveis e atuações forçadas, Russel Crowe conseguindo ser menos expressivo que uma Kirsten Stewart com preguiça.

    Mas, ainda que muito mal conduzidas, essas cenas servem ao propósito de atualizar o Super-Homem e é preciso reconhecer o enorme mérito da DC em manter o espírito do personagem, ao invés de simplesmente repetir a fórmula que funcionou com o Batman. O Super-Homem é um herói leve, otimista, o símbolo do progresso e da esperança americanos, não é um órfão amargurado que vive nas trevas e Snyder não se esquece disso. O Super-Homem pode chorar após matar um homem mau para salvar uma família, mas ele não hesita em fazê-lo, ele pode se sentir dividido entre a Terra e Krypton, mas não pensa duas vezes quando a escolha é matar humanos para reconstruir seu planeta, ele é essencialmente “bom”, correto e esperançoso. Há um pessimismo de base, uma desconfiança em relação a natureza humana que soa como os temas de Nolan (ele é produtor do filme afinal), mas a conclusão aqui é que é preciso dar o salto de fé, que a humanidade vale a pena.

    Assim, Homem de Aço consegue dar alguma substância a um herói que parecia acabado e esteticamente quase torna a capa vermelha aceitável. Não é um filme de drama e seu foco não é o conflito existencial do personagem, que aliás aparece em cenas muito mal feitas, mas usa essas ferramentas como âncora, jeitos de humanizar o Super-Homem, torna-lo mais plausível e contextualizado para que o público possa aceitar o personagem. Tudo isso, aliado a uma estética fria e um pouco suja que ameniza as pirotecnias cinematográficas de Snyder entregam um filme de ação eficiente que está muito longe de uma obra prima, mas deve conseguir uma bilheteria gigantesca, garantir continuações e assim finalmente emplacar o personagem.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.

  • Crítica | Sobre Meninos e Lobos

    Crítica | Sobre Meninos e Lobos

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    O cinema de Clint Eastwood sempre se aproximou da Tragédia: seus personagens parecem operar em um universo cruel e aparentemente sem sentido, onde ainda assim alguns desfechos se mostram inescapáveis. E talvez em nenhum de seus filmes isso seja tão claro quanto em Sobre Meninos e Lobos.

    Jimmy, Dave e Sean são amigos de infância que acabaram se afastando, mas convivem com a lembrança de quando Dave foi levado por um carro e passou três dias desaparecido, durante os quais foi repetidamente estuprado. A lembrança é carregada como trauma por Dave e como culpa pelos outros dois.

    A escolha de Dave é aleatória, qualquer um dos outros dois meninos poderiam ter sido levados, mas não foram. Ao mesmo tempo é possível questionar se Jimmy teria entrado no carro ou saído correndo, ou se os homens escolheriam um menino capaz de sair correndo. A linha fina, e por vezes invisível, entre aquilo que é possível escolher e aquilo para o qual somos inevitavelmente conduzidos parece ser o principal tema de Eastwood aqui, mais do que nunca o diretor se pergunta o que nos faz o que somos e porque.

    Os três personagens se reencontram quando a filha de Jimmy é assassinada e Sean se torna o detetive responsável pela investigação. Desde o início o espectador é levado a crer que Dave é o responsável pelo crime e Eastwood manipula com maestria o que vemos ou não, os ângulos de câmera e recortes de montagem que incriminam Dave cada vez mais. No fundo, ele está condenado antes de qualquer investigação, o espectador já o julgou quando a câmera passa dos seus olhos para a menina dançando sensualmente na mesa.

    Assim, Eastwood começa construindo uma história de vingança, um mundo razoavelmente ordenado em que o dano gerado por uma violência se desdobra em mais violência. É cruel, mas faz sentido. Aos poucos o cineasta subverte seu próprio filme e no fim o assassinato de Katie nada mais é que um azar cujas condições foram criadas por uma série de escolhas e circunstâncias aparentemente desconexas.

    Eastwood também desconstrói seus personagens conforme se aproxima deles: vemos a fraqueza em Jimmy e o trauma de Dave ganha contornos mais nítidos e a repulsa inicial causada por ele vai se transformando em compaixão e finalmente dor quando fica claro o quão inescapável é seu final.

    Em Sobre Meninos e Lobos, mais uma vez Clint Eastwood assume um filme de gênero, nesse caso o policial, e distorce seus elementos: não há lógica ou ordem moral aqui, como na maior parte dos filmes policiais, apenas personagens quebrados que agem de acordo com suas próprias limitações e tentam fazer escolhas, mas é questionável até que ponto eles realmente tem a liberdade de fazer essas escolhas.

    Ao mesmo tempo o diretor constrói seu filme com planos mais bonitos: é notável quando a câmera se afasta e vemos Sean Penn desesperado, cercado de policiais, impotente e angustiado. Em diversos momentos a câmera assume um ângulo a partir de cima, diminuindo seus personagens ou criando sombras estranhas e distorcidas, quase expressionistas. Sobre Meninos e Lobos é uma obra sobre ilusões e manipulação, e Eastwood imprime isso impecavelmente na forma do filme.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.