Tag: Keanu Reeves

  • Crítica | Matrix Revolutions

    Crítica | Matrix Revolutions

    Crítica Matrix Revolutions

    Matrix Revolutions é o terceiro filme da saga idealizada pelas irmãs Wachowski, e carrega muitas expectativas, em especial, ter que fechar as pontas soltas de Matrix Reloaded, dar sequência aos conceitos filosóficos primordiais de Matrix e pincelar questões ligadas a aceitação de gênero. Todas essas resoluções teriam de ocorrer em pouco mais de duas horas. Se perder em meio a essas demandas é fácil.

    Filmado em conjunto com Reloaded, o longa se inicia em um cenário de limbo, com o Neo (Keanu Reeves) aguardando seu destino enquanto seus amigos tentam resgatá-lo, num conceito bem mais filosófico que as brigas envolvendo Trinity nos dois primeiros. Este trecho é obviamente um paralelo com o purgatório, lugar onde as almas se preparam para o julgamento de danação ou paraíso segundo a fé cristã católica. Este momento serve para lidar com a obsolescência dos programas, e para ratificar o sentimentalismo e “humanidade” desses seres.

    Se a Matrix é programada para domar os homens e precisa se alimentar das emoções deles em um esquema de vida falso, mas que necessita ser congruente para quem nela vive, pode-se dizer que é preciso sensibilidade para equilibrar tudo. Se as máquinas têm anseios e sentimentos, seria natural que os programas do simulacro também fossem igualmente sentimentais, que tivessem desejos e inseguranças. O conceito de um casal de programas, querer que sua filha (Sati) viva apesar da programação de destino fatal relegado a eles faz sentido, e conversa bem com o segmento O Segundo Renascer, do compilado de animações Animatrix, lançado em 2003. Se conceitos relacionados ao potencial de Merovingio e Persephone são abandonadas nesta parte, essa questão é um ponto positivo, e conversa bem com a condição do Agente Smith (Hugo Weaving), já que após sua derrota ele se reinventa, e age como um vírus predatório. Esses programas buscam viver a todo custo, assim como Roy Batty em Blade Runner, buscam se adaptar e seguir vivos, mesmo que essa condição comprometa o funcionamento básico da matrix.

    O subtexto mais rico certamente tem a ver com a transição de gênero. A jornada de Neo não é só um paralelo com Cristo, há a percepção que sua identidade no mundo real também não é “verdadeira” quanto deveria ser. Para muitos, o fato dele ter poderes fora da Matrix é incongruente ou é a demonstração cabal de que Zion era outra camada de simulação, hoje faz  mais sentido comparar isso com a descoberta da identidade, no caso de Neo sua relação com os poderes, enquanto para as diretoras têm toda a conotação de gênero. A Matrix não permite que Neo tenha poderes não por ele estar acima do código-fonte, mas por conta das habilidades que ele sequer tem consciência. Para acessar essa condição, Neo precisou se entender, descobrir quem ele era, assim como ocorreu com as cineastas anos depois.

    Da parte da ação houve um salto de qualidade. Os confrontos melhoraram muito entre Reloaded e Revolutions, inclusive no que toca o agente Smith. Foram utilizados mais dublês e efeitos práticos, além de mais cenas noturnas que disfarçam melhor as fragilidades dos efeitos em computação gráfica. Outro bom ponto são as batalhas em Zion, que lembram animes de mechas e robôs gigantes, tais como Gundam. Aqui também se dribla a máxima de batalha em várias frentes carente de emoção, diferente de outros filmes, é fácil ter empatia pelos humanos nessas lutas.

    Essa terceira parte também faz justiça a Niobe (Jada Pinkett Smith). Sua jornada é bem pontuada e mesmo com pouco tempo de tela se percebe a difícil decisão que ela teve que tomar. Trinity também é valorizada, sua relação com Neo é mostrada como um grande pilar na franquia, e Carrie-Anne Moss está de novo muito bem.

    Matrix Revolutions não é um fechamento ideal, mas a decisão de Neo em estabelecer a paz entre os dois povos guerreiros é sábia, mostra que seus poderes enquanto paralelo de Cristo não são só de onipotência, mas também de conhecimento e sabedoria, finalizando bem seu papel de sacrifício. Ao menos nesse ponto o roteiro seguiu tão inspirado quanto o filme original, e certamente essas continuações seriam melhor construídas caso houvesse um espaço de intervalo maior entre elas.

  • Crítica | Matrix Reloaded

    Crítica | Matrix Reloaded

    Crítica Matrix Reloaded

    Matrix foi um sucesso estrondoso e mudou os paradigmas do cinema de ação. Natural que continuações surgissem, e em 2003 Matrix Reloaded foi anunciado em conjunto com sua continuação, Matrix Revolutions, ambos gravados simultaneamente. Segundo as irmãs Wachowski, a história sempre foi pensada para ser uma trilogia, embora o primeiro filme tenha um fechamento satisfatório.

    O início desse remete ao primeiro, com uma cena de ação com Trinity (Carrie-Anne Moss) em um momento de perigo iminente, com uma possibilidade de fracasso ligeiramente provável. Essa sequência é breve, e serve para mostrar que as lutas com arame seguem bem feitas e, em contrapartida, também prevê o uso de computação gráfica mais extensivo nessa parte da saga, quase sempre com problemas.

    No primeiro filme, a cidade dos humanos, Zion, é apenas citada. Já aqui é um cenário grande, belo à sua maneira, mesmo que seja paupérrimo, com famílias amontoadas em pequenas baías que se assemelham ao cenário favelizado dos morros cariocas e em diversos outros lugares suburbanos nas metrópoles do mundo. A liberdade de escolha tem um preço.

    Muito se reclama a respeito dos roteiros das sequências, mas a realidade é que os paralelos com as mitologias e religiões segue sendo um ponto bem explorado. Entre eles está na adulação que boa parte dos habitantes de Zion fazem a Neo, tratado realmente como uma figura divina, inclusive com sacrifícios e oferendas. A reação que Keanu Reeves tem a esses momentos de agradecimento surpreende pelo desempenho do intérprete, conhecido por não ter dotes dramáticos tão valorosos, a exemplo de Drácula de Bram Stoker, mas o destaque maior está obviamente na referência ao culto a personalidade, denunciado por Cristo, mas tão presentes nas religiões.

    Outro fator é a figura de Morpheus como o profeta que prepara a vinda do Messias. Laurence Fishburne ratifica e evolui sua variação de João Batista. Tal qual era o primo carnal de Cristo que anunciava a vinda do Escolhido à Terra, ele segue auxiliando o Salvador. Batista vivia no deserto se alimentando de gafanhotos e mel, enquanto Morpheus no primeiro Matrix se alimenta sem luxos, de forma precária e ainda arrasta os seus seguidores da Nabucodonosor a fazer o mesmo. Aqui outro sacrifício também é mostrado, já que ele abriu mão da relação com Niobe (Jada Pinkett Smith), cortando os vínculos carnais.

    Há muitos bons conceitos, como a expansão dos programas, representados de forma complexa, com anseios humanos, como também os novos personagens introduzidos que ajudam a expandir a mitologia da série de filmes, ainda que muitos deles não tenha nenhum aprofundamento. Outro destaque fica para as cenas de ação, em especial a de perseguição na auto-estrada, certamente o ápice emocional do filme. O segmento põe à prova toda a extensa preparação do elenco que durou oito meses, e isso é visto nos momentos de luta, como nos choques de carros e perseguições que resgatam os clássicos Bullit e Operação França, em um circuito de cinco quilômetros, feito exclusivamente para a produção.

    Há muitas fragilidades no filme, em especial o primeiro embate de Neo com a nova versão do Senhor Smith. Um produto que foi tão bem cuidado não merecia uma computação gráfica tão artificial quanto esta, e isto resume os problemas de Matrix Reloaded, um produto mal-acabado tecnicamente, imaturo enquanto história solo e pouca dramaticidade. Tudo parece mecânico e presunçoso, e essa é uma história de homens, não de máquinas.

     

  • Crítica | Matrix Ressurrections

    Crítica | Matrix Ressurrections

    Crítica Matrix Ressurrections

    Matrix Ressurrections é o quarto filme da saga iniciada em Matrix, lançada 18 anos após o terceiro volume da saga, Matrix Revolutions. Todo seu material de divulgação dava conta da possibilidade de um reboot, com elementos que ressuscitariam os conceitos da trilogia original.

    É bem difícil falar a respeito da obra dirigida por Lana Wachowski — Lilly não quis retornar por motivos pessoais — sem falar a respeito dos rumos narrativos da história. Contudo, há uma ideia que beira o genial na história e que faz um bom comentário metalinguístico, especialmente no que envolve o personagem de Keanu Reeves. Associar os eventos da trilogia a outro tipo de simulação é bastante válido, e gera momentos verdadeiramente hilários.

    Fora isso, os novos personagens são em sua maioria muito divertidos e icônicos, e até melhor aproveitados do que na versão de 1999, onde a maioria da trupe comandada pelo Morpheus de Laurence Fishburne são apenas estilosos, e não tem muita importância ou tempo de desenvolvimento.

    Outra questão bastante positiva é a fotografia, assinada por Daniele Massaccesi, que já vinha trabalhando como operador de câmera em filmes com as Wachowsky e com o diretor Ridley Scott, além do veterano John Toll de Coração Valente, Além da Linha Vermelha e também A Viagem, O Destino de Júpiter e Sense8, produções das diretoras que criaram Matrix. A mudança nas cores da simulação, saindo o verde dos códigos para o azul semelhante a pílula também serve bem como um comentário a respeito da mudança de abordagem desta parte da saga.

    Jessica Henwick, Yahya Abdul-Mateen II e Jonathan Groff estão muito bens em seus papéis, até Pryanka Chopra Jones, introduzida em segundo momento, é bem utilizada. Carrie-Anne Moss e Jada Pinkett Smith também acrescentam bastante em seu retorno, o ponto negativo na atuação recai sobre Neil Patrick Harris, que varia entre o personagem discreto e o canastrão sem nuances, e nem a desculpa de programação salva esse desempenho.

    Após Neo fazer um acordo com as máquinas para que deixasse a humanidade de Zion em paz no final do último filme da trilogia acompanhamos o desenrolar desse ato. Esse armistício tem um bom desenvolvimento, e ver como o quadro evoluiu é uma boa surpresa, tanto visualmente quanto em conceito, dado que boa parte da política mostrada aqui foi plantada nos filmes anteriores. O problema mesmo é a função de Neo na simulação.

    O personagem de Reeves era o escolhido, como Jesus Cristo que se entregou em sacrifício para derrotar um vírus. No entanto, nesta versão o personagem estar na posição em que inicia o filme, com tanto acesso a questões que lembram o funcionamento de um simulacro, não faz nenhum sentido. Se é preciso que se mantenha um inimigo por perto, não faz sentido dar-lhe recursos que podem ser encarados como armas.

    Importante lembrar que na gênese do projeto Matrix, as irmãs Wachowski queriam que os humanos fossem como computadores. Em conversa com os estúdios se decidiu que seriam baterias. A opção deste novo filme de aludir a isso, mesmo que de forma não literal é ótima, pois além de remeter a ideia original, ainda traz novas camadas para a discussão. Visto que a mente humana tem maior capacidade criativa que uma máquina, faz todo sentido utilizar no simulacro a força e esforço criativo a favor da simulação, ao invés de apenas consumir a energia oriunda dela.

    O filme reforça o subtexto sobre assumir a real identidade de maneira ainda mais certeira, com todo o roteiro sendo menos sutil que na trilogia original. Isso poderia ser encarado como algo ruim, mas já que boa parte do público julgou mal alguns dos conceitos de Matrix Reloaded e Revolutions, é bom que esteja aqui para não haver dúvidas.

    A solução final de Matrix Ressurrections é apressada, e parece ser uma sina em tudo que envolve a série pós-1999, mas as atuações, atmosfera cyberpunk e as cenas de ação lembram os momentos áureos do cinema das Wachowsky, e trazem um bom fôlego ao filme.

  • Crítica | Johnny Mnemonic: O Cyborg do Futuro

    Crítica | Johnny Mnemonic: O Cyborg do Futuro

    Johnny Mnemonic: O Cyborg do Futuro é uma das obras cinematográficas que se tornaram famosas pela falta de noção em sua premissa, como era bem comum nos anos 80 e 90. O filme lançado em 1995 se passa em um futuro situado na segunda década do século XXI, e mostra um mundo contaminado por uma doença contagiosa chamada NAS – que consiste em uma alergia fatal às ondas eletromagnéticas. No cenário proposto, as pessoas são conectadas de forma neural a uma rede cibernética semelhante a internet, portanto, o NAS se mostra perigosíssimo.

    A história se desenrola mostrando um homem, vivido por Keanu Reeves, que recebe uma missão ingrata de transporte. O roteiro do filme é de William Gibson e boa parte das informações são dadas nos primeiros cinco minutos de exibição. O diretor Robert Longo tenta dar sobriedade à obra, mas qualquer seriedade não parece caber em sua proposta. Há referencias óbvias a Blade Runner, especialmente na globalização e nas influências asiáticas que tomaram os Estados Unidos. No entanto, falta qualidade e orçamento, já que os efeitos em computação gráfica são bastante artificiais à época, enquanto a direção de arte mostra gadgets tecnológicos que mais parecem brinquedos e maquetes que remetem aos trabalhos da pré-escola.

    Reeves apresenta um desempenho bastante canastrão, as cenas em demandam esforço em dor, desespero ou sofrimento soam engraçadas, de modo que faz perguntar se isso é proposital ou involuntário. As atuações também remetem as cenas de uma comédia de erros, os atores que se levam a sério como Udo Kier e Dina Meyer parecem sofrer de crises intestinais, fazendo caretas sempre quando a câmera decide dar destaque a um deles. A tentativa de referenciar um cenário cyberpunk não tem muita sorte e as participações de outras figuras famosas como Ice-T e Dolph Lundgren são ainda mais caricatas que as já citadas.

    Se haviam críticas a Reeves em Drácula de Bram Stoker, a faceta de caçador de recompensas do futuro é ainda mais digna de críticas a capacidade dramática do sujeito. Outro fator estranho é a insistência em utilizar tons de cinza nos objetos de isopor do cenário e figurino. Tudo é grafite ou prata, remetendo a um piloto cancelado de série dos anos 80.

    A tradução do clima cyberpunk é obviamente pensada, mas se Johnny Mnemonic: O Cyborg do Futuro for encarado como uma piada certamente pode ser consumido como um objeto bastante divertido, um pastiche menos inspirado do que foi O Quinto Elemento. A tentativa de mostrar o mundo digital é constrangedora, os efeitos em 3D se assemelham aos de Tron: Uma Odisseia Eletrônica, só que piorado e mais grave, dado que esse se passa quase 15 anos depois do filme da Disney. O maior legado do filme é deixar claro que o esforço em ter esperanças no futuro da humanidade é infrutífero e fútil.

  • Crítica | Bill e Ted: Encare a Música

    Crítica | Bill e Ted: Encare a Música

    O cinema mundial tem se dedicado bastante em explorar o senso de nostalgia de seus espectadores. Curiosamente, Bill e Ted: Encare a Música brinca com essa mentalidade que valoriza o antigo, até mesmo na bela introdução das novas protagonistas, tal como na brincadeira de que as inúmeras viagens no tempo feitas por Alex Winter e Keanu Reeves bagunçaram o fluxo temporal, deixando claro que o retorno às origens não garante qualquer sucesso.

    A parte do presente se inicia em um casamento que resgata piadas presentes nos filmes anteriores. O que se vê são dois senhores de meia idade tocando no palco da cerimônia, e que tem atrás de si belas famílias que os amam, mas ainda assim sem o almejado sucesso musical profetizado anteriormente. Além desse óbvio problema, também se nota que a relação dos dois não é saudável, pelo contrário, é tão cheia de interdependência que chega a ser mutuamente parasitária. Os dois não se separam sequer para fazer terapia de casal, onde eles chegam ao cúmulo de combinar os elogios que darão as suas respectivas esposas.

    O diretor Dean Parisot consegue agravar bem a questão da imaturidade dos dois, inclusive colocando suas filhas Billie (Brigette Lundy-Paine) e Thea (Samara Weaving) nessa equação, de certa forma, ele faz um exercício parecido com o que Peter Hewitt fez em Bill e Ted: Dois Loucos no Tempo, aumentando e muito a escala das aventuras da dupla. Os criadores e roteiristas Chris Matheson e Ed Solomon continuam mostrando os homens de meia-idade agindo como moleques inconsequentes que não resolvem questão alguma, só vão até o futuro e passado para remediar a própria mediocridade furtando o próprio trabalho, causando assim mais consequências graves para o tecido temporal. Por mais que Bill e Ted: Uma Aventura Fantástica não fosse audacioso, a continuação derradeira tem o caráter de discutir essa insignificância, ainda que tenha a mesma fórmula de divertimento e escapismo.

    Thea e Billie são meninas divertidíssimas, as únicas que ainda entendem os pais e apreciam o que eles fazem, além de ter uma curiosidade genuína sobre a história da música, e se isso não fosse o bastante, elas ainda possuem uma compreensão da realidade, viagem no tempo e conceitos de ficção científica bem avançados, de um modo que as coloca numa posição de privilégio em relação a geração anterior.

    As participações de Anthony Carrigan e William Sadler beiram o genial, tanto em narrativa quanto em metalinguagem. Esse terceiro filme é uma bela homenagem, não só aos dois garotos infantis e sonhadores de San Dimas, mas também à geração que acompanhou suas divertidas histórias.

  • Critica | Bill e Ted: Dois Loucos no Tempo

    Critica | Bill e Ted: Dois Loucos no Tempo

    San Dimas, Califórnia, 2691 depois de Cristo é quando começa o segundo filme da dupla Bill e Ted. Inciando sua trama bem mais elaborada que a vista em Bill e Ted: Uma Aventura Fantástica,  no mesmo cenário bizarro onde ocorriam as viagens no tempo desse primeiro filme, onde um opositor afirma que acabará com o sucesso da dupla de garotos pirados. Não demora a trama a ir para outra época do futuro, em 2425, mostrando um pouco do legado dos personagens centrais, que seria obviamente interrompido graças a ação do opositor.

    Bill e Ted: Dois Loucos no Tempo já demonstra nessa gênese uma grande diferença para o primeiro filme, pois mesmo os cenários de isopor colorido e figurinos futuristas gritantes parecem mais caros, embora mirem uma caricatura tosca das ficções científicas das décadas de 60 e 70. Peter Hewitt, diretor de Os Pequeninos e Garfield: O Filme resgata elementos de Star Wars, do Duna do Jodorowsky e até da série de livros Guia do Mochileiro das Galáxias, ao menos nos aspectos visuais.

    O plano dos vilões liderados por De Nomolos (Joss Ackland) coloca duas cópias dos atrapalhados heróis, dois autômatos idênticos aos protagonistas também vividos por Alex Winter e Keanu Reeves, para agirem como impostores, acabando com a carreira, reputação e fama deles.

    Por mais bobo que seja a atmosfera deste filme, a temática da finitude da vida é bem explorada, inclusive colocando a morte como personagem – com um visual semelhante a versão de Ingmar Bergman em O Sétimo Selo – vivida  por William Sadler, além também de tratar dos problemas da vida adulta, como a dificuldade de conseguir um trabalho com renda boa o suficiente para ter uma rotina de luxos.

    O além-vida também é mostrado, e a solução visual é bem criativa, com os personagens mortos usando maquiagem branca e as mesmas roupas de sua morte, mas com cores mais átonas. É tudo tão mal feito que funciona de maneira charmosa, Hewitt sabe trabalhar bem o orçamento que tem. A parte da representação do inferno é um bocado perturbadora, em se tratando de uma comédia rasgada, e surpreende pelas influências claras de Dante Alighieri nessa composição visual.

    As piadas continuam afiadas, numa nova versão sobre a madrasta Missy (Amy Stoch), que se estende até pouco antes dos créditos finais. A trilha sonora também é melhor trabalhada, com muito Rock’n Roll, fato que faz sentido já que os dois protagonistas têm sua própria banda e sonham ter seus dias embalados por estas músicas.

    Dentro da proposta de ser uma comédia pastelão descompromissada, Bill e Ted 2 consegue acertar demais, sendo ainda mais grandioso que o primeiro. Não repete a fórmula como um todo e expande o universo previamente estabelecido, trazendo uma aventura com novos e frescos elementos, conseguindo soar quase tão hilário quanto o primeiro, melhorando e muito o cunho musical, em uma jornada que louva ainda mais seus tontos heróis.

  • Crítica | Bill e Ted: Uma Aventura Fantástica

    Crítica | Bill e Ted: Uma Aventura Fantástica

    Para os amantes da cultura pop, assistir Bill e Ted: Uma Aventura Fantástica hoje em dia possivelmente não faz quase nenhum sentido, pois o filme de Stephen Herek mora numa época muito especifica, no final dos anos oitenta, se valendo de toda uma estética típica da MTV, unido a um humor pastelão que foi popular nas décadas passadas, mas que foi aos poucos caindo em desuso. Ainda assim, a historia de Bill Preston e Ted Logan, dois garotos tolos, feitos por adultos que sequer parecem adolescentes, e que agem como dois usuários de maconha.

    A historia se passa em San Dimas na Califórnia, em 1988, e a dupla além de sonhar em formar uma banda de rock – chamada pela dublagem clássica de Garanhões Selvagens (Wild Stallions, no original) – ainda leva bomba na matéria de historia, ficando em recuperação. A vida deles é bem comum, eles tem choques com suas figuras paternas, cada um ao seu modo, um deles sendo bem autoritário e o outro sendo casado com uma mulher bem mais jovem que ele. Os dois podem ter que se separar caso sejam reprovados.

    Alex Winter até consegue parecer mais um adolescente estereotipado ao estilo tosco de Barrados no Baile e outras adaptações do irreal mundo dos teenagers americanos, mas Keanu Reeves é tão caricato e tosco que seu personagem desmiolado, engraçado, bonachão e carismático, como um resumo do que fazia sucesso na década de oitenta. A interferência de Rufus, personagem de George Carlin (humorista famoso, que surpreende por estar em um filme de tão baixo orçamento) que é um emissário do futuro é envolto em mistérios, e o chamado a aventura acontece de maneira nonsense, fazendo pouco sentido exatamente pelo fato dos dois serem dois garotos estúpidos.

    Os efeitos especiais da viagem pelo tempo são tão bizarros e com efeitos especiais risíveis, que até tem um certo charme, assim como toda a bagunça na cronologia histórica faz aumentar a atmosfera debochada do roteiro. O tema da avaliação oral que o professor manda a dupla fzer, de como um personagem histórico viveria nos dias atuais garante bons momentos, incluindo a interferência direta no curso da historia, que basicamente, se molda aos atos que eles cometem durante as mudanças cronológicas. Se em De Volta Para o Futuro há toda uma preocupação em não mudar o status quo, aqui essa neura não existe, e por mais que o texto de Ed Solomon e Chris Matheson não seja super elaborado, ele conduz uma porção de encontros históricos, que não tem necessidade de soar corretas cronologicamente, mas que captura bem a essência dos personagens reais que aparecem, sobretudo nos momentos finais, na super apresentação deles no colégio.

    O fato de toda a jornada dos garotos não ser nem um pouco preocupada com cronologia ou com não interferência no curso do tempo é o fator primordial para o filme soar tão único e despreocupado, não só com os rumos da Terra e do universo mas também no sentido de transmitir uma grande mensagem. Bill e Ted só precisam se dar bem, como se o destino protegesse eles mesmo sendo completos imbecis, ao ponto até de moldar o futuro da humanidade no legado deles.

    Bill e Ted: Uma Aventura Fantástica faz muito mais sentido dentro do cenário posto dos anos oitenta, mas ainda assim causa furor o suficiente para mais de trinta anos depois pensarem em retomar suas aventuras pelo tempo, com a devida passagem temporal entre 1989 e 2020, e mesmo que tivessem ficado presos em sua época (como era esperado), ainda segue como um bom retrato das comedias descompromissadas da época, onde a tônica mira somente a diversão, com alguma mensagem moral ingênua e não arrogante, em uma mistura que poucas que infelizmente pouco se repetiu ao longos dos anos no cinema mainstream.

  • Crítica | Matrix

    Crítica | Matrix

    Duas décadas após seu lançamento, Matrix continua atual em linguagem e temática, embora se baseie demais no conceito de Complexo de Frankenstein – tão criticado por Isaac Asimov. As primeiras sequências de ação envolvem Trinity (Carrie-Anne Moss), que após se ver cercada diante da polícia, consegue se desvencilhar facilmente através de golpes graciosos, que desafiam a gravidade e maximizados pelo bullet time de das irmãs Lilly e Lana Watchowski.

    A ação ainda melhoraria consideravelmente com o acréscimo dos agentes liderados por Smith (Hugo Weaving). Após a fuga da moça, o vilão já sabe da existência de Neo antes mesmo dele aparecer. Quando o protagonista messiânico surge já estão estabelecidas as referências visuais da série. Aliás, importante que se diga, as referências com o cristianismo em Matrix só não são mais manjadas e amplamente conhecidas quanto o didatismo da “Jornada do Herói”, de Joseph Campbell, no entanto, outra temática fica de lado a quem normalmente analisa este roteiro. O Complexo de Frankenstein está posto como pilar da história, e nada mais natural, afinal se trata de um conflito entre humanos e máquinas, mas o conceito da matrix envolve um simulacro mantido por inteligências artificiais que propiciam algum conforto a quem é escravizado, mesmo que esse conforto seja moderado, e como o domínio dessas máquinas é total e a infiltração dos agentes é facilitada por conta das regras do jogo, todos são potencialmente inimigos. A invisibilidade desses inimigos não só faz eco com a Guerra Fria, encerrada quase uma década, mas evolui a paranoia.

    A jornada rumo a verdade continua cheia de simbolismos, a mansão antiga e deteriorada é repleta de escadas empoeiradas, como os castelos antigos típicos das historias medievais. O encontro com o mentor – Lawrence Fishburne – prossegue repleto de falas e enigmas, desafios de inteligência e fé ao escolhido, que precisa provar não só aos outros o seu valor, mas a si mesmo. Cada simbolismo dentro do simulacro tem uma resposta prática no mundo real, como o paralelo das pílulas com o sinal que é emitido do recém liberto da ilusão para a nave de fuga, no caso a Nabucodonosor, comandada por Morfeus e seus tripulantes.

    A cena em que Neo finalmente se liberta das amarras da Matrix se dá em outro simulacro, onde luta contra Morfeus após “aprender” kung fu – chega a ser cômico que os homens e mulheres a bordo da Nabucodonosor se reúnam para assistir a luta em um painel de algoritmos. A questão da paranoia se agrava em outro treinamento, onde o mentor explicita o óbvio: se uma pessoa não é um liberto, é obviamente um deles. Ainda que tenham aparência e física humanas, eles ainda são codificados, é preciso demarcar essas diferenças na cabeça do público e de Neo.

    Matrix conta com momento memoráveis, como a visita ao Oráculo que faz com que Neo se desiluda dos delírios de grandeza e sofra uma provação, mas a lição prática que sofre, ao conversar com um menino sobre como entortar colheres e o quanto elas são reais funciona melhor na prática. Mesmo que no momento seguinte ele não use isso a seu favor no momento seguinte. O momento da luta no banheiro é um dos ápices de cenas do tipo, seja pelos detalhes bem pensados pela direção de fazer a tentativa de fuga de Neo pelas paredes, reverberando na queda dos azulejos na parte de fora como também na troca de golpes entre Morpheus e Smith, onde os socos secos são fortes o suficiente para quebrar paredes, mas não o suficiente para matar o líder dos rebeldes. A poeira caindo sobre a pele deles mostra o quão humanos e falíveis podem ser os personagens, embora Weaving só esteja assim por sua contraparte no filme estar imitando a condição de ser humano. A conversa entre os dois sobre as versões antigas da Matrix onde todos eram felizes é bastante profunda para um filme dessa natureza.

    A sequência dos tiros ao entrar no prédio, com o futuro casal destruindo absolutamente tudo que anda e respira impacta mais pelo prejuízo ao cenário do que pelas mortes e pelos efeitos especiais em si, pois para Trinity e Neo foi tudo muito fácil. O uso indiscriminado da câmera lenta faz lembrar os clássicos de Sam Peckinpah, um especialista em faroestes modernos. A luta no metrô é muito bem coreografada e estava lá o embrião do que Chad Stahelski (dublê de Neo à época) e David Leitch fariam em De Volta ao Jogo e seus filmes posteriores. As frentes de batalha remetem a Star Wars, onde as lutas entre Jedi e Sith passam ao mesmo tempo que as batalhas espaciais, aqui mostradas entre o Kung Fu dentro do simulacro e as Sentinelas tentando destruir a Nabucodonosor.

    Neo precisou perecer para assumir finalmente sua condição, em mais uma referência óbvia ao cristianismo, mas o simbolismo é ainda mais universal, representando qualquer possibilidade de que a salvação da humanidade viria dela própria. Ainda assim, o que as Watchowski fizeram foi um trabalho hercúleo, e que jamais se imaginou funcionar tão bem, desde a trilha sonora repleta até as doses de filosofia oriental.

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  • Crítica | Toy Story 4

    Crítica | Toy Story 4

    Havia uma promessa após Toy Story 3 que a saga de Woody e dos outros brinquedos finalmente chegaria ao fim. Ocorre que, nove anos depois a Disney/Pixar trouxe enfim um novo capítulo para a franquia, dessa vez dirigido por Josh Cooley, em uma história que prometia poucas surpresas.

    Na trama, já se sabia que Woody reencontraria Betty, a pastorinha de porcelana que não aparecia desde o segundo filme. A trama começa nove anos antes do presente, em um dia chuvoso que marca o retorno de vários brinquedos antigos do Andy. A sequência em si além de animada é bastante emocionante, e marca a ideia central do filme, de que brinquedos vem e vão. Os momentos de ação melhoram ao ser pontuados pela música brasileira de Zé da Viola, que retorna para traduzir os temas de Randy Newman, incluindo uma música inédita.

    Woody tem que se adaptar a uma nova condição, sendo muitas vezes ignorado por Bonnie, mas sem jamais culpar a menina por isso. Neste ponto, há homenagens a momentos clássicos, como quando o vaqueiro e Buzz passeiam pelo Pizza Planet. Sua interferência em tudo é um aspecto que ele percebe que precisa mudar, mas essa evolução terá de esperar pela aproximação de um novo personagem, um garfinho criado pela menina durante sua ida ao jardim de infância.

    O novo paradigma traz uma nova sensação ao brinquedo, a vontade de não querer existir. O personagem funciona como um pupilo de Woody, mas também ensina algumas coisas, dentro daqueles aspectos estereotipados de filmes otimistas, mas que aqui funciona muitíssimo bem, em especial no que toca a sensação de não mais pertencimento a uma classe ou a um grupo específico. De certa forma, o Garfinho e Woody compartilham parte do mesmo destino, e aos poucos o caubói copia elementos de personagens diferentes entre si.

    Se nos outros três capítulos da saga tratam de rejeição, esse tem como um tema central o pertencimento, no caso, o lugar de destino dos brinquedos, não importando se eles são de material descartável, duradouro ou de qualquer outra natureza. Com a adesão de Betty à trama se discute de maneira não-panfletária o lugar que cada brinquedo tem, além de belíssimas reflexões a respeito de consciência, no arco de Buzz.

    Há duas personagens femininas fortes: Betty e Gabby Gabby – personagem que segundo os trailers era vilã e tirana mas que no decorrer dos 100 minutos, desconstrói essa imagem. A postura de ambas é bem diferente, e as duas causam diferentes emoções no protagonista, uma fazendo com que ele deseje ser independente e aventureiro, e outra reforçando o apego dele ao seu dono, e o desenvolvimento desse aspecto por parte de Woody talvez seja um dos pontos mais maduro e profundo de todo o roteiro de Andrew Stanton e Stephany Folsom.

    Os novos brinquedos também são muito bem apresentados, em especial o curioso Duke Caboom, dublado por Keanu Reeves, personagem esse que garante boas risadas e reflexões sobre superação de obstáculos. Há outros que apelam para eventos mais óbvios, mas ainda assim são bem carismáticos, como os brinquedos prêmios de jogos no parque. Os antagonistas são desenvolvidos, em sua maioria, como personagens multidimensionais, e o rumo destes redime um pouco Lotso, Pete Fedido e outros vilões já apresentados na série.

    Os brinquedos quebram muito dos protocolos, e isso ajuda o dar peso nas escolhas que o filme toma, fazendo com que as tiradas cômicas sejam muito mais significativas. A mensagem de que não dá para carregar todos os brinquedos sempre é muito bem explorada, ainda que a história de Toy Story 4 tenha algumas fragilidades. A vida é feita de transições, e mesmo pequenos ritos introduzidos no filme fazem um enorme sentido aqui. Para quem acompanhou todas as aventuras dos brinquedos de Andy e Bonnie é impossível não se importar com toda a carga dramática apresentada nesta sequência, e para ajudar o longa é visualmente belo, divertido e com uma bela carga dramática, pontuando bem o caráter e o espírito que a Pixar traz desde o primeiro Toy Story.

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  • Crítica | John Wick 3: Parabellum

    Crítica | John Wick 3: Parabellum

    Quando fez o dublê de Keanu Reeves em Matrix, Chad Stahelski não parecia que se transformaria no criativo e competente diretor capaz de reproduzir em tela toda a magia dos quadrinhos de ação e dos animes shonen. Após os eventos de John Wick 2, o protagonista surge mancando, tropeçando em cima dos próprios erros e tendo de conviver com as escolhas que fez.

    Evidente que John Wick 3: Parabellum trataria logo de dar um destino para o cachorro do protagonista, que retorna ao Hotel Continental, para ficar com o porteiro, afim de deixar a ação correr, ainda que durante o filme cães sejam utilizados como armas de guerra. A expressão que serve de subtítulo, está presente na frase do latim, bem famosa, si vis pacem, para bellum, que em português ficaria se queres a paz, prepara-te para a guerra, e  quase todas as sequências de ação transbordam esse estado belicoso.

    Em De Volta ao Jogo, Stahelski e David Leitch homenagearam os quadrinhos de ação, e neste, aparentemente há uma ideia de reverenciar os famosos games Beat’em Up, como Street of Rage, Double Dragon e Capitão Comando. A tentativa de John Wick em manter-se vivo passa por cenários distintos, seguidos por outros cenários ainda mais estranhos onde alguma luta muito bem coreografada e bizarra ocorre, sempre com um pé na realidade, mas com um tanto de fantasia voltada para a violência. A atmosfera diferenciada da franquia continua lançando mão em dois aspectos que a tornam diferente de todo o cinema de ação. O primeiro, são os golpes secos, que fazem com que os duelos de faca ou de revólveres à queima-roupa façam sentido dentro da lógica de escapismo hiper-realista, enquanto a outra é o som, que abdica de uma trilha sonora manipuladora para deixar os socos mais vivos em tela, aumentando a sensação de claustrofobia. O público é convidado a sentir os mesmos apertos que o herói, e essa imersão só aumenta ao longo da trilogia.

    O filme dá poucos respiros, e a ação é frenética, ainda que em alguns pontos soe cansativa. As partes que falam sobre o passado e nacionalidade do protagonista até acrescentam alguns aspectos que despertavam curiosidade, mas a realidade é que o mistério sobre seu passado era um aspecto interessante na composição do personagem. No entanto, o mais polêmico no filme é a disputa que reside na motivação do perseguido, variando entre uma jornada de redenção e pretexto para que ele implore por sua vida.

    Esta terceira parte parece mais preocupada em expandir o rico universo dos caçadores de recompensas modernos e assassinos de aluguel do que propriamente fechar o ciclo de Baba Yaga, e isso faz as tramas ligadas ao destino de Wick ficarem em segundo plano. Ao menos, há uma participação maravilhosa de Mark Dacascos, que há muito tempo não fazia um filme relevante (ou minimamente sério), seu resgate é quase tão emocionante quanto o que James Gunn fez com Michael Rooker em Guardiões das Galáxias 2, ainda que seu significado seja outro.

    É impossível não perder o fôlego com a sequência final, que ainda arruma tempo para fazer homenagens aos filmes de Bruce Lee, em especial Jogo da Morte, e mesmo esse sendo um jogo de peões se matando pelos interesses de magnatas poderosos e incapazes de qualquer esforço, é um belo capítulo dentro da trajetória do assassino que Reeves vive, abrindo ainda novas possibilidades para a continuidade da franquia.

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  • Crítica | John Wick: Um Novo Dia Para Matar

    Crítica | John Wick: Um Novo Dia Para Matar

    O cinema de ação dos anos oitenta era conhecido por estabelecer em seus filmes uma marca, normalmente tendo um roteiro descompromissado e abordagem estética repleta de adrenalina. Com o tempo, a fórmula se desgastou e os action movies passaram a ter discussões mais aprofundadas, como visto em Identidade Bourne e suas continuações. Inúmeras tentativas de resgatar o estilo antigo ocorreram, entre elas, a junção de brucutus em Os Mercenários. No entanto, De Volta ao Jogo, de Chad Stahelski e David Leitch foi um produto que conseguiu não só retomar a antiga abordagem como revitalizar visualmente a temática, pegando emprestado também alguns elementos do cinema de Paul Greengrass, Christopher Nolan e outros, e ajudando a solidificar uma nova modalidade de classificação, o Gun-Fu que mistura artes marciais com armas de fogo.

    Para a sequência, John Wick: Um Novo Dia Para Matar, ficaria somente Stahelski, uma vez que Leitch está se dedicando na direção da continuação de Deadpool. A percepção era que a saída do cineasta que era responsável pelas coreografias e dublês faria com que a sequência fosse inferior, mas não foi o que ocorreu. Keanu Reeves volta ao papel que o fez retornar ao panteão de bons heróis de ação, primeiro encerrando o arco do primeiro filme, depois se enfiando em mais uma rede de dívidas, cobranças e juramentos de fidelidade.

    O retorno de Derek Kolstad – roteirista do primeiro e criador dos personagens – ao texto garante um bom desempenho ao script que, mesmo sem ser brilhante, consegue ter a mesma aura de urgência e correria desenfreada do original, tendo nesse alguns detalhes maximizados. É como se o universo de Wick se expandisse, tanto em níveis de perigos, quanto em disputa de poder e perseguição.

    Se De Volta Ao Jogo prestava uma bela homenagem aos filmes de herói de Sylvester Stallone, Tom Cruise e do próprio Reeves, neste há alguma referências muito bem enquadradas a Comando Para Matar e O Predador, ambos com Arnold Schwarzenegger, repaginando inclusive um clichê do gênero ação, ao estilizar as comuns sequências de super armamento dos heróis, recriando à maneira John Wick os momentos em que o protagonista vai até um armamentista para obter um arsenal capaz de destituir qualquer ditador de sua republiqueta genérica. Além de engraçado, tal momento faz paralelo também com os filmes de espiões de 007, Triplo X e afins, ainda que soe mais original que esses.

    Apesar de não ter um argumento que busca grandes reflexões, há uma inteligência formidável nesta continuação. Se no primeiro filme o mote era que a qualquer sinal de fogo o barril de pólvora – o protagonista – poderia explodir, nesse a mensagem é ligada a inevitabilidade do destino, além de um desenvolvimento do clichê de que não se pode driblar a própria natureza.

    Questões como sociedade do controle e onipresença do poder paralelo também são retratadas em participações especiais surpresas que aproximam o filme dos clássicos estadunidenses de Paul Verhoeven, no sentido de denunciar a violência excessiva do mundo moderno através de irônicas passagens de tempo e lutas. A trajetória de Baba Yaga segue com o mesmo folego e espírito implacável de antes, sem se permitir cair no clichê de ser uma continuação que tem pouco a apresentar além das repetições, retomando muito dos acertos anteriores, e preocupando-se também com o futuro da própria franquia

  • Crítica | Demônio de Neon

    Crítica | Demônio de Neon

    theneondemonUm tema como a ditadura da beleza dificilmente traria uma discussão nova ao mundo da arte. É recorrente em todas as mídias conhecidas, sendo visto por muitos como um assunto batido, ainda que de necessária discussão. Mas logo os preconceitos se retraem quando um cineasta como Nicolas Winding Refn (Drive, Só Deus Perdoa) utiliza do tema com toda sua carga visual e autoral.

    Demônio de Neon trata da história de Jesse (Elle Fanning), uma jovem ingênua que decide se mudar para a cidade dos sonhos quebrados e perdidos, Los Angeles, onde busca se tornar uma grande modelo. Em sua jornada conhece Dean (Karl Glusman), um aspirante a fotografo e interesse romântico que deseja ajuda-la. Ao mesmo tempo, chama atenção do trio feminino formado por Ruby (Jena Malone), Gigi (Bella Heathcote) e Sarah (Abbey Lee), modelos experientes que logo se sentem ameaçadas pela presença da jovem Jesse. Aquela que apresenta a beleza da juventude, a beleza ingênua, “pura”. Aquela que carrega o charme até que não mais.

    Se Nicolas afirma que Demônio de Neon é uma mistura de comédia e horror, as atuações reafirmam. As interações e postura das personagens são, por muitas vezes, plásticas e surreais, chegando até mesmo a serem caricatas. Seja por pessoas dentro da indústria como o fotografo Jack (Desmond Harrington), ou por personagens como Hank (Keanu Reeves). O que, por se tratar do mundo da moda, logo se mostra uma escolha acertada, satírica. Com as reações robóticas e bregas desses personagens, há a gênese de um desconforto. Algo que se intensifica a cada conversa mediada por espelhos e desprezos reprimidos, por silêncios e cores.

    A diretora de fotografia Natasha Braier faz de cada frame uma foto a ser pendura e exibida. Assim como permeia todo o filme com uma iluminação de brilho radiante, onírico, que conversa com a personalidade fluida e estado físico de Jesse. Trabalha e constrói o efêmero que cerca toda essa realidade em um ritmo lento e contemplativo. Da mesma forma reage a trilha sonora de Cliff Martinez, com seus sintetizadores rápidos e hipnotizantes como os flashes momentâneos que relembram modelos: você é uma estrela.

    Sendo assim, o tema e a forma conversam até que se tornam indissolúveis. Fazendo-nos perceber que a específica abordagem de Refn e sua equipe tornam Demônio de Neon algo que não funcionaria nas mãos de outras pessoas. Entretanto, ainda que em sua natureza surreal e metalinguística o filme se mostre muito bem-acabado, é no argumento, que permanece em uma zona comum, que estão seus defeitos. Apesar de ter trabalhados com duas mulheres no roteiro, e questões como ditadura da beleza tendo relações diretas também com questões de gênero, Nicolas prefere focar o esforço em tópicos batidos. Os personagens masculinos são os mais rasos, por exemplo. Ainda que demonstrem personalidades abusivas, nã há algo além disso, nem o impacto dos efeitos de suas ações. Não há a atitude “rock and roll”, que Refn tanto prega e se define, para desafiar além do choque visual. Mas não se engane: O Demônio de Neon não é, como tantos desejam afirmar, um filme vazio.

    De certa forma, a grande moral do filme de Refn é sobre os exageros e perdições ao lidar com a beleza em sua forma mais realista: passageira. Seja por aspirantes que desejam estar no holofote, ou aqueles que estão sendo empurrados para fora do palco. Resta os que logo sairão aceitarem, ou lutarem até a morte para permanecer embaixo da luz apática aos seus interesses e intenções, demonstrando o quão vazio é o belo, até mesmo em seus breves momentos. Um momento; uma fotografia muito bem composta. Uma memória do que era e jamais será.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

  • Crítica | Bata Antes de Entrar

    Crítica | Bata Antes de Entrar

    Bata Antes de Entrar 1

    Após toda a polêmica de Canibais – com a demora de seu lançamento no circuito de cinema dos Estados Unidos –, Eli Roth retorna a direção de longas-metragens, acompanhado do boom de cinco estúdios/produtoras diferentes, no filme que seria o mais palatável até agora de sua curta e prolífica filmografia. Bata Antes de Entrar já se diferencia de seus primos anteriores nas imagens inciais, aludindo ao ponto turístico do letreiro de Hollywood, acompanhado de uma música sentimental, movida pelo piano que introduziria a rotina de Evan Webber (Keanu Reeves) e sua bela família normativa, que em seu micromundo tem uma rotina corriqueira, sem muitas emoções.

    A câmera sobrevoa o subúrbio com o mesmo piano de corda utilizado ao adentrar a casa dos Webber, fomentando a tragicomédia de uma família tradicional e ordeira, que neste filme é o principal alvo do humor ácido da filmografia de Roth. Após uma viagem da bela esposa Karen (Ignacia Allamand) – não sem antes com uma recusa ao sexo, que ativa em Evan todos os seus “instintos” animalescos e libidinais – e seus filhos, o arquiteto e ex-DJ fica solitário em sua residência, tendo que conviver somente consigo em pleno feriado de Dia dos Pais. O chamado da aventura ocorre quando ele atende a porta, e duas belas moças adentram o recinto onde vive sua parentela.

    Após uma longa espera, e um jogo de sedução estabelecido, apesar de muitos pesares, as novas protagonistas Genesis e Bel finalmente conseguem seu tento, fazendo Evan ceder aos seus encantos, algo mais do que natural, uma vez que suas intérpretes, Lorenza Izzo e Ana de Armas têm a figura de sedução extrema, comum nos exemplares normalmente vistos nas fitas do diretor. Mais uma vez o cineasta apela para o sexploitation de estrangeiras, ainda que seja menos expositivo fisicamente e mais focado na discussão da moralidade textual, voltado para temas pesados como pedofilia.

    A abordagem de Genesis e Bel é tratar o sexo como algo vil, resgatando a tradição dos slashers e diversos outros sub-gêneros do terror, que são sempre alvo de reverência da lista de filmes de Roth. Bata Antes de Entrar nada mais é do que outra homenagem aos filmes do cine drive-in estadunidense, onde jovens iam com seus carros unicamente para transar e consumir filmes de orçamento baixo, semelhantes a esta obra produzida em terras chilenas.

    Apesar de toda a pecha de não se levar a sério – especialmente pelos péssimos momentos de atuação de Keanu Reeves –, o roteiro zomba da fragilidade da estrutura familiar do americano médio, ao mesmo tempo que faz troça da arrogância de figuras supra-seguras como o dito “herói” da jornada, fazendo de Evan o exemplo da hipocrisia tipicamente adulta, especialmente em comparação com os juvenis representados na dupla de beldades, debochando principalmente da condição de falsa humildade do homem, que unicamente por seus gostos se julga superior a tudo, estabelecendo assim um curioso diálogo com Alta Fidelidade, de Nick Hornby, que também apresenta esse estereótipo, só que de outro viés.

    O gore do filme é bastante contido, mas ainda assim presente, como inúmeros outros espectros dos horror movies, como citações a personagens importantes que jamais aparecem, armadilhas malfadadas, aparições convenientes de coadjuvantes e muito sadismo nas cenas e falas de sexualidade controversa.

    Os momentos finais são dedicados à desconstrução de todos os arquétipos normativos de seus epílogo, com a destruição de inúmeras peças de arte, bem como de toda a falsidade da estrutura familiar do conservador americano. O texto de Roth, Guillermo Amoedo e Nicolas Lopez é ácido, pontual, repleto de furos propositais e contestação, utilizando mcguffins que envolvem provar ou não um ponto e brincando com temas politicamente incorretos, mostrados de modo estilístico – e que funcionam caso o espectador compre a proposta de seu realizador. Considerando que esses fatores funcionem, Bata Antes de Entrar se torna uma ótima paródia dos filmes de obsessão e romances água com açúcar, tão populares em Hollywood.

  • Crítica | Caçadores de Emoção

    Crítica | Caçadores de Emoção

    Caçadores de Emoção - Capa - Blu Ray

    Causa estranhamento no espectador que analisa a fita do primeiro sucesso comercial de Kathryn Bigelow. Sob as fortes ondas da praia da parte costeira da Califórnia, estão as cenas de ação, em um chuvoso stand de tiro do FBI. O espírito de Caçadores de Emoção é resumido ainda nos créditos iniciais, com a apresentação de John Utah, vivido por um Keanu Reeves ainda cru.

    O cenário de eterno veraneio serviria como despiste para os olhos e para a alma de Utah, que, apesar da figura de certinho, não esconde a ambiguidade no olhar e no proceder policial. Sua apresentação ao seu novo parceiro, Angelo Pappas (do canastrão Gary Busey), deveria ser responsável por mais um pé na realidade, o que acaba por tornar-se um agravo na obsessão. O primeiro trabalho dos dois é analisar um bando de assaltantes, homens que, munidos de máscaras de presidentes, assaltam bancos fazendo arruaças barulhentas.

    O excesso de novidade e adrenalina faz Utah gritar e tentar motivar seu parceiro entediado, convencendo-o com argumentos vazios a se aprofundar na procura pela identidade dos “Nixons” e “Reagans”. Logo, os dois tiras percebem que no bando há ao menos um surfista, e John é indicado por seu parceiro a aprender a surfar, quase se afogando em sua primeira tentativa. A câmera debaixo d’água exibe um desespero quase suicida, um clamor de alma em busca de algo que claramente lhe falta. No caso, adrenalina.

    O primeiro contato do tira é com a mulher que o salva, Tyler Ann Endicott (Lori Petty), uma bela moça com antecedentes criminais a quem ele pediria ajuda para surfar, quebrando o gelo com seu óbvio charme, cedendo aos caprichos noventistas de realizar uma montagem musical treinando no esporte. Logo, o namorado da moça reaparece para demonstrar seus ciúmes e ser introduzido na história. Bodhi é um homem vidrado em adrenalina, um Patrick Swayze de cabelos enormes, que somente após um jogo de futebol americano na areia aceita o novo rapaz no grupo.

    Após sofrer duras críticas – a pergunta certa seria: “por que tão tarde?!” – John e Angelo são questionados por resultados, e é neste momento em que a dupla tem a brilhante ideia de coletar fios de cabelos dos surfistas para comparar com os dos assaltantes, e, assim, demarcar se aquela era a praia correta para a investigação. Depois de um imbróglio com outro grupo de surfistas, Johnny é salvo por Bodhi, que a partir daí começa uma intensa relação fraterna com ele, imune às ameaças de amor livre, aos enormes buracos de roteiro e às inúmeras gírias datadas.

    Caçadores de Emoção não tem qualquer semelhança narrativa com outros filmes de desafio e ondas, fora o óbvio visual. O espírito aventuresco tenta associar a vida burlesca ao comum ato de contravenção, onde os limites morais e éticos não são tão claros, mas ligados ao apolíneo. O comportamento de John aos poucos muda, assumindo esse caráter após fracassos em empreitadas policiais, distantes do estilo e do crescimento da subida que faz junto aos surfistas. Seu ethos é tomado por uma grande provação quando ele começa a associar a figura de seus novos amigos aos assaltantes de bancos, mesmo que a semelhança estivesse exposta ao público desde o começo do filme.

    Diante da obrigação empregatícia de pegar os fugitivos, Utah titubeia, se acovarda por não querer ferir o grupo que passou a chamar de família. A partir daí, ele sofre reprimendas e provações dos dois lados distintos que já defendeu. Após uma prova de morte, tem um mirabolante plano de redenção através de um assalto junto com seus novos companheiros. Apesar da justificativa patética, a cena em que todos os planos chegam a ruína se exacerba de emoção, causada por ações completamente irresponsáveis da parte dos que são agentes da lei.

    A tragédia e a confusão unem as almas gêmeas de John e Bodhi numa relação homoafetiva e platônica, que persiste mesmo diante do trabalho do policial e da fria letra da lei. Após brigas, ameaças de morte e prisão, os dois personagens olham um para o outro para somente enxergar o próprio reflexo e a vontade mútua de tornar carnal aquela união. Uma relação semelhante a de Top Gun – Ases Indomáveis, ainda que Caçadores de Emoção seja bem mais sutil. A aura de divertimento quase justifica as enormes falhas do roteiro, especialmente pelas belas cenas de ação e pelo embrião do que viria a ser o cinema de Bigelow.

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  • Crítica | De Volta ao Jogo

    Crítica | De Volta ao Jogo

    De volta ao jogo - poster brasileiro

    Não é novidade que Keanu Reeves divide opiniões em relação a sua forma de atuação, bem como aos filmes que escolhe atuar. Desde sua participação na franquia Matrix, o ator passou a oscilar em papéis de maior ou menor expressividade dentro de Hollywood. Vimos Reeves participando de grandes produções, desde Constantine a filmes de baixo orçamento, como Sem Destino. Certo é que o recluso ator tem voltado a aparecer cada vez mais no circuito comercial, a começar pelo exagerado filme de fantasia samurai 47 Ronins e agora com De Volta ao Jogo.

    O filme conta a história do personagem que intitula originalmente o filme, John Wick, um assassino de aluguel que se aposentou do mundo do crime pra viver uma vida pacata ao lado de sua esposa. Uma vida perfeita até que uma doença levou a vida de sua mulher. Como último presente em vida, ela lhe presenteou com um pequeno cachorro e uma mensagem carinhosa para que John não desistisse.

    O destino de John muda completamente quando um capanga da máfia russa resolve invadir sua casa, espancá-lo, matar seu cachorro e, por fim, roubar seu Boss Mustang 1969. Por esse motivo, John retorna ao seu eu do passado para se vingar dos agressores da memória de sua esposa.

    A sinopse aparenta ser boba, talvez um pouco ingênua, mas a simplicidade do plot não faz jus ao filme em si. O roteiro simples e direto não diminui a execução soberba e as excelentes cenas de ação que são apresentadas durante a obra. Chad Stahelski, dublê responsável por cobrir Brandon Lee no clássico O Corvo, apresenta um trabalho impecável, refletindo sua longa carreira no cinema. Em De Volta ao Jogo, os movimentos de câmera frenéticos e cortes rápidos que acompanham lutas – técnica muito utilizada com o intuito de conceder dinamicidade às cenas ao mesmo tempo que facilita a filmagem da ação propriamente dita – dão lugar a uma filmagem precisa, calma, que explora cada momento das cenas de ação, extremamente bem elaboradas e coreografadas.

    De Volta ao Jogo empolga. E não só empolga como diverte. O envolvimento da trama e das situações absurdas em que John é posto – bem como em todas as situações do filme que giram em torno da fama que o personagem tem entre os assassinos no submundo – gera momentos hilários. Humor involuntário, porém natural, que cativa o espectador a embarcar com mais naturalidade na vendeta de John Wick e observar as centenas de mortes que seguem dali em diante.

    Michael Nyqvist também merece o devido destaque por sua participação, bem como Willem Dafoe, e até Ian McShane em um papel mais singelo. Porém, os holofotes mais uma vez estão mirando em Keanu Reeves, o qual incorpora com naturalidade a personalidade obscura e contida de John Wick. Gostando ou não de Reeves, ele tem nossa atenção.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Lado a Lado

    Crítica | Lado a Lado

    O cinema é, de todas as artes, aquela que mais depende da tecnologia para ser produzida. Segundo Walter Benjamin, essa condição torna o cinema uma obra de arte única, fruto do avanço tecnológico e industrial do século XX. Ainda mais singular que a fotografia, o cinema irá gerar debates imensos e comparações sobre o “valor” de sua arte (pode ser um pintor comparado a um operador de câmera?). Portanto, o documentário Lado a Lado, dirigido por Christopher Kenneally e protagonizado por Keanu Reeves, atualiza um pouco o debate nesse sentido, ao confrontar várias personalidades da indústria cinematográfica (como George Lucas, Martin Scorsese, James Cameron, Lars von Trier, Andy e Lana Wachowski, David Fincher, Joel Schumacher, Robert RodriguezSteven Soderbergh, David Lynch etc) com a questão da substituição da película pelo filme digital.

    Com uma proposta didática de ensinar ao espectador o básico da diferença entre os formatos, o documentário assume uma postura um pouco cansativa a quem não é muito interessado no aspecto técnico do cinema. Porém, ao público alvo, possui um formato muito interessante e de fácil compreensão. Dividido em várias partes com subtemas que vão e voltam (tanto na parte criativa, quanto técnica), e entrevistando um grande número de pessoas com frases curtas e cortes muito rápidos, às vezes um pouco da informação é perdida. Mas nada que afete a compreensão geral da obra.

    O filme começa com um debate sobre a facilidade do processo de filmagem digital atualmente, onde tudo pode ser visto enquanto é filmado, enquanto no uso da película é necessário, após o término da filmagem, levá-la a um laboratório onde será revelada e o diretor só poderá ver o que foi filmado no outro dia. São colocados argumentos muito bons dos dois lados do debate, tanto no lado criativo quanto técnico.

    Após essa breve explanação, somos levados a um histórico das câmeras digitais, desde o surgimento do primeiro chip de captação digital de imagem, criado pela Sony nos anos 60, até sua popularização nos anos 90 e seus primeiros usos como ferramenta na produção cinematográfica com o movimento Dogma 95, que depois influenciou outros cineastas, como o inglês Danny Boyle a usar o digital na filmagem do seu longa de zumbis Extermínio em 2003.

    Porém, ainda nessa época a qualidade de resolução do digital era muito pequena em relação à película, e chegava no máximo ao HD (1280 x 720), enquanto a película em 35mm poderia chegar a 4096 x 3072. Mas tudo isso mudou com a chegada de novas câmeras no mercado no final dos anos 2000, onde a resolução começou a dar saltos exponenciais e o argumento a favor da película começou a ficar mais fraco.

    Outra vantagem citada do digital era não precisar mais das pausas para trocar os rolos de filmes nas câmeras, que duravam aproximadamente 10 minutos, e eram muito caros. Então havia uma pressão para o ator enquanto ouvisse o barulho do filme rodando, enquanto no digital não há pausa e nem cortes. Depois tudo é editado digitalmente (o processo de edição também é brevemente citado). Após a filmagem, o filme ainda tinha de ser entregue ao laboratório, revelado, preparado, encaixotado e transportado para depois ser visto, e dependendo da quantidade de vezes que era exibido, poderia se deteriorar. Já no digital, nada disso acontece, e a equipe tem todo o fruto do trabalho nas mãos imediatamente.

    Portanto, o filme se foca muito na questão do custo de produção, que cai absurdamente com o digital, o que tem feito muitos estúdios optarem principalmente por este formato. Tudo isso também graças ao pioneirismo de George Lucas que, vendo o potencial do digital, forçou seu uso ao experimentar esse tipo de projeção com seu Episódio I em 1999 e ao filmar, pela primeira vez na história, um longa 100% em digital, com o Episódio II. Porém, Christopher Nolan assume a defesa incondicional da película pela sua qualidade em captar as nuances de cores e as profundidades (já que utilizou esse formato para filmar a trilogia nova do Batman), mas sem menosprezar o digital, que já dá sinais de ser um verdadeiro tsunami tecnológico dentro da indústria.

    Outro ponto interessante debatido em relação ao digital é a massificação não só da produção, como também do consumo, e como o digital afeta essa relação, pois gerações mais novas estão habituadas a assistirem filmes em celulares e laptops em suas casas, e não mais somente no cinema, o que pode ser considerado vantagem por alguns e desvantagem para outros, em um tópico bem interessante, que se relaciona também com a quantidade crescente de obras sendo produzidas. É melhor mais com menos qualidade ou menos com mais qualidade? Um afeta diretamente o outro? São proporcionais? Inversamente proporcionais? Hoje em dia praticamente qualquer pessoa pode fazer um filme em casa com um orçamento baixíssimo devido ao digital. Mas isso significa algo em termos de qualidade? É o debate proposto, cabendo ao espectador a resposta.

    No final, há a especulação de a película se tornar obsoleta ou morrer de vez enquanto formato (já que nenhuma fábrica de câmera está produzindo mais modelos novos para película). Mas, um dos dados mais interessantes apresentados pelo documentário é em relação justamente a preservação. A indústria do digital muda muito, e a cada década novos meios de reprodução e mídias de armazenamento são inventados, inutilizando seu predecessor, enquanto a película se mantém viva, sendo ao mesmo tempo a mídia de reprodução e de armazenamento com grande qualidade. Esse fato gera uma situação irônica, pois os grandes defensores do formato digital dizem ter várias cópias de filmes em mídias digitais, mas que não conseguem reproduzi-las simplesmente por não existirem mais os aparelhos que o façam.

    Sem tomar um lado ou propor uma solução, o documentário termina mostrando que, apesar da briga, o digital veio para ficar e é somente uma ferramenta a mais, que depende muito da forma como é usada. Portanto, é um filme indispensável a qualquer um que se interesse por cinema de forma mais profunda.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | 47 Ronins

    Crítica | 47 Ronins

    47-ronins

    47 Ronins é um filme que enfrentou muitos problemas de produção, e filmes com problemas assim são grandes candidatos ao fracasso. Com o início das filmagens em 2011 e três roteiristas depois (Chris Morgan, Hossein Amini e Walter Amada), a produção americana chegou por lá em 25 de dezembro de 2013, estreando nos cinemas brasileiros em 31 de janeiro de 2014, o que deixou boa parte dos fãs de Keanu Reeves ansiosos, já que, tomando Matrix como base, seria interessante ver o ator em um filme de samurais. Porém, nem o atraso na produção, o orçamento estourado e gordo de US$ 175 milhões e as mudanças no roteiro, fizeram com que o diretor estreante Carl Rinsch convencesse os mais otimistas.

    O filme é baseado numa das maiores histórias da cultura japonesa, um evento que aconteceu entre os anos de 1701 e 1703, que demonstrou um ato de bravura e coragem, onde 47 ronins vingaram a morte de seu mestre, acusado de agredir um funcionário da justiça japonesa. Mas, como dito, o filme é baseado nessa passagem e isso não significa que a estória percorreu exatamente da maneira como aconteceu há mais de 300 anos, o que é comum em Hollywood. Vide o exemplo de 300, de Zack Snyder.

    Kai (Keanu Reeves) é um bebê sem traço oriental algum que foi deixado numa floresta para morrer por ser considerado amaldiçoado. No entanto, o bebê foi resgatado por Lord Asano (Min Tanaka) e passou a conviver junto do senhor feudal e de sua filha, Mika (Ko Shibasaki) até a fase adulta. Kai sempre sofreu por ser um gaijin (o que aqui no Brasil é conhecido popularmente como “gringo”) e, mesmo sendo muito útil a todo o povoado sabendo lutar, vivia à sombra da população e dos samurais que cuidavam da guarda de Lord Asano. A cena em que o grupo de samurais é atacado por um animal colossal deixa bem claro isso. Kai consegue matar o bicho e mesmo aos olhos de testemunhas, um dos samurais recebe todos os méritos.

    A vida de Kai muda quando Lord Kira (Tadanabu Asano) chega à cidade com sua comitiva para um torneio de samurais que será assistido pelo Shogun Tsunayoshi, vivido por Cary-Hiroyuki Tagawa, o Shang Tsung, de Mortal Kombat. Percebe-se, portanto, que Lord Kira também é um senhor feudal e que o Shogun seria uma espécie de governador que está acima dos senhores feudais.

    Kai percebe que Kira tem outras intenções, mas ninguém acredita nele, nem mesmo o líder dos samurais, Oishi (Hiroyuki Sanada). Após Kira conseguir provar que sofreu um atentado cometido por Lord Asano, o Shogun concede a Asano o julgamento através do seppuku, a pena de morte por suicídio, numa linda cena. Com isso, o Shogun passa o feudo a Kira e os 46 samurais de Lord Asano se tornam ronins, samurais sem mestre. A partir daqui, Keanu Reeves deixa de ser o protagonista e atua como um coadjuvante de luxo ao lado de Hiroyuki Sanada, quando seu personagem, Oishi pede ajuda a Kai para reunir os outros samurais renegados.

    O filme tem um visual lindo e primoroso. Todos os cenários, as locações e figurinos são maravilhosamente caprichados, nos mínimos detalhes e esse é o seu maior destaque. Uma pena que a estória não convence e talvez o maior erro tenha sido incluir elementos de magia, já que o filme fluiria bem mais sem elementos míticos que poderiam ter sido corrigidos por conta de um roteiro mais inteligente. Percebe-se claramente que a presença da feiticeira aliada de Lord Kira, bem como o passado sombrio de Kai revelado no início do terceiro ato foi a maneira mais fácil de resolver as situações mais complexas do filme. Pura preguiça, algo bastante comum em Hollywood.

    Com exceção de Reeves, o elenco é todo japonês, porém falando inglês, o que é um ponto negativo. Mas o filme não é um desastre e tem ótimas passagens, sendo a maioria delas onde a direção de arte está diretamente envolvida. Além de manterem fielmente os nomes de todos os envolvidos, todos os rituais japoneses presentes na película são demais, assim como parte do clímax no terceiro ato onde todos os 47 ronins estão envolvidos. De qualquer forma, 47 Ronins é um filme para assistir num feriado frio e chuvoso, quando não se tem mais nada a fazer. Aliás, pesquisar sobre a história verdadeira e visitar virtualmente os túmulos dos 47 ronins que se encontram no Templo Sengaku-Ji, em Tóquio, é uma atividade bastante recomendada.

    Compre aqui: DVD | Blu Ray.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | O Homem do Tai Chi

    Crítica | O Homem do Tai Chi

    man-of-tai-chi[1]

    Devo informar que se você é uma daquelas pessoas que curte os aspectos técnicos dos filmes, como angulação de câmera, fotografia, figurino, mixagem de som, direção de arte e todos aqueles prêmios que o Oscar não faz nem questão de mostrar, essa crítica não é pra você! Eu vou falar do “cinema pipoca”. Da história contada, da atuação dos atores, das cenas que valem a pena ou não serem vistas.

    O que? Você ainda tá aí? Então beleza, vamos falar de Man of Tai Chi.

    Começo por dizer que o filme tem uma premissa interessante. Tiger Chen, responsável por levar o legado do Tai Chi, (é uma arte marcial chinesa, que é reconhecida também como uma forma de meditação em movimento) precisa de dinheiro para salvar o seu templo da demolição, e para isso começa a participar de lutas underground organizadas pelo empresário do mal Donaka Mark, interpretado por nosso querido Keanu Reeves, que também assina a direção.

    Simples e direto, não é? A estreia na direção de Keanu Reeves não incomoda, o que é um aspecto positivo. O que realmente incomoda é a atuação do Sr. Reeves. Tá, você vai dizer que isso é chover no molhado, que todo mundo sabe que ele é péssimo. Mas o problema é que particularmente, eu não o acho péssimo ator. Gosto da atuação meio engessada dele em alguns papéis que combinam. Mas em Man of Tai Chi, chega ao ponto do insuportável. E digo isso como uma pessoa que gosta dele, então fico imaginando o que os que já não curtem o trabalho do cara devem achar.

    O filme entrega um roteiro simples, que tenta se mostrar como não sendo só um filme de luta, mas sim a jornada de um homem. Só que ele não consegue chegar lá. Falta carisma, falta profundidade, falta você realmente se interessar pelo Tiger. As lutas são muito bem coreografas, como é raro de se ver hoje em dia, mas estão longe de serem épicas. Vale muito mais a pena pegar um filme antigo do Jackie Chan pra ver lutas melhores e mais divertidas.

    Man of Tai Chi se mostra irrelevante no que se propõe, dando uma grande ênfase apenas no visual das lutas, mas acaba não chegando nem próximo disso.

    Texto de autoria de Diogo G.