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  • Crítica | Bill e Ted: Uma Aventura Fantástica

    Crítica | Bill e Ted: Uma Aventura Fantástica

    Para os amantes da cultura pop, assistir Bill e Ted: Uma Aventura Fantástica hoje em dia possivelmente não faz quase nenhum sentido, pois o filme de Stephen Herek mora numa época muito especifica, no final dos anos oitenta, se valendo de toda uma estética típica da MTV, unido a um humor pastelão que foi popular nas décadas passadas, mas que foi aos poucos caindo em desuso. Ainda assim, a historia de Bill Preston e Ted Logan, dois garotos tolos, feitos por adultos que sequer parecem adolescentes, e que agem como dois usuários de maconha.

    A historia se passa em San Dimas na Califórnia, em 1988, e a dupla além de sonhar em formar uma banda de rock – chamada pela dublagem clássica de Garanhões Selvagens (Wild Stallions, no original) – ainda leva bomba na matéria de historia, ficando em recuperação. A vida deles é bem comum, eles tem choques com suas figuras paternas, cada um ao seu modo, um deles sendo bem autoritário e o outro sendo casado com uma mulher bem mais jovem que ele. Os dois podem ter que se separar caso sejam reprovados.

    Alex Winter até consegue parecer mais um adolescente estereotipado ao estilo tosco de Barrados no Baile e outras adaptações do irreal mundo dos teenagers americanos, mas Keanu Reeves é tão caricato e tosco que seu personagem desmiolado, engraçado, bonachão e carismático, como um resumo do que fazia sucesso na década de oitenta. A interferência de Rufus, personagem de George Carlin (humorista famoso, que surpreende por estar em um filme de tão baixo orçamento) que é um emissário do futuro é envolto em mistérios, e o chamado a aventura acontece de maneira nonsense, fazendo pouco sentido exatamente pelo fato dos dois serem dois garotos estúpidos.

    Os efeitos especiais da viagem pelo tempo são tão bizarros e com efeitos especiais risíveis, que até tem um certo charme, assim como toda a bagunça na cronologia histórica faz aumentar a atmosfera debochada do roteiro. O tema da avaliação oral que o professor manda a dupla fzer, de como um personagem histórico viveria nos dias atuais garante bons momentos, incluindo a interferência direta no curso da historia, que basicamente, se molda aos atos que eles cometem durante as mudanças cronológicas. Se em De Volta Para o Futuro há toda uma preocupação em não mudar o status quo, aqui essa neura não existe, e por mais que o texto de Ed Solomon e Chris Matheson não seja super elaborado, ele conduz uma porção de encontros históricos, que não tem necessidade de soar corretas cronologicamente, mas que captura bem a essência dos personagens reais que aparecem, sobretudo nos momentos finais, na super apresentação deles no colégio.

    O fato de toda a jornada dos garotos não ser nem um pouco preocupada com cronologia ou com não interferência no curso do tempo é o fator primordial para o filme soar tão único e despreocupado, não só com os rumos da Terra e do universo mas também no sentido de transmitir uma grande mensagem. Bill e Ted só precisam se dar bem, como se o destino protegesse eles mesmo sendo completos imbecis, ao ponto até de moldar o futuro da humanidade no legado deles.

    Bill e Ted: Uma Aventura Fantástica faz muito mais sentido dentro do cenário posto dos anos oitenta, mas ainda assim causa furor o suficiente para mais de trinta anos depois pensarem em retomar suas aventuras pelo tempo, com a devida passagem temporal entre 1989 e 2020, e mesmo que tivessem ficado presos em sua época (como era esperado), ainda segue como um bom retrato das comedias descompromissadas da época, onde a tônica mira somente a diversão, com alguma mensagem moral ingênua e não arrogante, em uma mistura que poucas que infelizmente pouco se repetiu ao longos dos anos no cinema mainstream.

  • Crítica | Dogma

    Crítica | Dogma

    O quarto filme para o cinema dirigido por Kevin Smith como diretor, Dogma começa com um disclaimer, um aviso de que os eventos ali são uma brincadeira, uma paródia e que é preciso ter senso de humor, mesmo ao se falar do Divino, uma vez que Deus teria senso de humor. Antes mesmo da ação começar, já há uma boa localização do que seria explorado pelas próximas duas horas.

    A ação começa com um grupo de meninos agredindo um senhor de idade, em atenção à promessa do livro das Revelações (também chamado de Apocalipse). Enquanto isso, a Igreja Católica, através do Cardeal Glick (George Carlin) tenta soar mais atual, abrindo mão do Jesus Crucificado, para uma figura descolada do Messias, chamada de Cristo Amigo, que é basicamente Jesus apontando para frente, com a mão no coração, piscando, tal qual o meme do “Jesus Maneiro”.

    Enquanto isso, os anjos, Loki (Matt Damon) e Bartleby (Ben Affleck) tentam desenganar fiéis cristãos. Azrael é bem representado por Jason Lee, um demônio nada sutil. Aparentemente, os seres sobrenaturais invadem a terra e interferem no cotidiano dos personagens suburbanos e comuns, e a cena mais medonha  talvez seja Metatron, de Alan Rickman, o anjo que revela sua falta de sexo em um momento perturbador.

    Os serafins e demais anjos transitam na Terra à vontade, como se fossem seus donos, e isso é natural, afinal, estão vivos antes dos homens, e querem aproveitar o pouco que resta desse lugar. Smith faz uma espécie de filme coral, repleto de núcleos e missões divinas, pelo lado dos anjos rebeldes como Loki e Bartleby, e dos anjos bons, que  mesmo sendo justos, também destilam humor ácido e referencial.

    Para quem está acostumado com a carreira do diretor, é estranho ver Jay e Silent Bob como protetores da humanidade/profetas, mas em se tratando de época de crise, qualquer ajuda é válida. O filme não se leva a sério nem sequer quando trata das regras básicas da vida, os soldados de Azrael cortam o ar e se teletransportam do nada, com tacos de hockey, Loki e Bartleby fazem apostas com vidas humanas que cometem pecado, matando pessoas aleatoriamente basicamente porque podem – não sem antes ter um diálogo sensacional, que afirma que um homem casado não beija sua esposa de maneira lasciva – e homens mortos a dois mil anos caem do céu.

    Rufus, o personagem de Chris Rock vem para revelar algumas informações fundamentais, não só para a humanidade, mas também para o grupo de heróis que se reúne, com Jay, Bob e Bethany, e cada um deles tem um detalhe de sua vida revelado. Os personagens  de Jason Mewes, Smith, Linda Fiorentino reagem de maneira diferente um do outro quando confrontados, e para um filme de 1999, este estava bem a frente de seu tempo, principalmente quando demonstra o quão frágil é a perspectiva de vida e masculinidade de Jay, que não consegue aceitar sua orientação sexual gay ou bissexual, e precisa provar ser heterossexual a todo momento. O mundo está em colapso, mas refletir sobre preconceitos segue importante, ao menos pelos que cercam Rufus, que é o apóstolo mais livre de pensamentos retrógrados.

    O escopo de discussão aumenta com a personagem de Salma Hayek, que diz que a Biblia foi mal editada, e replicou preconceitos contra mulheres que não correspondiam a realidade. A musa, Serendipity inverte o arquétipo do orelha, explica mais do que os personagens querem saber, mas levanta boas dúvidas a respeito de como o mundo foi feito e como seu Criador foi transformado em uma figura misógina, quando na verdade sua face real era uma mulher.

    O terço final não é tão legal e divertido quanto os outros dois, a forma como os personagens bons derrotam os maus contém algumas boas piadas, mas não tão legais quanto o auge do filme, mas mesmo nesses momentos, se  reflete sobre a condição dos anjos, que não podem resolver suas ânsias sequer com masturbação, dado que não tem sexo, e esse seria um dos motivos da revolta, o não gozo, a inadimplência com o orgasmo, e essa castidade os volta para a violência, diferente do personagem de Rickman, que não age como um incel violento e frustrado por saber bem o seu papel nesse xadrez divino.

    Dogma acaba violento, com a  Terra em estado péssimo, mas com alguma esperança de sobrevida, tal qual quase todos os eventos catastróficos da Bíblia, ainda conta com todo o elenco que Kevin Smith tornou famoso na fase de sua filmografia de Nova Jersey, trazendo seus amigos para uma produção que pôde ser vista por um público maior que os de nicho nerds que sempre acompanharam sua filmografia, e além de tudo, ainda reflete bem sobre a função do mortal diante dos desígnios divinos, embora obviamente não leve nada a sério, nem a mitologia cristã judaica, nem o próprio enredo.

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