Tag: Matt Damon

  • Crítica | Ford vs Ferrari

    Crítica | Ford vs Ferrari

    James Mangold retorna a ceara de cine biografias após produzir duas adaptações de quadrinhos (Logan e Wolverine Imortal) em Ford Vs Ferrari, o longa que adapta a lendária historia em torno da construção do GT40, carro da Ford que viria a vencer a Ferrari na disputa das 24 Horas de Le Mans.

    O foco do filme é na estranha e intima relação entre Shellby Carroll, único americano até então a vencer a prova, e Ken Miles, um homem difícil mas talentoso, tanto em mecânica quanto nas pistas. Aos poucos o filme desata fatos sobre a relação dos dois personagens, aludindo as coincidências de trajetórias dos personagens de Matt Damon e Christian Bale, atrelando a isso um duo divertido e carismático, que vez por outra, abre mão da realidade para mostrar um bromance cheio de altos e baixos, além de um cenário competitivo do automobilismo.

    Shellby é um homem inseguro, no prólogo ele está correndo e percebe suas limitações físicas. Ele para, e vai para os bastidores de uma pequena construtora, ao contrário de Ken, que prossegue correndo mesmo tendo claros problemas econômicos, que resvala na sua relação com sua esposa Molly (vivida por Caitriona Balfe), e seu filho Peter (Noah Jupe). Além é claro de Damon e Bale, o elenco está muito afiado, ao menos nesse núcleo, com os citados e demais interprete desempenhando bem seus papéis. A Equipe Cobra de Shellby realmente parece uma equipe de mecânicos, fugindo de qualquer artificialidade.

    O Imax realmente pesa na experiência de assistir o filme e o torna mais grandioso. As cenas dos carros cortando as curvas são absurdas, muito bem traduzidas visualmente, além de ter um som que grifa o ronco dos motores  e o canto dos pneus. É óbvio que há muita interferência digital mas o trabalho que Mangold rege faz suavizar essas intervenções, muito por conta da mistura com efeitos práticos e pelo carisma de seus personagens. É fácil torcer pelo sucesso de Miles e Carroll, mesmo que sejam eles homens difíceis, é tudo muito palpável e fácil de encarar.

    A entrada da Ford na historia é bem subalterna perto das questões envolvendo os personagens principais. Esse núcleo não repete o brilhantismo dos cockpits da Cobra, mas há muitos bons momentos. É incrível como universos tão diferentes dentro da questão do automobilismo se tocam e se misturam, mas não sem choques fundamentais, não sem guerras de vaidades e de espíritos.

    O filme é um pouco extenso, mas não se perde, embora queira abraças muitas questões históricas. Mesmo quando a trama perde um pouco de sua força, há um trabalho esmerado em mostrar que aquele micro cosmo hiper masculino é sabotado  exatamente por essa necessidade “machona” de sempre ter razão. Questões supostamente econômicas ganham contornos de rixas pessoais com uma facilidade monstra, e expõe a fragilidade da construção mental desses homens poderosos, seja Enzo Ferrari, Henry Ford II ou os  executivos que os cercam. Todos os engravatados são caricatos, tolos e estúpidos, enquanto os que mexem com graxa são humanizados, repletos de virtudes e criativos.

    O script não tem medo de soar irônico, e por mais que esteja teoricamente contando uma historia real, ele se compromete com a diversão prioritariamente, fazendo sua historia soar divertida, escapista, valorizando um estilo de vida aventuresco, mas não sem mostrar o cotidiano pragmático e pesado da intimidade dos personagens, em especial Miles.

    Os homens vivem sua meia idade em crise, mas sem deixar de dar vazão aos seus próprios sonhos, e isso coincide os dois núcleos bem diferentes, e tridimensionalidade dos personagens faz toda a questão menos pé no chão se tornar crível. A briga física entre os personagens é hilária, mas revela muito mais do que ressentimento e receio via ingratidão, e sim uma cumplicidade e decepção de certa forma pela amizade entre Carroll e Miles não ser das mais perfeitas.

    As batidas são muito reais e isso faz com que toda a historia repleta de sub-tramas de Ford Vs Ferrari seja justificada, uma vez há uma abordagem desportiva bem legal, também carregando bastante sentimentos nas amizades e rivalidades mostradas, mesmo que nesse aspecto haja um bocado de maniqueísmo e até um pouco de pieguice.

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  • Crítica | Dogma

    Crítica | Dogma

    O quarto filme para o cinema dirigido por Kevin Smith como diretor, Dogma começa com um disclaimer, um aviso de que os eventos ali são uma brincadeira, uma paródia e que é preciso ter senso de humor, mesmo ao se falar do Divino, uma vez que Deus teria senso de humor. Antes mesmo da ação começar, já há uma boa localização do que seria explorado pelas próximas duas horas.

    A ação começa com um grupo de meninos agredindo um senhor de idade, em atenção à promessa do livro das Revelações (também chamado de Apocalipse). Enquanto isso, a Igreja Católica, através do Cardeal Glick (George Carlin) tenta soar mais atual, abrindo mão do Jesus Crucificado, para uma figura descolada do Messias, chamada de Cristo Amigo, que é basicamente Jesus apontando para frente, com a mão no coração, piscando, tal qual o meme do “Jesus Maneiro”.

    Enquanto isso, os anjos, Loki (Matt Damon) e Bartleby (Ben Affleck) tentam desenganar fiéis cristãos. Azrael é bem representado por Jason Lee, um demônio nada sutil. Aparentemente, os seres sobrenaturais invadem a terra e interferem no cotidiano dos personagens suburbanos e comuns, e a cena mais medonha  talvez seja Metatron, de Alan Rickman, o anjo que revela sua falta de sexo em um momento perturbador.

    Os serafins e demais anjos transitam na Terra à vontade, como se fossem seus donos, e isso é natural, afinal, estão vivos antes dos homens, e querem aproveitar o pouco que resta desse lugar. Smith faz uma espécie de filme coral, repleto de núcleos e missões divinas, pelo lado dos anjos rebeldes como Loki e Bartleby, e dos anjos bons, que  mesmo sendo justos, também destilam humor ácido e referencial.

    Para quem está acostumado com a carreira do diretor, é estranho ver Jay e Silent Bob como protetores da humanidade/profetas, mas em se tratando de época de crise, qualquer ajuda é válida. O filme não se leva a sério nem sequer quando trata das regras básicas da vida, os soldados de Azrael cortam o ar e se teletransportam do nada, com tacos de hockey, Loki e Bartleby fazem apostas com vidas humanas que cometem pecado, matando pessoas aleatoriamente basicamente porque podem – não sem antes ter um diálogo sensacional, que afirma que um homem casado não beija sua esposa de maneira lasciva – e homens mortos a dois mil anos caem do céu.

    Rufus, o personagem de Chris Rock vem para revelar algumas informações fundamentais, não só para a humanidade, mas também para o grupo de heróis que se reúne, com Jay, Bob e Bethany, e cada um deles tem um detalhe de sua vida revelado. Os personagens  de Jason Mewes, Smith, Linda Fiorentino reagem de maneira diferente um do outro quando confrontados, e para um filme de 1999, este estava bem a frente de seu tempo, principalmente quando demonstra o quão frágil é a perspectiva de vida e masculinidade de Jay, que não consegue aceitar sua orientação sexual gay ou bissexual, e precisa provar ser heterossexual a todo momento. O mundo está em colapso, mas refletir sobre preconceitos segue importante, ao menos pelos que cercam Rufus, que é o apóstolo mais livre de pensamentos retrógrados.

    O escopo de discussão aumenta com a personagem de Salma Hayek, que diz que a Biblia foi mal editada, e replicou preconceitos contra mulheres que não correspondiam a realidade. A musa, Serendipity inverte o arquétipo do orelha, explica mais do que os personagens querem saber, mas levanta boas dúvidas a respeito de como o mundo foi feito e como seu Criador foi transformado em uma figura misógina, quando na verdade sua face real era uma mulher.

    O terço final não é tão legal e divertido quanto os outros dois, a forma como os personagens bons derrotam os maus contém algumas boas piadas, mas não tão legais quanto o auge do filme, mas mesmo nesses momentos, se  reflete sobre a condição dos anjos, que não podem resolver suas ânsias sequer com masturbação, dado que não tem sexo, e esse seria um dos motivos da revolta, o não gozo, a inadimplência com o orgasmo, e essa castidade os volta para a violência, diferente do personagem de Rickman, que não age como um incel violento e frustrado por saber bem o seu papel nesse xadrez divino.

    Dogma acaba violento, com a  Terra em estado péssimo, mas com alguma esperança de sobrevida, tal qual quase todos os eventos catastróficos da Bíblia, ainda conta com todo o elenco que Kevin Smith tornou famoso na fase de sua filmografia de Nova Jersey, trazendo seus amigos para uma produção que pôde ser vista por um público maior que os de nicho nerds que sempre acompanharam sua filmografia, e além de tudo, ainda reflete bem sobre a função do mortal diante dos desígnios divinos, embora obviamente não leve nada a sério, nem a mitologia cristã judaica, nem o próprio enredo.

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  • Crítica | Zona Verde

    Crítica | Zona Verde

    Engana-se quem acha que Paul Greengrass nega qualquer patriotismo, ou niilismo inerentes a política americana para focar na ação, pura e simples de um dos mais genéricos thrillers políticos de Hollywood desde o medíocre Leões e Cordeiros, com Tom Cruise e Meryl Streep, de 2007. Nenhum cineasta americano iria perder, hoje ou num passado distante, a chance de se discutir os dois lados de uma política internacional cada vez mais destrutiva e que assola o mundo com barbáries balísticas, capitalismo selvagem e imposições econômicas, e ideológicas. Ridley Scott bem que tentou em Falcão Negro em Perigo, e convenceu a poucos. A única que parece ter saído ilesa no debate sobre um conflito aparentemente interminável, e cada vez mais complexo foi Kathryn Bigelow, tanto em A Hora Mais Escura quanto no (principalmente) ótimo Guerra ao Terror, pelo qual ganhou um merecidíssmo Oscar de direção. Dois filmes de sua autoria de grande domínio temático, sempre entre o real e o ficcional, e nunca expostos a um sensacionalismo banal.

    Zona Verde está no meio termo entre o que esperamos de um filme de ação no oriente médio, com ampla intromissão militar norte-americana, e o que aguardamos de um filme de Greengrass, particularmente reconhecido por sua habilidade no gênero de ação. Sua câmera tremida está presente, é claro. Os efeitos sonoros retumbantes, também, e o ritmo ágil nem se fala. Os elementos do Cinema de Greengrass inspiram tantos outros cineastas de sua geração, e em atividade (até o cinema sul-coreano mantém parte da sua atenção nele), mas quase nenhum americano consegue superá-lo, vide o excelente O Ultimato Bourne, filmaço de ação destituído de temas políticos traiçoeiros se debatendo na credibilidade de uma história, e o divertido mas ainda assim irregular Capitão Phillips. Filme mais recente com Tom Hanks, mas eficaz e eficiente no averiguar de que, pelo menos em Hollywood, ninguém usa uma câmera pra filmar um corre-corre tenso e ininterrupto igual ele, especialmente após a morte de Tony Scott, dos fantásticos Inimigo do Estado e Deja Vú, outro (ex) ás americano nesse quesito.

    No filme em questão, ao longo de toda a turbulenta investigação da equipe liderada por Roy Miller (Matt Damon, cheio de saudades de ser Jason Bourne) Iraque afora, em busca de armas químicas perigosíssimas, e durante o grande (e previsível) plot twist que mexe e inverte as situações da trama, acabando por subverter o próprio propósito da missão militar de todos, é notável como Greengrass se divide entre fazer com que o cenário vire um parque de diversões para tiroteios e bombardeios, e contar a história do ponto de vista mais sério e dramático como ela parece exigir que seja enxergada, e mantida, contando com meia-dúzia de personagens arquetípicos para isso. Contando também com um roteiro cheio de simplicidades na amostragem de uma realidade dura e cruel para com os habitantes e as instalações militares da região sitiada, o filme não decepciona seu público-alvo, e consegue sim encontrar um equilíbrio bacana na sua clara proposta de ser um entretenimento reflexivo, de boa qualidade.

    Acima de tudo, em momento algum (como na boa sequência de invasão militar a casa de um general iraquiano, uma cena de RPG com atores, em que a história coloca em cheque a verdadeira face impositiva da democracia dos EUA), o cineasta se deixa levar pelo entretenimento vão, e fácil, e demonstra um empenho considerável para entender, cada vez mais, os inúmeros problemas e enormes desafios práticos desse impasse econômico e cultural com sutis exaltações as políticas estratégicas dos EUA. Greengrass é cuidadoso aqui, e foge de arbitrariedades explícitas para traçar um quadro verdadeiro mas não tão imparcial assim de uma situação difícil, por natureza. Contudo, ao final, resta-nos a constatação que não há nenhuma cena marcante ou detalhe realmente inesquecível que faça com que Zona Verde seja impactante para aqueles que se consideram, ou não, fãs de filmes bélicos contemporâneos, indo levemente além de um lugar-comum dentro da filmografia do cara, com representantes mais sedutores do seu talento, e do próprio gênero que não escapa de estar incluso.

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  • Crítica | Suburbicon: Bem-Vindos Ao Paraíso

    Crítica | Suburbicon: Bem-Vindos Ao Paraíso

    Em sua sexta incursão por detrás da câmeras em um longa-metragem, George Clooney se reúne a dois roteiristas de peso, Joel e Ethan Coen, e ao parceiro Grant Heslov (Caçadores de Obras-Primas, Tudo Pelo Poder, Boa Noite e Boa Sorte) para uma narrativa de humor negro situada em 1959, em um subúrbio que reflete o sonho americano.

    Suburbicon: Bem Vindos Ao Paraíso se inicia como um anuncio antigo, informando sobre esse local quase idílico em que é possível viver com os mesmos confortos de uma cidade grande, sem os problemas enfrentados por grandes metrópoles. É neste local que residem os Lodge, uma família tradicional que após sofrer uma invasão por assaltantes, destroem a imagem de um grupo perfeito cedendo a vingança, chantagem e traição.

    Escrito na década de 80 pelos Irmãos Coen, dois anos após o lançamento de Gosto de Sangue em 1984, o roteiro foi desengavetado por Clooney, além de ter sido alterado com novas subtramas, como a presença da primeira família negra no bairro, um evento baseado em um fato real que culminou em violência e agressão contra a família.  Em pouco tempo de exibição, é possível perceber o estilo narrativo dos irmãos, a crítica estabelecida sobre a falsa perfeição da sociedade americana e as consequências de um crime que destroem a família, revelando as camadas podres por debaixo da pintura. A conhecida comédia de erros tão bem definida no clássico Fargo – Uma Comédia de Erros.

    A reescrita do antigo roteiro com acréscimos de subtramas para encorpá-lo é um feito visível na tela. A história envolvendo a família negra é mal aproveitada, funcionando mais como um pano de fundo mostrando as tensões da época do que mais uma denúncia contra o falso moralismo americano. Enquanto a trama central parece esconder inicialmente a índole dos personagens, como se o público não soubesse se tratar de uma trama crítica. Ao evitar abordar a família como um grupo corrupto, salvo o pequeno garoto Nicky, o filme perde tempo excessivo decompondo o pai de família. Se desde o início ele fosse desenvolvido como um homem imoral, a crítica poderia ser mais eficiente.

    O universo estabelecido em cena sobre um bairro idílico é funcional, a paranoia e o preconceito envolvendo a família de negros é perceptível como se o bairro sob a grama aparada e os sorrisos representasse um mundo as avessas. Matt Damon e Juliane Moore dão um pouco mais de cor há um roteiro mal desenvolvido, bem como o coadjuvante Oscar Isaac brilha em suas únicas duas cenas. Porém, nada parece suficiente para causar incômodo nem estabelecer uma crítica profunda como era a intenção inicial.

    A ideia de Clooney em restaurar um antigo roteiro dos Coen é interessante e seria bem representativo como crítica se sua trama não parecesse desequilibrada. Como uma comédia de erros, a própria execução da trama se tornou também um erro. Suburbicon se destaca apenas por poucos bons momentos, lembrando-nos que tanto o diretor quanto os roteiristas já estiveram em melhor forma.

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  • Crítica | Pequena Grande Vida

    Crítica | Pequena Grande Vida

    Após uma sequência de filmes praticamente irrepreensíveis, como Eleição, As Confissões de Schmidt e Sideways, o diretor Alexander Payne passou por uma sequência de altos e baixos. Para muitos, Descendentes havia sido seu pior filme até então, mas o fato de Nebraska ter tido o reconhecimento que teve acabou de certa forma mascarando o insucesso anterior. Quatro anos se passaram e finalmente chega as telas seu novo projeto, Pequena Grande Vida.

    Num mundo onde a superpopulação é a maior preocupação, cientistas descobrem que a solução é encolher as pessoas a um tamanho centimentral, a fim de consumir menos recursos. O herói da jornada é o profissional da saúde Paul Safranek (Matt Damon). Ele é casado com Audrey (Kristen Wiig) e após conversar com alguns amigos e com a família, decide então se submeter ao processo irreversível de diminuição. No entanto, sua companheira desiste do processo após ele ter sido reduzido e ele se vê sozinho em um mundo que parece ser habitado unicamente por conservadores brancos que buscam tornar suas pequenas poupanças em verdadeiras fortunas.

    Toda a propaganda para que as pessoas venham a aderir a ideia é envolta em uma fala repleta de engodo, parece ter ali uma ironia que será seguida de um enorme problema. Ao menos na vida de Paul, não é isso que acontece. As agruras que lhe ocorrem são apenas pessoais, e ele segue toda a duração do filme como um sujeito bonachão e extremamente alienado, mesmo quando tem contato com outras culturas e necessidades. O ponto de virada em sua trajetória é quando ele encontra o seu vizinho sérvio Dusan Mirkovic, um europeu trambiqueiro interpretado por Christoph Waltz. É através dele que Paul conhece Ngoc Lan Tran (Hong Chau), uma ativista vietnamita que foi diminuída a força por seu governo, e que nesse novo mundo, se tornou uma faxineira de pessoas ricas, que tem por hábito levar remédios vencidos e sobras de comida para as pessoas de seu gueto.

    A viagem até um ambiente pequenino não tão controlado quanto é o subúrbio onde Paul mora deveria chocar o público, mas não o faz, no entanto, causa espécie no personagem principal, já que ele percebe uma camada social que ele não fazia ideia de que existia. Ainda assim, sua ideia de ajuda passa por alguns momentos estranhos que o fazem enxergar os que sofrem essas mazelas como pobre coitados, mesmo que suas vidas tenham alegrias e tristezas comuns as de qualquer outro homem. A ideia de homem comum não passa na cabeça dele, afinal ele enxerga aquilo como uma sub-vida.

    É curioso como o sub-texto inconsciente do roteiro de Payne e Jim Taylor fala mais do que as camadas superficiais de sua história. Todo o discurso pseudo-ecológico em tom de livro barato de auto-ajuda não deixa de soar piegas em momento nenhum. As interferências de direção de Payne são bonitas visualmente mas são mal engendradas textualmente. A personagem de Tran que num primeiro momento parecia ser inspiradora soa bastante boba, não só pela barreira da língua, mas também por ter tido toda sua luta idiotizada. A poetização do ridículo passa um bocado do ponto, tencionando tanto se tornar jocoso que quase todas as viradas de roteiro soam previsíveis e pretensiosas, Pequena Grande Vida pouco acrescenta nas discussões que propõe, com quase nenhuma boa performance do grande elenco que possui.

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  • Crítica | A Grande Muralha

    Crítica | A Grande Muralha

    Misturando elementos de romances históricos e filmes de fantasia antigos, A Grande Muralha é o novo produto americano do diretor Zhang Yimou, o mesmo que entregou em 2012 o controverso Flores do Oriente. A história acompanha a dupla de mercenários europeus, William Garin (Matt Damon) e Pero Tovar (Pedro Pascal, de Narcos), que andam pelos arredores da grande muralha da China e se deparam com um conjunto de criaturas fantásticas.

    Ao serem rendidos, eles entram nos domínios chineses, e veem uma armada fortemente organizada e munida de armaduras coloridas. Mesmo tão preparados para quaisquer ataques, o exército protetor perece perante as criaturas fantásticas, chamadas de Tao Tei pelos nativos.

    O filme tenta fazer crer que o império que ali vive tem o monopólio das forças humanas graças a um pó preto – na verdade é apenas pólvora – mas a inteligência deles não corresponde a uma realidade onde eles seriam de fato os soberanos. Todas as boas estratégias de batalhas partem de Garin ou de Tovar, sobrando aos personagens de Andy Lau (Estrategista Wang) e Jing Tian (Comandante Lin Mei) apenas um show off de armas e de acrobacias em pleno ar.

    As cenas de ação são muito bem conduzidas, como se espera de um diretor como Yimou, e já visto em Clã das Adagas Voadoras e Herói, a questão primordial é a pobreza do texto, o amontoado de clichês e até a confusa geografia do reino, que tem uma configuração que não faz sentido algum, uma vez que a cidade real é completamente desguarnecida e alvo fácil para os inimigos.

    A Grande Muralha é mais filme com o belo visual de Zhang Yimou, contudo, o texto faz o longa soar genérico como a maioria dos filmes de ação recente, repleto de soluções fúteis e banais para a solução de seus conflitos, personagens arquetípicos e interações emocionais sem a menor química entre as suas personagens.

  • Crítica | A Supremacia Bourne

    Crítica | A Supremacia Bourne

    A Supremacia Bourne

    Contrariando o desfecho positivo de A Identidade Bourne, filme anterior da franquia, o primeiro episódio dirigido por Paul Greengrass começa uma narrativa bem diferenciada de Doug Liman, tanto no clima mais pessimista estabelecido na primeira conversa de Jason Bourne (Matt Damon) e sua amada Marie (Franka Potente), quanto no modo de conduzir a câmera, com super-closes e registros em ângulos fechados, movimentados por uma mão trêmula emulando a pseudo-realidade vista em documentários. A Supremacia Bourne seria ainda mais marcante e ditaria ainda mais regras para o futuro do cinema de ação mainstream.

    A caçada se inverte, uma vez que Jason era perseguido no primeiro e se torna o agressor ao perceber que perdeu tudo o que tinha estima. O grupo, que antes o monitorava e que verificava cada um dos seus passos, passa a ser o alvo de suas habilidades de assassino nato e o senso de urgência se torna ainda mais real, especialmente nas expressões que Damon deixa transparecer ao longo de sua busca.

    Os sub-plots e aliterações dos personagens periféricos perdem força, especialmente no referente a Ward Abbott (Bryan Cox) e Nicky (Julia Stiles), que são importados do primeiro episódio para fazer ponte entre uma história e outra, sem ter absolutamente importância nenhuma em comparação com o visto anteriormente. No entanto, até a obsolescência de ambos serve bem à trama, mostrando o quão terrível e inevitável poderia ser o destino de ambos.

    Karl Urban faz às vezes de Clive Owen neste segundo filme, servindo de embate para o personagem principal como Kirill, um sujeito que também é um espelho maligno do herói. Sua presença, de certa forma, contradiz parte do argumento do primeiro longa, ainda que acrescente mais uma camada de discussão em relação à paranoia que habita o ideário da franquia Bourne, que se torna ainda mais grave e adulta graças aos temas debatidos pelo texto de Toni Gilroy.

    Se em Identidade Bourne o assunto mais profundo era a busca por uma identificação e a consequente fuga da verdade, em Supremacia é o controle da informação que gera todos os dramas, desde os pessoais até os males sociais. A sociedade moderna tem de lidar com o volume cada vez maior de dados circulando, e é esse tráfego de informação que facilita a execução dos personagens caros ao roteiro, conjecturando uma teia de dados que, ao invés de ajudar o homem, o faz caçar-se mutuamente, aumentando o receio de ter a própria privacidade e intimidade invadidas.

    A escalada narrativa em Supremacia Bourne é muito bem construída e ainda é adequada, ainda mais em relação à histeria generalizada que tomou conta dos Estados Unidos na década de 2000. Além de ser fruto de seu tempo e de estabelecer ainda mais o paradigma do herói que faz tudo sozinho, ainda une a isso uma história coesa e com conteúdo relevante, diferenciando-se assim do arquétipo dos brucutus dos anos 1980, determinando que, dali para frente, os action movies precisariam de algo a mais, seja uma abordagem temática mais redonda ou inventividade com a câmera em mãos, fatores muito abundantes nesta segunda parte da franquia.

  • Crítica | A Identidade Bourne: Renascido em Perigo

    Crítica | A Identidade Bourne: Renascido em Perigo

    A Identidade Bourne

    Um homem de origem e nome desconhecidos é encontrado à deriva, navegando sozinho e próximo de morrer. Resgatado por um navio pesqueiro, o tal sujeito é tratado por Giancarlo (Orso Maria Guerrini), um homem que cuida de suas feridas, além de acolhê-lo, sem maiores delongas ou indagações, excluindo o fato de ter extraído do corpo do estranho uma bala. O personagem de Matt Damon demora a se encontrar no tempo e espaço, ainda mais quanto a sua própria identidade, uma vez que guarda consigo uma porção de carteiras falsas. O pouco que sabe é que possui capacidades sobre-humanas e habilidades de fuga e sobrevivência irreais para os padrões comuns.

    Baseado no livro de Robert Ludlum – que já havia sido adaptado em uma minissérie de TV protagonizada por Richard Chamberlain –, A Identidade Bourne: Renascido Em Perigo foi um exercício de escapismo com superespiões, ainda que seu caráter seja de uma realidade bem mais palpável e visceral do que observada em Missão Impossível e nos filmes clássicos de James Bond, inclusive influenciando a nova faceta em 007 – Cassino Royale, já com o novo intérprete.

    Apesar de não ser o ápice da cinessérie, o diretor Doug Liman consegue imprimir todas as características ímpares do personagem e de seus dramas já neste primeiro filme, estabelecendo sua confusão mental e a dificuldade de encontrar seu código ético e motivação para viver. O encontro casual que tem com a personagem Marie (Franka Potente) serve bem ao propósito de espelhar a sensação de extrema insegurança que assola o personagem-título, servindo quase a perfeição na montagem desse paradigma de busca pela normalidade do homem, em contraponto com a completa utopia vista nas mínimas atitudes dos outros personagens, com um grupo de vilões que beira a canastrice e caricatura. Artifícios que visam um inteligente comentário social, associando a paranoia dos Estados Unidos pós-11 de setembro a algo bobo e pueril, enquanto o homem comum – no caso, Bourne – tenta virar-se como dá.

    A busca por encontrar a si mesmo faz o herói se encarar como algo bem diferente do que sua nova moral estabelece como certo e errado. O contato com Conklin (Chirs Cooper) faz com que relembre as memorias suprimidas pelo superego, enxergando finalmente a faceta que sempre lhe foi comum, justificando o motivo que o fez tentar ser resgatado. Ao ser retirado das águas, o antigo Jason Bourne estava morto, e sua nova vida deveria começar a partir dali, cortando qualquer laço com os que o viam apenas como uma máquina de matar.

    A paz alcançada no final mais se assemelha a um fantasioso prólogo, um evento entrópico na vida de um personagem que é bruto por natureza e que teria por regras o caos e a guerra, não só aventados nos sinais presentes no roteiro de W. Blake Herron e Toni Gilroy, mas também no modo com que Liman conduz as cenas, utilizando luz difusa e completamente destoante de todo o filme. Apesar de inferior em relação às sequências comandadas por Paul Greengrass, A Identidade Bourne consegue alcançar o status de um competente filme de ação, contendo cenas muito bem construídas e uma discussão filosófica madura, especialmente para uma exploitation de super espião.

  • Crítica | Jason Bourne

    Crítica | Jason Bourne

    Jason Bourne - poster

    Jason Bourne é o quarto filme da franquia de super espionagem desenvolvida a partir do romance de Robert Ludlum – quinto, se contar o atropelo equivocado de O Legado Bourne de Toni Gilroy, sequência sem o astro da franquia. Este novo longa metragem era repleto de expectativas, uma vez que marcava o retorno de Matt Damon ao papel título junto ao diretor Paul Greengrass e por mais que não tenha uma trama tão envolvente quanto os dois últimos episódios, ainda tem muito a dizer tanto em trama quanto em direção.

    O paradeiro dos personagens antigos é desconhecido no começo. O pouco que se mostra é Bourne vivendo longe do sistema, à margem do mundo civilizado. Esse é primeiro filme sem o argumento de Gilroy, cabendo ao diretor e a Christopher Rouse (de parcerias com Greengrass em Vôo United 93, Zona Verde e Capitão Phillips) desenvolverem essa nova trama, além de atualizá-la, uma vez que não havia mais material canônico de Robert Ludlum para se basear.

    A história se passa dez anos após os eventos de Ultimato Bourne e possui pouca novidade em relação a trama. O que movimenta a nova aventura do espião de passado misterioso é sua aparição pública após tanto tempo anônimo. Fato que incomoda os mandatários da CIA, especialmente Robert Dewey (Tommy Lee Jones), que tinha um contato íntimo com o pai de David Webb – nome civil de Jason – e a ambiciosa Heather Lee (Alicia Vikander), que ganha espaço com o decorrer da trama de uma forma um pouco forçada.

    As ideias defendidas pelo roteiro fazem a qualidade geral do filme decair um bocado, especialmente nas questões chave da exploração do passado do herói. Já se havia estabelecido uma aceitação do próprio ethos do assassino frio e o motivo de seu auto exílio funcionava com perfeição. O ponto positivo de todo esse imbróglio é a constatação que o destino, ao menos no que tange o personagem, é inexorável, mostrando que a violência é algo íntimo e inevitável dentro de sua existência.

    Se  o texto não consegue corresponder a qualidade ímpar dos filmes anteriores, o modo de captura de imagem de Greengrass segue bastante afiado e inspirado. As cenas de ação são absurdamente bem construídas e mesmo quando exageram na suspensão de descrença, especialmente nas questões pessoais e perseguições envolvendo o personagem de Vincent Cassell, funcionam muito bem, principalmente em um momento de tirar o fôlego próximo ao final.

    Jason Bourne consegue reunir a maioria dos bons elementos da franquia, evocando a paranoia dos Estados Unidos pós Guerra ao Terror de maneira atual e bastante franca, a despeito até de seus próprios defeitos devido a um roteiro não tão intrincado como das produções anteriores.

  • Crítica | Além da Vida

    Crítica | Além da Vida

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    Proposta bastante diferente dentro da sua costumeira filmografia, Além da Vida simboliza o flerte com uma vertente temática espiritual pouco abordada em geral no circuito mainstream de cinema, escolhida por Clint Eastwood por conter em seu argumento uma história curiosa e tocante. Após ambientar o público na rotina de um casal de estrangeiros em terras asiáticas, as cenas que abusam de CGI mostram o desastre natural tsunami assolando a costa, fazendo vítimas fatais, dentre elas Márie (Cécile de France), que miraculosamente sobrevive após ter contato com o post mortem.

    O roteiro de Peter Morgan compreende outros personagens que igualmente tiveram – ou têm – experiências com o outro lado da vida, ou com o que comumente é chamado de outra dimensão. O núcleo de análise se estende até George (Matt Damon), um homem que desde muito moço tem contatos com espíritos, e que no passado foi diagnosticado como esquizofrênico. O texto toma bastante cuidado em ambientar seu público em situações que, se não atingem o real, ao menos soam plausíveis e palatáveis, o que facilita a imersão para muito além do espectador já afeito ao tema.

    O que soa problemático são os atalhos textuais, como o uso excessivo do arquétipo de “orelha”, utilizado na personagem da bela Bryce Dallas Howard, Melanie, que basicamente serve para gerar empatia, além de funcionar como possível par romântico do personagem masculino, mas acúmulo de funções pesa, especialmente ao verificar a falta de profundidade da personagem, que é basicamente uma mulher encantadora que faz aulas de gastronomia e gostaria de se comunicar com entes queridos já falecidos.

    O método de contar uma história sob vários olhares faz perder também um bocado da força do filme ao invés de produzir uma sensação de tomada do inconsciente coletivo, como era a intenção de Morgan e Eastwood.

    Não há apologia ao espiritismo, ao menos não em nível liminar, tampouco os contatos são feitos de maneira escrachada. Há um excessivo cuidado por tratar cada pessoa, que conhece esse fenômeno, como seres humanos comuns, com frustrações e rotinas iguais, focando em sensações de solidão, comuns não só aos que são encarados como ” aberrações ” crédulas, como também a qualquer ente que viva normativamente.

    A atmosfera agridoce algumas vezes funciona, em outras tantas não, já que com ela vem uma sensação de desimportância que não combina com qualquer premissa, ainda mais com uma que tenta levar a sério algo comumente relacionado a chacota, como o diálogo com o além. No entanto, Além da Vida, mesmo com todos os pontos positivos aventados dentro do argumento, resulta em um filme morno, que não se destaca sequer por planos mais elaborados por seu diretor, e também por não se destacar em matéria de simplicidade narrativa, esquemática demais até em comparação com outros filmes do cineasta.

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  • Crítica | Perdido em Marte

    Crítica | Perdido em Marte

    Perdido Em Marte 1

    Tentativa de seu diretor em retornar aos bons tempos – ou ao menos à seara de filmes passáveis – Perdido em Marte é um esforço conjunto de Ridley Scott e o roteiro do pródigo Drew Goddard, cuja experiência na televisão – especialmente no recente sucesso de Demolidor – o credenciava a criar uma história carismática e interessada, êxito alcançado no argumento que se baseia no livro de Andy Weir.

    Apesar do trabalho recente de produções hediondas, como Êxodo e Conselheiro do Crime, Scott consegue trabalhar bem com os elementos que lhe são postos à frente, se valendo especialmente de dois fatores fundamentais: o carisma de Matt Damon, que funciona de modo perfeito – ao contrário de Terra Prometida de Gus Van Sant – exatamente pela simplicidade de sua forma; e claro, uma trilha sonora incidental maravilhosa, que ajuda a preencher o vazio da solidão de um planeta inóspito.

    Mark Watney (Damon) está junto de seus companheiros, viajando pelo espaço, em um esquema que reúne uma gama de personagens padronizados, que não fogem em nada do que o grande público consideraria palatável. A missão dá errado, e Watney fica para trás, dando vazão à velha história de superação e de resgate do homem abandonado.

    Perdido Em Marte 3

    Apesar de se valer de tecnobables na solução final, o argumento é crível, mesmo quando apela demasiado para a suspensão de descrença, exatamente por, mesmo com pouco tempo de tela, a persona de Watney resultar em algo interessante, otimista e chamativo, sem discrepâncias em relação ao seu passado, fugindo inclusive de velhos bordões, como família desesperada atrás do desaparecido ou cônjuge, à espera da volta.

    Claramente, há no texto do filme um bocado de referências a objetos blockbusters do passado, como um pouco do espírito de Top Gun: Ases Indomáveis, no sentido de retratar a alma de equipe e as grandes mentiras dos “especialistas” – fatos que provavelmente irritam qualquer botânico que vê Watney realizar um sem número de proezas. Outra alegoria é ao óbvio mote de O Resgate do Soldado Ryan, ainda que este seja muito menos cafona e apelativo que o filme de Spielberg.

    Apesar de não possuir cenas tão bem orquestradas do ponto de vista criativo, todo o suspense e claustrofobia funcionam em Perdido Em Marte, reprisando os ótimos momentos de Gravidade, inclusive o plot de desespero em torno da sobrevivência. Embora a carga positiva do filme de Scott seja enorme, este é um dos pontos diferenciais da fita, fato que inclusive insere a obra em um patamar superior ao recente Interestelar, por não encarar seu espectador necessariamente como um neófito.

  • Crítica | Interestelar

    Crítica | Interestelar

    Interestelar

    Desde que o primeiro homem andou sobre esse planeta, o céu e as estrelas exercem uma fascinação na espécie como nenhum outro fenômeno da natureza. Não à toa, praticamente todos os povos terrestres tinham como deuses planetas e estrelas, dadas sua magnitude, distância e beleza. Portanto, nada mais natural que, na era moderna, as artes tentem reproduzir esse senso de admiração pelo desconhecido. Dentre todas, o cinema é a que chega mais próxima de construir e reproduzir essas sensações para o público dito “comum”, que em meio à correria do dia a dia, mal tem tempo de olhar para o lado, quanto mais para cima.

    Desde Georges Méliès, passando pelo sempre cultuado 2001 – Uma Odisseia no Espaço, Contatos Imediatos de Terceiro GrauContato e, mais recentemente, por Gravidade, o Universo exerce um fascínio por sua exuberante beleza, ao mesmo tempo que assusta por suas escalas inimagináveis de grandeza e a sensação de que, ali, estamos perto de ser literalmente nada. Ciente de todas essas questões, o cultuado diretor britânico Christopher Nolan se lançou em uma empreitada arriscada, a de fazer uma história que se passa nesse cenário e que, ao mesmo tempo, possa emplacar um sucesso comercial.

    Interestelar gira em torno do piloto Cooper (Matthew McConaughey), que cuida de sua fazenda no interior dos EUA junto a sua família. Em um futuro não muito distante, que flerta com uma distopia onde a humanidade não foi destruída, mas passa por dificuldades e tenta viver normalmente, a sociedade não precisa mais de engenheiros e pilotos, pois a exaustão natural do planeta, junto ao crescimento da população, provocou a escassez de comida, sendo essa a atual função de Cooper, que nunca superou o fato de não ter levado adiante sua vocação. Sua filha, Murph (Mackenzie Foy/Jessica Chastain/Ellen Burstyn), mostra uma grande inteligência e inclinação para a ciência, enquanto seu filho, Tom (Timothée Chalamet/Casey Affleck), se mostra contente em seguir seus passos de fazendeiro, tudo aos cuidados do pai de sua falecida esposa, Donald (John Lithgow).

    Cooper tenta ao máximo se esforçar para cumprir suas tarefas como fazendeiro e pai, mas a frustração de não ser piloto sempre o impede de dar a tudo a atenção e importância que merecem. A passagem em que ele discute com os responsáveis da escola de seus filhos, onde os livros de história sobre a exploração espacial foram alterados, é excelente na medida em que mostra o descompasso entre aquele estágio da humanidade, que se contenta em apenas sobreviver, e a reminiscência de um passado sonhador, na figura de Cooper, que imaginava expandir as fronteiras da humanidade rumo ao espaço. A discussão a respeito do pioneirismo da exploração espacial – relembrando o Velho Oeste -, e o papel da ciência como salvadora da humanidade também poderia ser mais problematizada. O filme ignora condições sociais e ideologias das quais a ciência é fruto. Ela não existe sem seres humanos dotados de vontade produzindo-a, e da mesma forma que ela é tratada sozinha como a salvadora da humanidade, também poderia ter sido a causadora de sua extinção.

    Dentro deste mundo, os fenômenos naturais com os quais estamos habituados não acontecem mais do mesmo jeito. Elementos como uma poeira constante (que às vezes se transforma em tempestades) e alterações na gravidade por vezes acontecem, mas a preocupação com o dia a dia é tão grande que poucos ligam. Menos Murph. A criança percebe em seu quarto que algo estranho, que ela chama de “fantasma”, acontece, já que os livros de suas estantes sempre caem sozinhos. Cooper diz a ela para compilar dados e analisá-los, para depois se chegar a uma conclusão, como manda a lógica científica. Prontamente, Murph realiza o pedido do pai e em pouco tempo descobre uma mensagem codificada, em código Morse, e que, para a surpresa e espanto de Cooper, os leva a uma instalação secreta da NASA.

    Lá, Cooper reencontra um antigo amigo de seus tempos de piloto, o professor Brand (Michael Caine), e conhece a filha dele, Amelia Brand (Anne Hathaway). Então, a história dá uma guinada. Cooper é convidado para fazer parte de um projeto de tentativa de salvação da humanidade, que será extinta por uma “praga” que consome nitrogênio e altera o balanço da atmosfera. O projeto, que estava em andamento há anos, levou equipes diferentes de cientistas para outra galáxia através de um buraco de minhoca posicionado perto de Saturno por “alguém”, que ninguém sabe quem, mas que não estaria ali por acaso. E esse seria o caminho da viagem, o qual envolveria muitos riscos, provavelmente sem retorno.

    Nesse momento, o desenvolvimento dos personagens e suas angústias é parado para dar vazão a uma velha mania de Nolan, que é explicar para o espectador tudo o que os especialistas do filme pretendem fazer. Nesse caso, o professor Brand explica todo o passo a passo para Cooper, e o fato de escolherem um ex-piloto e fazendeiro, que apareceu por acaso naquela base para pilotar a missão mais importante da humanidade, causa um certo estranhamento, em que a explicação dada, onde “algo” o enviou ali, convence o espectador mais crédulo, mas não aquele mais exigente. A explanação do professor Brand sobre os planos A (resolução de sua equação e retirada da população da Terra para outro planeta) e B (popular o novo planeta com material genético guardado) também é acometida por isso.

    Chamado de volta a sua vocação, Cooper aceita a missão e precisa deixar a família, para o desespero de sua filha. A promessa do retorno do pai não resolve o conflito, que ecoará para sempre na vida de ambos. O relógio que Cooper dá a Murph como uma tentativa de criar um elo sentimental e temporal entre ambos também falha nesse sentido.

    Ao abandonar a Terra e ir para o espaço, o filme toma outra proporção, e as discussões científicas entre os personagens, para decidirem o próximo passo da missão, são sempre explicativas dentro de um limite do aceitável, mas bem perto deste limite. Para um espectador sem nenhum tipo de conhecimento científico, talvez ajudem-no a entender alguns conceitos básicos e o que estaria acontecendo em determinados momentos. Porém, para este mesmo espectador, explicação alguma ajudaria a entender fenômenos mais complexos, como o que acontece dentro de um buraco negro, o que, na verdade, ninguém sabe. Se em A Origem o excesso de explicações sobre uma trama relativamente simples acaba entediando o público, em Interestelar isso não acontece, pois as informações estão inseridas em um contexto totalmente diferente do que estamos habituados, e os diálogos ajudam-nos a familiarizar tanto com o tema quanto com as motivações por trás de cada personagem. Obviamente, escorregões acontecem, quando Amelia Brand discorre sobre o amor, mas são poucas as vezes.

    A sequência de aproximação, e quando entram no buraco de minhoca, é belíssima e lembra muito a viagem de Ellie, em Contato, ao transformar uma viagem espacial sob condições inéditas e extremas em uma aventura por si só. Ao mesmo tempo, a chegada ao local se transforma em uma paisagem visual para o vislumbre do espectador e dos protagonistas. Juntos na viagem estão os outros cientistas Doyle (Wes Bentley) e Romilly (David Gyasi), além dos computadores com inteligência artificial TARS (voz de Bill Irwin) e CASE (voz de Josh Stewart), que garantem bons alívios cômicos.

    Ao transformar o desconhecido do espaço em potenciais riscos para os astronautas, Nolan consegue criar situações de tensão de forma eficiente, e utilizando-se de toda a complexidade de estar em uma realidade com tempo e espaço totalmente diferentes, o horror da situação aumenta ainda mais, como na excelente sequência dentro do planeta aquático onde estava uma das cientistas que buscavam mundos habitáveis. Lá, tudo o que poderia dar errado, deu, em referência a uma própria brincadeira do filme com a “Lei de Murphy”. O fato do planeta estar próximo do buraco negro Gargantua faz com que poucas horas ali se transformem em quase 30 anos perdidos na Terra, e o peso de tais erros, ainda mais brutal sobre os tripulantes. Ao retornar à nave, percebem que se passaram 23 anos na Terra, e muita coisa aconteceu. Os filhos de Coop cresceram, e Murph, que agora trabalha com o professor Brand na NASA, ainda não superou a partida do pai, enquanto Tom permanece cuidando da fazenda. A teoria da relatividade é citada, usada e explicada extensivamente no filme e serve de fundo para explicar a motivação de Coop para tentar retornar logo para a Terra.

    Por perderem muito tempo e combustível nesse planeta, sobram mais dois para visitarem: um do Dr. Mann (Matt Damon), brilhante cientista, e outro do Dr. Edmmonds – que tinha um relacionamento amoroso com Amelia -, ambos com motivos para serem visitados. Porém, o lado racional de Cooper fala mais alto e eles seguem para o planeta de Mann, que, desesperado pela solidão e medo da morte, manda o sinal mesmo sem ter encontrado nada para tentar escapar, o que também garante boas sequências de ação e tensão, mesmo que previsíveis, com os velhos discursos do vilão e tudo mais. Aqui, ele poderia encarnar de forma mais enfática o papel crítico sobre a ciência, mas foi feita a escolha mais simples.

    A transformação do homem racional e altruísta em um homem egoísta, contradizendo todos os argumentos racionais de Cooper para escolherem aquele planeta, é feita de forma rasa ao contrapor o velho “sentimento versus razão”. A fuga do Dr. Mann danifica o equipamento espacial que acopla as naves, e a sequência para tentar encaixar a nave pilotada por Cooper e Amelia lembra bastante Gravidade, ao colocar seres humanos em risco no espaço, realizando manobras praticamente impossíveis para tentarem se salvar, mas sempre sem abusar da expectativa e tensão, que poderia cansar caso fosse esticada demais.

    Nesse momento, é também revelado para Murph e para Coop e Amelia que o plano original do professor Brand sempre foi o B, e a sua equação gravitacional não resolveria o problema de como salvar a humanidade, que sempre esteve condenada. Portanto, a viagem de volta de Coop seria impossível.

    Com o gasto excessivo de combustível, agora não havia o suficiente nem para Cooper voltar para casa, nem para irem ao planeta de Edmmonds. A solução é usar os recursos para contornar Gargantua e usar sua força para impulsionar a nave, mas Cooper engana Amelia e solta sua nave, caindo no buraco negro. E dentro do buraco negro onde Nolan se rende a homenagear, à sua maneira, o clássico espacial de Kubrick. Se em 2001 – Uma Odisseia no Espaço estamos sozinhos com Dave, dando a cada imagem o nosso próprio significado, Cooper faz questão de perguntar ao computador TARS cada passo da etapa no qual se encontra, em uma conversa que não chega a incomodar, mas tira um pouco o poder do espectador de ter a mesma epifania visual e criativa que Kubrick corajosamente permitiu.

    Assim como em 2001, a estrutura de dentro do buraco negro falou diretamente com Cooper, dando a ele elementos de sua natureza para conseguir se comunicar – no caso, a biblioteca do quarto de Murph quando criança. Lá, todas as condições são radicalmente diferentes de tudo o que conhecemos, e tanto o tempo quanto a gravidade são distorcidos. A estrutura consegue distorcê-los de forma padronizada, fazendo com que Cooper envie os dados da equação gravitacional que resolveria o problema de como salvar a população da Terra, ou seja, ele era o fantasma de Murph quando criança tentando se comunicar com ela. Todas essas cenas dentro do buraco negro, apesar de serem atrapalhadas por tanta explicação, brincam com conceitos da física, ao mesmo tempo que garantem uma gama enorme de emoções, em grande parte por causa da brilhante atuação de McConaughey.

    Após enviar a mensagem para Murph usando o mesmo relógio que havia dado à menina, ela consegue decifrar os dados e salvar a humanidade, enquanto Coop é reenviado pela estrutura do buraco negro e encontrado pelos terráqueos do futuro em Saturno. Nessa conclusão, um pouco da magia inicial se perde, pois o objetivo principal do desenlace é explicar e resolver praticamente todas as pontas soltas do filme, não deixando margem para praticamente nada, a não ser o paradeiro e situação de Amelia Brand. O reencontro de Coop com Murph, já idosa e prestes a morrer, não garante muitas emoções, e o passeio turístico dentro da estação espacial em Saturno soa desnecessário.

    Porém, em relação ao aspecto técnico, a produção funciona muito bem. As sequências no espaço, sempre em silêncio, garantem uma atmosfera de suspense que se mantém, até misturar com o som dos ambientes fechados dos atores. O jogo de luzes dentro das naves, remetendo sempre ao sol (o nosso, ou não), é sempre interessante de acompanhar. A também já criticada parceria com Hans Zimmer mostra sinais de cansaço, mas ainda funciona para compor canções que, por vezes, casam perfeitamente com os momentos vividos na tela, em especial nas cenas finais.

    Muito se tem comparado Interestelar a outras produções do gênero, mas nenhuma comparação é justa. Nolan, como qualquer artista, retira influências de suas obras preferidas e as coloca ali, misturadas a seus próprios elementos dentro de uma narrativa própria, que tenta fazer uma homenagem não só à ficção científica, mas ao próprio sentimento humano de querer saber o que existe além. Quem condena a exploração espacial por ser gasto inútil de dinheiro não consegue ver mais adiante. Como o próprio filme cita, a tecnologia espacial gerou vários outros frutos para a humanidade, como as comunicações via satélite e a máquina de ressonância magnética, que poderia ter salvado a vida da esposa de Coop. Se a humanidade gasta dinheiro à toa, ali realmente não é o lugar. O Professor Brand também afirma que cada pedaço de metal sendo usado na construção daquelas naves poderia ser utilizado na fabricação de uma bala de uma arma, então, de certa forma, tudo aquilo foi positivo. É junto a esse conceito básico e humanitário que o filme se posiciona e se constrói, em como a ciência, ao desvendar o funcionamento por trás da natureza, nos ajuda a entender como ela é bela e, principalmente, nos torna mais humildes e capazes de admirar tudo o que está lá fora.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • 5 Filmes Essenciais Sobre Cassino

    O cinema sempre nos fez pressupor que cassinos são formados por luzes de halogênio, acesas o tempo todo, homens bem vestidos e mulheres sedutoras. Não que tais máximas não sejam verdadeiras. Porém, diante de tantas maneiras de apostar e conquistar o público com boas histórias, selecionamos cinco obras essenciais.

     

    Onze Homens e Um Segredo (Ocean´s Eleven, 2001)

    Baseada na produção de 1960, com Frank Sinatra, Dean Martin, Sammy Davis Jr., Peter Lawford e Joey Bishop, Onze Homens e Um Segredo trouxe novamente o cassino às tramas hollywoodianas e foi o responsável pela realização de diversos filmes com temáticas parecidas, que faziam de um assalto excêntrico e ousado o elemento central da ação.

    Neste remake, dirigido por Steven Soderbergh e estrelado por George Clooney, Brad Pitt, Matt Damon, Julia Roberts e Andy Garcia, o equilíbrio entre estilo, bom humor e um plano de assalto mirabolante é composto com perfeição. Formado por estereótipos bem delineados – o galante, o braço direito, o engenhoso, o habilidoso, o esquivo, a mulher fatal, o vilão –, o enfoque da narrativa é produzir uma história para o grande público. Diante deste espetáculo, a trama não poderia ser mais óbvia: um homem apaixonado que faz de tudo para reconquistar a ex-mulher.

    A direção de Soderbergh, que já havia misturado humor e ação em Irresistível Paixão, adaptação do livro de Elmore Leonard, traz maior requinte à história. Um roubo que se aproxima de uma obra de arte.

    Cassino (Casino, 1995)

    Martin Scorsese retorna ao submundo – depois de Cabo do Medo e Época da Inocência – nesta produção épica que carrega tudo o que há de melhor em seu estilo. Uma produção longa, brutal, em que nenhuma saída dramática é fácil. A trama se baseia na história de Frank Rosenthal, um judeu que assumiu grandes cassinos para a máfia na década de 70.

    Com Robert De Niro e Joe Pesci, com quem já havia trabalhado em outra obra mafiosa do diretor – Os Bons CompanheirosScorsese está à vontade em seu habitat natural e, como novidade, apresenta uma Sharon Stone como mulher linda, loira e fatal. Além da violência excessiva, a narrativa feita em off e os espaços temporais entrecortados comprovam a genuína marca de Scorsese.

    Até hoje, o diretor nunca deixou que as imposições de estúdios impedissem a metragem de suas produções, propositadamente longas, narrando com detalhes as jornadas de seus personagens. Um dos grandes filmes do diretor, sem dúvida.

    Cassino Royale (Cassino Royale, 2006)

    A obra primordial de Ian Fleming, finalmente gravada em 2006 e com um novo James Bond (Daniel Craig), foi capaz de promover uma bem-sucedida trinca: consagrou o novo Bond em um tipo diferente dos vistos até então, trouxe a um novo público um clássico personagem e soube ser fiel à obra original sem perder seu estilo.

    Na versão, o bacará do original cede espaço ao poker, um dos jogos mais populares até mesmo no espaço virtual. Envolvendo o jogo de espionagem, o agente com licença para matar deve competir nas mesas contra Le Chifre (Mads Mikkelsen), um banqueiro com investimentos no submundo. A trama dirigida por Martin Campbell produz um dos jogos de poker mais aflitivos do cinema, em parte devido às boas interpretações de Craig e Mikkelsen.

    Além deste impasse, as cenas de ação apresentam um estilo diferenciado, fundamentando um conceito de realidade que a trilogia Bourne ajudou a criar: um estilo de luta menos coreografado e mais brutal, longe do balé da década de 90. Muitas grandes cenas da produção – como a perseguição de carros e a tortura sofrida por Bond – vieram diretamente da obra de Flemming. Um clássico que não envelheceu.

    Crupiê – A Vida em Jogo (Croupier, 1998)

    Após anos distante do cinema, Mike Hodges (Carter – O Vingador, Flash Gordon) retorna com este drama sobre um escritor falido, que retorna à sua antiga profissão de crupiê graças ao um pedido do pai. Conduzido com uma parcela de um thriller de mistério, foi graças a este papel de Clive Owen, no papel central de crupiê, que seu talento foi evidenciado com atenção suficiente para estrelar produções como Rei Arthur e Closer – Perto Demais.

    O rosto sisudo e o olhar penetrante do ator adequavam-se à vida desencantada de um homem incapaz de galgar sucesso na profissão desejada. Seu papel como crupiê é melancólico, uma mera subsistência banal. Um símbolo de uma vida paralisada, que parece não se importar com as ações – criminosas ou não – as quais pode cometer. É um drama cuja análise concentra-se na existência do próprio ser e suas motivações pessoais, sem nenhum arroubo de violência explícita ou glamour.

    Maverick (Maverick, 1994)

    Mel Gibson ainda era cool e Richard Donner, diretor de filmes significativos quando Maverick, adaptado da série homônima de 50, estreou nos cinemas. A trama apresentava dois elementos-fetiche que sempre encantaram uma grande parcela do público: o ambiente western e jogos de aposta. Uma história que parecia impossível dar errado.

    Sem perder o tom aventuresco, o roteiro de William Goldman (Todos Os Homens do Presidente, Uma Ponte Longe Demais, Louca Obsessão e Butch Cassidy) apoia-se no humor para apresentar a história do malandro Maverick, que junta o dinheiro necessário para um jogo de apostas em um barco do Mississipi e acredita ser capaz de sentir as energias das cartas antes de tirá-las – uma das cenas mais divertidas da produção.

    Se hoje o gênero Western é pontuado pelo lançamento anual de poucos filmes, ainda na década de 90 grandes obras foram relevantes, tanto as que se apoiaram no drama, caso de Os Imperdoáveis, quanto nesta comédia aventureira, bem realizada e que não envelheceu.

  • Crítica | Gênio Indomável

    Crítica | Gênio Indomável

    good will hunting

    A sensibilidade de Gus Van Sant já rodou o globo e faz tempo, mais de dez anos. O cara toca projetos com mãos de fada e satura o lado racional de cada um até não sobrar nada, senão o suprassumo de uma carga emocional plena e linear, território que conhece como poucos na tarefa de traduzir vibrações em narrativas. O âmbito da matemática, ciência exata, todavia, não é frio nem quente, mas indiferente a todo um mundo relativo e cheio de fatores que não podem ser expressos por números, e é justamente no abismo entre o exato e as reviravoltas da vida – que não podem ser pré-calculadas – que o diretor de Elefante encontrou um grande desafio para ser o que é. No caso, um coração forçado a usar uma régua para medir o que sente. Não é justo.

    Will Hunting é um geniosinho arrogante e irritante (“Smartass”, em inglês) na pele de Matt Damon, um Damon inspirado como nunca mais viria a ser, sob o manto, que incorpora com prazer, de um cara de 21 anos perdido na vida, nos desejos e no entorno do próprio umbigo. É quase um Mark Zuckerberg que curte falar besteira e dançar em balada, de postura descolada enquanto analítica na onisciência que presume ter. Mas Will é o corpo divisível de Gênio Indomável, uma estrutura que se move na direção de diálogos bem construídos e de situações insubstituíveis, na tentativa de criar uma realidade que Gênio ao menos consegue nos convencer sobre, mas jamais nos preencher com ela.

    Na odisseia de um escravo do próprio intelecto acima da média, feito Ozymandias em seu habitat natural na gélida Antártida, Gus transmite-nos ideias através do amor de quem inventa uma nova teoria física, e nos incentiva a prestar atenção no que ocorre nos corredores de Harvard com esta mesma emoção. Van Sant faz até parecer que foi fácil, e isso é tão admirável quanto a implicância do bater de asas de um canário e uma tempestade, a léguas de distância.

    E é por isso que a amizade de Will com o analista Sean Maguire é peça-chave na trama, espécie de A Rede Social sem a visão técnica, mas com metade do raciocínio lógico de um David Fincher  o resto é inteligência emocional. Robin Williams, sendo em pessoa tudo o que o filme poderia ser, numa alusão aqui à composição de Milton Nascimento, faz o coração que completa o amigo, o qual só calcula perdas e danos, sendo a figura do analista a mais interessante e rica de reflexões, num filme de ótimas intenções e que se apega a nenhuma delas para decolar em suas verdades. Gus Van Sant esqueceu de levar seu filme a sério, pois este habita o campo minado da batalha particular de um artista, onde Lolita habitou em Stanley Kubrick um dia.

    Contradição: se Gênio Indomável consegue ser laçado apenas pela maturidade de um cineasta ainda em ascensão, na época, mesmo pontuado pelo veterano Williams, por onde então entra ar nesse pastel? Vencedor do Oscar de roteiro original, o filme perde claramente seu rumo na segunda metade, quando corações e mentes são subestimados no poder de integração, e a história perde grande parcela de seu fascínio na perda de suas harmonias. Se filmes são equações, a força do Cinema, então, não é proporcional aos efeitos que reproduz.

  • Crítica | Bravura Indômita (2010)

    Crítica | Bravura Indômita (2010)

    bravura indomita

    A adaptação do romance de Charles Portis feita pelos irmãos Coen talvez seja o trabalho menos autoral da dupla de cineastas, pois não tem os traços característicos mais marcantes de suas produções, como o humor negro e a complicada cadeia de eventos que acomete e dificulta a vida dos protagonistas. Porém, não é menos significativa por isso. Ao optar por uma ótica e narrativa mais diretas, temos contato com o outro lado, também talentoso, dos diretores.

    A história se inicia com a órfã de pai extremamente inteligente, educada e perspicaz Mattie Ross (Hailee Steinfeld) em busca de alguém para trazer Tom Chaney (Josh Brolin), o assassino de seu pai, à justiça. Para isso, tenta contratar o caçador de recompensas Rooster Cogburn (Jeff Bridges), que aceita o serviço a contragosto. Também se junta ao bando o Texas Ranger LaBoeuf (Matt Damon), que há anos procura Chaney por um assassinato de um senador cometido no Texas.

    Bridges compõe um personagem peculiar, pois ao mesmo tempo em que se mostra um bêbado e em decadência, mostra um faro apurado ao ser colocado no encalço de seu alvo. Misturando um sotaque carregado com a fala confusa característica dos alcoólatras, Bridges cativa o espectador ao flertar com um típico anti-herói, que, apesar de antagonizar a protagonista, no final faz de tudo para salvá-la.

    A protagonista Mattie Ross também tem em sua pele a atuação impressionante da novata Hailee Steinfeld, que logo de início convence o espectador através da obstinação de sua personagem – que renegocia os pôneis de seu falecido pai – em um diálogo rico, rápido e extremamente inteligente, que lembra o estilo clássico dos Coen, mas em um tom mais sóbrio, condizente com a proposta do filme. A própria existência de uma adolescente, forte e dona de seu destino, em um contexto como o do Velho Oeste oitocentista, garante uma profundidade maior a Mattie, fartamente explorada tanto pelas situações em que é colocada como pela amplitude dramática de Steinfeld.

    Matt Damon dá a LaBoeuf a arrogância típica do texano, que traz um sentimento maior para com o seu estado do que para com o seu país, causando uma antipatia em Cogburn. Porém, após tantas disputas e certas trapalhadas, como morder a língua ao ser arrastado por um cavalo, LaBoeuf mostra um lado fraternal para Ross, como se estivesse tentando protegê-la tanto de Cogburn quanto do restante do mundo.

    Juntando três personagens tão diferentes com um mesmo objetivo, a dinâmica da narrativa se estabelece exatamente na evolução de suas relações e como todos aprendem mais sobre o outro, si próprios e sobre o mundo, especialmente Mattie, que acaba por enfrentar e depois matar Chaney sozinha, enquanto Cogburn protagoniza uma bela e épica cena de tiroteio contra o grupo de “Lucky” Ned Pepper (Barry Pepper), sendo ajudado depois por LaBoeuf em um tiro certeiro, o que restabelece sua confiança como atirador antes abalada justamente por Cogburn. Interessante também é a composição de Chaney, mostrado como um bandido inferior, submetido às ordens do outro, e que reage impulsivamente e de forma nem sempre inteligente às situações, contrariando a expectativa criada sobre um grande mestre do crime que engana as autoridades há meses.

    Tecnicamente falando, a produção é um primor em todos os aspectos. A fotografia de Roger Deakins traz os mais belos planos do Oeste, nos lembrando a todo instante das razões pelas quais o gênero conquistou tantos espectadores com o passar das décadas. O figurino, o design de produção e a maquiagem passam toda a brutalidade suja do Oeste, responsável por transformar homens em bestas que, depois de algumas décadas, seriam alçados à categoria de heróis e desbravadores do país.

    Bravura Indômita cativa, então, por sua seriedade e sobriedade, com toques de um leve humor, e por seus personagens que agem, reagem e crescem frente aos obstáculos em seus caminhos, criando-se um vínculo próprio entre eles. Vínculo esse que é friamente subvertido na cena final, onde a já crescida Mattie Ross procura Cogburn depois de 25 anos para prestar uma homenagem a ele e o encontra morto. Essa atmosfera áspera e melancólica do Oeste, que se reflete nas relações entre seus habitantes, é transferida para o filme, o que dá a ele uma carga emocional ainda mais intensa, já que poucos cineastas têm a sensibilidade de retratar o sul dos EUA com toda a complexidade social e cultural da região sem cair em clichês e estereótipos.  E essa produção traz exatamente isso: uma nova releitura sobre uma história bem conhecida mas que renova o combalido gênero western através de um revigorante sopro de qualidade.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Caçadores de Obras-Primas

    Crítica | Caçadores de Obras-Primas

    20140216-cacadores

    Depois do excelente Tudo pelo Poder, de 2011, a expectativa pelo novo filme dirigido por George Clooney era grande. Com uma temática interessante e um elenco carismático, poucos afirmariam que o filme fosse um fracasso. E aqueles que afirmaram, acertaram.

    Caçadores de Obras-Primas se passa no final da 2ª Guerra Mundial, quando um especialista em arte chamado Frank Stokes (Clooney) convence o então presidente Roosevelt a enviar uma força-tarefa para a Europa com o objetivo de evitar o saque, comandado por Hitler, de obras de arte guardadas em museus europeus. Para isso, ele conta com a ajuda de alguns amigos também especialistas nos mais variados ramos da arte, como James Granger (Matt Damon), Richard Campbell (Bill Murray), Walter Garfield (John Goodman), Jean Claude Clermont (Jean Dujardin), Donald Jeffries (Hugh Bonneville), Preston Savitz (Bob Balaban) e o tradutor de alemão Sam Epstein (Dimitri Leonidas). Também está presente a especialista francesa em arte Claire Simone (Cate Blanchett).

    Tentando trabalhar com grande sensibilidade um tema sobre a importância da arte em meio à guerra, o filme se utiliza de discursos em vários momentos, com músicas enaltecedoras de fundo a fim de dar um clima heroico aos personagens; isso causa embaraço no espectador, pois a função de resguardar a arte é um sentimento além de heroísmos baratos tão comuns em filmes que retratam o militarismo americano – que também recebe carta branca em relação aos tempos atuais ao mostrar como o exército dos EUA salvou o planeta dos nazistas.

    Também rasa é a construção dos personagens, todos retratados em situações cômicas e munidos de frases feitas fora de contexto, aparentando terem saído de um programa de TV da época retratada no filme.  Desta forma, torna-se dúbia a mensagem séria que a narrativa tenta impor, visto que é quebrada com piadas em toda a película.

    O retrato feito dos russos lembra os filmes de James Bond do auge da Guerra Fria, com seus vilões caricatos de cara amarrada, dando a entender que os soviéticos não foram os reais responsáveis por conter a máquina de guerra alemã. São tratados como estorvo no caminho americano de libertação e sua participação é citada apenas como um  “eles perderam vinte milhões de pessoas”, em uma afirmação também estranha de se fazer antes de terminar a guerra, quando esses cálculos só foram divulgados com certeza alguns anos depois do final do conflito. O russo retratado no filme tem tamanha importância dramática que não diz uma única palavra.

    No final, o que sobra do filme é uma ode à importância da arte como memória coletiva dos avanços da humanidade, mostrando como o papel desses homens foi importante para salvar essas obras do confinamento nazista, evitando-se uma destruição muito maior – já que, ainda assim, muitos trabalhos artísticos foram destruídos, em especial os de arte moderna e de artistas judeus. Porém, esse grupo de soldados corajosos merecia uma homenagem melhor do que esse pastiche transfigurado de drama.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Terra Prometida

    Crítica | Terra Prometida

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    Terceira parceria de Gus Van Sant na direção, com Matt Damon nos roteiros, dessa vez sem os irmãos Affleck como fora em Gênio Indomável e Gerry, o guião é assinado em conjunto a outro ator, John Krasinski e trata de um personagem reticente quanto aos rumos que sua carreira está tomando, especialmente porque seu trabalho passa por tentar vender uma proposta a uma cidade interiorana, que o faz lembrar em muitos aspectos a sua antiga vida no campo.

    Steve Butler, Damon, acompanhado de Sue, Frances McDormand, vai até um cidade interiorana tentar convencer a população de que a instalação de uma exploradora de Gás Natural seria bom para a região, usando o tacanho argumento – suficiente para alguns dos residentes – de que a exploração tornaria os moradores em pessoas ricas. O plano parece ir para frente, até a intervenção de Frank Yates, Hal Holbrook, um professor de ensino médio que esconde um background de alto gabarito e tenta organizar um foco de resistência, que mais tarde, “parece” ser engrossada pelo esforço de Dustin Noble, um ambientalista que busca alertar a cidade para não repetir os erros de outros tantos lugares explorados pelo grupo Global. Frank jamais admitira qualquer união ou parceria com Noble, talvez demonstrando seu poder de observação e semi-onisciência, a personagem de Holbrook serve como catalisador do lado bom da consciência de Steve, sem dúvida alguma as mudanças ocasionadas na vida dele partiram primeiro do exemplo dele.

    A direção de Gus Van Sant é correta, sem maneirismos de câmera, um autêntico exemplar de narrativa clássica americana, o que fortalece ainda mais o trabalho de atuação de todo o elenco, irretocável para dizer o mínimo.

    O papel que Krasinski faz é o completo inverso do de Damon, pois Dustin finge ser atrapalhado e inseguro para se aproximar dos anseios da população, e literalmente joga para a arquibancada, especialmente quando canta o clássico de Bruce Springsteen, Dancing in the Dark – conteúdo simbólico até demais para sua trajetória no filme. Enquanto Steve parece ser o decidido e auto-suficiente empresário, mas que carece de retórica e repertório, Dustin aparenta ser um idealista preocupadinho com o bem estar geral, mas na verdade possui toda a situação em seu controle absoluto, além, é claro, de ser muito carismático e irônico, características que Butler persegue sempre, sem jamais conseguir alcançar, ao contrário, seu estado permanece o de ingenuidade até o fim. A rivalidade entre os dois é um dos pontos mais altos do filme.

    Steve acabara de receber uma promoção que tanto queria, mas o dilema moral o consome, a todo momento ele busca aceitação e redenção, diante dos outros e de si próprio, inúmeras vezes repete a fala “Eu sou um cara bom!”, além de ter essa qualidade proferida por muitos dos moradores, que sequer o conhecem, mas consideram-no um sujeito legal, apesar de sua profissão escusa. Essa inquietação ocasiona uma virada repentina em sua vida, aparentemente inesperada, mas até óbvia para quem observou suas atitudes do começo ao fim da história.

    A jornada de Steve Butler é de inexorável derrota, o plot-twist faz ele trair seus ideais profissionais em nome do código ético impresso em seu próprio caráter, e responde a indagação presente na fala geral da população: “O que um sujeito bom como você faz num trabalho como esse?”, a resposta é a mais politicamente correta possível e fecha o ciclo redentório de vida de Steve, que passa a enxergar toda a sua carreira e a sua vida sobre uma outra ótica, como uma volta às suas origens, o que torna o produto final um tanto corretamente moralista, mas não chega a ser um incômodo.

  • Crítica | Teorema Zero

    Crítica | Teorema Zero

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    Para quem não está acostumado a filmografia de Terry Gilliam, talvez estranhe um pouco este Zero Theorem. A veia humorística nonsense e a estética peculiar e típica dos produtos do realizador talvez ajudem a confundir ainda mais o público. A história se passa em um mundo corporativo onde “homens câmera” fornecem imagens para uma criatura controladora que usa a alcunha de Managemente, interpretado por um mirabolante e pomposo Matt Damon.

    A direção de arte é de um trabalho primoroso e é bem típica se comparada a filmografia do realizador. O ambiente futurístico é, em alguns momentos, sujo e decaído, para exemplificar o estado social onde a solidão é uma prerrogativa valorizada e uma prática comum, e em outras é hiper-colorido e barulhento, grafando o consumismo desenfreado como parte do modus operandi daquele “universo”.

    A história segue Qehon Leth – Christoph Waltz – um hábil analista de entidades – sua profissão não tem um par ordenado com o universo comum – que vive numa atmosfera extremamente corporativista onde se vive para trabalhar. Se sente incomodado, mas não pelo exercício de seu ofício, mas sim pelo entorno de pessoas, prefere a solidão de seu lar e tenciona trabalhar em casa a fim de evitar o incômodo da companhia humana. Qehon é um sujeito decadente fisicamente e está a espera de algo que poderá mudar a sua vida – e eventualmente muda – enquanto recebe a incumbência de resolver uma equação que nem os maiores gênios da empresa conseguiram achar uma solução.

    A fotografia fica a cargo de Nicola Pecorini, – já havia trabalhado em Contraponto, O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus etc – o que garante um registro visual caracteristicamente típico de Gilliam. Segundo o realizador esta seria a sua terceira abordagem a universos distópicos satirizados, assim como em Brazil e Doze Macacos. Qehon teme viver, não permite provar nada em sua dieta que possua sabor, vive sua vida de forma absolutamente robótica e sem muita razão de existir. Está tão acostumado a sua rotina claustrofóbica que não percebe sequer quando acontecem coisas extraordinárias no seu cotidiano. Suas consultas com uma psiquiatra – Dra. Shrink Rom, interpretada por Tilda Swinton – só agravam a sua situação, o faz correr atrás de algo inatingível enquanto ignora o que pode lhe fazer feliz – a presença da belíssima Bainsley, estrelada pela estonteante Mélanie Thierry – até que seja tarde demais reaver o que ele ignora.

    A razão de “ser” ou “existir” e o sentido da vida parece só importar para o mercado empresarial, que faz uso dessas máximas para vender seus produtos. Os espécimes jovens, representados no filme por Bob (Radu Andrei Micu) têm uma relação esquisita com suas próprias crenças, podendo acreditar no conceito de alma, mas desacreditar em qualquer outra coisa – tal comportamento ilógico é flagrado atualmente também. No último ato como ser vivente, Qehon entende como faria sentido a sua própria existência, e se entrega ao nada e ao vazio, só então podendo provar da paz que tanto buscava.

  • Crítica | Elysium

    Crítica | Elysium

    elysium

    Neil Blomkamp parece não querer sair do gueto. O cineasta utiliza uma ambientação bastante parecida com a de Distrito 9, especialmente no aspecto de favela, só que de uma forma mais “globalizada”, pois a comunidade carente em Elysium não se restringe somente a periferia de Joanesburgo, mas sim ao mundo todo, transformando a “aldeia global” num autêntico puxadinho sem reboco.

    A premissa tem em sua base um conceito bastante semelhante ao mostrado por Phillip K. Dick em Caçador de Androides – e que foi suprimido no filme de Ridley Scott. Como no conto, os ricos e aptos vivem fora da Terra, por esta não comportar mais a capacidade de estabelecer-se uma vida plena e saudável. A trama se passa em 2154 num futuro sujo e pessimista. A comparação visual com Mad Max, e seus filhotes bastardos, é inevitável, cenários desertos em meio ao que antes eram grandes metrópoles – e tal característica até ajuda a gerar empatia pela história contada.

    Polícia automatizada, agente da condicional robótico e repressor, sarcasmo como ato digno de punição, tudo isso para demonstrar a decadência da humanidade e também a inexistente compreensão às necessidades do próximo. A empatia está fora de cogitação, há uma valorização enorme do bem-estar puramente egoísta, sem importar com o social. A sociedade retratada sofre um controle coercitivo e de mão de ferro, que protege os ricos e estabelece normas rígidas aos pobres, punindo severamente os que não as cumprem. Temas como o combate à imigração, trabalho em regime semi-escravo e sem as mínimas condições de saneamento também são ventilados.

    O roteiro de Blomkamp é sem rodeios, pontual e preciso, isso é bom até certo ponto, até que as resoluções tornem-se coisas rápidas e fáceis de resolver, algumas até piegas. A construção dos personagens deixa a desejar. A atuação de Matt Damon é equivocada, mal dá para acreditar em seu drama e seu esforço dentro do emprego para fugir da marginalidade. Max, seu personagem, não parece o bandido arrependido que o script exige, e a ligação dele com Frey – Alice Braga na atuação mais lúcida do filme – soa forçada, assim como o laço afetivo automático de Max pela filha doente de seu antigo amor. Wagner Moura está histriônico e caricato, mas não compromete. Jodie Foster faz a encarnação da mulher autoritária, fria e insensível, mas que ao final parece resgatar um pouco de sua humanidade, recusando a ajuda da enfermeira, como que se punindo por seus atos errados. O filme trabalha com arquétipos demais, e o tema exigia algo mais profundo. O destaque vai mesmo para Kruger – Sharlto Copley – que faz um Chuck Norris rejuvenescido, que é até carismático, mas em momento justifica a virada que ele deu no final.

    Da terça parte para o final, o roteiro passa a apresentar um sem número de coincidências desnecessárias. Lembra muito os erros de Prometheus, com um ótimo início e um final aquém das expectativas, mas não tão desastroso quanto o primeiro. Elysium tem um amontoado de coisas boas, mas que  peca pela alta previsibilidade, problema que passa longe do excelente trabalho anterior do realizador.

  • Vortcast 22 | Ben Affleck

    Vortcast 22 | Ben Affleck

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    Bem-vindos à bordo. Nesta edição, Flávio Vieira, Rafael Moreira, Isa Sinay, Pedro Lobato, Mario Abbade e Carlos Britto comentam sobre a carreira cinematográfica do ator e diretor, Ben Affleck. Partido de seus “ótimos” trabalhos com atuação, as parcerias com Matt Damon, a grande ascensão de sua carreira com o Oscar de melhor roteiro por Gênio Indomável, passando também pela pior fase da carreira com seguidos flops em comédias românticas, até chegarmos em seus notáveis trabalhos como diretor.

    Duração: 93 mins.
    Edição: Rafael Moreira
    Trilha Sonora: Rafael Moreira

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    Comentados na edição

    Vortcast 05: Filmes Marvel
    As caretas de Calvin por Ben Affleck

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    Filmes como diretor ou roteirista

    Crítica Gênio Indomável (Good Will Hunting)Compre aqui
    Crítica Medo da Verdade (Gone Baby Gone)Compre aqui
    Crítica Atração Perigosa (The Town)Compre aqui
    Crítica Argo

    Filmes comentados

    Armageddon – Compre aqui
    Pearl Harbor – Compre aqui
    Shakespeare Apaixonado (Shakespeare in Love) – Compre aqui
    Demolidor (Daredevil) – Compre aqui
    Contato de Risco (Gigli)
    Intrigas de estado (State of Play) – Compre aqui
    A Soma de Todos os Medos (The Sum of All Fears) – Compre aqui
    Hollywoodland – Bastidores da Fama (Hollywoodland)
    Dogma
    Procura-se Amy (Chasing Amy)
    Balconista 2 (Clerks II) – Compre aqui
    O império do Besteirol Contra-Ataca (Jay and Silent Bob Strikes Back)
    Barrados no Shopping (Mall Rats)
    School Ties

  • Agenda Cultural 01 | Caçadores de Recompensa, Rita Cadillac e Uma Surra de Bunda

    Agenda Cultural 01 | Caçadores de Recompensa, Rita Cadillac e Uma Surra de Bunda

    Bem vindos a bordoFlávio Vieira (@flaviopvieira), Amilton Brandão (@amiltonsena) e Mario Abbade (@fanaticc) se reúnem para comentar tudo o que está rolando no circuito cultural dessa semana, com as principais dicas da semana em cinema, teatro, quadrinhos e cenário musical. Em uma linha alternativa de dicas atemporais, selecionamos alguns petardos interessantes dentro do ramo literário, além de explicarmos como será o formato que iremos adotar. Não perca tempo e ouça agora o seu guia da semana.

    Duração: 44 mins.
    Edição: Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
    Arte do Banner: Gustavo Kitagawa

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    Comentados na Edição

    Quadrinhos

    Sandman: Edição Definitiva – Vol. I
    Resenha Homem-Aranha: Com Grandes Poderes

    Literatura

    Ilha do Medo – Dennis Lehane
    Resenha Os Senhores do Arco – Conn Iggulden
    O Hagakure: A Ética dos Samurais e o Japão Moderno – Yukio Mishima

    Música

    Marduk
    Placebo
    Bad Company – Hard Rock Live

    Teatro

    O Meu Sangue Ferve por Você

    Cinema

    Crítica Caçador de Recompensas
    Crítica As Melhores Coisas do Mundo
    Crítica Zona Verde
    Crítica Mary & Max
    Crítica Rita Cadillac: A Lady do Povo

    Produto da Semana

    Boneca Inflável Cleópatra

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