Após o sucesso de Fuga de Alcatraz, soberba aventura com Clint Eastwood no auge de sua forma, todas as obras de fugas mirabolantes (ou não) ficaram eclipsadas pelo brilho desse clássico de Don Siegel. Sendo assim, talvez o filme mais esquecido deste subgênero que continua a encantar plateias, ao redor do mundo, seja FugindodoInferno, de John Sturges, que mesmo situado no auge da Segunda Guerra Mundial, passa longe de ser tão memorável como o filme de Siegel. Como se não bastasse, o grande elenco não se destaca como deveria, e sua estética é absolutamente normal aos padrões cinematográficos da década de 60 em Hollywood – bem menos ousados em sua linguagem que hoje. Mas o grande às do filme, ainda não foi esclarecido…
Baseado numa história real (e homenageada no final do filme), a Gestapo está cansada de rebeliões, da rebeldia de seus capturados mais perigosos. Para evitar fuzilamentos, os transfere sob muito stress para um campo de segurança máxima, mas sem suspeitar que juntando o velho Danny (Charles Bronson), o esperto Hilts (Steve McQueen) e muitos outros, na mesma prisão, ninguém iria aceitar ser mantido na gaiola por muito tempo. Assim, um projeto quase suicida de escapatória começa a germinar, com a ajuda de infiltrados americanos entre os guardas. Mas mesmo com instrumentos para perfurar o chão, e chegarem até o outro lado da cerca, será que o orgulho individual deles não vai atrapalhar o plano? Jamais sufocado pelo peso do elenco, e visando um bom entretenimento acima de tudo, Fugindo do Inferno aposta 2/3 da história no desenrolar dessa fuga, tendo neles os melhores momentos do filme de Sturges.
Uma ótima pedida para entediantes noites de inverno, a direção de Sturges (diretor de muitos faroestes) e o seu talento de extrair, precisamente, o que de melhor e mais dramático existe em cada cena, é um deleite para uma história de prisioneiros de guerra, e que só querem se ver livres de um regime autoritário, fora dos Estados Unidos. Seja nos campos de concentração alemães, seja em emocionantes perseguições de carro nas pradarias da Europa, John Sturges nos faz sentir uma angústia onipresente, como se o espectador estivesse junto de um bando de soldados capturados e que, às vezes, são loucos o bastante para planejar uma escapada subterrânea, com 0% de certeza se vai funcionar. Com um protagonismo coletivo, uma encenação quase teatral, e um equilíbrio bem orquestrado entre o tragicômico, e o suspense, esse Prison Break com nazistas não é tudo que poderia ser, mas não desaponta até os mais exigentes.
Podemos dizer que o astro Tom Hanks tem uma relação bastante próxima com a Segunda Guerra Mundial, afinal, o ator americano estrelou uma das maiores produções do gênero, O Resgate do Soldado Ryan, um dos filmes mais sensacionais, impactantes e realistas sobre o tema. Na época, o filme de Steven Spielberg faturou cinco estatuetas do Oscar, inclusive, com Spielberg vencendo como melhor diretor.
Todos nós sabemos que Hanks é um ótimo ator e, ao longo de sua carreira, é possível mencionar pelo menos 30 filmes em que o ator estava presente e que foi marcante. Podemos dizer que sua participação em Greyhound: Na Mira do Inimigo certamente entrará nessa lista.
Inicialmente, a produção teria seu lançamento no cinema no mês de junho desse ano, mas em virtude da pandemia causada pelo vírus COVID-19 a estreia foi adiada e, consequentemente, os direitos de distribuição foram repassados ao serviço de streaming da Apple, a Apple TV e o filme chegou na plataforma em 10 de julho.
Hanks vive o religioso capitão Ernst Krause, que é designado para liderar o enorme destroier USS Keeling, mais conhecido como Greyhound, durante sua primeira escolta pelo Oceano Atlântico, juntamente com outros dois navios militares menores, protegendo diversas embarcações que levam diversos tipos de suprimentos para a Inglaterra, num dos momentos mais tensos da Segunda Guerra conhecido como Batalha do Atlântico, uma vez que os submarinos nazistas conhecidos como U-boat foram responsáveis por afundar milhares de embarcações por todo o oceano, causando a morte de milhares de pessoas. Durante a travessia, o comboio aliado fica sem nenhum tipo de apoio aéreo e precisa lidar sozinho com os mortais U-boats que surgem como moscas em cima de um animal morto.
O diretor Aaron Scheider que possui pouquíssimos filmes em seu currículo na cadeira de direção e diversas outras produções como diretor de fotografia, conduz Hanks com maestria. No transcorrer da fita, podemos perceber as sutilezas na mudança da personalidade do Capitão Krause, à medida que as coisas vão acontecendo e a tensão toma conta da tela logo nos primeiros 15 minutos, só deixando aquele que assiste respirar em seus momentos finais. Por opção e por ter uma missão a cumprir, o capitão deixa de se alimentar, privando-se inclusive do sono, sendo que o terror promovido pelos nazistas, a falta de alimentação e a falta de descanso são fatores fundamentais para a mudança do personagem durante o filme. É possível perceber de maneira sutil a sua degradação. Méritos também de Hanks que, além de ter sido o protagonista, escreveu o roteiro, baseado no livro The Good Shepherd, escrito em 1955 por CS Forester.
Outro destaque fica para o design de produção. Apesar do ambiente claustrofóbico (já que 95% do filme acontece dentro da embarcação), esse departamento dá show com a quantidade de detalhes de itens ou situações que são perceptíveis dentro do Greyhound. Aliás, o espectador sai com aquela sensação de que teve uma aula sobre como os navios eram operados durante a guerra e como seus tripulantes precisavam se portar, tanto em situações de tranquilidade, quanto em situações de risco ou em batalha. Inclusive é completamente entendível o porquê de certas pessoas terem sido condecoradas com atos de heroísmo. Além disso, que época complicada para ser soldado.
Com isso, pelo fato de Greyhound: Na Mira do Inimigo estar sendo um sucesso, podemos dizer que a Apple TV deu uma cartada certeira em adquirir os direitos de distribuição, fato esse que poderá aumentar a coragem dos distribuidores e investidores de produções. Enquanto isso, quem ganha é o espectador que, a cada dia que passa, pode ver produções incríveis por um baixo custo. De qualquer forma, seria legal ver esse filme nos cinemas quando a pandemia acabar, mesmo as chances disso acontecer serem remotas.
O ator George Takei ficou mundialmente conhecido por seu personagem Hikaru Sulu, na franquia Star Trek, um fenômeno da ficção científica referenciado nos mais diversos produtos culturais ao longo das últimas décadas, sempre presente no imaginário popular através de filmes e séries dos mais diversos.
O que a maioria das pessoas não sabem, contudo, é que antes de se tornar um ator e ativista mundialmente reconhecido, o longevo ator enfrentou o preconceito e a discriminação racial em níveis cavalares, logo após o ataque japonês a Pearl Harbor, no final de 1941.
Na histeria que varreu a Costa Oeste dos Estados Unidos após o atentado, tanto os japoneses residentes nos EUA quanto seus descendentes foram levados para campos de detenção, injustificadamente listados como suspeitos de associação e fidelidade ao Império Japonês, em plena Segunda Guerra Mundial.
Desapropriados de tudo que haviam conquistado honestamente ao longo dos anos e deixados em um campo severamente vigiado no meio do Arkansas, os Takei percorreram uma longa jornada até a recuperação de sua liberdade, com consequências que perduraram através das décadas para a população nipo-americana e que influenciaram sobremaneira a forma como o primogênito George viria a enxergar o mundo.
Em um relato sensível e detalhado, Takei conta a história de sua família de forma tocante e intimista. Contando com Justin Eisinger e Steven Scott nos roteiros, as reminiscências do octogenário ator percorrem tanto sua infância quanto sua vida adulta, explorando não só o trauma do encarceramento injustificável quanto as reverberações desse absurdo institucionalizado pelo Estado.
A impressionante narrativa visual de Harmony Becker dialoga com as facetas do roteiro ao apresentar um traço camaleônico que se adapta às sequências propostas, ora apresentando um aspecto mais cartunesco, ao explorar as aventuras do pequeno George e seus irmãos, ora dispondo de uma narrativa mais detalhada e menos descontraída, para trabalhar a passagem dos anos e os momentos marcantes da trajetória de Takei pós campo de detenção.
A tradução de Érico Assis logra êxito ao reproduzir os costumes e maneirismos da fala de japoneses se comunicando em uma língua que não é a sua, gerando efeitos cômicos em alguns momentos mais lúdicos, mas sem perder a seriedade exigida pelos momentos mais tensos da história.
A leveza da visão infantil é contrastada a todo instante pelos autores com o absurdo cometido contra a população nipo-americana em um evidente movimento racista institucionalizado pelo Estado. As discussões políticas travadas pelos pais do intérprete de Hikaru Sulu são a todo tempo colocadas em perspectiva com as recordações de momentos divertidos e lúdicos do próprio George e seus irmãos em meio ao total e completo absurdo.
Seguindo o relato do Takei mais famoso da família, a obra carrega consigo a observância de todo o disparate ocorrido junto de um otimismo marcante do ator em relação à democracia e à ideia de liberdade que ele próprio imagina sobre os EUA. Esse viés entusiasta e patriótico acaba evidenciado e gera incômodo na medida em que se percebe que há mais idealização do que constatação factual sobre as estruturas democráticas dos EUA.
Nessa obra, indicada ao prêmio Eisner 2020 na categoria de obras baseadas em fatos reais, as contradições e os equívocos dos EUA não são mencionados diretamente por Takei, mas podem ser inferidos pelos leitores mais atentos através da construção de roteiro elaborada por Eisinger e Scott, apesar do tom positivo com que George Takei, do alto de suas mais de oito décadas de vida, consegue manter sobre sua longa e próspera vida.
Publicada pela Editora Devir no final de 2019, “Eles nos chamavam de inimigo” conta com 208 páginas, capa cartonada com orelhas e um design de edição que torna a leitura ainda mais satisfatória e envolvente.
Há filme perturbadores, e há Vá e Veja. Provavelmente, sempre será assim. O convite do título não é à toa: o chamado não tem misericórdia, rumo ao nível mais baixo da alma humana – sem exageros nenhum, sobre isso. Cabe ao espectador ir até o inferno, e assisti-lo sem barreira nem blindagem alguma, mas de forma crua e objetiva aos horrores de uma guerra mundial, do ponto de vista de dois adolescentes que também assistem, despreparados assim como nós, e destroçados assim como nós, sua realidade na antiga União Soviética ser total, literal e irreversivelmente apodrecida. Muito já foi falado, negado e discutido sobre o terror que existe em Holocausto Canibal, Um Filme Sérvio e Necrofilia, alguns clássicos do gênero que chocam até o mais resistente dos homens. Mas nem um boleto bancário atrasado há um ano chega aos pés do horror psicodélico insuportavelmente real do clássico filme de Elem Klimov. Em uma palavra? Cruel. Noutra? Desumano. Choca por ser verossímil, impiedoso, e ao invés de tocar na ferida, a faz borbulhar enquanto produz um mal-estar inigualável.
Eis um dos melhores filmes do mundo que precisa não apenas ser assistido, mas testemunhado por quem aguentar a sessão. Afinal de contas, nem todos aguentam um soco no estômago a cada um dos 130 minutos de exibição, nos quais a guerra se mostra exatamente como ela é, e potencializada por um encenação naturalista e acachapante, e sem igual na história do Cinema. Vá e Veja é tudo aquilo que os dez melhores filmes de guerra de Hollywood (faça sua lista) quiseram ser, mas os estúdios não permitiram. Klimov não quis chocar ninguém, mas sim expor, com todo o requinte cinematográfico que pode existir enquanto andamos por um pesadelo, a vida como ela é quando toda a animosidade do Homem recai sobre ela, e nela se infiltra, fazendo dela o inferno na Terra. A Terra, aqui, não vai além dos limites da Bielorrússia, quando uma pequena vila da região é invadida por soldados alemães, e o jovem garoto Florya é forçado a integrar um grupo de resistência, como era de se esperar. Está plantada a semente da loucura para termos a certeza de o umbral está vazio, e que os cavaleiros de Satã estão soltos por ali, loucos pela guerra e seus efeitos na raça humana.
Tão bela, e tão destrutível quando quer ser. Florya então sobrevive, numa série de eventos que começam a remodelar sua personalidade (e que no final do filme, o deixarão mais envelhecido que um ancião centenário), e com a ajuda da forte e bela Glasha, ele conquista a oportunidade mais que custosa (a interminável cena da lama nunca pode ser esquecida) de regressar a vila que abandonou há pouco tempo, apenas para encontrar o massacre promovido por lá, e finalmente, quase na metade de Vá e Veja, começar a pagar seus pecados no seio de um conflito bélico diabólico, como se ele tivesse cem carmas de cem vidas diferentes para acertar as contas. Florya não encontrou fantasmas pelo caminho, mas algo muito pior: o fim da humanidade. Curioso como a zona em que tudo isso acontece tem um céu cinza sem fim, cobrindo a penitência de almas para sempre marcadas pela morte, o sacrifício, e a falta de esperanças por dias melhores. Nem mesmo para povos que nunca participaram ativamente de uma guerra arrasadora, como é o caso do Brasil, é impossível não sentir a dor e o lamento onipresentes aqui também apresentados na ausência do sol, e na predominância da noite, da neblina, e da absoluta falta (e silêncio) de Deus.
Quanta emoção, quanta vibração cabe num filme? Em cada close arrebatador no menino Florya, temos em seu rosto, olhos, boca e rugas a certeza de que terror maior que uma guerra para a psicologia humana, não há. O poder de Vá e Veja não pode ser mensurado em nenhuma cena do filme, nem mesmo no seu todo, uma tarefa ainda mais impossível de ser feita na sua meia-hora final, quando a perturbação aqui é tão grande que chega a ser forte demais para a maioria dos espectadores. Temos como norteadora da narrativa a transformação de um garoto que absorve, em seus pobres e escuros olhos assustados, a insanidade de sua própria raça para consigo mesmo; metamorfose essa que nenhum outro filme jamais chegou perto de conceber, ao público, com tamanha potência, e ousadia para também nos transformar, quase que tanto quanto seus personagens danosos. Pessoas um dia livres, e sãs, mas que um dia foram trancadas todas juntas numa casa para queimarem junto dos seus parentes e vizinhos, e aos “sortudos” a quem a morte ainda não chegou, resta assistir a tudo, enterrados na podridão mundana, e com o mais soberbo dos terrores impedindo-os até de piscar devido a força das visões. A experiência aqui é por sua conta, e risco, e acredite: se nada aqui te impressionar, a vida já perdeu o sentido pra você há muito tempo.
Filme espanhol de Mar Targarona, O Fotógrafo de Mauthasen mostra uma face curiosa e proveniente da segunda guerra mundial. O letreiro que aparece antes do drama localiza o infortúnio de fugitivos espanhóis que estiveram com os franceses lutando contra as tropas de Adolf Hitler. 7000 pessoas passaram pelos muros de Mauthausen, mas foram capturados por soldados nazistas, e ao ter seus direitos discutidos, receberam como “prêmio” do ministro Serrano Suner a negação de sua pátria, sendo considerados por ele e pelo governo franquista como não-espanhóis, desumanizados e despatriados.
O filme se mostra inteligente, e brinca com a expectativa de que o narrador seja uma das crianças acompanhadas pela câmera, quebrando a quarta parede afirmando ser o fotografo que dá nome ao filme. No entanto, o maior acerto do filme do ponto de vista intelectual é focar no quanto os soldados e adeptos do III Reich eram intolerantes, e não só os governantes da política de extrema direita. O povo apoiava as barbaridades feitas contra os judeus e toda a sorte de preconceitos provenientes delas.
Há outro aspecto bem curioso, que é o papel dos chamados kapos, prisioneiros judeus que agem como carcereiros, mas que também são explorados. O fato de terem porretes os tornam mais poderosos que os demais, frequentemente humilhados, espancados e mortos todos os dias nos campos de concentração. É neste momento que o fato do filme ser expositivo funciona positivamente, pois os kapos fazem um forte paralelo com os pobres que defendem ideias extremistas que lhe farão mal, ou sem perceber que atacam os seus.
Apesar da exposição se tornar bastante pesada em muitos pontos, o maniqueísmo é um cabível, pois o ideal do filme é mostrar o sofrimento dos perseguidos. O filme gasta um tempo enorme mostrando o dia-a-dia dos campos e a completa desumanidade dos soldados e oficiais nazistas, e ainda demonstra de maneira categórica que não há qualquer intenção igualitária entre os chefes nazistas e os kapos, mostrando que eles só servem para ser um golpe ainda mais forte e sentimental nos prisioneiros, pois a violência do nazista para o judeu é esperada, mas a agressividade entre irmãos, não.
Há um momento bastante tenso que mostra um número teatral imitando uma procissão e depois encenando um enforcamento, que acaba de fato matando o tal “condenado”. Bizarramente, fica a dúvida sobre a situação, se foi proposital ou não a morte do sujeito, pois para os nazistas, vidas hebraicas valiam menos que outras vidas. O final de O Fotógrafo de Mauthausen é catártico, e dá vazão a um sentimento de vingança e justiçamento, justificado dentro da lógica moral do filme. Apesar de não ser um filme perfeito, ele acerta mais do que erra, especialmente nas denúncias sobre a hipocrisia geral da sociedade à época.
Sobibor era durante a Segunda Guerra Mundial um campo de concentração nazista em que o grosso dos aprisionados era formado por ciganos e russos, isso de certa forma justificaria o motivo para que Konstantin Khabenskiy dirigisse o seu filme. De início é mostrado de uma forma sensacionalista alguns soldados nazistas vendo pessoas se batizando em um rio, e na mentalidade deles, esse batismo só poderia ser feito por judeus. Para os alistados da Alemanha, a vida dos judeus serviria somente para fazer trabalho escravo, e claro, para enriquecer o Reich.
Essa mentalidade gananciosa, apesar de extremamente maniqueísta, revela bem qual era o modus operandi do governo de Adolf Hitler, além do que o filme não tem qualquer receio em parecer nojento, há momentos onde o gore sobressai até as atuações de seu elenco, com uma exibição bem generosa de vísceras, amputamentos e dilacerações, em especial sobre os concentrados menos subordinados.
O primeiro grande problema do longa é que seu elenco é de nacionalidades diversas, e a solução para driblar a questão linguística foi a de dublar alguns personagens, em especial quando se precisa falar alguma língua que não o russo, e isso faz um humor involuntário ocorrer, e dado que Khabenskiy é ator (e inclusive está no elenco do filme), seria de bom tom tomar atenção para esses aspectos.
O filme soa ultra dramático, se vale de clichês comuns e mal executados, que faz parece-lo uma cópia de outros filmes dentro desse subgênero, o que é uma pena, pois a história real poderia gerar uma nova perspectiva não só de como funcionou a guerra e a intolerância de Hitler, bem como agiu a resistência. O levante que ali ocorreu era revanchista, em uma versão moderada do que Tarantino fez em Bastardos Inglórios, claro, sem toda a hiper violência e irrealidade que o diretor emprega em suas obras.
As imagens de dor e sofrimento não tem sua importância valorizada, pois parecem jogadas em meio um roteiro confuso e problemas de atuação conforme já havíamos mencionado. Além do diretor, outra figura famosa é Christopher Lambert, que até tenta fazer um oficial nazista de mentalidade dúbia, mas não consegue, um pouco por conta da barreira da língua (é um ator norte-americano, de origem francesa, que fala alemão em um filme russo), ou pela unidimensionalidade de seu papel.
Não há muito o que se elogiar no longa. Ao menos, ele consegue mostrar o quão cruel e desalmados eram os atos dos soldados nazistas, e culpa corretamente os alistados e oficiais pelas atitudes nefastas que tomam, não suavizando nada, mesmo que boa parte deles usassem a desculpa de estar apenas seguindo ordens. Ainda assim, é muito pouco para um filme cuja pretensão é tão grande.
“Não é trabalho de um artista dar ao público o que o público quer. Se o público soubesse o que quer, ele não seria o público, mas o artista. É trabalho do artista dar ao público o que o público necessita.”
A reflexão acima, do grande Alan Moore, é pontual e pode ser relembrada, ao final da leitura de O Relatório de Brodeck, com a substituição do termo “artista” por “editora”. Pode-se fazer tal modificação ao analisar-se o trabalho que a editora Pipoca & Nanquim tem realizado no cenário nacional, se especializado em trazer ao público brasileiro obras seminais, de altíssimo requinte estético e narrativo, que dificilmente chegariam ao país, não fosse por seu intermédio.
Manu Larcenet, adaptando brilhantemente o livro de Philippe Claudel, apresenta em O Relatório de Brodeck uma narrativa pungente sobre humanidade, alteridade e barbárie. Situada logo após o final da segunda guerra mundial, a trama acompanha o escriba Brodeck, habitante de um pequeno vilarejo próximo à Alemanha e que acaba de retornar dos temíveis campos de concentração. Após um trágico evento no armazém local, ele se vê responsável por reportar o acontecido através de um relatório, e durante as investigações acaba se deparando com o que de pior a humanidade tem a oferecer.
Ao longo das descobertas sobre o ocorrido, o protagonista percebe como a guerra mexe com as pessoas, de formas por vezes irreversíveis. A espiral de violência que perpassa o vilarejo fazem com que a perversidade e o instinto de sobrevivência suplantem a civilidade e a compaixão, de modo que a crueldade humana é a todo momento evidenciada na obra, e colocada em perspectiva por um igualmente quebrantado Brodeck.
A experiência do protagonista com a guerra é a todo momento contraposta com a dos habitantes do vilarejo, em uma análise do outro a partir da perspectiva do eu, meticulosamente estabelecida. A incapacidade do ser humano em lidar com a diferença e a abrupta guinada à barbárie por parte de pessoas outrora amigáveis são elementos contundentes e poderosos dentro da narrativa.
A escrita fragmentária do autor confunde inicialmente o leitor, de modo a emular a própria surpresa de Brodeck a partir dos fatos que se descortinam diante de seus olhos, indo e voltando no passado e no presente. A arte de Larcenet é um deleite, capturando poderosamente a escuridão e as dores dos personagens, bem como a perplexidade de Brodeck, por trás de sua aparente passividade.
Com O Relatório de Brodeck, Larcenet traz consigo uma poderosa narrativa sobre os limites da natureza humana diante de sua própria crueldade, estabelecendo uma discussão, infelizmente, cada vez mais atual.
A edição da Pipoca & Nanquim, com 320 páginas em formato widescreen, papel pólen e capa dura, contribui com a ideia de “relatório” proposta pelo título da obra, apresentando a história em quadrinhos com um requinte condizente com a grandeza do trabalho.
“E no momento em que o navio dissipava-se no horizonte, a cabeça desaparecia debaixo da água. Tudo acabou. Só restava o mar.” – Os Trabalhadores do Mar, de Victor Hugo.
“Eles vão arregalar aqueles olhos quando nossos aviões pousarem na pista deles.”
– The Pacific.
Poucas vezes a xenofobia e o etnocentrismo foram mostrados em campo de batalha de forma tão explícita, sendo oriundas e alimentando um conflito histórico envolvendo Estados Unidos e Japão na primeira metade do séc XX. Esqueça o contraponto saudável e esclarecedor que Clint Eastwood propôs com Cartas de Iwo Jima, e A Conquista da Honra: a própria forma como tal conflito é defendido em The Pacific é imparcialmente realista, e americana, por excelência, quase não encontrando no drama inerente à ação, até porque essa não foi a intenção aqui, uma redenção ética para os atos desse país invadindo o outro (como ainda faz) para manter sua supremacia política. Esta ainda em construção na época, logo após o ataque japonês a Pearl Harbor e que feriu, para sempre, o frágil ego do Tio Sam, com o país entrando de vez na Segunda Guerra Mundial. Uma retaliação (e dominação global) imposta pelo ar, por terra, e neste caso, pelo mar que presenciou a militarização das ‘inocentes’ caravelas de Cabral, e cia.
Só que, enquanto o velho mestre Eastwood promoveu o debate por meio de dois filmes com posições políticas e nacionalistas naturalmente opostas, na produção televisiva de Tom Hanks, amplamente inspirado pelo amigo Steven Spielberg e seus épicos cinematográficos O Resgate do Soldado Ryan e Irmãos de Guerra (mesmo este último sendo produzido para a TV, seu formato e qualidade poderiam ser exibidas em quaisquer telas de Cinema), os dois lados da mesma guerra é objetivo e simplificado aqui, delimitado por quem está atrás de um fuzil e quem está na frente, numa narrativa unilateral dividida em dez episódios similares em ufanismo puro, cujo verdadeiro drama consiste em sentir pena pelos invasores mortos, boiando na maré do território inimigo ou feridos num ataque a um bunker.
Filmando de maneira clássica e com trilha-sonora solene (Hans Zimmer imitando John Williams rende bons momentos, e outros enfadonhos ao cubo), é como assistir Além da Linha Vermelha com a ação de um Soldado Ryan, mas sem a maestria de um Spielberg. Isso porque, mesmo com praticamente todos os recursos usados por Spielberg em Irmãos de Guerra sendo explorados em The Pacific (o lado documentário em toda abertura de episódio, enfatizando os comentários de veteranos reais de guerra, o uso de camera footage antiga, com cenas reais mostrando a invasão americana na “impenetrável” ilha encharcada de Guadalcanal, e nas praias de Peleliu, cenário onde a batalha foi a mais complicada e traiçoeira para os soldados americanos, e a mais questionável até hoje quanto a inteligência militar que moveu tal operação), Hanks não é Spielberg, por mais admiração e apadrinhamento que o ator possa ter tido do veterano cineasta.
Enquanto ele foca, tornando sua ação impecável numa espécie de bomba-relógio, Hanks expande e não concentra, tendo sua perspectiva tanto acionária quanto dramática mais pro estilo dinamite, ainda que sentimental na medida certa em diversos momentos chave, na história.O que guiava a Primeira Divisão de Fuzileiros Navais pelos arquipélagos asiáticos onde só encontravam miséria humana, nos quais a força invisível da guerra os levava a trilharem busca do inimigo, da vitória ou do óbito? Cada vez mais reconhecendo suas personagens como seres humanos enterrados num objetivo cada vez mais sufocante, eis uma minissérie alegórica aos sentidos mais primários de uma guerra, por mais ilógica que elas possam parecer ser para quem não as promove e fomenta o conflito sem precisar sujar as mãos; ao sentido dos lemas ‘fazer o que tem que ser feito’, e ‘custa o que custar’.
Hanks não procura a honra e o orgulho nisso, e sim as consequências para o homem que mata em nome de um país; o seu. Deixa claro que a paranoia não cobre atos ruins, mas também é inevitável numa situação dessas, e que mesmo o coração de um soldado sendo o seu rifle, são os sentimentos coletivos e por vezes individuais de um homem exausto e ferido que o guiam, a maior parte do tempo, seja por onde for.Chamando-os de ratos, da mesma forma como Hollywood via os japoneses deliberadamente na época, e como os nazistas intitularam os judeus em sua perseguição doentia, os fuzileiros americanos e seus comandantes começaram a contar suas vítimas ao longo da guerra e ficaram incrédulos com o que estava acontecendo, chegando nisso ao ponto alto da minissérie.
Sua narrativa ao longo dos episódios, em especial do (ótimo) sétimo em diante, e supervisionada pelos mesmos envolvidos em Irmãos de Guerra, mostra-se extremamente hábil em expor sinceramente as lacunas e as contradições de uma doutrinação militar agressiva, e que levava às vias da desumanização o indivíduo em prol da vitória, e do orgulho nacional. Mesmo com um ufanismo gotejante e que impregna a série do começo ao fim, sobra espaço em The Pacific para ser honesta quanto aos reconhecidos erros militares americanos, subestimando a inteligência japonesa em resistir aos ataques coordenados, a certa altura do conflito. Tom Hanks usa e abusa de uma simbologia contextual (capacetes, romances paralelos, granadas) para contar, em campo de batalha, o que sucedeu ao icônico ataque a Pearl Harbor. Faltou interesse em debates maiores e mais aprofundados, contudo, sobrou coração na reprodução dessa retaliação histórica.
Quando se assiste a O Resgate do Soldado Ryan, pela primeira vez, há algo de especial no ar. Demorei muito, todavia, para enxergar várias nuances do filme de Steven Spielberg, que completa vinte anos em 2018, além da clara propaganda política pró-Estados Unidos. Isso porque o patriotismo pingando da tela é o preço pelo melhor trabalho de direção da carreira dele, impecável, como se a simbiose “política-arte” tornasse-se subitamente inevitável num legítimo filme de ação como pouco já havia sido feito até então.
Desta intenção, deste ensejo do diretor de tantos clássicos infantis e de suas famosas e “descompromissadas” aventuras entre alienígenas, dinossauros e arqueólogos revolucionando para sempre o mundo do entertainment (Spielberg nasceu no lugar certo e na época certa, algo muitas vezes imprescindível para um gênio dar certo), surge a curiosidade genuína de um Cinema que se leva mais a sério, em filmes bélicos como A Lista de Schindler ou que usam apenas as agruras de uma guerra como pano de fundo para algo além dela, tal O Império do Sol ou Lincoln. Spielberg, judeu, é um soldado que veste histórias e celuloide enquanto empunha sua ousadia e seu toque de midas por todos os gêneros possíveis. Reinventando-os e envernizando-os, quando precisa.
Em 2001, ano extremamente traumático para a população dos EUA, surge uma das produções mais caras da história da televisão norte-americana, e como resistir a uma minissérie da HBO cuja supervisão é feita por quem lembrou o mundo, no final dos anos 90, o peso e a dor de um conflito interminável a quem dele participou? Band of Brothers acerta por já começar retirando todo o glamour de um conflito extremamente complexo (e não simplificado aqui), o qual hoje os mais jovens só conhecem através das narrativas de jogos de videogame cada vez mais realistas – apenas nos gráficos, na maioria das vezes. Quando a tal irmandade já recrutada assiste numa tela um romance da época de ouro de Hollywood com Clark Gable, logo nas primeiras cenas do primeiro episódio, fica claro que não haverá espaço para a doce fantasia neste universo de ganhos baseados em perdas irreparáveis. Tão cruel, e tão custoso.
O que realmente impressiona de fato, o que tomou o mundo de assalto, é a dimensão ambiciosa da história da minissérie. Como sua reprodução mais que fiel a dinâmica de um período histórico, alvejado por um comportamento humano característico, se dá de forma irresistível ao longos de dez deliciosos episódios. Como o companheirismo é sentido e cultivado numa trama onde o coletivo é totalmente mais importante que o valor individual não de cada capacete, mas do que há debaixo de cada capacete. Não haveria portanto esse grande conto baseado no livro de Stephen E. Ambrose sem o maravilhoso aprofundamento dramático das relações intensas de cada soldado: Homens esvaziados de inocência e tranquilidade numa época inflada por tragédias de escala mundial nunca antes sequer afrontadas, como transparece o destemido tenente Richard Winters, interpretado com maestria por Damian Lewis, da série Billions, da Netflix.
São inúmeras as interações entre iguais cem por cento contextuais a um cenário de pura desolação e condições acachapantes a qualquer espírito que, sem apoio, padece aquém de qualquer treino, senso de honra ou congratulações que poderiam abater a famosa Companhia E (Easy Company) do 2º Batalhão do 506º Regimento de Infantaria Paraquedista do exército dos Estados Unidos. A moral aqui é absolutamente clara: Não há guerra de um homem só, como provam vários bons filmes recentes que ainda tentam se destacar nesse âmbito histórico, como os fantásticos Cartas de Iwo Jima e A Conquista da Honra, dobradinha de Clint Eastwood sobre o mesmo combate envolvendo americanos e japoneses.
Contudo, na minissérie de Spielberg, personagens e ambientação servem para um momento ainda mais perigoso do século XXI, e que envolveu a invasão do próprio cafofo de Adolf Hitler, logo no auge da segunda grande guerra. Com uma missão absurda e imprevisível dessas, praticamente suicida como todos sabiam e sentiam por baixo de seus insígnias imundas, a vasta calmaria das nuvens tampouco seria o único refúgio antes de qualquer operação contra o sistema avançado do führer alemão, dado os bombardeios que aguardavam os soldados antes de saltarem das aeronaves – Hitler era muito paranoico com ataques aéreos e se preparava de toda forma possível contra eles, um a um.
Band of Brothers avança para ser um enorme estudo de personagem coletivo, mas equilibra sua narrativa contando, em paralelo, uma importantíssima virada no tabuleiro da história mundial, lotada de reviravoltas, e ainda deixa espaço para impagáveis depoimentos de veteranos que criticam a própria guerra, relembram suas participações verídicas e a auto vivência compartilhada e inesquecível de cada um: Sobreviventes testemunhais de um conflito desta magnitude. “Como você se prepara mentalmente pra isso?”, comenta a certa altura um ex-soldado emocionado. Nisso, a realidade acha outro jeito de se infiltrar na ficção e elevar o jogo.
Logo, não conseguimos mais deixar de se envolver com o drama e a violência que assombram a peleja do bando, muito antes até de descobrirem o que lhes esperavam e a gravidade da missão que mudaria o sentido das suas vidas. Aos poucos vamos tomando consciência, junto com eles, que estava longe de haver apenas fidelidade militar e vitórias na trajetória da irmandade, e seus oficiais de guerra. Jamais divididos entre suas motivações, mas sempre entre o chão e as nuvens, sobrevoando territórios franceses, belgas e alemães nos seus aviões de portas abertas, convidando ao terror que fazia subir a todo vapor.
Tal atmosfera crua de tensão ronda cada episódio e suas sequências feito uma promessa constante de frustração, nos levando a uma experiência de compromisso militar literal, muito bem integrado a causas maiores e muito antes dos acontecimentos fatídicos da década de 40 serem-nos apresentados, como o Dia D na Normandia, na França. Uma operação que a minissérie ousou recriar (muito bem e com exímia empolgação), e desta vez sob a ótica ansiosa e cada vez mais desesperada dos combatentes que não vinham pelo mar, mas faziam descer do céu, conscientes que não eram a prova de bala tal seu patriotismo, sua honra e seu senso irrefreável de dever cumprido.
Infelizmente, entre tanques, paraquedas, emboscadas e planejamento tático em pleno campo de batalha, a série parece ter sua dramaturgia impecável prolongada um pouco mais que o necessário em certos momentos, principalmente a partir dos últimos episódios, por mais prazeroso que seja a aventura desses pobre homens do começo ao fim; épica, em todos os sentidos. Enquanto documento ainda que com inúmeras liberdades de ficção, Band of Brothers tem seu espetáculo operando em prol de uma realidade destemida e simbolizada por grandes e pequenos instantes que certamente mudaram o curso do milênio, e do que estava por vir.
Todavia, mesmo longe de atingir e traduzir a sensação de loucura generalizada de um Apocalipse Now, podemos sentir o pavor e a pólvora exalando das cenas, sendo mais que convincente sobre o stress e o medo que se infiltrava no ar respirado por aqueles soldados e tenentes expostos e sobrepostos a um crescente endurecimento coletivo, progressivamente encarados como armas ambulantes num xadrez onde só há peões resistindo sob uma perturbação onipresente – ênfase aqui sobre isso no terceiro, sétimo e nono episódio, talvez os mais simbólicos e construtivos sobre a psicologia da guerra, e provavelmente os melhores e mais completos.
De certo longe de figurar como uma versão estendida de O Resgate do Soldado Ryan, o que não se justifica pela exploração crítica ainda mais aprofundada do extenso combate em questão, a produção televisiva tem uma parte técnica invejável, ostentando imagens e sons que não devem em nada ao filme de Spielberg – em determinado bombardeio, um soldado fica ligeiramente surdo e a mixagem sonora volta ao normal aos poucos, sempre a favor da já mencionada experiência realista tão pretendida, e tão bem atingida, de várias formas, na primeira grande produção para TV do assumidamente revisionista século XXI.
Uma das mais caras minisséries já realizadas (125 milhões de dólares, ao longo de 9 meses de filmagens), a empresa para retratar os horrores da maior guerra da humanidade (até hoje) pelo ponto de vista de um batalhão de paraquedistas rumo ao Ninho da Águia, fortaleza de Hitler no extremo sul da Alemanha, jamais expõe ou adula em gratuito os seus heróis americanos que voltaram ou não para casa, e ao invés disso, acerta mais uma vez deixando o horror e os esforços sobre-humanos os quais passaram expressarem um verdadeiro motivo de orgulho que os episódios pode exalar. Mais um triunfo narrativo para Spielberg e aos inúmeros diretores que comandaram o projeto, ambicioso como poucos, e nada devendo, ao todo, aos grandes “filmes de guerra” da história do Cinema mundial. Samuel Fuller ficaria feliz.
Registro fundamental da história, O Diário de Anne Frank se consagrou como um importante relato de uma testemunha vivendo sob a opressão da Segunda Guerra Mundial. Uma narrativa autoral com qualidade suficiente para se tornar também uma obra literária, tornando-se um relato de resistência e inspiração.
Anne Frank nasceu como uma alemã livre. Quinze anos depois, quando morreu de tifo em um campo de concentração, sua vida havia se transformado por completo. A garota e sua família foram testemunhas da violência do Terceiro Reich contra qualquer um que era considerado impuro. Amadureceu e viveu parte da adolescência no anexo secreto em que a família e agregados permaneceram por dois anos fugindo do jugo alemão. Até serem traídos por um desconhecido. Durante o tempo em que permaneceu escondida, manteve um diário.
A transformação de seu diário pessoal, escrito como forma de suportar o peso de dias terríveis, tornou-se um exemplo das diversas violências que o povo judeu, bem como outras minorias, passaram durante a guerra. Desde seu lançamento, o livro foi editado em versões diversas e até mesmo a autoria da obra foi questionada. O diário veio a tona a partir da leitura do pai de Anne, Otto Frank, único sobrevivente da família. Edições posteriores lançadas sem nenhuma edição, demonstraram que Anne era, de fato, uma garota precoce que amadureceu emocionalmente e literariamente no período de guerra.
A força de sua história permanece em Anne Frank: A Biografia Ilustrada, lançado pela Quadrinhos da Cia, e realizada pela dupla Sid Jacobson e Ernie Colón. A obra é a quarta parceria da equipe que anteriormente trabalhou em duas edições dedicadas ao 11 de Setembro e em uma biografia de Che Guevara. Ou seja, autores que possuem um entrosamento adequado e, além disso, trabalharam anteriormente com materiais reais e histórias significativas. Dessa forma, a dupla é capaz de ir além da mera transposição de um livro para um novo formato.
Jacobson pontua a história de Anne Frank expandido o enfoque de seu diário. Retoma a união que fundamentou a família, demonstrando como os Frank e os Hollãnder viviam antes do enlace matrimonial, bem como explica os fatos que levaram aos fatídicos acontecimentos da Guerra. A voz para narrar tais fatos é didática, mas bem inserida para criar o necessário contexto da época. Apresentando pequenos trechos do próprio diário ou outras fontes originais como cartas escritas por Otto Frank, a obra ganha maiores contornos explorando tanto o drama da família como da guerra em geral, situando os motivos fundamentais que levaram os alemães a assumir uma política agressiva de extermínio do povo judeu.
A figura de Anne Frank é ressaltada com vigor, dando credibilidade necessária para que o leitor compreenda que a garota era um personagem diferente dentro da sociedade como um todo. Alguém que, desde a infância, foi tida como especial e diferente de outras figuras do seio familiar. Dessa forma, é coerente compreender como a garota foi capaz de usar a literatura como um meio de identificação pessoal e de alívio para seus dias massacrantes. Vivendo sob o jugo da guerra, sua maturidade foi precoce e urgente.
A biografia, porém, tem espaço suficiente para demonstrar como cada Frank reagiu diante do mesmo problema. Dentro de uma situação sufocante, qualquer conflito natural de uma família se torna ainda mais difícil, beirando explosões que não acontecem devido ao confinamento obrigatório no anexo secreto. A história dos Frank aponta também como, em tempos obscuros, o apoio e ajuda são fundamentais para evitar maiores agressões. Além do diário ter sido guardado por uma das colaboradores de Otto, a rotina para que a família vivesse minimamente confortável dentro um espaço apertado foi apoiada pelos amigos íntimos que colocaram a própria vida em risco diante da barbárie.
Conforme chega ao seu desfecho, quando os Frank são capturados, a biografia se torna mais vaga. Considerando que a fonte original seja o diário de Anne, é evidente que os relatos da família dentro dos campos de concentração sejam diminutos. O que Otto fez foi reunir posteriormente o relato de outros prisioneiros que estiveram ao lado de Anne. Um processo misto entre o pessoal e literário que desejava, ao menos, dar um fim digno a trajetória da família.
A trajetória de Anne continua ainda hoje sendo uma das fortes figuras de resistência da Segunda Guerra Mundial. Seu papel como criança alemã judia com uma morte precoce, vivendo em um mundo massacrado pela guerra se mantém como um símbolo que representa um povo. O injustificado genocídio que oprimiu e dizimou um número gigantesco de judeus e outras minorias. Um fato histórico que nunca pode ser esquecido para que nunca mais se repita.
Anne Frank: A Biografia Ilustrada foi realizada com aval da Casa de Anne Frank, instituição responsável por preservar a imagem da família e sua história. Formatada em uma outra mídia, a obra mantém a intensidade do relato original e apresenta a um novo público a relevância de uma interessante testemunha ocular de um momento sombrio da história. A edição lançada no país ainda conta com uma cronologia da família Frank, bem como apresenta sugestões de leitura para se aprofundar no tema.
A carreira do diretor Robert Zemeckis tem sido de altos e baixos, em especial nos últimos anos, onde tem colecionado críticas mornas sobre seus lançamentos, em especial O Voo e A Travessia. Seu novo filme, Aliados, tenciona misturar um romance proibido com uma trama de espionagem, levando em conta produtos canônicos do cinema hollywoodiano como referência, em especial Casablanca, inserindo alguns elementos de teoria da conspiração em sua fórmula.
A história segue os passos de Max Vatan (Brad Pitt), um militar que é designado para ir em Casablanca, Marrocos, assassinar um embaixador nazista. Para isso, ele precisa fingir ser o esposo do disfarce de Marianne Beausejour (Marion Cotillard), uma bela mulher que já está no país africano há algum tempo. Após muito resistir, os espiões decidem– mesmo com as reprimendas do superior de Vatan, Frank Heslop (Jared Harris) – se casar, tendo uma filha pouco tempo depois, com o oficial se tornando então um funcionário burocrático do exército, num período bastante próximo à Segunda Guerra Mundial.
Toda a sequência em meio a missão dada é na verdade um despiste, um mcguffin que serve para introduzir o espectador no amor embrionário dos protagonistas, contendo algumas poucas belas cenas, no deserto onde finalmente os dois se relacionam pela primeira vez, seguidas de uma cena de ação bem construída. A vida nova do casal só começa após mais de quarenta minutos, onde a história se desdobra como um entreatos de uma peça teatral. A partir daí a rotina dos apaixonados é entre uma missão e outra, em meio a processos ordinários da vida comum de um casal, incluindo uma cena de parto bastante criativa, que beira o inverossímil.
A questão central é o drama desenrolado na segunda metade do filme, que inclui uma dúvida cruel para Vatan que o faz perseguir desesperadamente o que lhe incomoda. Nesse ponto, a qualidade do texto decai demais, baixando ainda mais o patamar de qualidade que não era tão alto até esse momento. A tentativa de criar um thriller eletrizante esbarra na incapacidade da direção em gerar suspense.
O elenco vasto de grandes atores não ajuda no resultado final. A química entre Pitt e Cotillard é irregular, soando forçada de início e melhorando um pouco já próximo de seu desfecho. Ao menos o final consegue causar emoção em quem vê, aspecto esse não corriqueiro dentro dos 124 minutos de exibição. Aliados tinha um potencial para ser um bom romance/drama de guerra, mas esbarra em uma narrativa morna e incapaz de criar um bom suspense.
O drama de guerra dirigido por Mel Gibson não poderia começar por outra fala que não uma passagem bíblica do livro de Isaías, capítulo 40, que faz relembrar muito do ideal religioso no qual grande parte dos alistados se apegam, em especial da personagem principal e biografado Desmond T. Doss (Andrew Garfield). O épico Até O Último Homem desconstrói a própria ideia de gênero de guerra, ao centralizar na historia do soldado contrário à violência.
Gibson é didático, como havia sido em Coração Valente e A Paixão de Cristo. A passagem que marca o ideal do jovem ocorre na infância, quando em uma inocente briga com seu irmão, o protagonista acaba por quase mata-lo, sob os olhos de seu velho e rígido pai (Hugo Weaving). Após refletir sobre seu passado, o rapaz se alista nas forças armadas, com a missão pessoal de resgate de sobreviventes e cura de feridos.
Uma parte da jornada faz paralelos com outros tantos clássicos do gênero, em especial Nascido Para Matar, de Stanley Kubrick, no que diz respeito a não aceitação do grupo militar com Desmond, por conta de sua postura em relação a guerra. O filme possui alguns períodos complicados quanto ao ritmo, e especial na primeira hora de duração, onde se discute a desobediência da personagem e o julgamento em torno de seu comportamento. O ideal e a motivação acabam sendo justificados neste primeira metade.
Já na metade final, o cineasta põe em prática a marca registrada de seu cinema, que é a violência mostrada de forma crua e visceral. As dilacerações de corpos, os cadáveres expostos e o uso da imagem para mostrar o lado sujo da guerra são impressionantes, em muito superiores ao visto em Apocalypto e Coração Valente. Esses momentos gráficos e viscerais corroboram com o discurso de Desmond trabalhado na metade inicial, dando razão ao texto da personagem por meio de imagens.
O texto de Robert Schenkkan e Andrew Knight discorre sobre as faces cruéis da guerra, valorizando as ações do protagonista,mostrando neste plano tudo o que O Invencível, de Angelina Jolie tentou mas que não obteve êxito – quanto na demonstração da guerra em ambos os lados, com referencias a Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood, envolvendo cenas com os inimigos asiáticos.
Gibson está longe de acertar tudo o que tenta, mas apresenta um produto final simples, conciso e econômico, como os bons filmes de guerra de Eastwood, cuja direção pontual é menos grandiloquente e mais preocupada em contar a história de um herói nacional do que apresentar um filme pretensioso, e tal apresentação só é tão bem sucedida graças as nuances que Garfield empresta a figura antiviolência de sua personagem. Segundo esses preceitos, Até O Último Homem é o típico filme inspirador que o público, a crítica e a academia costumam abraçar, sendo até mesmo surpreendente o quão baixa é a carga melodramática do longa-metragem.
Fruto dos esforços do premiado diretor alemão Volker Schlöndorff, realizador também do clássico O Tambor, o longa Diplomacia trata de temas graves, sobre possíveis pecados de guerra, possivelmente evitáveis via negociações. As primeiras cenas se encarregam de alertar o público aos terríveis males que um conflito belicoso faz a uma nação, deixando claro o caráter do roteiro antes mesmo de prosseguir em sua narrativa.
Os eventos ocorrem a partir da reunião no gabinete do General (e governador) von Choltitz, vivido por Niels Arestrup, responsável tático por uma possível explosão em Paris, evento que acarretará em baixas humanas, além de destruir monumentos históricos do país e a infra-estruturas ligadas ao saneamento básico. Nesta reunião, somente envolvendo aliados do militar, há forte oposição por parte deste conselho, ao ponto dos presentes precisarem buscar forças no álcool para verbalizar o ataque a França.
O ofício de Choltitz é essencialmente solitário, dado o peso que suas decisões acarretarão, não só sobre a Alemanha nazista, incluindo, neste aspecto, lidar com a opinião pública nacional comumente ignorada em detalhes técnicos, mas também o eco global de uma ação tão enérgica sobre um país já quase todo tomado pelo exército. A interferência externa vem por parte do diplomata Raol Nordling (André Dussollier), responsável pelo país normalmente neutro, a Suécia, que teve a mesma postura durante a Primeira Guerra Mundial. Todas as expressões de Nordling determinam fortes emoções de choque, desde as cenas em que o próprio sequer tem fala, seguidas de seu discurso que tenta, a princípio em vão, demover o chefe do exército em prosseguir com a matança e destruição.
A discussão deixa o embaixador em situação crítica, quase sempre perdendo no embate ideológico proposto. A ideia de Schlöndorff é propor um filme de diálogo, muito mais reflexivo do que tantos outros filhotes dos filmes de guerra – incluindo outros da filmografia do próprio cineasta – pondo posições dissonantes para conviver em meio ao planejamento de um avanço predatório num conflito global. É a dignidade de Nordling que o põe em uma posição de confiança diante do general, mesmo em lados opostos do cenário político. A cena em que Choltitz tem um ataque médico é emblemática na demonstração disto, de que mesmo no momento de apuro, não seria o estado todo poderoso que acolheria seus alistados e seus líderes.
O diretor diferencia com qualidade o cenário montado nas salas de reunião em que ocorrem as decisões mais importantes, compostas por homens da alta patente, que decidem os rumos de milhares, como também mostra a rotina dos não oficiais, de homens que são postos a trabalhar sem comida, sem dar vazão as suas necessidades básicas. A visão do diretor é importante por humanizar as figuras normalmente encaradas como vilões frios, já que em Diplomacia este são homens, comuns, falhos, que mesmo nessa composição, impõem terror .
Não há, claramente, espaço para glória, após o sucesso do intuito do diplomata sueco, ao contrário, visto que a trajetória do longa-metragem está focada no general alemão, o qual, em seus momentos finais, tem de lidar com o avanço da resistência, e com a retomada ocorrida no Dia D. Nordling conseguiu entrar para história e recebeu medalhas e honras por salvar Paris. O argumento é competente ao extremo em registrar as nuances e dificuldades que os cônsules têm, usando suas falas e suas imagens para resumir bem tais esforços, em um fantástico registro da alma humana e da capacidade de convencimento via retórica.
Pertencentes à primeira série de cinco encadernados lançados pela Panini Comics, com um preço econômico devido a impressão no exterior, além de um pôster que forma um painel com diversos heróis da Marvel em conjunto, as edições escolhidas para esses especiais apresentam histórias fechadas de personagens específicos, releituras sob pontos de vista diferenciados proporcionando uma aventura diferente da tradicionalmente apresentada pelos gibis de linha.
Greg Pak desenvolve a trajetória de um dos grandes vilões do estúdio, o mutante Magneto. Focado inteiramente em sua juventude, Magneto: Testamento resgata a sua origem natural antes da manifestação de seus poderes mutantes. Dentre as diversas boas genealogias de personagens da Marvel, a composição de Erik Lehnsherr é uma das mais intensas, apoiada em um contexto histórico. De família judia vivendo na Alemanha, o garoto presenciou os horrores da Segunda Guerra Mundial, participou de campos de concentração como Sonderkommando e viu sua raça ser dizimada por um regime violento, sobrevivendo até fugir do campo no final da guerra. Todo o ódio e fúria que Magneto sente, pelos humanos que desejam matar os mutantes, estabelecem um paralelo com sua própria infância e com o embate alemão e judeu, uma explicação que está no cerne da composição dos quadrinhos de X-Men.
As cinco edições desta história apresentam os anos modificadores na vida de Erick com base nos acontecimentos históricos, desde as primeiras violências cometidas contra os judeus até as leis de Nurenberg que transformavam os cidadãos judeus/alemães em párias da sociedade, com realocação de seus habitantes até a locomoção para campos de concentração.
Qualquer traço de poderes especiais ainda é latente na personagem, fazendo desta história um reflexo da própria história mundial. O registro confere realidade a Magneto e passa a mensagem para leitores que nem sempre estão próximos desse tipo de contexto histórico.
O traço de Carmine Di Giandomenico, responsável pelas duas edições Noir de Homem-Aranha, se destaca devido às cores de Matthew ‘Matt’ Hollingsworth. Utilizando uma paleta de meios-tons simbolizando o aspecto cinza, refletindo os sentimentos dos judeus, o ambiente melhora os traços um pouco cartunescos que, às vezes, parecem exagerados e fora de tom com o estilo da narrativa, com personagens de olhos esbugalhados ou exageradamente interpretados.
Bem equilibrado entre uma narrativa histórica e a fundamentação de um personagem, Testamento é uma bonita origem de uma figura oriunda de um período nefasto da história, um dos princípios que dá credibilidade e compreensão aos atos de Magneto durante sua trajetória nos quadrinhos.
A história universal da humanidade se baseia, na medida do possível, na identificação de fatos e acontecimentos históricos. Conjecturas e possibilidades não se encaixam nesta linha, ainda que certas ações possibilitem a reflexão sobre se os rumos da história se modificariam caso certos planos fossem adequadamente executados.
Operação Valquíria suscita tais questionamentos ao apresentar um plano, de parte dos militares alemães, para assassinar Hitler. Um acontecimento real, dentre os mais de 15 ataques contra a vida do ditador, em uma versão cinematográfica dirigida por Bryan Singer e com Tom Cruise no elenco. A produção talvez seja o filme mais dissonante de Singer. A bilheteria foi aquém do esperado, e o tema, diferente da narrativa usual do diretor. Ainda que as críticas feitas à produção devessem ser reconsideradas.
Em um apoio fiel aos fatos históricos, a trama resgata um momento luminoso na história alemã em um bom thriller de guerra. As primeiras cenas feitas em língua alemã demonstram a intenção de fidelidade histórica. Quando a língua é modificada para o inglês, o público compreende que se trata de uma liberdade cinematográfica devido à origem de seus atores. Uma estratégia interessante que explicita a visão cinematográfica do acontecimento, um fator linguístico que foge das línguas-mãe de cada país e é motivo de reclamações por parte de críticos e público.
A narrativa enfoca o plano de assassinato de Hitler considerando que o público compreende as bases fundamentadas na história da Segunda Guerra Mundial. Os militares perdem a visão uníssona devido a um grupo dissidente contra as ações do Führer , criando uma resistência interna que decide uma maneira radical de encerrar o conflito e reestruturar o país após a morte do líder.
O general Stauffenberg se torna o personagem chave do grupo para desenvolver uma estratégia efetiva para matar Hitler. Vindo do front da África, após uma explosão que lhe custou as mãos e um olho, a personagem interpretada por Tom Cruise reconhece que a condução desta guerra adquiriu contornos exagerados. Apoiando-se em um plano de contingência desenvolvido pelo próprio ditador, surge a Operação Valquíria, uma manobra criada para caso o líder fosse abatido ou surgisse um conflito interno de poder. Mesmo que o público reconheça de antemão que a operação foi um fracasso, e que estendeu por mais nove meses a guerra até o suicídio de Hitler, o roteiro de Christopher McQuarrie e Nathan Alexander sustenta o suspense e a tensão, como se a revelação deste fato não fosse importante, intensificando a conspiração dentro dos frontes internos.
No papel central, Tom Cruise se destaca com um personagem enérgico mas ponderado, demonstrando que brilha como ator fora de seus personagens habituais de galãs. Além de sua participação, o elenco é formado por grandes atores que se sobressaem em poucos papéis principais, como Bill Nighy (perfeitamente caracterizado como Friedrich Olbricht), Tom Wilkinson, Terence Stamp e Kenneth Branagh. A reconstrução de época ajuda a enfatizar um momento da história mundial que boa parte conhece apenas por narrativas. A câmera de Singer abrange o esplendor da visão alemã em câmeras panorâmicas, apresentando toda a pompa pela qual o nacionalismo alemão foi sustentado.
A operação foi o último atentado registrado contra Hitler e dá margem para uma reflexão: se o plano fosse bem-sucedido, mudaria de forma eficiente a transição do pós-guerra? De qualquer maneira, a estratégia demonstra que a visão de uma Alemanha apoiando seu líder de maneira cega é inadequada, destacando um bonito momento histórico de resistência interna de um grupo, considerado traidor e executado como tal, mas hoje símbolo de resistência contra um legado negro da humanidade.
Produzir épicos de guerra sempre foi uma especialidade de Hollywood. O gênero possui uma grande quantidade de filmes, tanto os mais clássicos que tentam retratar o lado heroico daqueles soldados que enfrentaram os campos de batalha, quanto os mais recentes, que enfocam os horrores aos quais esses seres humanos foram expostos e também os que estes cometeram.
A cada nova tentativa de produzir um épico sobre a Segunda Guerra Mundial, tema tão batido, a indústria tenta trazer ao menos uma nova visão sobre algum detalhe, seja de uma história particular ou de um evento específico do conflito, afinal, poucos temas da história são tão conhecidos quanto este, e o risco de cair na vala comum é enorme.
A produção dirigida por David Ayer, Corações de Ferro opta por seguir este caminho e traz para as telonas como era a vida da divisão de tanques nos campos de batalha. O filme conta a história de Don ‘Wardaddy’ Collier (Brad Pitt), um sargento que comanda um tanque americano M4 Sherman com o restante de sua tropa, Boyd ‘Bible’ Swan (Shia LaBeouf), Trini ‘Gordo’ Garcia (Michael Peña), Grady ‘Coon-Ass’ Travis (Jon Bernthal) e o novato Norman Ellison (Logan Lerman).
O filme consegue produzir uma imersão dentro da batalha de forma eficiente, e em diversos momentos conseguimos captar como era a vida dentro de um tanque de guerra, em uma época em que tudo era rústico e feito manualmente, a habilidade humana era essencial para a vitória e, portanto, cada erro, fatal. A agressividade e intensidade da batalha são reais. A edição de som, com o metal a toda hora rangendo e gritando em razão dos movimentos e dos projéteis que os atingiam, garante uma excelente experiência de batalha sob um ângulo totalmente novo.
Porém, quando se afasta disso, a obra enfraquece de forma considerável, pois cai nos diversos clichês de filme de guerra. O novato, por exemplo, mal tratado pelos veteranos por não ser capaz de realizar as duras tarefas que a guerra exige, ao mesmo tempo aprende em alguns minutos a lidar com as perdas que o conflito impõe. Também são mal desenvolvidos e mal explorados os aspectos psicológicos dos outros integrantes do tanque, e aqui o filme assemelha-se cada vez mais ao cultuado O Resgate do Soldado Ryan.
O personagem religioso que justifica suas ações para Deus; o personagem fisicamente imponente que usa esse fato para se aproveitar do novato que tinha a função de escritório mas que foi destacado para o campo de batalha; além do comandante que, ao mesmo tempo que é rígido com seus subordinados, dá a eles a autonomia necessária às vezes para liberar a pressão que o conflito acumula a fim de não perder seu comando. Tudo isso se torna ainda mais claro na batalha final, quando os integrantes do tanque, isolados do restante do exército, se veem na obrigação de enfrentar um contingente inimigo muito maior, e quando as chances de sobrevivência são escassas. Além, claro, da tonalidade cinza-escura e suja que o filme de Steven Spielberg também trouxe para o cinema de guerra.
Dessa forma, David Ayer não consegue dar ao seu longa a profundidade necessária a um épico de guerra ao qual nos faça conectar, com personagens que façam envolver-nos a ponto de entender quem são e por que agem daquele jeito, ou mesmo nos importar com as perdas infligidas à equipe. As resoluções e discursos são rasteiros e ao final o que sobram são as excelentes cenas de batalha. E a vontade de rever O Resgate do Soldado Ryan.
A Segunda Guerra Mundial é um dos temas mais férteis para produções cinematográficas, ainda que atualmente se lancem poucos filmes sobre o assunto em comparação com décadas passadas. Porém, há sempre espaço para mais uma narrativa sobre este momento histórico, seja como um panorama universal do período, seja através de histórias pessoais de homens que viveram sob domínio da guerra e guardam lembranças de traumas, batalhas e sentimentos.
Uma Longa Viagem baseia-se na história real do soldado Eric Lomax (Jeremy Irvine/Colin Firth), um oficial britânico preso no fronte em Singapura e enviado a um campo de prisioneiros para trabalhar à força na construção de uma ferrovia. Hábil em eletrônica, constrói um rádio amador para ouvir notícias sobre a guerra e, ao ser descoberto, é detido e se transforma em alvo de tortura e maus tratos.
A história começa nos dias atuais. No centro de veteranos, Lomax é um senhor conhecido pela fascinação por trens. Conhece itinerários, maquinários, e em uma destas viagens conhece Patti (Nicole Kidman), a mulher que será sua futura esposa. Após o casamento, a relação com a esposa permanece distante, em parte por seu incômodo em revelar a história de seu passado, motivo que lhe deixa apreensivo e com pesadelos diários. A trama entrecorta o presente com sua jornada de guerra.
O soldado foi utilizado como um exemplo pelos inimigos para se manter a ordem local. Torturado diariamente, privado de alimentação e de um local adequado de sono, o jovem, e suas dores físicas e psicológicas, é acompanhado pelo público, atento em compreender o motivo da fragilidade do personagem quando adulto. Incapaz de superar este trauma, Lomax vê a estabilidade familiar e a convivência com a esposa se tornarem insustentáveis. Tentando evitar uma separação, o veterano realiza uma viagem de volta ao local onde foi preso para encontrar seus torturadores e obter alguma resposta que possa amenizar sua dor.
A batalha de Lomax é a luta contra o passado e a incompreensão diante de fatos brutais vividos no período de guerra. Sua viagem é frutífera, e o ex-soldado encontra um homem que estava presente nas sessões de tortura, o intérprete de guerra Nagase Takashi. Defronte a seu antigo inimigo no confronto, o homem percebe que o outro também carrega fantasmas e traumas de batalha.
A guerra vista de uma maneira abstrata e com afastamento histórico retira a percepção de que homens lutaram uns contra os outros e saíram flagelados destas lutas, muitas vezes questionando-se quanto à verdadeira intenção de uma batalha entre nações. A obra demonstra a inutilidade da guerra e faz uma ode ao perdão. Um reconhecimento difícil e catártico entre homens que, um dia, viveram em lados opostos. As cenas do encontro destes ex-soldados são bonitas e emotivas pela coragem em compreender o outro lado e absolvê-lo de erros passados.
Colin Firth sustenta com qualidade a personagem, principalmente nos momentos emotivos. Nicole Kidman, por outro lado, parece demonstrar intenção de resgatar seu prestígio como atriz, mas sua personagem é fraca e funciona mais como um motivador para a mudança do marido do que como alguém importante na história. O romance dentro da vida de Lomax foi a justificativa maior para que ele, finalmente, compreenda as torturas que sofreu durante a guerra.
Como a maioria das histórias, principalmente em tempos sombrios como o da Segunda Guerra, a trama apresenta elementos interessantes, demonstrando as facetas cruéis de conflitos bélicos e os traumas carregados durante boa parte da vida. Mas dentro de tantas narrativas retratando este período, a história parece uma repetição, e o drama sensível salva-se mais pela competência dos atores do que por um bom roteiro.
Parado em algum lugar entre a nostalgia das lembranças fotográficas de uma geração anterior e a descoberta de laços familiares possivelmente não conhecidos por parte dos narradores da história, Por Uma Mulher (Por Une Femme) é fundamentado em um quebra-cabeças que se pauta no pretérito para elucubrar um triângulo curioso, que tem na busca/ode pela origem de Anne (Sylvie Testud) o seu cerne.
O roteiro é contado através dos elementos da recém-falecida mãe de Anne, e passa a expor um conto sobre a Grande Guerra, remontando ao início do duradouro matrimônio entre os dois: Lena (Melanie Thierry) acabara de descobrir sua gravidez, o que deixa seu marido Michel (Benoît Magimel) obviamente preocupado. Já com a criança nascida, ele consegue expandir seus negócios, e finalmente abrir sua loja de tecidos, explorando seu belo talento e produzindo seu sustento e de sua família.
Tudo corre como manda a tradição, Michel consegue lograr êxito com seu negócio, até que a entropia adentra o seu cotidiano. Inesperadamente, seu irmão retorna de um “campo”, de onde todos achavam que não poderia sair vivo. A existência de Jean (Nicolas Duvauchelle) não era de conhecimento geral até então. Ele era um párea mesmo entre seu clã, por motivos políticos, evidentemente.
Logo Jean junta as suas forças ao seu irmão, auxiliando-o a tocar a loja. Seu passado é posto em crédito, com uma preocupação de que ele tivesse uma vida borrada ou boêmia, ligada a ilegalidades, já que para todos os efeitos, ele estava foragido. Surpreendentemente, ele acaba sendo de um auxílio valioso a Michel.
Com o desenrolar dos acontecimentos, Jean não consegue esconder seus interesses relacionados a contestação, tampouco consegue esconder sua natureza, apresentando um comportamento e carisma demasiado sedutor, cooptando até aqueles a quem “usufruir” dele seria proibido. Não demora muito para o ideal utópico vermelho cair sobre ele, fazendo-o correr perigo de vida novamente, o que obviamente enfia seus familiares também à deriva no cenário político francês, além, é claro, de explorar uma gama de sabores condenados.
Anne não se contenta em somente verificar os relatos via memorandos, e vai encontrar seu genitor, para tentar desmistificar o fato de não ter tido até então o conhecimento sobre um parente tão próximo, mas que, por falta de qualquer menção, jamais foi conhecido. A sequência de reencontro, apesar do caráter agridoce, guarda momentos um tanto vergonhosos, seja pela maquiagem forçada de Benoît Magimel, ao tentar emular um senhor geriátrico, ou por sua incômoda sensação de estar descoberto, ante a verdade inconveniente que se aproxima de ser exposta.
O ato anterior parecia excessivamente moralista para esconder as indiscrições incestuosas, sempre sugeridas e consumadas ante a câmera recordatória de Diane Kurys. O rememorar resgata as lembranças afetivas, e as tristes também, como todo álbum de fotografias, que ao registrar os momentos mais felizes, não faz esquecer o espaço em branco entre os retratos, os episódios menos glamourosos e não tão dignos de nota ou recordação. O roteiro, apesar de alguns percalços, consegue apresentar uma história bastante humanizada, que equilibra bem momentos de infidelidade sentimental, um pecado moral e condenável com a dificuldade em manter um ideal essencialmente político e social, exibindo curvas dramáticas das mais viscerais, especialmente pela fita ser conduzida em sua integridade por uma abissal leveza de espírito.
Depois do excelente Tudo pelo Poder, de 2011, a expectativa pelo novo filme dirigido por George Clooney era grande. Com uma temática interessante e um elenco carismático, poucos afirmariam que o filme fosse um fracasso. E aqueles que afirmaram, acertaram.
Caçadores de Obras-Primas se passa no final da 2ª Guerra Mundial, quando um especialista em arte chamado Frank Stokes (Clooney) convence o então presidente Roosevelt a enviar uma força-tarefa para a Europa com o objetivo de evitar o saque, comandado por Hitler, de obras de arte guardadas em museus europeus. Para isso, ele conta com a ajuda de alguns amigos também especialistas nos mais variados ramos da arte, como James Granger (Matt Damon), Richard Campbell (Bill Murray), Walter Garfield (John Goodman), Jean Claude Clermont (Jean Dujardin), Donald Jeffries (Hugh Bonneville), Preston Savitz (Bob Balaban) e o tradutor de alemão Sam Epstein (Dimitri Leonidas). Também está presente a especialista francesa em arte Claire Simone (Cate Blanchett).
Tentando trabalhar com grande sensibilidade um tema sobre a importância da arte em meio à guerra, o filme se utiliza de discursos em vários momentos, com músicas enaltecedoras de fundo a fim de dar um clima heroico aos personagens; isso causa embaraço no espectador, pois a função de resguardar a arte é um sentimento além de heroísmos baratos tão comuns em filmes que retratam o militarismo americano – que também recebe carta branca em relação aos tempos atuais ao mostrar como o exército dos EUA salvou o planeta dos nazistas.
Também rasa é a construção dos personagens, todos retratados em situações cômicas e munidos de frases feitas fora de contexto, aparentando terem saído de um programa de TV da época retratada no filme. Desta forma, torna-se dúbia a mensagem séria que a narrativa tenta impor, visto que é quebrada com piadas em toda a película.
O retrato feito dos russos lembra os filmes de James Bond do auge da Guerra Fria, com seus vilões caricatos de cara amarrada, dando a entender que os soviéticos não foram os reais responsáveis por conter a máquina de guerra alemã. São tratados como estorvo no caminho americano de libertação e sua participação é citada apenas como um “eles perderam vinte milhões de pessoas”, em uma afirmação também estranha de se fazer antes de terminar a guerra, quando esses cálculos só foram divulgados com certeza alguns anos depois do final do conflito. O russo retratado no filme tem tamanha importância dramática que não diz uma única palavra.
No final, o que sobra do filme é uma ode à importância da arte como memória coletiva dos avanços da humanidade, mostrando como o papel desses homens foi importante para salvar essas obras do confinamento nazista, evitando-se uma destruição muito maior – já que, ainda assim, muitos trabalhos artísticos foram destruídos, em especial os de arte moderna e de artistas judeus. Porém, esse grupo de soldados corajosos merecia uma homenagem melhor do que esse pastiche transfigurado de drama.
Segredo de Família, de Eric Heuvel, holandês e um dos grandes cartunistas e ilustradores da atualidade, chega ao Brasil pelas mãos da Quadrinhos na Cia. Heuvel tem formação em história e suas obras são conhecidas pela caráter educativo e o contexto histórico onde costuma retratar um pedaço da história da humanidade, e essa graphic novel trata exatamente disso.
Na trama, conhecemos Jeroen, um jovem que vai até a casa de sua avó procurando objetos que possam ser vendidos no Mercado de Pulgas do Dia da Rainha, um evento especial na Holanda em que a população sai às ruas para aproveitar a música ao vivo, comes e bebes, além do próprio comércio de mercadorias usadas que são vendidas no mencionado Comércio de Pulgas.
No meio das coisas de sua avó, Jeroen descobre um antigo uniforme policial holandês, uma estrela judia de tecidos, antigas fotografias e um álbum de recortes. Essa descoberta desperta uma série de lembranças e leva a avó de Jeroen a narrar a história de sua juventude em Amsterdam durante a ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial.
O roteiro de Heuvel traça um paralelo com a história de Anne Frank, adolescente alemã de origem judaica, que morreu aos quinze anos no campo de concentração de Auschwitz, vítima do holocausto. Apesar de alemã, Anne se mudou para Amsterdam em 1933, fugindo da ascensão nazista que crescia cada dia mais. Em Segredo de Família, a avó de Jeroen tem como sua melhor amiga Esther, uma judia alemã que também se muda para Amsterdam fugindo da Alemanha antes do início da grande guerra.
Os pontos fortes da graphic novel são os relatos de acontecimentos históricos e os papéis que cada personagem desempenha nessa grande catástrofe mundial. Heuvel procura se abster de julgar as atitudes de cada um deles, evitando julgamentos morais. O traço cartunesco do autor é muito similar ao do belga Hergé (Tintim), o que não deve ser mera coincidência.
Um grande trabalho que tem como tema central o holocausto; no entanto, deixa muito a desejar se comparado a obras como Maus.
Em um romance policial de suspense e investigação quanto menos se souber, melhor. É tênue a linha entre conhecer o argumento base da história e se deparar com elementos que somente no meio da trama são apresentados ao leitor mas que, de alguma maneira, a sinopse insiste em divulgar. Como de costume, sempre evito o resumo da contracapa. Normalmente, falam muito do que não deviam, estragando o que poderia ser uma surpresa.
A capa de O Buraco da Agulha (Editora Record, Edições BestBolso, 434 páginas) revela a base necessária. O nome de Ken Follett aponta para uma possível trama investigativa com a possibilidade de utilizar-se de algum elemento histórico como pano de fundo. Afirmação corroborada pela suástica vermelha presa a uma agulha, aludindo ao título. É o suficiente para que se comece a leitura.
Embora não seja o primeiro romance do britânico – o autor havia escrito quatro histórias anteriormente utilizando pseudônimos – é o primeiro que conquistou um grande sucesso e prêmios literários como o Edgar Award, maior prêmio para literatura de suspense e mistério, em 1979. A utilização da segunda guerra como pano de fundo para desenvolver esta história permite um brilho extra para a narrativa. Gera uma tensão ampliada pela ambientação devastada, de um momento histórico sensível em que potências em guerra escolhiam o momento certo para um possível ataque final.
É neste contexto que Percival Godliman, um estudioso da idade média e antigo colaborador do MI5 é convidado para trabalhar em uma investigação que procura agentes infiltrados alemães dentro da Inglaterra. O embate da narrativa centraliza-se em Die Nadel, ou A Agulha, um dos poucos espiões em atividade em Londres que seria capaz de descobrir informações vitais que colocariam em risco a atividade britânica. É o suficiente para que dois grandes personagens lutem por seus ideais.
A narrativa de Follett é composta de maneira tradicional. Em cada capítulo apresenta um ponto de vista diferente, equilibrando linhas paralelas da história com as doses precisas de informações e tensão. A escrita segura não tem medo se precisa dialogar mais intimamente com o leitor ou se estender a mais de um parágrafo na descrição de uma cena.
Apresentando uma história de maneira neutra, sem julgamentos, o autor evita de cair na fácil armadilha de apresentar um lado da guerra como o melhor ou mais correto. Cada personagem convence por sua crença bem enraizada e sua trama chega a tocar em personalidades centrais da guerra como Hitler e Churchill, que dão mais credibilidade ao relato.
O sucesso da carreira de Follett, as boas vendas e os comentários da crítica se justificam desde o primeiro livro. Demonstrando que, embora alguns considerem a literatura policial inferior as demais, há quem domine seus elementos e produzam estupendas narrativas. Sendo duplamente impressionante que esta tenha sido uma das primeiras narrativas do autor.
O livro traduzido por Orlando Lemos pode ser encontrado em duas edições de bolso, uma contendo somente este romance (compre aqui) e outra em conjunto com Na Toca do Leão (compre aqui), também de Follett. O sucesso também gerou também uma adaptação cinematográfica realizada em 1981, com Donald Suthlerland e Kate Nelligan, lançando no fim do ano passado em DVD no país pela Classicline (clique aqui para comprá-lo).