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  • Review | Les Revenants – 1ª Temporada

    Review | Les Revenants – 1ª Temporada

    CANP_1210059_REVENANTS_COUTEAU_SS_DATE_Abribus.indd_NjpgEm uma cidadezinha (convenientemente sem nome) no interior da França, dominada por uma barragem, algumas pessoas que morreram há anos reaparecem como se nada tivesse acontecido. Pessoas de várias idades, falecidas em épocas diversas, que pretendem continuar suas vidas do ponto em que pararam e se reintegrar ao meio em que viviam. Ninguém sabe por que voltaram e por qual motivo especificamente essas pessoas retornaram. Enquanto isso, a cidade enfrenta alguns eventos incomuns: quedas de energia inexplicadas, diminuição do nível de água do reservatório, animais mortos no lago.

    A série é uma adaptação do filme homônimo dirigido por Robin Campello e, à primeira vista, parece ser um mix entre 4400 e The Walking Dead – ou qualquer série sobre zumbis. Mas é bem mais que isso. Não há qualquer explicação sobre o que fez essas pessoas retornarem e, diferente do que se pensaria, este não é o foco. Assim como em In The Flesh, o roteiro se concentra na experiência de cada um dos “revenants” (os que voltaram), em sua dificuldade de entender e aceitar a situação atual, como também a de seus familiares e conhecidos.

    O primeiro episódio consegue envolver o público desde o princípio, iniciando praticamente in media res, com um acidente de ônibus durante uma excursão escolar. Sem qualquer dica para o espectador sobre o que houve, vemos a adolescente Camille (Yara Pilartz), que estava no ônibus, se apressando em voltar para casa. Sem exageros dramáticos nem histrionismo, a paleta azulada, a fotografia primorosa e a trilha sonora (sob responsabilidade dos escoceses do Mogwai) complementam a intensidade do roteiro, gerando um clima claustrofóbico e tenso. A falta de quaisquer explicações nos episódios iniciais é bem aflitiva, mas o roteiro consegue manter a fluidez da narrativa, atingindo plenamente o objetivo de fazer o espectador ficar curioso o bastante para continuar assistindo.

    Cada episódio leva o nome de um dos que voltaram – não se atendo apenas a ele -, e o espectador fica sabendo, aos poucos, o que aconteceu aos personagens, em que circunstâncias morreram e quais as conexões entre eles. Os flashbacks não são excessivos e estão inseridos de forma bastante orgânica, geralmente no início dos episódios, não prejudicando o ritmo e a evolução da narrativa. E, sim, a exemplo de Lost, é possível montar uma rede de relacionamento conectando os personagens “mortos” e vivos entre si.

    Um dos atrativos da narrativa é esse: ir descobrindo em que grau e de que forma os personagens estão relacionados. Por exemplo, Julie (Céline Sallette) é uma enfermeira que foi atacada por um serial killer – Serge (Guillaume Gouix), um dos que voltaram. Ela acolhe Victor (Swann Nambotin), outro revenant, que foi morto há 35 anos junto à sua família pelo comparsa de Pierre (Jean-François Sivadier). Este, agora um religioso, é parceiro de Claire (Anne Consigny), mãe de Léna (Jenna Thiamcomo) e Camille, que morreu há quatro anos. E, à medida que a trama avança, essa rede vai se tornando ainda mais intrincada.

    O elenco é algo que vale ser destacado. As atuações são concisas e contidas, transmitindo emoções em pequenos gestos, olhares, frases interrompidas. Destaque para Céline Sallette – a vida de Julie parece pesar-lhe nos ombros – e Swann Nambotin – em alguns momentos, Victor chega a ser sinistro em seu silêncio.

    Se há alguma ressalva a ser feita é quanto ao desenrolar dos dois episódios finais. Alguns fatos parecem ter sido jogados sem qualquer cuidado em introduzi-los de modo a fazerem sentido no contexto. Lembra alguns filmes em que, faltando quinze minutos para o final, o roteirista percebe que tem de explicar tudo e amarrar todas as pontas deixadas soltas no decorrer da história. O ritmo da história sofre com essas inserções. Além disso, perde-se força narrativa ao serem adicionados, sem mais nem menos, elementos místicos e religiosos ao clima de mistério.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Por Uma Mulher

    Crítica | Por Uma Mulher

    Parado em algum lugar entre a nostalgia das lembranças fotográficas de uma geração anterior e a descoberta de laços familiares possivelmente não conhecidos por parte dos narradores da história, Por Uma Mulher (Por Une Femme) é fundamentado em um quebra-cabeças que se pauta no pretérito para elucubrar um triângulo curioso, que tem na busca/ode pela origem de Anne (Sylvie Testud) o seu cerne.

    O roteiro é contado através dos elementos da recém-falecida mãe de Anne, e passa a expor um conto sobre a Grande Guerra, remontando ao início do duradouro matrimônio entre os dois: Lena (Melanie Thierry) acabara de descobrir sua gravidez, o que deixa seu marido Michel (Benoît Magimel) obviamente preocupado. Já com a criança nascida, ele consegue expandir seus negócios, e finalmente abrir sua loja de tecidos, explorando seu belo talento e produzindo seu sustento e de sua família.

    Tudo corre como manda a tradição, Michel consegue lograr êxito com seu negócio, até que a entropia adentra o seu cotidiano. Inesperadamente, seu irmão retorna de um “campo”, de onde todos achavam que não poderia sair vivo. A existência de Jean (Nicolas Duvauchelle) não era de conhecimento geral até então. Ele era um párea mesmo entre seu clã, por motivos políticos, evidentemente.

    Logo Jean junta as suas forças ao seu irmão, auxiliando-o a tocar a loja. Seu passado é posto em crédito, com uma preocupação de que ele tivesse uma vida borrada ou boêmia, ligada a ilegalidades, já que para todos os efeitos, ele estava foragido. Surpreendentemente, ele acaba sendo de um auxílio valioso a Michel.

    Com o desenrolar dos acontecimentos, Jean não consegue esconder seus interesses relacionados a contestação, tampouco consegue esconder sua natureza, apresentando um comportamento e carisma demasiado sedutor, cooptando até aqueles a quem “usufruir” dele seria proibido. Não demora muito para o ideal utópico vermelho cair sobre ele, fazendo-o correr perigo de vida novamente, o que obviamente enfia seus familiares também à deriva no cenário político francês, além, é claro, de explorar uma gama de sabores condenados.

    Anne não se contenta em somente verificar os relatos via memorandos, e vai encontrar seu genitor, para tentar desmistificar o fato de não ter tido até então o conhecimento sobre um parente tão próximo, mas que, por falta de qualquer menção, jamais foi conhecido. A sequência de reencontro, apesar do caráter agridoce, guarda momentos um tanto vergonhosos, seja pela maquiagem forçada de Benoît Magimel, ao tentar emular um senhor geriátrico, ou por sua incômoda sensação de estar descoberto, ante a verdade inconveniente que se aproxima de ser exposta.

    O ato anterior parecia excessivamente moralista para esconder as indiscrições incestuosas, sempre sugeridas e consumadas ante a câmera recordatória de Diane Kurys. O rememorar resgata as lembranças afetivas, e as tristes também, como todo álbum de fotografias, que ao registrar os momentos mais felizes, não faz esquecer o espaço em branco entre os retratos, os episódios menos glamourosos e não tão dignos de nota ou recordação. O roteiro, apesar de alguns percalços, consegue apresentar uma história bastante humanizada, que equilibra bem momentos de infidelidade sentimental, um pecado moral e condenável com a dificuldade em manter um ideal essencialmente político e social, exibindo curvas dramáticas das mais viscerais, especialmente pela fita ser conduzida em sua integridade por uma abissal leveza de espírito.