Tag: Segunda Guerra

  • Crítica | Fugindo do Inferno

    Crítica | Fugindo do Inferno

    Após o sucesso de Fuga de Alcatraz, soberba aventura com Clint Eastwood no auge de sua forma, todas as obras de fugas mirabolantes (ou não) ficaram eclipsadas pelo brilho desse clássico de Don Siegel. Sendo assim, talvez o filme mais esquecido deste subgênero que continua a encantar plateias, ao redor do mundo, seja Fugindo do Inferno, de John Sturges, que mesmo situado no auge da Segunda Guerra Mundial, passa longe de ser tão memorável como o filme de Siegel. Como se não bastasse, o grande elenco não se destaca como deveria, e sua estética é absolutamente normal aos padrões cinematográficos da década de 60 em Hollywood – bem menos ousados em sua linguagem que hoje. Mas o grande às do filme, ainda não foi esclarecido…

    Baseado numa história real (e homenageada no final do filme), a Gestapo está cansada de rebeliões, da rebeldia de seus capturados mais perigosos. Para evitar fuzilamentos, os transfere sob muito stress para um campo de segurança máxima, mas sem suspeitar que juntando o velho Danny (Charles Bronson), o esperto Hilts (Steve McQueen) e muitos outros, na mesma prisão, ninguém iria aceitar ser mantido na gaiola por muito tempo. Assim, um projeto quase suicida de escapatória começa a germinar, com a ajuda de infiltrados americanos entre os guardas. Mas mesmo com instrumentos para perfurar o chão, e chegarem até o outro lado da cerca, será que o orgulho individual deles não vai atrapalhar o plano? Jamais sufocado pelo peso do elenco, e visando um bom entretenimento acima de tudo, Fugindo do Inferno aposta 2/3 da história no desenrolar dessa fuga, tendo neles os melhores momentos do filme de Sturges.

    Uma ótima pedida para entediantes noites de inverno, a direção de Sturges (diretor de muitos faroestes) e o seu talento de extrair, precisamente, o que de melhor e mais dramático existe em cada cena, é um deleite para uma história de prisioneiros de guerra, e que só querem se ver livres de um regime autoritário, fora dos Estados Unidos. Seja nos campos de concentração alemães, seja em emocionantes perseguições de carro nas pradarias da Europa, John Sturges nos faz sentir uma angústia onipresente, como se o espectador estivesse junto de um bando de soldados capturados e que, às vezes, são loucos o bastante para planejar uma escapada subterrânea, com 0% de certeza se vai funcionar. Com um protagonismo coletivo, uma encenação quase teatral, e um equilíbrio bem orquestrado entre o tragicômico, e o suspense, esse Prison Break com nazistas não é tudo que poderia ser, mas não desaponta até os mais exigentes.

  • Resenha | Era Uma Vez na França – Volume 2: O Voo Negro dos Corvos

    Resenha | Era Uma Vez na França – Volume 2: O Voo Negro dos Corvos

    No primeiro Era Uma Vez em França, publicação da Galera, selo da Editora Record, que inaugura praticamente todas as qualidades mantidas neste segundo volume, conhecemos a origem de um esquema de comércio ilegal na França dos anos 40. Agora presenciamos no máximo de realismo possível o início da sua queda. É notório o quão imortal toda raposa se considera, em suas tramoias e pulos para enganar a todos, sendo esta noção a grande mentira que sempre as derrota. A soberba de Joseph Joanovici o fez de sucateiro a bilionário, e ao se juntar com os nazistas de Hitler, traiu-se a abusar da própria sorte, da própria lábia que, por fim, custou-lhe tanta coisa.

    De simples operário judeu, Joseph transformou uma oficina imunda de metais em Paris, num monopólio de tráfico de materiais para as forças alemãs, no auge da Ocupação na França. Mesmo sendo judeu, oficiais de Hitler aceitam a matéria-prima de Joseph devido a ótima reputação do comerciante, cheio de contatos e amigos na Gestapo que usavam a suástica em seus braços uniformizados. Seguro de suas “amizades”, Joseph é motivado não apenas pelo dinheiro (e ouro) que recebe das forças inimigas da França como um grande traidor da pátria, mas em especial do senso de responsabilidade para proteger sua esposa e duas filhas da perseguição aos judeus. Tudo que uma cobra precisa para dormir em paz é de apenas um motivo para seguir sua natureza.

    Se antes de 1940, tudo ia de vento em popa para o imigrante russo acolhido em solo francês, com Hitler mandando no jogo, o tempo virou e a tempestade parecia iminente para Joseph. Escondendo cada vez mais sua família, tudo ficou incerto e suas alianças comerciais mostravam-se mais perigosas que a sua própria moral. Eis aqui um típico livro ilustrado para desmentir os muitos que dizem que HQ é coisa para criança: neste segundo volume de Era Uma Vez na França, os autores ilustram com total verossimilhança a queda do mercador judeu, baseando-se sobretudo nos eventos históricos que moldaram sua vida, e a Europa, para transmitir elegantemente o suspense e o drama daqueles que sobreviviam (ou não) a uma Paris sitiada pela opressão negra e vermelha. Grande publicação.

     

  • Resenha | Era Uma Vez na França – Volume 1: O Império do Senhor Joseph

    Resenha | Era Uma Vez na França – Volume 1: O Império do Senhor Joseph

    O subtítulo do volume um de Era Uma Vez na França faz justiça a todo o estudo fenomenal de personagem revelado em 56 páginas, mais velozes do que deveriam ser – o que nos convida a releitura. Atuando como um grande flashback dividido em várias épocas, conhecemos a fundo a ascensão d’O Império do Senhor Joseph, que junto de sua esposa Eva e sua fiel assistente Luci, alcançaram grande influência na máfia francesa e na área de mineração do país, ainda na primeira metade do século 20. A biografia de Joseph Joanovici desvenda a figura de um genuíno homem de negócios, uma raposa refugiada da Romênia (após ter seu pai judeu decapitado), cuja paternidade e fidelidade com a esposa Eva não eram seu forte, e que o culpariam para sempre.

    Remetendo em vários momentos, e de uma forma inevitável, a sequência de O Poderoso Chefão, na qual o jovem imigrante Vito Corleone galga seu caminho na América entre muitos crimes e ameaças de morte até o topo da máfia italiana, aqui Joseph e Eva chegam a França sob um total desamparo. Contando apenas com o tio de Eva, logo Joseph se apodera da sua pobre oficina cheia de sucatas, e expande os negócios a níveis inimagináveis, até então. Aos poucos, e fazendo alianças e inimigos por onde passava, Joseph virou de dono de ferro velho a mercador bilateral de armas, aliado tanto a resistência da França que ele falsamente amava, por gratidão, quanto a Alemanha nazista. Assim, não tardou a atrair a atenção das autoridades do governo local, e em especial, a do juiz Fayon.

    Numa narrativa típica de caça ao rato, os agentes de segurança nacional tentavam sempre andar nos calcanhares de Joseph, mas nunca alcançavam o mercador, cada vez mais poderoso. Mesmo apanhando seus contatos e obrigando-os a cooperar, as pistas não ajudavam os homens da lei, e muito menos o pobre Jacques Fayon. Homem de família e até então intocável, assistiu o submundo do crime começar a se enraizar nos níveis mais altos da administração pública da França nos anos 40, com o sobrenome Joanovici impondo-se como um pesadelo a todos aqueles que prezavam e garantiam o bem-estar da nação, principalmente durante a Segunda Guerra. Eis o conto biográfico do mais famoso “leve e trás” europeu que, através do seu império de ferro, não via diferença entre o dinheiro de amigos e inimigos nacionais, em uma vida de privilégios e segredos que, bem no fim, sofreu as cobranças do destino.

    Como documento histórico no melhor estilo investigativo de O Dossiê Pelicano e outras obras inesquecíveis, os talentosos autores Fabien Nury e Sylvain Vallée fazem deste primeiro Era Uma Vez na França um forte e verídico registro ilustrado, orgulhosamente realista, de um tempo conturbado pelos homens que o moldaram. Ao fragmentar os diversos períodos da história de Joseph e sua doce Eva, temos o retrato nada idílico mas cru, ainda que hipnótico, de uma figura imoral e vilanesca, afinal, tanto a si mesmo quanto a todos os seus contatos mais próximos. A editora Record caprichou na edição em português de 2013, com uma estética grandiloquente e uma capa dura que na verdade são a cereja do bolo, graças a maravilhosa tradução de Gilson Dimenstein Koatz a universalizar os diálogos e o ritmo literário da graphic novel.

    Compre: Era Uma Vez Na França – Volume 1.

  • Crítica | Greyhound: Na Mira do Inimigo

    Crítica | Greyhound: Na Mira do Inimigo

    Podemos dizer que o astro Tom Hanks tem uma relação bastante próxima com a Segunda Guerra Mundial, afinal, o ator americano estrelou uma das maiores produções do gênero, O Resgate do Soldado Ryan, um dos filmes mais sensacionais, impactantes e realistas sobre o tema. Na época, o filme de Steven Spielberg faturou cinco estatuetas do Oscar, inclusive, com Spielberg vencendo como melhor diretor.

    Todos nós sabemos que Hanks é um ótimo ator e, ao longo de sua carreira, é possível mencionar pelo menos 30 filmes em que o ator estava presente e que foi marcante. Podemos dizer que sua participação em Greyhound: Na Mira do Inimigo certamente entrará nessa lista.

    Inicialmente, a produção teria seu lançamento no cinema no mês de junho desse ano, mas em virtude da pandemia causada pelo vírus COVID-19 a estreia foi adiada e, consequentemente, os direitos de distribuição foram repassados ao serviço de streaming da Apple, a Apple TV e o filme chegou na plataforma em 10 de julho.

    Hanks vive o religioso capitão Ernst Krause, que é designado para liderar o enorme destroier USS Keeling, mais conhecido como Greyhound, durante sua primeira escolta pelo Oceano Atlântico, juntamente com outros dois navios militares menores, protegendo diversas embarcações que levam diversos tipos de suprimentos para a Inglaterra, num dos momentos mais tensos da Segunda Guerra conhecido como Batalha do Atlântico, uma vez que os submarinos nazistas conhecidos como U-boat foram responsáveis por afundar milhares de embarcações por todo o oceano, causando a morte de milhares de pessoas. Durante a travessia, o comboio aliado fica sem nenhum tipo de apoio aéreo e precisa lidar sozinho com os mortais U-boats que surgem como moscas em cima de um animal morto.

    O diretor Aaron Scheider que possui pouquíssimos filmes em seu currículo na cadeira de direção e diversas outras produções como diretor de fotografia, conduz Hanks com maestria. No transcorrer da fita, podemos perceber as sutilezas na mudança da personalidade do Capitão Krause, à medida que as coisas vão acontecendo e a tensão toma conta da tela logo nos primeiros 15 minutos, só deixando aquele que assiste respirar em seus momentos finais. Por opção e por ter uma missão a cumprir, o capitão deixa de se alimentar, privando-se inclusive do sono, sendo que o terror promovido pelos nazistas, a falta de alimentação e a falta de descanso são fatores fundamentais para a mudança do personagem durante o filme. É possível perceber de maneira sutil a sua degradação. Méritos também de Hanks que, além de ter sido o protagonista, escreveu o roteiro, baseado no livro The Good Shepherd, escrito em 1955 por CS Forester.

    Outro destaque fica para o design de produção. Apesar do ambiente claustrofóbico (já que 95% do filme acontece dentro da embarcação), esse departamento dá show com a quantidade de detalhes de itens ou situações que são perceptíveis dentro do Greyhound. Aliás, o espectador sai com aquela sensação de que teve uma aula sobre como os navios eram operados durante a guerra e como seus tripulantes precisavam se portar, tanto em situações de tranquilidade, quanto em situações de risco ou em batalha. Inclusive é completamente entendível o porquê de certas pessoas terem sido condecoradas com atos de heroísmo. Além disso, que época complicada para ser soldado.

    Com isso, pelo fato de Greyhound: Na Mira do Inimigo estar sendo um sucesso, podemos dizer que a Apple TV deu uma cartada certeira em adquirir os direitos de distribuição, fato esse que poderá aumentar a coragem dos distribuidores e investidores de produções. Enquanto isso, quem ganha é o espectador que, a cada dia que passa, pode ver produções incríveis por um baixo custo. De qualquer forma, seria legal ver esse filme nos cinemas quando a pandemia acabar, mesmo as chances disso acontecer serem remotas.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | O Destino de uma Nação

    Crítica | O Destino de uma Nação

    O Destino de Uma Nação – cinebiografia que tem como foco a ascensão de Winston Churchill ao posto de Primeiro-ministro do Reino Unido – é o novo filme de Joe Wright (Desejo e Reparação, Peter Pan e Anna Karenina), que traz Gary Oldman muito bem enquadrado e inspirado em reproduzir a figura do controverso político.

    A trama toda se passa no mês de Maio de 1940, quando Churchill era uma alternativa para o cargo de Primeiro-ministro, principalmente por conta dos acontecidos envolvendo a Segunda Grande Guerra. O filme mostra a rotina diária, familiar e metódica do personagem, em um tentativa de humanizá-lo ao mostrar seus muitos defeitos de convivência.

    O filme de Wright se vale muito do lançamento de Dunkirk, de Christopher Nolan, já que que o roteiro de Anthony McCarten tem uma base forte na grande batalha de Dunkirk, inclusive com lamúrias e reclamações do personagem principal pelos motivos que fizeram a empreitada dar errado. O tema bélico faz parte das questões envolvendo a vida política do de Churchill, mas se gasta um tempo demasiado nesses desenvolvimentos, basicamente para esticar os momentos de tensão, onde invariavelmente Oldman vai bem, mas que em outros pontos, soa caricatural, tal qual Anthony Hopkins, em Hitchcock.

    O uso da contagem de dias no mês de Maio é extremamente enfadonha, tal qual algumas necessidades de tornar literal situações que o personagem tem de passar. Ao ser aconselhado pelo rei Rei George VI (Ben Mendelsohn), Churchill vai ao metrô para ouvir o povo, e decide então seguir seu instinto, ao contrário dos companheiros de partido, Viscound Hallifax (Stephen Dillane) e Neville Chamberlain (Ronald Pickup), decidindo seguir em guerra contra o Eixo. Apesar de emocional, a cena é piegas e desnecessária.

    O início de O Destino de Uma Nação é promissor, fazendo acreditar que seria emocional e econômico, e obviamente não chegando a um equilíbrio dessas duas condições, tendo um desfecho bastante melodramático e que remete a cinebiografias recentes como A Teoria de Tudo e O Jogo da Imitação, fato que surpreende, uma vez que o cinema do diretor costuma ser mais equilibrado nesse sentido.

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  • Resenha | Anne Frank: A Biografia Ilustrada

    Resenha | Anne Frank: A Biografia Ilustrada

    Registro fundamental da história, O Diário de Anne Frank se consagrou como um importante relato de uma testemunha vivendo sob a opressão da Segunda Guerra Mundial. Uma narrativa autoral com qualidade suficiente para se tornar também uma obra literária, tornando-se um relato de resistência e inspiração.

    Anne Frank nasceu como uma alemã livre. Quinze anos depois, quando morreu de tifo em um campo de concentração, sua vida havia se transformado por completo. A garota e sua família foram testemunhas da violência do Terceiro Reich contra qualquer um que era considerado impuro. Amadureceu e viveu parte da adolescência no anexo secreto em que a família e agregados permaneceram por dois anos fugindo do jugo alemão. Até serem traídos por um desconhecido. Durante o tempo em que permaneceu escondida, manteve um diário.

    A transformação de seu diário pessoal, escrito como forma de suportar o peso de dias terríveis, tornou-se um exemplo das diversas violências que o povo judeu, bem como outras minorias, passaram durante a guerra. Desde seu lançamento, o livro foi editado em versões diversas e até mesmo a autoria da obra foi questionada. O diário veio a tona a partir da leitura do pai de Anne, Otto Frank, único sobrevivente da família. Edições posteriores lançadas sem nenhuma edição, demonstraram que Anne era, de fato, uma garota precoce que amadureceu emocionalmente e literariamente no período de guerra.

    A força de sua história permanece em Anne Frank: A Biografia Ilustrada, lançado pela Quadrinhos da Cia, e realizada pela dupla Sid Jacobson e Ernie Colón. A obra é a quarta parceria da equipe que anteriormente trabalhou em duas edições dedicadas ao 11 de Setembro e em uma biografia de Che Guevara. Ou seja, autores que possuem um entrosamento adequado e, além disso, trabalharam anteriormente com materiais reais e histórias significativas. Dessa forma, a dupla é capaz de ir além da mera transposição de um livro para um novo formato.

    Jacobson pontua a história de Anne Frank expandido o enfoque de seu diário. Retoma a união que fundamentou a família, demonstrando como os Frank e os Hollãnder viviam antes do enlace matrimonial, bem como explica os fatos que levaram aos fatídicos acontecimentos da Guerra. A voz para narrar tais fatos é didática, mas bem inserida para criar o necessário contexto da época. Apresentando pequenos trechos do próprio diário ou outras fontes originais como cartas escritas por Otto Frank, a obra ganha maiores contornos explorando tanto o drama da família como da guerra em geral, situando os motivos fundamentais que levaram os alemães a assumir uma política agressiva de extermínio do povo judeu.

    A figura de Anne Frank é ressaltada com vigor, dando credibilidade necessária para que o leitor compreenda que a garota era um personagem diferente dentro da sociedade como um todo. Alguém que, desde a infância, foi tida como especial e diferente de outras figuras do seio familiar. Dessa forma, é coerente compreender como a garota foi capaz de usar a literatura como um meio de identificação pessoal e de alívio para seus dias massacrantes. Vivendo sob o jugo da guerra, sua maturidade foi precoce e urgente.

    A biografia, porém, tem espaço suficiente para demonstrar como cada Frank reagiu diante do mesmo problema. Dentro de uma situação sufocante, qualquer conflito natural de uma família se torna ainda mais difícil, beirando explosões que não acontecem devido ao confinamento obrigatório no anexo secreto. A história dos Frank aponta também como, em tempos obscuros, o apoio e ajuda são fundamentais para evitar maiores agressões. Além do diário ter sido guardado por uma das colaboradores de Otto, a rotina para que a família vivesse minimamente confortável dentro um espaço apertado foi apoiada pelos amigos íntimos que colocaram a própria vida em risco diante da barbárie.

    Conforme chega ao seu desfecho, quando os Frank são capturados, a biografia se torna mais vaga. Considerando que a fonte original seja o diário de Anne, é evidente que os relatos da família dentro dos campos de concentração sejam diminutos. O que Otto fez foi reunir posteriormente o relato de outros prisioneiros que estiveram ao lado de Anne. Um processo misto entre o pessoal e literário que desejava, ao menos, dar um fim digno a trajetória da família.

    A trajetória de Anne continua ainda hoje sendo uma das fortes figuras de resistência da Segunda Guerra Mundial. Seu papel como criança alemã judia com uma morte precoce, vivendo em um mundo massacrado pela guerra se mantém como um símbolo que representa um povo. O injustificado genocídio que oprimiu e dizimou um número gigantesco de judeus e outras minorias. Um fato histórico que nunca pode ser esquecido para que nunca mais se repita.

    Anne Frank: A Biografia Ilustrada foi realizada com aval da Casa de Anne Frank, instituição responsável por preservar a imagem da família e sua história. Formatada em uma outra mídia, a obra mantém a intensidade do relato original e apresenta a um novo público a relevância de uma interessante testemunha ocular de um momento sombrio da história. A edição lançada no país ainda conta com uma cronologia da família Frank, bem como apresenta sugestões de leitura para se aprofundar no tema.

    Compre: Anne Frank: A Biografia Ilustrada.

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  • Crítica | Agnus Dei

    Crítica | Agnus Dei

    A filmografia da diretora Anne Fontaine é relativamente pequena mas já possuía um filme com pano de fundo histórico (Coco Antes de Channel), mas a considerar seu trabalho pregresso é curioso pensar que nenhum de seus filmes anteriores retrata uma situação tão real e terrível mas de maneira simples, contando muito de sua narrativa quase sem qualquer recurso sonoro e através de uma decupagem sutil como em Agnus Dei.

    Na trama baseada em fatos reais, em dezembro de 1945 na Polônia, uma médica francesa da cruz vermelha, Mathilde Beaulieu (Lou de Laâge), é chamada por uma noviça, em segredo, para socorrer uma freira grávida em seu convento, apesar de não falar polonês Mathilde se prontifica em ajudar mesmo assim. Após a segunda visita ao mesmo lugar ela percebe que não se tratava apenas de uma Irmã grávida mas de algumas numa série de estupros que ocorreram ali durante a guerra.

    A dualidade entre a fé e a vida mundana dentro de um convento é muito abordada nos diálogos entre Mathilde e a Irmã Maria (Agata Buzek) devido ao ocorrido ali, e por consequência é muito difícil definir se a narrativa do filme favorece o ponto de vista de algum dos dois lados devido a sua edição muito bem recortada que divide e junta essas duas histórias fazendo que você queira apenas que aquela situação se resolva de alguma forma, de certa maneira fazer que simplesmente acompanhemos ela até sua conclusão é um grande mérito narrativo.

    É claro que o que temos na tela se trata de um drama mas ele descarta por quase que completo todo tipo de recurso de trama que salte os olhos acompanhado de uma trilha sonora forte que tome conta da cena. Os momentos pontuais em que alguma trilha é tocada vem trazer algum tipo de mudança no clima em que a história se passa, recurso esse que talvez possa lembrar algo feito pelo próprio diretor Krystof Kieslowski.

    Na verdade passamos a maior parte do filme ouvindo pequenas passagens de coral de canto gregoriano, que ilustram bem a capacidade de produzir algo tão tranquilo numa situação tão atormentada. O mesmo vale para as locações e fotografia do filme, são sutis as tomadas que mostram a presença da médica Mathilde iluminada na escuridão, como aquela esperança que o convento precisava naquele momento, além de suas florestas e pequenas tomadas em vilas completamente consumidas pelo inverno, tornando quase todo o filme tomado por branco em sua paleta na maioria das cenas, ilustrando muito bem aquelas pequenas semanas de calma que não durariam muito tempo.

    Utilizar-se de outra época para ilustrar algo de seu tempo é um recurso muito presente há décadas e Agnus Dei não é exceção. O filme retrata a ambivalência de algumas pessoas que retiraram vida e esperança de um momento brutal e talvez esteja longe e perto da nossa realidade.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Suíte Francesa

    Crítica | Suíte Francesa

    Suite Francesa - poster

    O que esperar de mais um filme sobre a Segunda Guerra? É, sem dúvida, um dos temas mais reutilizados na história do cinema. Mas o que acabamos de descobrir é que muitas vezes ele se renova antes mesmo negarmos esse conceito.

    Em Suíte Francesa, Lucille (Michelle Williams), uma recém-casada nos arredores de Bussy no centro da França, ajuda sua sogra (Kristin Scott Thomas), incrédula sobre a derrota francesa contra os alemães, a administrar os negócios de aluguel de propriedades em plena Segunda Guerra Mundial. Seu marido Gaston não dá noticias há semanas e isso passa a preocupá-la gravemente. Eis que, durante uma coleta de aluguel, as duas avistam um grupo enorme de pessoas fugindo de Paris e presenciam um ataque aéreo das forças alemãs. Após a ocupação de Bussy, a casa de Lucille e sua sogra se transforma em um alojamento para o oficial Bruno Von Falk (Mathias Schoenaerts), assim como muitas das outras casas da cidade, e ela passa a desenvolver um pequeno romance com o oficial. O filme ainda possui uma sub-trama com Bennoit (Sam Riley), um dos clientes da sogra de Lucille que não foi à guerra devido a sua perna quebrada.

    Apesar da trama simples em desenvolvimento, todas as cenas em que a tensão da invasão e ocupação alemã são dirigidas conseguem expor bem o medo e a inquietude dos moradores da cidade. Planos médios e closes em plano sequência são muito bem enquadrados para descrever uma narrativa quase que em primeira pessoa, recurso que ultimamente tem sido recorrente tanto no cinema como em produções para a televisão. Como o filme se baseia em um livro best-seller, e, portanto, uma obra que necessariamente sofre cortes e adaptações, a forma como a trama discorre deixa a entender que só alguns pontos foram destacados em detrimento da conclusão final. Se tudo ao início parece uma rígida dualidade, pequenos pedaços de tons de cinza são colocados aos poucos, encaixados progressivamente na trama a ponto de tornar o romance semelhante a uma encenação.

    Essa ambivalência de sentimentos é o trunfo da película como um todo: não chega a ser rigorosamente um clichê, mesmo sendo um filme sobre a Segunda Guerra, mas se destaca por uma trama bem escrita. O que de fato fere a perspectiva até os momentos finais do filme é saber o contexto original em que a obra foi escrita, levando-nos a crer que tudo aquilo pode de fato ser mais autêntico que muitas das que foram criadas após o período. Não se trata de uma trama simplesmente, mas de um relato de uma testemunha presente sem perspectiva naquele momento difícil, o que torna o final completamente amargo, mas justo.

    Seria possível dizer que, como em Amor Profundo, o pano de fundo em que a trama se apresenta não apresenta tanto uma mensagem como no desenvolvimento das personagens, tornando essa história congruente em qualquer período. Porém, é exatamente o contexto em que ela se encontra que faz de Suíte Francesa um filme que merece ser visto. Ele poderia ser um Charlotte Gray – Paixão Sem Fronteira, mas é bem mais crível e atraente como narrativa.

    Texto de autoria de Halan Everson.