Tag: Lou de Laâge

  • Crítica | A Espera

    Crítica | A Espera

    O roteiro, de Giacomo Bendotti e Ilaria Macchia, é uma adaptação bem livre de uma peça de Pirandello. Anna (Juliette Binoche) mora numa vila da Sicília, cuja manutenção é feita pelo capataz faz-tudo, Pietro (Giorgio Colangeli). Jeanne (Lou de Laâge), namorada de seu filho Giuseppe (Giovanni Anzaldo), chega para passar alguns dias ali, até o feriado de Páscoa. Mas Giuseppe não está lá. A pedido de Anna, que afirma ter sofrido uma perda recente, Jeanne acaba ficando à espera do namorado, que não aparece nem responde às suas mensagens no celular. Com o passar dos dias, as duas vão se conhecendo e se tornando mais íntimas. Ao mesmo tempo vai ficando mais claro – ao menos para o público – de que Giuseppe nunca chegará.

    E é isso que gera incômodo no espectador, pois tem-se a impressão de que o título refere-se à espera – forçada – pelo momento em que Jeanne entende o que houve. Quem está assistindo, mata a charada em menos de 10 minutos. Algo que Jeanne vai demorar praticamente os 90 minutos de duração do filme para concluir: Giuseppe não vai aparecer e o que ela tem a fazer é pegar o próximo avião e voltar para Paris. Some-se a isso o fato de que praticamente nada ocorre na trama. Ok, é uma villa no interior, não uma metrópole. A fotografia é linda, há planos maravilhosos, daqueles que dá vontade de emoldurar. Contudo, por mais belas que sejam as paisagens e os enquadramentos usados no filme, é frustrante para o espectador ficar olhando para o céu ou para o lago esperando que algo aconteça.

    Apesar de o diretor, Piero Messina, tentar criar um clima intimista, com longos silêncios e diálogos enxutos, essa tentativa é frustrada pela falta de empatia com Anna. Até faz sentido que ela, de luto, veja um alento na chegada inesperada de Jeanne. De certa forma, a ignorância de Jeanne sobre o que houve, chegando à vila pensando que o namorado está esperando por ela, é uma maneira de Anna prolongar a presença do filho. Mas há um ranço de egoísmo nessa atitude que impede o espectador de se identificar com sua forma de agir. O que gera, em vez de empatia, vontade de obrigá-la – assim como Pietro tenta – a contar tudo a Jeanne e acabar logo com essa espera. Pois, com que direito ela priva a moça da verdade, por mais dura que seja?

    Espera-se por Giuseppe, assim como se espera Godot na peça de Beckett. Os personagens evoluem a partir dessa espera por Giuseppe, que não chegará assim como Godot nunca chega. E a vida continua.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Agnus Dei

    Crítica | Agnus Dei

    A filmografia da diretora Anne Fontaine é relativamente pequena mas já possuía um filme com pano de fundo histórico (Coco Antes de Channel), mas a considerar seu trabalho pregresso é curioso pensar que nenhum de seus filmes anteriores retrata uma situação tão real e terrível mas de maneira simples, contando muito de sua narrativa quase sem qualquer recurso sonoro e através de uma decupagem sutil como em Agnus Dei.

    Na trama baseada em fatos reais, em dezembro de 1945 na Polônia, uma médica francesa da cruz vermelha, Mathilde Beaulieu (Lou de Laâge), é chamada por uma noviça, em segredo, para socorrer uma freira grávida em seu convento, apesar de não falar polonês Mathilde se prontifica em ajudar mesmo assim. Após a segunda visita ao mesmo lugar ela percebe que não se tratava apenas de uma Irmã grávida mas de algumas numa série de estupros que ocorreram ali durante a guerra.

    A dualidade entre a fé e a vida mundana dentro de um convento é muito abordada nos diálogos entre Mathilde e a Irmã Maria (Agata Buzek) devido ao ocorrido ali, e por consequência é muito difícil definir se a narrativa do filme favorece o ponto de vista de algum dos dois lados devido a sua edição muito bem recortada que divide e junta essas duas histórias fazendo que você queira apenas que aquela situação se resolva de alguma forma, de certa maneira fazer que simplesmente acompanhemos ela até sua conclusão é um grande mérito narrativo.

    É claro que o que temos na tela se trata de um drama mas ele descarta por quase que completo todo tipo de recurso de trama que salte os olhos acompanhado de uma trilha sonora forte que tome conta da cena. Os momentos pontuais em que alguma trilha é tocada vem trazer algum tipo de mudança no clima em que a história se passa, recurso esse que talvez possa lembrar algo feito pelo próprio diretor Krystof Kieslowski.

    Na verdade passamos a maior parte do filme ouvindo pequenas passagens de coral de canto gregoriano, que ilustram bem a capacidade de produzir algo tão tranquilo numa situação tão atormentada. O mesmo vale para as locações e fotografia do filme, são sutis as tomadas que mostram a presença da médica Mathilde iluminada na escuridão, como aquela esperança que o convento precisava naquele momento, além de suas florestas e pequenas tomadas em vilas completamente consumidas pelo inverno, tornando quase todo o filme tomado por branco em sua paleta na maioria das cenas, ilustrando muito bem aquelas pequenas semanas de calma que não durariam muito tempo.

    Utilizar-se de outra época para ilustrar algo de seu tempo é um recurso muito presente há décadas e Agnus Dei não é exceção. O filme retrata a ambivalência de algumas pessoas que retiraram vida e esperança de um momento brutal e talvez esteja longe e perto da nossa realidade.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Respire

    Crítica | Respire

    Respire 1

    Segunda experiência da musa Melanie Laurent na direção solo em longas-metragens, Respire trata da vida de Charlie (Joséphine Japy), uma moça de belas feições que em sua intimidade vive dramas comuns a tantos adolescentes da modernidade, como caos familiar e, claro, a sexualidade em ebulição.

    Apesar da gravidade dos acontecimentos que ocorrem a Charlie, a moça não se furta em permitir experimentar novas sensações, e o roteiro de Laurent e Julien Lambroschini flagra a chegada de uma nova aluna, Sarah (Lou de Laâge), uma moça igualmente bela e bastante curiosa. A amizade entre as duas se dá de modo tão rápido que se confunde com um fórmula instantânea, mas que não soa falsa, uma vez que inter-relações efêmeras e automáticas são bastante comuns nesses estágio da vida.

    Não demora para a amizade das duas evoluir, passando pelo estágio da absoluta cumplicidade, onde segredos e sonhos são compartilhados, habitando questões de pura curtição, com uso indiscriminado de substâncias ilícitas, desembocando enfim em uma intrincada e ambígua fraternidade, que vez por outra se confunde com possibilidades de affair, ainda que não haja nenhuma manifestação mais taxativa de homo afetividade, nem entre ambas tampouco com outras moças num primeiro momento.

    As descobertas e o desabrochar da libido em meio a adolescência são retratadas de modo bem mais discreto do que em Azul é a Cor Mais Quente, ainda que seja mais enérgico que o recente As Vantagens de Ser Invisível. As mudanças na intimidade de Charlie e Sarah revelam surpresas desagradáveis envolvendo ameaças e desprezo, pondo algumas discussões bastante profundas em pauta, ainda que o tom seja leve na primeira camada da abordagem.

    A gravidade dos eventos mostrados é suavizada pela direção sensível de Laurent nos primeiros tomos, o que provoca uma sensação de claro estranhamento, por se tocar de modo tão singelo em questões bastante agressivas e pontuais. O caráter do filme visa demonstrar que a crueldade e a obsessão estão longe de ser exclusividade do convívio adulto apenas, distanciando o conceito da simples descaracterização tola e reducionista que o bullying e o assédio moral são normalmente associados, mostrando-os de modo muito pessoal e normativo, o que torna este Respire bem mais palatável para o grande público do que Depois de Lúcia, por exemplo, já que este é motivado especialmente pelos maus-tratos, muito mais ligados a mente e a moral do que ao físico.

    O formato defendido pela diretora faz Respire se aproximar bastante da recente filmografia de Bernardo Bertolucci, ainda que o registro das obsessões tenha muito mais visceralidade neste do que em Eu e Você. O clamor, que dá nome ao filme, é feito de um modo desesperado, aos soluços, intenso como a inevitabilidade da vida, cru como é a vivência comum, sem medo de revelar a verdade de modo rude e ríspido.