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  • Crítica | Agnus Dei

    Crítica | Agnus Dei

    A filmografia da diretora Anne Fontaine é relativamente pequena mas já possuía um filme com pano de fundo histórico (Coco Antes de Channel), mas a considerar seu trabalho pregresso é curioso pensar que nenhum de seus filmes anteriores retrata uma situação tão real e terrível mas de maneira simples, contando muito de sua narrativa quase sem qualquer recurso sonoro e através de uma decupagem sutil como em Agnus Dei.

    Na trama baseada em fatos reais, em dezembro de 1945 na Polônia, uma médica francesa da cruz vermelha, Mathilde Beaulieu (Lou de Laâge), é chamada por uma noviça, em segredo, para socorrer uma freira grávida em seu convento, apesar de não falar polonês Mathilde se prontifica em ajudar mesmo assim. Após a segunda visita ao mesmo lugar ela percebe que não se tratava apenas de uma Irmã grávida mas de algumas numa série de estupros que ocorreram ali durante a guerra.

    A dualidade entre a fé e a vida mundana dentro de um convento é muito abordada nos diálogos entre Mathilde e a Irmã Maria (Agata Buzek) devido ao ocorrido ali, e por consequência é muito difícil definir se a narrativa do filme favorece o ponto de vista de algum dos dois lados devido a sua edição muito bem recortada que divide e junta essas duas histórias fazendo que você queira apenas que aquela situação se resolva de alguma forma, de certa maneira fazer que simplesmente acompanhemos ela até sua conclusão é um grande mérito narrativo.

    É claro que o que temos na tela se trata de um drama mas ele descarta por quase que completo todo tipo de recurso de trama que salte os olhos acompanhado de uma trilha sonora forte que tome conta da cena. Os momentos pontuais em que alguma trilha é tocada vem trazer algum tipo de mudança no clima em que a história se passa, recurso esse que talvez possa lembrar algo feito pelo próprio diretor Krystof Kieslowski.

    Na verdade passamos a maior parte do filme ouvindo pequenas passagens de coral de canto gregoriano, que ilustram bem a capacidade de produzir algo tão tranquilo numa situação tão atormentada. O mesmo vale para as locações e fotografia do filme, são sutis as tomadas que mostram a presença da médica Mathilde iluminada na escuridão, como aquela esperança que o convento precisava naquele momento, além de suas florestas e pequenas tomadas em vilas completamente consumidas pelo inverno, tornando quase todo o filme tomado por branco em sua paleta na maioria das cenas, ilustrando muito bem aquelas pequenas semanas de calma que não durariam muito tempo.

    Utilizar-se de outra época para ilustrar algo de seu tempo é um recurso muito presente há décadas e Agnus Dei não é exceção. O filme retrata a ambivalência de algumas pessoas que retiraram vida e esperança de um momento brutal e talvez esteja longe e perto da nossa realidade.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Demon

    Crítica | Demon

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    Galgando pela história dos gêneros cinematográficos, os filmes de terror tiveram um papel de extrema importância na afirmação popular do medo como objeto quase palpável, a favor de uma experiência válida para entender todas as veredas de uma arte, e não apenas as mais confortáveis. Mediante a eterna luta entre público e crítica, é do conhecimento geral da nação que poucas produções conseguiram atingir o respeito e a volúpia generalizada que o diretor William Friedkin conseguiu garantir a O Exorcista, o grande legado de sua exímia carreira de teoremas e provocações. A história da jovem menina, aos poucos possuída espiritualmente, só ganha força à medida que o gênero, e o cinema em geral, ganhou mais rapidez em produzir um sem-número de filmes de qualidade similares, tais que 40 anos depois continuam a tentar copiar (e até mesmo superar) o triunfo cultural e extra-tela de 1973.

    Uma nota histórica é válida: O Exorcista veio para formar e principalmente influenciar uma geração inteira de grandes nomes, mundo afora, que não titubeiam em reafirmar isso. Talvez a proeza do clássico se reside mais acolá, na importância maior do aprimoramento da arte, elitizado ou não, do que no debate de seu valor – para alguns discutível, para muitos absolutista. É por isso que, quando um filme como Demon, banalizado pelos próprios temas que tenta discutir (e não consegue, pois sua ficção e mitologias baseadas em símbolos do horror e suspense já não convencem há algum tempo) nasce e vem ao público, tentando fazer barulho como fez A Bruxa, de 2016 (um horror bem acima da média), já reconhece suas limitações, sua incapacidade de reciclar conceitos numa história fraca, e aposta no estilo de cinema tradicional mais previsível possível para não se comprometer demais, e passar vergonha depois, é claro.

    A surpresa, mesmo, e o que faz valer a pena de assistir a Demon vem só depois da metade do filme, antes lotado de diálogos bobos e expositivos que não chegam a lugar nenhum, quase, apenas estabelecendo contexto para as situações-chave do filme: uma visão fria e congelada de um inferno familiar (em parte, oriunda da graça de uma fotografia inteligente). Um filme que demora para explorar seu potencial, como praticamente todo terror dos anos 2000, vide exceções, tais como Martyrs, Atividade Paranormal, o sueco Deixa Ela Entrar ou o brasileiro A Encarnação do Demônio, do retumbante mestre Zé do Caixão.

    Porém, quando o tal demônio do título realmente se manifesta numa festa de casamento, com personagens saídos de algum dos sombrios filmes de Roman Polanski, um interessante e semi-desconfortável estudo de gênero começa a se formar, fluindo entre o drama, a comédia e o suspense de um filme que cresce, mas cresce às custas e à medida que aposta no poder da abordagem, ou seja, quando assume o experimentalismo formalista que o diretor Marcin Wrona propõe para uma história – de clima realmente frio, de dar calafrios – curiosa e muitas vezes religiosa e socialmente desafiadora – depende muito do tipo de espectador que você ainda é. Talvez seja esse o verdadeiro horror dos anos 2000: desafiar os valores da plateia que não se assusta mais com demônios ou banhos de sangue, mas ainda se escandaliza com a desvalorização de uma família ou cultura considerada imperturbável e eterna.