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  • Resenha | O Filho Mau

    Resenha | O Filho Mau

    Rui Barbosa certa vez afirmou que “família é a célula mater da sociedade”, e em torno dessa estrutura nossa civilização se construiu e se desenvolveu. Invariavelmente, todos somos afetados, positiva ou negativamente e em maior ou menor medida, por toda a carga histórica e psicológica que nossas famílias nos trazem. Ninguém consegue escapar inteiramente dessa bagagem.

    Histórias de cunho familiar estão por aí desde que o mundo é mundo, e O Filho Mau não foge dessa tradição ao se debruçar sobre o diálogo desenvolvido entre uma neta e sua avó, no presente, acerca de uma tragédia que se abateu sob sua família, num passado já distante, mas que impactou sobremaneira todos dali em diante: o parricídio cometido pelo primogênito da casa, Manuelzinho.

    Alternando temporalidades, a história concebida por Carol Sakura e Walkir Fernandes explora vivências e trabalha com maestria pelos silêncios. choques e falhas de comunicação existentes no seio familiar, trabalhando a dificuldade muitas vezes existente para se expressar determinados sentimentos, anseios e angústias, quando em família.

    Se, em um ambiente pautado pelo diálogo claro e límpido, lidar com o trauma de toda uma família já seria complicado, imagine o tamanho do problema ao se enfrentar barreiras por vezes intransponíveis que separam pessoas unidas pelos laços familiares, mas involuntariamente distantes, seja por dilemas do passado ou mesmo por medo de lidar com o peso do presente.

    Como resgatar uma memória dolorosa sem trazer gatilhos, mágoas ou mesmo desconforto em uma relação na qual se espera amor incondicional? O ideal de família perfeita é não somente questionado em O Filho Mau, mas estilhaçado, dilacerado, no momento em que as rachaduras são expostas e as feridas não podem mais ser ocultas por um véu de perfeição que raramente se comprova de fato. Há amor incondicional em família? Há perdão? Ou o seio familiar não seria simultaneamente um solo fértil para expectativas e decepções, um mar repleto por promessas muitas vezes não cumpridas?

    O Filho Mau apresenta um roteiro claro, direto e muito bem desenvolvido, que trafega entre o realismo psicológico e o impressionismo, criando uma relação intertextual bem elaborada com a natureza cínica dos contos de fada. O texto dialoga perfeitamente com a narrativa visual fluida e expressiva, potencializada pelo traço cartunesco e ágil de Fernandes, encontrando na cor roxa uma ferramenta de diferenciar as cenas do presente e as do passado, sem deixar de conferir profundidade para os personagens, mesmo em um conto tão breve.

    Falando muito através do silêncio, o roteiro de Sakura acerta em cheio ao costurar uma reflexão sobre dinâmica familiar e toda sorte de eventos que afetam o modo como as pessoas se percebem em relação à família, diante do avançar inclemente da vida. As quebras discursivas e as sequências conversacionais chamam a atenção pela naturalidade com que são dispostas, reproduzindo a complexidade existente em qualquer papo em família, evidenciando atritos e incômodos geracionais e perceptivos entre as duas protagonistas. A trama evidencia a fragilidade inerente aos diálogos delicados e inescapáveis travados no seio familiar, aqueles nos quais qualquer passo em falso pode gerar um conflito maior, envenenando as relações de todos como um todo.

    Organicamente o enredo dialoga com a narrativa visual fluida e ágil empreendida pelo traço cartunesco de Fernandes, encontrando na cor roxa uma ferramenta para diferenciar as cenas do presente e as do passado, sem deixar de conferir profundidade para os personagens. O uso de cores chapadas, com parco emprego de sombras e texturas, entrega ao plano narrativo uma dinâmica que remete à sutileza das histórias infantis, em um contraponto interessantíssimo com a temática séria que norteia o enredo.

    Conciso e profundo, O Filho Mau entrega um trabalho que envolve o leitor ao versar sobre um tema universal, sem deixar de operar de forma intimista e melancólica, exibindo um elevado grau de sofisticação e sincronia na construção diegetica. Ter apenas 104 páginas é um ponto negativo, pois a história é tão bem desenvolvida que não conta com qualquer tipo de barriga, deixando no leitor aquele gosto de “quero mais” que todo grande conto deixa.

    A obra de Carol Sakura e Walkir Fernandes foi publicada de modo independente em 2020, em capa cartonada e com orelhas. A graphic novel pode ser considerada, com o perdão do trocadilho, um Quadrinho para todas as famílias!

    Compre: O Filho Mau.

  • Crítica | Demon

    Crítica | Demon

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    Galgando pela história dos gêneros cinematográficos, os filmes de terror tiveram um papel de extrema importância na afirmação popular do medo como objeto quase palpável, a favor de uma experiência válida para entender todas as veredas de uma arte, e não apenas as mais confortáveis. Mediante a eterna luta entre público e crítica, é do conhecimento geral da nação que poucas produções conseguiram atingir o respeito e a volúpia generalizada que o diretor William Friedkin conseguiu garantir a O Exorcista, o grande legado de sua exímia carreira de teoremas e provocações. A história da jovem menina, aos poucos possuída espiritualmente, só ganha força à medida que o gênero, e o cinema em geral, ganhou mais rapidez em produzir um sem-número de filmes de qualidade similares, tais que 40 anos depois continuam a tentar copiar (e até mesmo superar) o triunfo cultural e extra-tela de 1973.

    Uma nota histórica é válida: O Exorcista veio para formar e principalmente influenciar uma geração inteira de grandes nomes, mundo afora, que não titubeiam em reafirmar isso. Talvez a proeza do clássico se reside mais acolá, na importância maior do aprimoramento da arte, elitizado ou não, do que no debate de seu valor – para alguns discutível, para muitos absolutista. É por isso que, quando um filme como Demon, banalizado pelos próprios temas que tenta discutir (e não consegue, pois sua ficção e mitologias baseadas em símbolos do horror e suspense já não convencem há algum tempo) nasce e vem ao público, tentando fazer barulho como fez A Bruxa, de 2016 (um horror bem acima da média), já reconhece suas limitações, sua incapacidade de reciclar conceitos numa história fraca, e aposta no estilo de cinema tradicional mais previsível possível para não se comprometer demais, e passar vergonha depois, é claro.

    A surpresa, mesmo, e o que faz valer a pena de assistir a Demon vem só depois da metade do filme, antes lotado de diálogos bobos e expositivos que não chegam a lugar nenhum, quase, apenas estabelecendo contexto para as situações-chave do filme: uma visão fria e congelada de um inferno familiar (em parte, oriunda da graça de uma fotografia inteligente). Um filme que demora para explorar seu potencial, como praticamente todo terror dos anos 2000, vide exceções, tais como Martyrs, Atividade Paranormal, o sueco Deixa Ela Entrar ou o brasileiro A Encarnação do Demônio, do retumbante mestre Zé do Caixão.

    Porém, quando o tal demônio do título realmente se manifesta numa festa de casamento, com personagens saídos de algum dos sombrios filmes de Roman Polanski, um interessante e semi-desconfortável estudo de gênero começa a se formar, fluindo entre o drama, a comédia e o suspense de um filme que cresce, mas cresce às custas e à medida que aposta no poder da abordagem, ou seja, quando assume o experimentalismo formalista que o diretor Marcin Wrona propõe para uma história – de clima realmente frio, de dar calafrios – curiosa e muitas vezes religiosa e socialmente desafiadora – depende muito do tipo de espectador que você ainda é. Talvez seja esse o verdadeiro horror dos anos 2000: desafiar os valores da plateia que não se assusta mais com demônios ou banhos de sangue, mas ainda se escandaliza com a desvalorização de uma família ou cultura considerada imperturbável e eterna.

  • Crítica | Zootopia: Essa Cidade é o Bicho

    Crítica | Zootopia: Essa Cidade é o Bicho

    Zootopia - poster

    “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar opressor”. Esta frase do educador Paulo Freire rege boa parte do contexto de Zootopia, novo filme da Disney Studios. Adaptada ao contexto do mundo governado por animais da bela animação, é dito: “O sonho da presa é se tornar predador”. Isso dá a dimensão das ousadias tomadas pelo estúdio na concepção de seu novo filme, ao falar sobre as relações entre pessoas de origens diferentes, sobre o não determinismo genético, anti-especismo e a necessidade de cooperação entre seres distintos. Tudo isso com a clara intenção de fugir do clichê básico de que é possível ser tudo aquilo que se quer ser. Não é, a vida traz reviravoltas, mas é possível tomar seu destino nas mãos quando a a oportunidade surge.

    Na animação, a empolgada coelhinha Judy Hopps (Muito bem dublada por Mônica Iozzi) sonha em ser a primeira policial coelha da linda e cosmopolita Zootopia, uma cidade onde seus sonhos podem se realizar. Lá sofre com o preconceito contra sua espécie, oprimida pelo sistema que insiste em rebaixá-la independente de seus méritos. Na cidade ela conhece a raposa Nick Wilde (Muito bem dublado por Rodrigo Lombardi), um típico representante daquele personagem que apresenta um potencial imenso, mas acaba frustrando suas oportunidades por conta de uma visão confusa da vida. Eles se veem unidos para a resolução de uma série de crimes de desaparecimento, e a partir disso criam laços de amizade e troca de experiências.

    A animação sofre com algumas pressas na resolução de alguns conflitos menores, mas tem uma coragem que a coloca como superior: ter uma trama realmente importante, e não apenas a burocracia das histórias típicas que servem apenas como escada para as lições do filme. O mistério do filme é realmente um mistério, te leva a desconfiar de vários personagens passearem por dentro da trama de maneira natural.

    A profundidade dos personagens é realmente o ponto alto de Zootopia. Indo além do bom mocismo típico, diversas cenas são montadas de forma a mostrar que uma boa pessoa ou animal, de mente recheada com boas intenções, pode também ser a cara do preconceito, e que o segredo pra modificar um pouco o mundo é apontar o dedo pra si antes de tudo, pois o verdadeiro rosto do fascismo cotidiano não é uma caricatura de ditador, mas as diversas pequenas ações que fomentam a opressão no outro. Não é fácil, e muitas vezes confuso, afinal “um coelho pode chamar o outro de fofinho, outros animais não”.

    As lições aqui não são morais, mas sim éticas. A moral, algo amplamente distribuído pelos contos de fadas e fábulas, é algo muito mais dogmático e que te obriga a ser de uma tal forma através do castigo e da punição, numa espécie de karma ideológico. Ética, por outro lado, trabalha o tipo de mundo em que se escolhe viver; trabalha convivência e constante diálogo, bem como cotidianas modificações sobre o que é a realidade que nos cerca.

    Mais divertido que o enfadonho Frozen – Uma Aventura Congelante, e conceitualmente mais interessante e profundo que Operação Big Hero ou Detona Ralph, Zootopia estabelece-se como o melhor filme da recente safra de animações 3D da Disney ao ocupar-se de temas relevantes, evitando o antropomorfismo carente de significado que ocorre em animações recentes como em Madagascar, olhando para o racismo e demais formas de preconceito com um olhar otimista e palatável para o público infantil, mas sem diminuir a complexidade do tema.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Resenha | Umbigo Sem Fundo

    Resenha | Umbigo Sem Fundo

    Umbigo Sem Fundo - Dash Shaw - capa - Companhia das Letras

    Após se dedicar a compor histórias curtas interligadas pelo mesmo tema, o quadrinista americano Dash Shaw realizou uma audaciosa ruptura em sua carreira: dedicou dois anos e meio para desenvolver um projeto de maior fôlego que fosse responsável por lhe transformar em uma das promessas dos quadrinhos alternativos e promover sua obra à lista de obrigatórios nos lançamentos de 2008, recebendo elogios por sua narrativa madura em contraposição a sua pouca idade.

    Dividido em três partes, Umbigo Sem Fundo é um épico familiar narrando as desventuras da família Loony e seu deslocamento interno. A trama se inicia em um reencontro obrigatório de seus membros quando os patriarcas, Maggie e David, anunciam o divórcio após 40 anos casados. Ao elaborar uma obra longa, Shaw se dedica a desenvolver a personalidade de cada integrante de sua família para criar um perfil de suas deficiências internas e analisar a falta de unidade familiar, e como cada um dos três filhos do casal lida com o término da relação dos pais.

    Registrando o cotidiano de cada um nesta semana atípica, quando todos passam a conviver novamente sob o mesmo teto, o autor aponta que não só o afastamento familiar acontece naturalmente pelo tempo como a personalidade de cada um voltada somente para si é um catalisador desta destruição. De maneira isolada, cada personagem carrega uma falta de conhecimento próprio e a incapacidade de se relacionar com os outros, demonstrando uma ausência de contato que destrói qualquer comunicação.

    Dentro do seio familiar, composto por pai, mãe e três filhos, observamos personalidades distintas que interpretam de maneira diferenciada o conceito de uma família. Dennis, o mais velho, é o mais empático com o conflito dos pais: tenta encontrar uma justificativa para o divórcio, o primogênito que vê a família como um porto seguro que aos poucos se desintegra; Claire, a filha do meio, espelha sua trajetória com a dos pais, compreendendo a separação por ser uma mãe solteira divorciada, fato que não a inibe dos medos de criar a filha adolescente Jill. Por fim, o caçula Peter representa a figura mais desgarrada da família, reconhecendo seu distanciamento e a disfunção de sua família como um crítico que não possui voz ativa em sua casa. Inseguro e tímido, seu deslocamento é tanto que seus traços são antropomorfizados em um sapo.

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    Composto em preto e branco, o quadrinista se vale de conceitos narrativos variados para promover agilidade a sua longa trama. Além de desenvolver sequências somente com imagens, dando às onomatopeias a função de expressar ações específicas, não padroniza a quantidade de quadros em cada cena. Seus traços são simples e representativos, destacando os silêncios presentes na família e transformando o ambiente, outrora acolhedor, em um local claustrofóbico. Neste aspecto, é significativo destacar como a casa, estabelecida em local praiano, sempre parece suja devido ao acúmulo de areia nos móveis, uma poeira que encobre o ambiente e os personagens como se fisicamente representasse a antiguidade do local. Igualmente, o significado do nome da família, Loony, é traduzido como “malucos” ou “doidos”, carregando até mesmo em seu registro um sinal de sua incoerência.

    Ao tentar desvendar as falhas familiares, o cerne da união do casal demonstra o significado do título da obra em uma bonita metáfora que representa a unidade do casal em tempos anteriores. Grande parte do sucesso e brilhantismo da história se deve ao fato de que Shaw evita uma conclusão, deixando o significado de seu épico a cargo do leitor e de sua bagagem, a mesma que lhe trará uma inevitável identificação com um dos membros da família

    Escrevendo em suas entrelinhas o significado implícito de sua narrativa, Umbigo Sem Fundo reflete em sua gama de personagens uma típica família entre uma bem executada e sensível densidade que revela o talento de Shaw e aponta que, no fundo, um conjunto de seres convivendo sob o mesmo teto não necessariamente representa unicidade.

    Compre: Umbigo Sem Fundo – Dash Shaw

  • Crítica | Sobre Meninos e Lobos

    Crítica | Sobre Meninos e Lobos

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    Nós somos a nossa infância, e Clint Eastwood quer discutir isso. Mestre em pegar histórias de força descomunal e subverter essa força com sensibilidade à flor da pele, mas diferente de Ang Lee e outros, sabe equilibrar as energias que podem surgir de tramas humanas, investigativas de algum modo, e coloridas por elementos típicos de seu cinema. A paixão por um ideal e o espírito incansável dos lutadores da vida real, no caso, aqui, o esforço imprevisível na neblina de uma morte sem explicação, num mundo de homens, descrença e intolerância, se mostram nesta produção de 2003, uma pérola sobre o que move a espiral no coração de quem faz deste mundo um mundo frio e sem volta nas nossas ações, onde nem a mais antiga e forte amizade sobrevive diante de uma tragédia de proporções gerais, tendo nos enigmas do passado a chave para um futuro mais simples. Há um futuro esperando lá fora ou é a gente que o faz? O dia é da caça, é verdade, mas o predador tem sua hora.

    Quando um dos três amigos, num belo dia, entra num carro de desconhecidos, o estrago é feito. Para sempre. Os três jamais esquecem o momento, seguidos por ele, atormentados em lembranças revividas na prática, tal um carma constante que afeta muitos além do trio que fez assinar seus nomes na calçada de cimento fresco, na rua que nunca abandonaram. Sobre passado e reminiscências, sobre os pregos e acerca dos arames que nos atam e nos fazem ser quem somos, por fim, nas tangentes das relações que também nos constroem nas sarjetas por onde andamos, construímos nosso ser social, e escondemos quem realmente somos, abertos nesse nível apenas entre quatro paredes, nas confissões entre pessoas queridas que conhecem nossas páginas secretas. Um filme de detalhes, closes e olhares que quebram essas paredes e queimam essas páginas ao ar livre, culminando, ainda assim, em mistério traduzido na imagem de um rio, tamanha esperteza de um roteiro de gênero, no caso criminal. Rio escuro e profundo, feito a alma dos envolvidos no crime insondável de uma jovem moça, numa história de gato e rato impossível de desgrudar os olhos, e da suspeita de estar assistindo a um grande filme.

    E de grandes envolvidos. É difícil destacar quem quer que seja e ser justo ao mesmo tempo, a partir de uma atuação coletiva que beira a perfeição, com atores e atrizes num esplendor de sintonia, emaranhados na teia de seus personagens. É incrível como o caldo começa a borbulhar só no olhar, novamente, de Tim Robbins, sentado num bar durante uma partida de beisebol, esporte adorado por boa parte dos americanos. A câmera se aproxima do rosto de quem entrou naquele carro há anos atrás, e na ausência de palavras conseguimos ler na face do homem o universo que este carrega nos ombros, a dar margem ao choque de mundos que se dará logo após os minutos iniciais. Quem matou? E por quê? Tudo parece brotar do nada, num vórtice de consequências onde as causas importam bem mais, na tradição dos suspenses forjados a ferro e fogo que prezam mais a razão do crime que o crime em si, como em Pacto de Sangue (1944), Alma no Lodo (1931), O Falcão Maltês (1941), Sangue de Pantera (1942), A Lei dos Marginais (1961), Fúria Sanguinária (1949) e O Homem Errado (1956), de Hitchcock. Clássicos em que a vibração e atmosfera são muito similares com as de Meninos e Lobos.

    Nota-se, também, a maneira descompromissada e quase natural de como essa atmosfera é cozinhada: como se realizar um filme para Eastwood fosse cozinhar, juntando temperos para a receita ficar no ponto. Ponto de ebulição para a história explodir na tela e no rosto de Sean Penn, o pai da vítima cujo choque do presente releva o passado para construir o amanhã, por mais negro e desumano que hoje possa ser. Na expressão de desespero de Marcia Gay Harden, cúmplice de quem tem as mãos sujas de sangue, e na tensão de Kevin Bacon na busca pelo assassino: todos são interligados numa ciranda em torno da loucura e da lucidez num bairro de classe-média onde nada relevante poderia brotar, e por isso mesmo brota. A receita é simples, e para ser simples o mestre Eastwood traduz em suspense familiar, com suas típicas mãos de seda, a desconstrução de uma amizade, mas sem nos deixar desconfortáveis na remoção das peças do quebra-cabeça, exceto, é claro, quando chega a hora dessas cabeças começarem a rolar.

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