Tag: Clint Eastwood

  • Crítica | As Pontes de Madison (2)

    Crítica | As Pontes de Madison (2)

    Baseado em obra homônima de Robert James Waller, As Pontes de Madison é um dos grandes romances da história do cinema. Produzido (com a Amblin, produtora de Steven Spielberg e Kathleen Kennedy), dirigido e estrelado por Clint Eastwood, é um filme que destoa de toda a imagem que ele havia construído no cinema até ali: do brutamontes, durão e implacável. Clint encontra em Meryl Streep (vivendo um momento marcante em sua carreira, reconhecido pela academia) um par amoroso perfeito para discorrer sobre o quanto é complicado lidar com os sentimentos humanos, com as dores e incertezas trazidas pelo amor e o peso de cada escolha e suas renúncias.

    O filme se passa em decorrência de uma carta deixada por Francesca Johnson, uma italiana que vivia em função de sua família no interior do estado de Ohio, a seus dois filhos, Michael e Carolyn, como nota de seu falecimento. Francesca, que foi morar nos Estados Unidos ao conhecer Richard, seu marido, na segunda grande guerra e abdicou de sua vida para começar um casamento e construir uma vida conjugal. Nesta carta, ela registra seu último desejo e para ser atendida, descreve um caso amoroso que viveu com Robert Kincaid – um fotógrafo da revista National Geographic que passou por aquela região em Ohio enquanto seu marido e filhos visitavam uma feira em outro estado.

    Francesca e Robert, cada um dos dois, atravessam em suas vidas um momento em que se encontram em ruptura com seus sonhos e esperanças. Ela, numa cidade pequena, onde todas as pessoas se vigiam e precisa tomar conta das responsabilidades da casa, não se encontra mais consigo mesma. Está perdida dentro de si mesma e da vida pacata que leva ali. Já Robert, divorciado e muito bem resolvido com o trabalho, ficou tão fragilizado com esse encontro – e com a presença forte daquela mulher – que insiste, a todo custo em levar Francesca consigo para Washington, de onde ele veio. O tempo passou para o casal e eles abdicaram de todas as possibilidades que a vida lhes ofereceu em função – do casamento para ela – e do trabalho para ele. Resolver esse impasse, agora, que outras pessoas serão afetadas é uma situação impossível. E o sofrimento misturando com o afeto, profundo e singelo é transmitido brilhantemente por Eastwood trabalhando como diretor. Como conduz a trama, e como arma pequenas sutilezas que vão desde olhares até o movimento em quadro dos personagens que expõem como aqueles dois personagens se sentem e como eles vagam entre o carinho e o conflito impostos pela situação.

    Se em seus filmes mais antigos, Clint era mais conhecido por “falar” com a arma, neste, o diretor passa uma delicadeza poucas vezes vistas na história do cinema.Para tratar de um casal tão delicado,como maestro e na pele de Robert, ele precisa das palavras para conduzir cada impasse que está vivendo com Francesca.

    É difícil tratar de uma obra grandiosa assim de maneira sucinta, mas As Pontes de Madison, é, em suma, um filme sobre dois temas e tudo o que deriva de suas preposições: o tempo, em especial, o passado e a complexidade do que chamamos de“amor”. Os sonhos deixados para trás em função de um relacionamento, a dificuldade de fazer escolhas e lidar com suas consequências, como o passar do tempo enrijece as relações e as próprias pessoas. É um dito popular que o verdadeiro amor só acontece uma vez na vida, pena que não seja possível determinar o momento, afinal, a vida ainda é uma força maior que insiste em nos pressionar contra nossas vontades.

    Texto de autoria de Gabriel Caetano.

    https://www.youtube.com/watch?v=bn79t3d3UiQ

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  • Crítica | A Mula

    Crítica | A Mula

    Clint Eastwood tem sido um diretor cujas obras recentes são bastante criticadas. 15h17: Trem Para Paris figurou em boa parte da lista de piores filmes de 2018, Sully foi considerado puramente um filme de herói dos Estados Unidos enquanto Sniper Americano virou motivo de piada sobretudo pela cena do boneco. Em A Mula o diretor retorna as origens, se coloca como o personagem principal, Earl Stone, um velho homem cuja vida pessoal e familiar é uma bagunça e que viu a oportunidade de mudar sua rotina ao se tornar entregador de um produto para bandidos.

    O roteiro de Nick Schenk é baseado em um artigo de autoria de Sam Dolnick, e começa sua historia em um momento chave da vida de Earl, onde sua filha, Iris (interpretada por Alison Eastwood, filha do cineasta) está casando pela segunda vez. Como manda a tradição, ele deveria entrar com ela, mas como há uma premiação dos melhores lírios da região de Illinois e como ele as cultiva, ele perde todo seu tempo no evento e no pós evento. Logo a linha temporal vai para alguns anos no futuro, onde sua neta Ginny (Taissa Farmiga) irá casar, e caberia a ele pagar as bebidas, mas ele está falido, por não se adaptar a tempos com a internet.

    Os dois momentos temporais tem algo em comum, o carisma e extrema gaiatice de Earl. Por mais que ele seja um pai / avô / marido ausente é impossível não simpatizar por ele, pois é engraçado, descolado, galanteador e cavalheiro. A idade avançada do personagem e de seu interprete não o impedem de atrair a atenção das mulheres, seja com galanteio ou com o dinheiro que oferece a elas, e seu modo de agir bon vivant o ajuda a prosperar dentro do novo negócio que empreende, mesmo que a chegada a esse ponto tenha ocorrido de maneira inesperada.

    Há alguns exageros na transposição dessa jornada, e em alguns pontos o crescimento do personagem dentro da organização a que ele serve soa irreal, mas tudo isso é driblado facilmente pela persona do protagonista e por seu modo de levar a vida. Seus pretensos opositores, seja o chefe do tráfico de drogas mexicano Julio (Ignacio Serricchio) ou o detetive do FBI Colin (Bradley Cooper) conseguem ambos serem enrolados por ele. A experiência do senhor é posta a prova a todo instante e se excluir os momentos finais, praticamente não há falhas no seu modo de convencer as pessoas.

    A obra de Eastwood é engraçada e dramática, harmoniza bem esses dois aspectos além de conseguir tocar em temáticas de suspense, Thriller e até de Road Movies. A direção de Clint é econômica e emocional, fazendo lembrar os melhores momentos de As Pontes de Madison, fundamentando isso com um personagem principal com carisma digno de Gran Torino e Dirty Harry, simples, direto, bonachão e muito querido.

    No entanto, A Mula não é uma comédia, tampouco deixa de levar a sério os assuntos espinhosos que levanta. Toda a questão parental dos Stones é muitíssimo bem construída, em especial quando Mary (Dianne Wiest) está em cena, pois ela consegue expressar bem o amargor de uma mulher a muito abandonada mas que também guarda alguns dos sentimentos da época em que eram um casal, principalmente nos momentos finais desta. O filme poderia ter caído facilmente sobre uma abordagem piegas, mas foge dessa pecha da maneira extremamente elegante. A duração de todo o drama e o ritmo cadenciado faz com que este seja o mais notável e equilibrado da filmografia recente do realizador, certamente um bom momento que faz lembrar do seu auge com Os Imperdoáveis e outras obras de qualidade indiscutível, embora o filme não tenha vergonha em se assumir como não grandioso.

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  • Crítica | Dirty Harry na Lista Negra

    Crítica | Dirty Harry na Lista Negra

    Quinto capítulo da saga de Harry Callahan, Dirty Harry na Lista Negra começa mostrando a violência em São Francisco, e logo depois, foca nas mãos do vilão, um homem misterioso que faz uma lista com oito nomes. Um dos nomes é exatamente o de Callahan, fato que faz com que ele seja pessoalmente interessado em resolver a questão.

    Em determinado momento são mostrados dois personagens, o diretor de filmes baratos Peter Swan (Liam Neeson) e o problemático ator Johnny Squares (Jim Carrey), um junkie que após fazer um escândalo no set de filmagem e se picar com heroína, é assassinado dando à famigerada lista um caráter maior que mera especulação. É engraçado ver ambos em início de carreira, dando o pontapé inicial em um filme tão criticável.

    Buddy Van Horn é o diretor, o mesmo que já havia trabalhado com Clint Eastwood, em Punhos de Aço – Um Lutador de Rua e Cadillac Cor de Rosa, mas o roteiro de Steve Sharon, faz com que esse seja o capítulo mais combalido e fraco da saga, série cinematográfica que ia caindo de qualidade de filme a filme. Ao menos, Horn consegue algumas boas imagens, ao manter incógnito seu vilão, utilizando a visão em primeira pessoa para emular os monstros e assassinos slashers que atacavam suas vítimas, como em Tubarão ou Halloween. Há momentos bem icônicos e divertidos, como a utilização de um carrinho remoto com uma bomba atrás dos heróis ou o desempenho de Carrey ainda muito novo, como uma estrela inconsequente que reúne elementos de rockstar e ator mimado.

    No entanto, o final do longa é confuso, envolvendo personagens periféricos à rotina de Harry, que são postos em perigo e o detetive deve ir até lá, para resolver o caso. Toda a questão é mostrada de uma forma extremamente artificial. A maior parte dessa série de acontecimentos é simplesmente jogada, não há muito desenvolvimento, somente uma série de coincidências incômodas, tornando este Dirty Harry na Lista Negra um dos produtos menos inspirado da franquia, e claramente Eastwood já não parecia à vontade interpretando um de seus célebres personagens.

    https://www.youtube.com/watch?v=2wuMFMR04rg

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  • Crítica | Sem Medo da Morte

    Crítica | Sem Medo da Morte

    O detetive de modo rude, Harry Callahan, sempre teve suas aventuras pautadas em outros produtos da cultura pop que faziam sucesso na época em que seus filmes iriam estrear no cinema mainstream, e Sem Medo da Morte antes mesmo da introdução de seu astro, é mostrado uma situação capciosa, com uma mulher atraente pedindo carona, fruto de um óbvio despiste, servindo de isca para as ações intempestivas de um grupo terrorista.

    Harry (Clint Eastwood) é introduzido como de costume, após o mote que o fará se mover, tendo de resgatar refém de um malfeitor genérico, resolvendo a situação do modo mais truculento possível. Mesmo com a repetição de elementos, nota-se uma interessante e charmosa abordagem da estilo de vida dos anos setenta, especialmente na bela trilha sonora, repleta do som de metais do jazz, fatores que ajudam a datar ainda mais o protagonista/anti-herói em uma estética que de tão enérgica, beira o fascismo, resultando em uma busca por justiça a qualquer custo.

    O universo em que habita Dirty Harry é amoral como era a atualidade em meio a libertação sexual, e isso se demonstra em dois pontos chave, o primeiro, anedótico, se dá quando em meio a uma perseguição onde o inspetor mal encarado “invade” o set de filmagem de um filme pornô, durante a gravação de uma cena de sexo grupal. Certamente tal aspecto jocoso se deu pela afeição do diretor James Fargo ao tema, lembrado especialmente em Doido Para Brigar… Louco Pra Amar, onde o tom escrachado era ainda mais evidente.

    O outro fator, mais importante e simbólico, é o acréscimo da nova parceira do personagem principal, a detetive Kate Moore (Tyne Daly), que substitui seu antigo assecla, recentemente morto. Um novo conjunto de nuances deveria ser despertado, como a existência de movimentos como o feminismo, crescente em meio a revolução sexual que se instaurava, mas ainda invisível aos olhos conservadores de muitos homens, inclusive de Callahan, mas o que se nota é empáfia comum ao macho brucutu que despreza a mulher, unicamente por ela ser “inapta” a um trabalho tão bruto quanto este, ao menos na ideia retrógrada e conservadora vigente na época.

    O roteiro tem alguns problemas sérios, como o de seguir com alguns estereótipos fálicos, como a associação do negro a violência, ainda que o racismo velado seja um pouco quebrado graças a figura interpretada por Albert Popwell (que já havia participado dos dois filmes anteriores, com cenas menores) chamada Mustapha, uma liderança em meio ao submundo criminal que trabalha aqui como informante de Harry e chega a vestir a máscara de mentor em determinados pontos da trama.  A quantidade de vozes diferentes e que antes eram ignoradas  ganham espaço e não ocorrem à toa, e sim por pressão de seu tempo, já que não há qualquer reflexão em tais temas, somente a exposição delas.

    O modo violento com o qual Harry age piora demais. Seus atos incluem até o uso de uma bazuca, para acertar apenas um homem, fato que serviria de inspiração para o Paul Kersey de Charles Bronson nas fatídicas continuações de Desejo de Matar. A terceira aventura do homem que empunha a Magnum 44 serve de parâmetro para o que se tornariam as franquias de ação no futuro, cada vez mais violentas e banais nos filmes subsequentes.

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  • Crítica | Magnum 44

    Crítica | Magnum 44

    Após a trilha sonora de jazz, semelhante ao visto no clássico de Don Siegel, Perseguidor Implacável, Magnum 44 começa como uma ode ao instrumento utilizado por Harry Callahan (Clint Eastwood), a fim de encontrar justiça via chumbo. Seu nome original, Magnum Force deixa isto claro, fortificando a ânsia do povo por violência visto que eles tumultuam os arredores dos tribunais já no início do filme de Ted Post, que já havia feito com Eastwood no divertido faroeste A Marca da Forca.

    Harry retorna à ativa agora mais como vigilante do que como policial, dado seu total descumprimento das regras. O interesse do protagonista é numa estranha onda de assassinatos, envolvendo os chefões do crime de San Francisco, executados com disparos de uma arma Magnum, normalmente por uma figura controversa, que se disfarça de policial para cometer seus atos.

    O roteiro desta parte dois é um pouco diferente no que tange seu foco. Callahan está menos enquadrado e preocupado com a opinião pública do que no primeiro filme, já que a trama de pouco menos de duas horas se bifurca, revelando o modo de operar do bandido e a rotina do policial usando de seus próprios meios para combater a criminalidade. Enquanto ocorrem as investigações, é realizado uma competição de tiro, em que o herói e outros tantos policiais tem suas habilidades medidas, e neste evento, ocorrem situações ainda mais estranhas, que se juntam às desconfianças frequentes do inspetor.

    Apesar da obviedade em relação a identidade dos justiceiros, há uma reflexão importante da parte do “tira”, que vê nas atitudes alheias algo execrável, o que em última análise, serve a si como reflexão de seus próprios pecados enquanto vigilante e agente da lei. Apesar do pouco tempo entre as duas histórias cinematográficas, é notada uma pequena evolução de status, ainda que a vazão para esta auto-análise seja bastante comedida, em comparação com as atitudes mais enérgicas e típicas de Dirty Harry.

    O código ético de Harry Callahan não é posto em cheque, ao contrário, já que Magnum 44 serve para relembrar que seu personagem é o herói na concepção mais clássica da palavra e da jornada que Joseph Campbell pensou. Não há traços de desvios do foco em ser justo ou em discutir qualquer termo que não esteja ligado aos “bons costumes”, Harry lembra o entorno que cerca Frank Serpico, personagem do filme homônimo de Al Pacino. Os tons castanhos de suas roupas fazem lembrar a lama em que eles está metido, o que dá ainda mais sentido a pecha de “sujo” que sua alcunha leva. No entanto, os signos visuais não misturam o comportamento do homem com a imundície em que é obrigado a conviver.

    Apesar das semelhanças com as atitudes dos homens tidos como vilões, há uma clara alusão à bondade nos atos de Callahan, e a necessária diferenciação nas mortes que impinge das que os outros praticam, como se as suas limitações fossem somente até onde o estado burocrata não consegue agir. Esta linha tênue entre as duas atitudes talvez seja o aspecto mais interessante do filme a se estudar, além das ótimas sequências de ação conduzidas por Post.

    https://www.youtube.com/watch?v=bm113ff7n6U

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  • Crítica | Perseguidor Implacável

    Crítica | Perseguidor Implacável

    Começando com o badalar de sinos unido a imagens de uma lista de nomes do Departamento de Polícia de San Francisco que morreram no cumprimento do dever, Perseguidor Implacável já demonstra o lado pelo qual a parceria entre Don Siegel e Clint Eastwood — responsáveis pela construção de um dos maiores ícones dos filmes de ação do cinema hollywoodiano em uma época pré-blockbuster — seguirá nas quase duas horas de filme.

    O paladino e justiceiro se mantém calado, investiga cada detalhe do assassinato de uma jovem mulher. Sem tato para tratar com as autoridades, o inspetor Harry Callahan não se furta sequer em peitar de modo enérgico o prefeito, mostrando sua inquietude diante do mistério que só cresce, se mostrando impaciente diante da burocracia dos seus superiores. A simplicidade de seus atos, por mais autoritários que soem, fazem completo sentido diante dos homens que tentam convencê-lo de frear um pouco seus métodos.

    Dirty Harry tem um poder de convencimento ímpar, por conter em suas atitudes que gira em torno do lugar comum, ou seja, seu discurso é de fácil compreensão, aliado a fúria descerebrada da patuleia, o que obviamente encontra empatia junto ao público médio. A quantidade de bordões dos filmes de ação que incorrem no roteiro Harry Julian Fink, Rita M. Fink e Dean Riesner é absurda. Já na primeira demonstração de seus predicados, Callahan interrompe seu almoço – um cachorro quente, mais uma vez para simbolar  o quanto ele era parecido com o cidadão comum – para impedir um assalto a um banco. Sem qualquer hesitação, o policial saca sua Magnum 44, dita pelo próprio como o revólver mais poderoso do planeta e alveja o meliante em fuga.

    O código moral de Harry era muito condizente com a sua época, incapaz de verificar nuances ou tons acinzentados, um contraponto a dualidade típica da Guerra Fria, que insistia em esconder arquétipos maniqueístas. O lado do inspetor é bastante definido, seu código ético é baseado em um extremo conservadorismo popular, capaz de culpar maltrapilhos, clamando para que sejam presos ou executados a sangue frio, além de ter na perseguição dos sexualmente ativos um estranho hobby, o que dialoga ainda que em modo subliminar, com a hipocrisia latente de muitos retrógrados, que escondem seus desejos sexuais em uma vã tentativa de despiste, em forma de ultramoralismo.

    A perseguição implacável prevista no título brasileiro do filme se dá através do resgate a pistas que Callahan insiste em fazer, e da maratona que sofre para tentar atender aos desmandos do misterioso algoz. O cansaço do policial se manifestam através de suspiros prolongados e ações bem distantes de suas rotinas, onde sua estafa se manifesta até na complacência com um pretenso viciado, em um truque do roteiro que alude primeiramente a um “amolecimento” de sua severidade, podendo também ser interpretado com intenção de não ser tão reacionário ou desconectado com a atualidade.

    O receio em não parecer cruel logo se demonstra um chiste, uma vez que o inspetor apela até para tortura, quando em posse da confissão do facínora. A violência exacerbada se manifesta a partir da catarse de um homem que sente-se injustiçado, e que não vê outra alternativa a não ser praticar o justiçamento via assassinato, ainda que seja impedido pela questão da refém que todo o departamento busca.

    Os momentos finais envolvem uma sucessão de acusações de Scorpion (Andy Robinson), colocando Harry em uma posição constrangedora, elevando o embate para um nível pessoal. O sequestro ao ônibus escolar reúne medos diversos do cotidiano, especialmente àqueles ligados a segurança de crianças. O entrave final entre vilão e herói reprisa o diálogo do começo do filme, com um desfecho mais trágico para o antagonista, métrica que seria muito utilizada no filão, dali para frente. Os méritos de Eastwood enquanto intérprete da figura de brucutu inicial só ficou imortalizada graças a condução de Siegel para lidar com julgamento moral e irônico sobre a figura de Harry e que inspiraria o ator a dirigir seu primeiro longa, Perversa Paixão, em 1971. O longa ainda dá início a uma saga de cinco filmes com o mesmo protagonista, ainda que nas continuações a dualidade de julgamento claramente tenha se perdido.

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  • Agenda Cultural 65 | Car Wash, Lionélson ataca novamente, 1000 edições de Superman

    Agenda Cultural 65 | Car Wash, Lionélson ataca novamente, 1000 edições de Superman

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira) e Filipe Pereira (@filipepereiral) recebem o convidado Wilker Medeiros (@willtage) para bater um papo sobre o que rolou nos cinemas, as polêmicas envolvendo a série “O Mecanismo”, a edição comemorativa de Actions Comics e muitos mais.

    Duração: 93 min.
    Edição: Julio Assano Junior
    Trilha Sonora: Flávio Vieira e Julio Assano Junior
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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    Séries

    Review O Mecanismo – 1ª Temporada (Vídeo Cinema Raiz)
    Jessica Jones – 2ª Temporada

    Cinema

    Crítica Projeto Flórida (Alerta Vermelho #68)
    Crítica 15h17: Trem Para Paris
    Crítica Operação Red Sparrow
    Crítica O Passageiro
    Crítica Tomb Raider: A Origem
    Crítica Círculo de Fogo: A Revolta
    Crítica A Melhor Escolha
    Crítica Jogador Nº 1

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    Visão: Pouco Pior que Homem – Compre aqui

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  • Crítica | Três Homens em Conflito

    Crítica | Três Homens em Conflito

    Inúmeros fatores atemporais tornam uma grande obra, na melhor obra da carreira de um grande e marcante artista. No caso de Oscar Niemeyer, por exemplo, o sinônimo de arquitetura moderna do Brasil e laureado, em 1988, por um Pritzker, considerado o Nobel da arquitetura, a construção dos edifícios governamentais de Brasília ainda são consideradas sua obra máxima, devido à importância para com o contexto político brasileiro; já no caso de Leonardo da Vinci, os mistérios envolvendo absolutamente tudo em torno da sua Monalisa a consagram como a magnum opus inigualável do pintor, façanha intocável feito as sinfonias de Ludwig van Beethoven, os livros de Machado de Assis, as peças de William Shakespeare, e assim por diante.

    Contudo, adentrando finalmente nos assuntos que nos interessam, e na sétima-arte que os abriga e os ilumina ao longo das décadas que vieram, e dos séculos por vir, poucos(as) cineastas podem se dar ao luxo de terem um currículo invejável a ponto de ser um desafio crítico a escolha de seu principal triunfo. Vejamos alguns, saltando na memória: Charles Chaplin, Kenji Mizoguchi, John Ford, Stanley Kubrick, Jean Renoir, Alfred Hitchcock… e nosso amigo, Sergio Leone.

    Muito se discute de qual seria sua pérola suprema, e para qual são discutidos (eternamente) os mesmos fatores de sempre: Estilo, história, sofisticação, etc. Na verdade, cinéfilos se dividem entre três exemplares do seu mais do que rico portfólio: Era Uma Vez no Oeste, Era Uma Vez na América e Três Homens em Conflito. Seria então este último, por ser o mais famoso dos três, o pináculo da visão Leônica de Cinema, já que apresenta bem mais reconhecimento popular do que os outros, já citados?

    Há de se admitir aqui o início do projeto de mistificação moderna do faroeste, a partir de agora completamente livre das regras do passado. Um projeto ambicioso e extremamente presente na última história de Clint Eastwood como o homem sem nome. Depois de Três Homens em Conflito e Era Uma Vez no Oeste, a cartilha formal e quadrada de John Ford e Howard Hawks seria seguida apenas pelos cineastas mais tradicionais, que não se deixavam seduzir pelas experimentações cada vez mais bem-sucedidas de Leone, Sergio Corbucci e companhia Após a trilogia dos dólares, novas e divertidas possibilidades estilísticas surgiram junto e oriundas desse marco triplo do bang-bang, e, novamente, muito além do gênero que emula como pouquíssimos filmes se atreveram a conseguir.

    No comando de um tour de force inesquecível (e atrevido), nas três horas de uma projeção incansável, Leone não teria mais nada a provar depois de 1966 – senão sua falta de ousadia em projetos futuros. Afinal, é inconcebível drenar do histórico cinemático de cada um de nós as lembranças de cenas como o mítico duelo entre os três principais pistoleiros em um cemitério (o bom, o mal e o feio), tudo por causa dos malditos dólares de sempre, é óbvio (honra e paraíso são conceitos tardios demais para aquelas almas do deserto que parecem ter sido extraídas dali mesmo, sujas e cansadas de viver, mas ainda inimigas da morte; arquétipos desenterrados pela câmera e a montagem soberba do seu criador).

    Fato é que há pouco a se falar sobre este filme que ainda não foi elucubrado, justamente por ser uma das grandes referências de Cinema com C maiúsculo para muita gente. Mas há sempre algo de novo para descobrir ao assisti-lo – e se o “novo” for difícil de teorizar, de colocar em palavras ou até mesmo de se refletir sobre, é essa novidade percebida que não poderia ser mais nobre e ambicionada por parte de nós, meros espectadores. É logo abaixo do encanto dessa síndrome de Deus que todo cineasta carrega, logo abaixo também dessa apoteose de elementos próprios tão irônicos e apaixonantes, que o mundo de Leone se espalha sem medo no tempo e nos nossos corações, não podendo ser mais preciso nos seus efeitos sobre tudo aquilo que convém as intenções de um artista tão completo, quanto Leone nos é, hoje e sempre.

    Dono das suas histórias, da sua assinatura, independente até o fim, e fiel à sua realidade aonde, através das aventuras de suas personagens deliciosamente amorais, banhadas pelas trilhas de Ennio Morricone e um sol desértico tão acachapante quanto, talvez seja na exploração dela em Três Homens em Conflito que se explica, no caso de Leone, o que faz este filme ser, talvez, sua chegada tão sonhada ao Eldorado: O poder da direção no Cinema, tão explícito e forte como se manifesta aqui. Em cada frame, em cada uma das sequências clássicas.

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  • Crítica | Por Uns Dólares a Mais

    Crítica | Por Uns Dólares a Mais

    Por Uns Dólares a Mais foi Sergio Leone mostrando um pouco mais de sua ambição, e os fundamentos justificáveis a tanto. Ainda sob o pretexto dos homens sem passado, e muito provavelmente tidos como sem futuro, sendo arquétipos de uma masculinidade agressiva em uma terra sem-dono e sem-lei, a história agora gira em torno de dois homens, dois caçadores de recompensa e seus cavalos cujo alvo é um dos grandes vilões do faroeste, o cruel e implacável Índio. Aliás, Leone arriscou ter um assumido vilão numa filmografia de estereótipos constantemente superados por personagens nem bons, nem maus, apenas sobreviventes de uma realidade árida em todos os sentidos.

    Por ser o filme do meio da famosa trilogia dos dólares, reverenciada por tantos cineastas e outros entusiastas críticos mundo afora, o filme de 1965 tinha a responsabilidade de expandir e solidificar da melhor forma possível aquele mundo de bang bang, já tão Leônico, com assinaturas reconhecíveis do mestre (elementos de set, diálogos, paleta de cores, efeitos sonoros, trilha sonora de Ennio Morricone, até mesmo ângulos de câmera típicos do mestre, como hiper closes e zoom chicote), aqui mais bem desenvolvidas que no primeiro exercício cinematográfico de antes. Pois, se Por um Punhado de Dólares ainda detinha uma aparência e uma vibe ainda experimentais não apenas em sua estética inconfundível, mas na sua premissa e construção de mundo, sua continuação é mais divertida, mais bem resolvida em si, e produzida com primor e consciência superiores por parte de Leone do material riquíssimo que tinha em mãos, tratado com exímia classe na ação.

    Uma ação que nos arrebata a cada sequência. De um trabalho para o outro, com apenas um ano de maturidade artística separando-os, o filme ainda carrega consigo a responsabilidade de entreter e provocar reflexão a partir de sua potência estilística, ou seja de sua carga estética e imagética, mas com uma sofisticação notável e cada vez mais forte na abordagem dos temas que movem a trama. O fato torna-se absolutamente claro numa ótima sequência, motivada por grana e por orgulho, onde o pistoleiro Blonde (Clint Eastwood) mostra-se mais rápido que o fantástico ator Lee Van Cleef atirando no seu chapéu, mas é Cleef que mostra-se mais preciso fazendo o chapéu de cowboy do outro virar uma peneira de pano. A forma como o breve e hilário duelo de habilidades é filmada é formidável, usando sem abusar de um domínio elegante na mise em-scène que Leone ainda não havia demonstrado em outros pequenos grandes momentos da sua carreira.

    A aposta no poder do visual, puramente falando, é acentuada aqui e nos torna refém do bom gosto talhado em tela. Noutra sequência que deve ter destaque sobre o assunto do apuramento visual presente no decorrer da fita, também se baseando na ausência de diálogos, menos famosa mas tão icônica quanto a outra, Blonde chega numa vila e demonstra sua precisão no gatilho ajudando um garoto a pegar frutos de uma árvore ao atirar neles, e derrubando-os. Nisso, atrás dele, o personagem de Cleef também resolve demonstrar ser um oponente (ou amigo) a altura do primeiro, e derruba alguns limões da mesma árvore frondosa. Eles se olham, e um percebe do que o outro é capaz, algo imprescindível para as situações de conflito e competitividade que melhor retratam a trilogia, em questão (ela merece o nome que tem). Uma das inúmeras piadas visuais do filme.

    Aqui, Leone ainda não se levava tão a sério como se levaria, adiante, talvez por ainda não ostentar a alcunha de mestre que viria a ganhar, logo em seguida, mas já estavam no seu campo grande elenco jogando com seus elementos dispostos para a construção formal de seus clássicos (o ator Gian Maria Volonté dá um show, encarnando de verdade a personalidade sádica do detestável Índio, talvez o mais marcante personagem da trilogia). Na época, é incrível pensar como Por uns Dólares a Mais foi considerado apenas mais um western spaghetti (sub-gênero que ajudou a emblemar) com a cara de seu criador, e se hoje consta na lista de inúmeros cinéfilos como um dos melhores, ou um dos mais divertidos exemplares já estabelecidos na história da arte que o abraça do seu gênero, é porque o tempo basta por ser justo, e recompensa com a lembrança de bom grado da existência então ignorada de joias como essa que podemos ter a sorte e o prazer de rever, e rever, sempre.

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  • Crítica | Por Um Punhado de Dólares

    Crítica | Por Um Punhado de Dólares

    Na época, as produções da Itália estavam deixando de atrair público aos cinemas de lá, fenômeno já visto no Brasil. Foi preciso então algo novo, um filme que fizesse sucesso ao ponto de virar referência. Antes de iniciar suas magnum opus tempo afora, Sergio Leone dirigiu e concebeu outros filmes, sem a metade do prestígio do que viria depois em sua prolífica carreira na almejada cadeira da direção. Falando mais um pouco de história, a origem dos western spaghetti (filmes que mostravam o velho-oeste de um jeito mais verdadeiro do que o jeito americano) foi meramente política, como uma subjetiva estratégica política em 1937. Mesmo assim, tudo se solidificou, se imortalizou, se estendeu para toda a Europa e se adequou também aos padrões geográficos do velho continente: Em 1957, o deserto de Almeria, a nordeste de Madri, na Espanha, serviu de cenário para O xerife de queixo quebrado, um spaghetti britânico.

    O sentido de cenário externo deu certo, e a fronteira mexicana dos Estados Unidos serviu para gravar cenas da obra que iria se tornar parâmetro para o que iria vir, pelas mãos do maior nome do gênero: Leone, e seu Por um Punhado de Dólares. Este não foi o primeiro faroeste italiano, mas foi o primeiro a conseguir grande sucesso. Não é para menos… Mesmo sendo o mais fraco da Trilogia dos dólares, você com certeza já viu essa cena narrada a seguir: Homem estranho e sem personalidade clara chega em um lugar, e vira o lugar de ponta cabeça, involuntariamente ou não. É difícil imaginar outra pessoa que encarnaria tão bem esse papel quanto Clint Eastwood, na época totalmente desconhecido do grande público que hoje em dia o reverencia por inúmeras razões. Aqui, Clint vive o caçador de recompensas Joe, pistoleiro nem de todo mal, nem de todo bom que, solto no mundo com sua mula, sua pistola e seu inseparável cigarro, decide tirar proveito monetário de uma guerra entre duas gangues, em uma pequena cidade no meio de lugar nenhum.

    É claro que isso rende muitas tramas e conflitos colaterais, e também é nítido um paralelo entre Por um Punhado de Dólares e Django, de outro grande diretor, Sergio Corbucci. Ambos usam como estopim um sujeito sem presente, passado ou futuro, e que se garante com sua esperteza e suas armas. Clint a partir daí virou a figura definitiva desse tipo de personagem no cinema, com seu rosto sério e suas expressões sistemáticas debaixo do velho chapéu de cowboy, e mesmo com todos os outros bons personagens coadjuvantes ao redor, fica difícil prestar atenção noutro alguém.

    A genialidade de Leone em reger o filme é óbvia para quem sabe apreciar essa verdadeira obra de arte. Apesar dos excessos típicos do mestre e ainda em processo de lapidação de uma visão artística (Personagens em demasia diminuem o impacto das mortes), algo que seria aprimorado em Por uns Dólares a Mais, e elevados à perfeição em Três Homens em Conflito, Leone junto do seu diretor de arte criaram juntos um novo conceito para direção de arte, construindo verdadeiras cidades no set de filmagem, algo realista e incomum para os filmes de 1960. É impossível não acreditar no que está se vendo na tela, tamanho realismo contínuo para que o espectador possa sentir o senso de realidade que emana das locações.

    Não apenas nos cenários, mas em figurinos, maquiagem, sons e outros aspectos técnicos, Leone também inovou, logo no primeiro exemplar da Trilogia dos Dólares, e influenciou gente do nível de Stanley Kubrick, Ridley Scott e George Lucas, em produções muito além do gênero faroeste. É claro que a genialidade e visionarismo do diretor não estão presentes somente nisso: Aqui, Leone promoveu um simples personagem coadjuvante (o homem dos caixões) como um exercício de dualidade, em meio aos estereótipos dos protagonistas e das paisagens áridas ao redor. Uma vez enxergando esses detalhes, vem a pergunta: Todas essas histórias são sobre o quê? Só por um punhado de dólares, ou existiria algo a mais, por trás?

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  • Especial | Sergio Leone

    Especial | Sergio Leone

    “Durante anos, um homem povoa um espaço com imagens, províncias, reinos, montanhas, baías, navios, ilhas, peixes, quartos, instrumentos, estrelas, cavalos e pessoas. Pouco antes de morrer, ele descobre que o paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu próprio rosto”. (Jorge Luis Borges)

    Qualquer criatura que tenha optado por estudar e decupar a obra de um cineasta feito Sergio Leone pode ter encontrado limites e desafios intrínsecos ao seu discurso apodítico, empregando elogios ou algum tipo de censura estilística sobre algum expoente de uma carreira invejável. Isso porque falar de Cinema, tido aqui pela visão específica que o italiano tinha de sua arte nos anos de 1950, é encontrar limites no poder da dialética que tenta conjurar sentidos extravisuais e literais para com um compêndio de imagens e sonoridades que conservam diálogos próprios, exclamando por si só. Um trabalho de análise ingrato como de praxe, inclusive sendo franco ao leitor-espectador aqui presente, mas que sempre faz justiça ao longo dos anos às noções e viés de um gênio da linguagem cinemática que revolucionou e aperfeiçoou a roda propulsora não somente do gênero de faroeste, deixemos isso claro desde o começo, mas do Cinema, assim como tantos outros mestres de sua geração que surgem para esgazear o normal.

    O Vortex Cultural, assim, baseando-se nas obras atemporais reunidas logo a seguir, em suas reflexões construtivas, espera traçar aqui um ponto de referência, convidando a todos que ainda não conhecem, ou ainda teimam a não reconhecer a importância vital e estrutural de Leone às resoluções artísticas do século passado e contemporâneo para que o façam. Para que se sintam convidados(as) a experimentar a linguagem histriônica e deliciosamente inconfundível de um tremendo arquiteto de imagens em movimento, e que na sua maestria, não deveu ou deve nada a outros titãs visionários, tais como Sam Peckinpah, Sergio Corbucci e/ou Damiano Damiani, cujas biografias devem ser merecidamente tratadas com respeito similar. Eis aqui, a partir do marco Por Um Punhado de Dólares, as dimensões Leônicas da forma de expressão moderna que lhe serviu de ninho para poder germinar a sua típica visão carismática dos conflitos que nutrem a experiência humana, do ser. Estamos pousando neste ninho de bravatas.

    Em 1964, Leone achou com Por Um Punhado de Dólares o crepúsculo de sua voz, ainda trôpega em busca de uma base sólida de expressão. Ao narrar a primeira grande aventura do marrento Clint Eastwood, indissociável ao papel que representa, um homem fora da linha de eventos temporais que regem a humanidade, e posto a vagar sem rumo em lugar algum, a iconicidade de sua postura e dos eventos que se desenrolam a partir de sua presença. Saem de cena os cowboys de sempre para entrar pistoleiros barra pesada, sem um pingo daquela moralidade dos heróis de John Wayne, Henry Fonda ou James Stewart.

    Apesar de aos 18 anos ter largado a faculdade, e ter ido trabalhar com cinema com Vittorio de Sica, a sensação de ser um outsider no meio era presente. Inspirado pelo filme japonês Yojimbo, de Akira Kurosawa, de cavalo, arma em punho e mais nada, o tempo nos mostrou como as aventuras do homem sem nome refletia a verdadeira condição de Leone enquanto principiante, intruso num cenário ainda desprovido dos efeitos de sua ambição. Leone ainda tinha alcunha de reles artesão de personagens com um universo por tecer e desdobrar, mas após esse debute tímido já nos presenteando com a parceria do maestro Ennio Morricone, seu estilo ainda em formação já começara a ser interessante a críticos e espectadores dos mais entusiastas.

    Um ano depois, todos já tinham percebido que, de Leone, não iria vir submissão ou rendição ao classicismo de um Matar ou Morrer, de Fred Zinnemann. A trilogia dos dólares, hoje tida como uma das melhores da história, já tomava corpo e identidade postulada na figura de Eastwood e seus coadjuvantes. O cenário em Por Uns Dólares a Mais era habitual, espécie de purgatório onde aquelas almas pareciam coexistir sem compaixão ou remorso diante dos seus atos escabreados e espontâneos. No limiar de um universo imprevisível de caçadores de recompensa, enquanto personas do calibre de um Lee Van Cleef estão mais preocupados com seus quinhões sujos de sangue, Leone discursa afinal sobre quanto vale o destino de quem vive para a cobiça, para puxar o tapete do outro numa selva sem regras, e ainda sem um amanhã, sequer.

    Num esperto diálogo sobre pistoleiros em ação, o que os motiva num mundo ultra masculinizado, o verdadeiro discurso situa-se nas chagas de um nada existencial, insuflado por elementos criativos como close-ups e efeitos sonoros icônicos para ganhar riqueza de significados e brilhantismo, na tela. Por Um Punhado de Dólares é a primeira obra Leônica onde se denota o ótimo domínio de fluxo narrativo por parte do mestre, contudo ainda em lapidação entre uma divertida sequência, e outra das mais trágicas possíveis. Tudo antes de 1966, quando Leone já era encarado pela grande indústria com um respeito que já o permitia fazer filmes maiores.

    Um exemplo de genialidade precoce: Promover um simples personagem coadjuvante (o homem dos caixões) como um exercício de dualidade, em meio aos estereótipos dos protagonistas e das paisagens no filme de 64. Dois anos depois, o tamanho da evolução se faz presente em infindáveis momentos de Três Homens em Conflito, talvez o filme mais famoso e simbólico de Leone, em especial na sequência do triplo duelo final. Puro Cinema, numa cena que só poderia se dar do jeito memorável que se imortalizou através de um poderoso esquema audiovisual. Sobretudo seria este o primeiro filme Leônico que melhor evidencia e elucida o método particular do diretor.

    Um método que emula seus mitos em prol de um equilíbrio entre o lado do chiste e o lado mais dramático do sistema capitalista que se fez sinônimo enraizado nas fundações da América. Também por isso, suas obras sem exceção casam perfeitamente bem com o solo americano que estão, pois foram feitas sob a égide do capitalismo do Tio Sam, um sistema econômico onde inclusão e exclusão social são lados inevitáveis da moeda. É a corrida do ouro por essa moeda que contamina tudo, e é nessa corrida aonde os aspectos de um belo, de um feio e de um mocinho se mesclam que Leone configura seu filme mais célebre, sórdido e barroco, tendo chegado talvez aonde queria para lançar voos mais altos, mais especificamente, em 1968.

    O ano em que Kubrick rasgou nosso manto celeste, e foi ao espaço. Quando duas garotas românticas assolavam o cinema francês, Rosemary tinha um bebê, e Cassavetes fazia examinar suas faces fantasmagóricas sem puder algum. Foi justamente neste ano que Leone escolheu revisitar os seus mitos, já sem a responsabilidade de uma trilogia, e os elevando ao expoente máximo numa ópera monumental de cavalos, suspense, revólveres e lágrimas de alegria e pesar que, por quase 3 horas, extravasa a tela e nos arrebata devastadoramente. Chegamos ao ponto deste dossiê em que palavras não carregam muito poder, mais, apelando contudo as do próprio Leone: “O ritmo do filme pretendeu criar a sensação dos últimos suspiros que uma pessoa exala antes de morrer. Ele é, do começo ao fim, uma dança da morte. Todos os personagens do filme, exceto Claudia (Cardinale), têm consciência de que não chegarão vivos ao final”. Depois de 1968, depois de Era Uma Vez no Oeste, sem dúvida um dos grandes filmes já feitos, em solo norte-americano ou não, o cinema não seria o mesmo.

    Depois de quatro filmes insubstituíveis na carreira de qualquer um, Leone continuou fazendo um Cinema tão materialista quanto cheio de subjetividades debaixo de suas aparências que seduzem qualquer um, em especial na sua possível magnum opus que veio antes de 1971, quando já era visto como um mestre de irrefutável presença ornamental para as produções, da época. No referido ano, ao adentrar uma década menos prolífica pra ele, o cineasta reciclou seus elementos e fez os bem menos conhecidos Quando Explode a Vingança, obra que ele queria produzir, somente, se não fosse um desentendimento com o diretor Peter Bogdanovich, e a comédia Meu Nome é Ninguém, de 1973, provavelmente seu filme mais fraco e digno de problematização quanto ao bom gosto que ronda as questão da produção, uma espécie de ode lânguida, pretensa e até mesmo nostálgica do seu próprio cineasta com seus códigos.

    Que as crias de Leone ganham afinidade total com o tema da ilegalidade que infla o gênero policial no mundo inteiro, disso ninguém duvida. Basta contemplar, indo apenas um pouco além disso, o mote que rege quem encarna suas narrativas cheias de tiros ricocheteantes, e dívidas a quitar muitas vezes com a própria vida. Os dois “Era Uma Vez” do cineasta são um capítulo à parte por objetivarem um levante e um refinamento de sua voz, constituindo-se como dois sucessores superiores a tudo que veio antes. Focando no seu título fabulesco mais voltado a urbanização dos seus elementos, é aquela tragicomédia até agora ambientada nas províncias e desertos de sol quente, recolocada entre prédios modernos e becos ainda mais traiçoeiros. Era Uma Vez na América conseguiu ser, deveras, o pináculo da formação de todos os sentidos de toda a ótica Leônica de se encarar o mundo.

    Um conto substancial e formalmente épico de um bando de pistoleiros de terno tão imorais quanto aqueles pistoleiros de poncho e cigarrinho na boca, lidando com a mesma selvageria de antes. Um diamante que rivaliza com O Poderoso Chefão nas listas de melhores do gênero. No mais, é um canto de cisne onde mais se pesa o quesito da espacialidade do cinema do velho mestre vítima de um ataque cardíaco, em 1989, e que nos deixou, cedo, aos 60 anos, uma dezena exata de joias, algumas em estado bruto, outras mais bem lapidadas, a formar seu legado infilmável por qualquer outro(a), senão pelo bilheteiro do trem que podemos ver neste seu último filme. Aliás, sua única aparição na frente das câmeras, artifícios que usou tão bem para desencadear certo sentido a sua vida; uma vida que nós do Vortex esperamos que o leitor-espectador faça jus a esse termo e averigue, pela própria concepção, os seus ideais mais fundamentais e valiosos possíveis.

    Filmografia (Diretor)

    (1961) O Colosso de Rodes
    (1964) Por Um Punhado de Dólares
    (1965) Por uns Dólares a Mais
    (1966) Três Homens em Conflito
    (1968) Era Uma Vez no Oeste
    (1971) Quando Explode a Vingança
    (1984) Era Uma Vez na América

    (Não Creditado)

    (1948) Ladrões de Bicicleta – Assistente de Diretor
    (1959) Os Últimos Dias de Pompéia – Assistente de Diretor
    (1959) Ben-Hur – Diretor de Unidade
    (1962) Sodoma e Gomorra
    – Diretor de Unidade
    (1973) Meu Nome é Ninguém
     – Diretor de Unidade
    (1975) Trinity e Seus Companheiros
     – Diretor

    Artigos

    Dossel dos Dólares – A Trilogia do Oeste

  • Especial | Clint Eastwood

    Especial | Clint Eastwood

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    Clint Eastwood iniciou sua carreira como ator em 1955 em pequenas pontas no cinema. Passou a ter maior notoriedade ao trabalhar na série para televisão Rawhide, infelizmente pouco conhecida por aqui, apesar do enorme sucesso nos EUA. Na série que ficou no ar por aproximadamente oito anos, Eastwood interpretava Rowdy Yates, uma personagem que sempre auxiliava o protagonista Gil Favor, interpretado por Eric Fleming. Ao longo da série, o ator ganhou cada vez mais importância e relevância quanto o próprio Fleming.

    Por conta do seu trabalho em Rawhide, Clint, então com mais de 30 anos, uma idade considerada um pouco tardia para quem gostaria de se tornar um astro de Hollywood, é convidado pelo cineasta italiano Sergio Leone para protagonizar o western Por um Punhado de Dólares. Descrente da indústria norte-americana e cansado da TV, o ator parte para a Itália para filmar um dos filmes que revisita e desconstrói o subgênero western e se torna um do mais importantes da história do cinema mundial.

    A partir de então, Hollywood, que o achava velho para a indústria, convida Eastwood para protagonizar diversos papéis  imortalizados na tela de cinema por sua persona. Atuar não parecia o bastante para o novo astro de Hollywood e, em 1971, Clint decide colocar suas habilidades atrás das câmeras em seu primeiro longa-metragem, Perversa Paixão. E desde então não abandonou a direção, tornando-se uma referência para o cinema norte-americano e mundial. Resgatando a aura do cinema clássico, desenvolvendo um trabalho próprio de aproximação e envolvimento na direção, fotografia e roteiro com seu público, retratou questões que envolvem a moral, violência, encontros e reencontros, além da própria vida e sua fragilidade.

    Nascido nos anos 1930, uma geração anterior à televisão, Clint vivenciou o período em que o cinema era a diversão popular e acessível para boa parte da população americana. Dessa forma quase que instintiva e informal, o diretor formou sua memória cinematográfica, diferente da geração que viria uma década depois com Martin Scorsese, Michael Cimino, Brian De Palma e Francis Ford Coppola. Enquanto esta Nova Hollywood desconstrói a velha Hollywood, Clint revisiona aquele cinema à sua maneira: simples, essencial, onde o menos é mais e com mise-en-scène quase invisível.

    Suas influências remetem a grandes legados como John Ford, Billy Wilder, Orson Welles, Howard Hawks, Sergio Leone, Don Siegel, Frank Capra e tantos outros, não só pelo modo de filmar e contar histórias, mas também de compreender o cinema como uma indústria. Dono de uma sensibilidade que se escancara em seu cinema, por vezes controversos a sua personalidade, acima de tudo, se mostra digno de artista que prega o humanismo acima de posições políticas.

    Todo esse mar de sentimentos, muitas vezes contraditórios e controversos, como nossa vida, muitas vezes amarga e doce, dura e sensível, forte e frágil, faz parte do cinema de Eastwood. Tudo isso é humano. Tudo isso é Clint Eastwood.

    Devido a essa importância, sua filmografia sempre merece ser revista e revisitada, motivo que anuncia este especial sobre o diretor. A partir desta semana publicaremos, nas quartas-feiras e domingos, uma crítica inédita sobre uma de suas produções, traçando um olhar crítico sobre este diretor que transita em diversas frontes, como a beleza desoladora de Um Mundo Perdido, dialoga com o noir na obra de recepção mista O Jardim do Bem e do Mal e em clássicos absolutos como Os Imperdoáveis e Sobre Meninos e Lobos. Um legado cinematográfico absoluto.

    Filmografia

    (Diretor)

    (1971) Perversa Paixão
    (1973) O Estranho Sem Nome

    (1973) Interlúdio de Amor
    (1976) Escalado para Morrer
    (1976) Josey Wales – O Fora da Lei
    (1977) Rota Suicida
    (1980) Bronco Billy
    (1982) Firefox: Raposa de Fogo
    (1982) Honkytonk Man: A Última Canção
    (1983) Impacto Fulminante
    (1985) O Cavaleiro Solitário
    (1986) O Destemido Senhor da Guerra
    (1988) Bird
    (1990) Coração de Caçador
    (1990) Rookie: Um Profissional do Perigo
    (1992) Os Imperdoáveis
    (1993) Um Mundo Perfeito
    (1995) As Pontes de Madison
    (1997) Poder Absoluto
    (1997) Meia-noite no Jardim do Bem e do Mal
    (1999) Crime Verdadeiro
    (2000) Cowboys do Espaço
    (2002) Dívida de Sangue
    (2003) Sobre Meninos e Lobos
    (2004) Menina de Ouro
    (2006) A Conquista da Honra
    (2006) Cartas de Iwo Jima
    (2008) A Troca
    (2008) Gran Torino
    (2009) Invictus
    (2010) Além da Vida
    (2011) J. Edgar
    (2014) Jersey Boys: Em Busca da Música
    (2014) Sniper Americano
    (2016) Sully: O Herói do Rio Hudson
    (2018) 15h17: Trem Para Paris
    (2018) A Mula

    (Ator)

    (1964) Por Um Punhado de Dólares
    (1965) Por Uns Dólares A Mais
    (1966) Três Homens Em Conflito
    (1971) Perseguidor Implacável
    (1974) Magnum 44

    (1976) Sem Medo da Morte
    (1978) Doido Para Brigar Louco Para Amar
    (1980)
    Punhos de Aço: Um Lutador de Rua
    (1988) Dirty Harry Na Lista Negra
    (2012) Curvas da Vida

    Artigo

    Dossel dos Dólares

    Podcasts

    VortCast #04 | Clint Eastwood – Parte 1
    VortCast #11 | Clint Eastwood – Parte 2
    VortCast #12 | Clint Eastwood – Parte 3

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    Atualizado até dia 20/01/2019.

  • Crítica | 15h17: Trem Para Paris

    Crítica | 15h17: Trem Para Paris

    Depois do lançamento de O Artista do Desastre os olhares cinéfilos voltaram-se para The Room, obra máxima do ator e cineasta Tommy Wiseau. O longa-metragem é encarado de forma jocosa como uma obra prima do cinema trash, por ter atuações risíveis e dignas de pena, além de um visual único, no pior sentido do termo. A historia “heroica” de Spencer Stone, Alek Skarlatos e Anthony Sadler, três americanos que impediram um ataque terrorista num trem europeu, que se dirigia a Paris também guarda semelhanças com essa perola do trash, em especial pela artificialidade das situações propostas, mesmo que essas sejam inspiradas em fatos reais.

    15h17: Trem Para Paris varia entre a entrada no vagão da locomotiva e flashbacks, que mostram o trio de protagonistas ainda crianças, em situações onde as mães dos rapazes brancos Joyce (Judy Greer) e Heidi (Jenna Fischer) são constantemente chamadas para ir ao colégio. Os rapazes são tratados como garotos-problemas, e suas famílias se recusam a receber conselhos para encaminharem os dois rapazes (Spencer e Alek) para psicólogos, a fim de diagnosticar uma possível doença, como por exemplo, déficit de atenção. Já nesse início se nota a extrema artificialidade da história contada e o drama desenvolvido.

    Beira a tortura ter que acompanhar a trajetória de fracassos do trio, em especial Spencer, personagem que aparentemente tem mais desfalques mentais entre os três. O trio de protagonistas é representado como pessoas não aptas para o ofício de honrar a bandeira americana, falhando em praticamente tudo o que tentam, seja como civis ou no processo de seleção para obterem graduações voltadas a especializações em combates.

    A escolha de Clint Eastwood por colocar os próprios sobreviventes como intérpretes de si mesmos ajuda a quebrar qualquer ar de naturalidade que um filme que se mune da realidade precisa. O roteiro de Dorothy Blyscal não é só expositivo, como possui um conjunto de diálogos terrível, se assemelhando a um Tropa de Elite ou Cidade de Deus às avessas, pois claramente possui diálogos que soam artificiais, mecânicos e bastante patéticos. Pior, para efeito de comparação, recentemente, Projeto Flórida havia trabalhado bem com não-atores ou intérpretes iniciantes povoando o elenco, Sean Baker acertou demais na condução. Isso passa longe de acontecer no filme de Eastwood, e o início faz lembrar os filmes evangélicos recentes, como Deus Não Está Morto, sua continuação Deus Não Está Morto 2 e Quarto de Oração, em especial por sua abordagem muito baseada em um discurso evangélico completamente esvaziado de significado ou senso crítico, tais quais os três filmes sofistas citados.

    O filme de apenas 94 minutos, assusta pela morosidade da história e sua dilatação para que o evento-chave finalmente aconteça, tornando 15h17: Trem Para Paris um filme extremamente enfadonho e chato. Nenhuma conversa aparenta sair da boca de pessoas reais, ainda que sejam eles os personagens reais que vivenciaram tal situação. Todas as coincidências que ocorrem no desenvolvimento soam piegas ao extrema, assim como a tentativa de imputar um heroísmo aos personagens. Em Sully: O Herói do Rio Hudson e Sniper Americano, Clint havia representado personagens que se destacavam do ordinário, e nesse, a tentativa de mostrar pessoas comuns fazendo algo extraordinário ganha ares de comédia involuntária, com um texto pueril que beira os panfletos de auto-ajuda encontrados em consultórios de psicólogos aproveitadores, e sem qualquer personagem memorável ou digno de qualquer empatia.

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  • Cinema 2006 | Uma Década Depois

    Cinema 2006 | Uma Década Depois

    Talentos ascenderam, carreiras acabaram, os prodígios tiveram seu tempo e, quem sobreviveu, viu os holofotes virar sobre febres e tendências corriqueiras, aqui, dez anos depois. Tudo mudou mesmo? A seguir, dez filmes cuja qualidade permanece inalterada, talvez até mesmo elevada após suas revisões, contudo, muito além do tempo que nos rege.

    Zodíaco, de David FincherÉ possível quase tocar na rede de suspense que vai se fechando ao longo do filme, traçada tal degradé de pintura num jeito cirúrgico só pra ser desconstruída, e revirada num ponto, e reconstruída constantemente na excelência da projeção. David Fincher realizou um dos mais icônicos filmes americanos dos anos 90, e aqui não fica pra trás.

    O Labirinto do Fauno, de Guillermo Del ToroTodo mundo queria pelo menos uma vez na vida escapar da realidade. Guillermo Del Toro, no auge de sua criatividade, nos dá essa chance com esse filme, driblando a linha tênue de quando acaba e começa tais dimensões, apelando para uma pretensão irresistível, típica e solidária à sua filmografia e indiscutivelmente própria – e linda.

    Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood

    Melhor e melhor a cada revisão, sem dúvida é um dos melhores já dirigidos pelo Clint cineasta. As cores do mundo projetadas pelo artista estimulam ainda mais a essência de uma história quiçá necessária no que tange os dois lados de uma guerra. Uma procura artística tão ambiciosa e impecável quanto lúcida em sentido.

    Volver, de Pedro AlmodóvarO filme definitivo sobre as mulheres, as divas, os arquétipos de Pedro Almodóvar projetados em suas Atenas de cenário quente e alma feminina. Nunca o cineasta encontrou um hibridismo tão forte e saudável entre história e filme, intenção e encenação, com limites inexistentes no caos das relações humanas. A linguagem de Almodóvar no ápice.

    Miami Vice, de Michael MannUma dupla história de amor invariavelmente trágica e impossível, caçada em êxito na tela por imagens digitais belíssimas que capturam e expandem nossa fascinação pelo todo; uma desculpa para o cineasta de Fogo contra Fogo retratar os absurdos, incoerências e as alienações impregnadas numa realidade, enfim, real. Dos melhores do seu ano.

    Medos Privados em Lugares Públicos, de Alain ResnaisMuitos podem dizer que é, e acusam o filme, de fato, sobre ser apelativo, mas sem a sua elevada carga emocional seria superficial, e com certeza, não seria a obra-prima sobre os fundamentos e as reflexões de uma sociedade que é. Ambicioso e singelo na medida certa, tanto se apropria do mundo para convertê-lo em drama, trama e fantasia, quanto para provocar e estender nosso fascínio pela enorme e singela abertura crítica que o filme carrega; mais um filmaço para a conta de Alan Resnais, mestre francês morto em 2014 e vivo em seu legado de proporção gigantesca.

    O Hospedeiro, de Joon-ho BongNotem que os clássicos sempre reinventam a roda e sempre de maneira diferente; aqui, um “filme de monstro” datado pelo uso do objeto de terror, jamais pelo abuso do mesmo. Estilizado, quase cult, numa história que se apropria do drama de uma família para retratar a força da instituição, da união, e da natureza enfim do próprio cinema, fadado ao combate eterno entre o realismo e o surrealismo artísticos inerentes à forma. Eis o filme mais cinematográfico de 2006.

    O Céu de Suely, de Karim AïnouzO desejo de representar a solidez de um universo brasileiro esquecido por Deus e lembrado pelo Cinema encapsula a angústia e a agressividade árida do cosmos das Suelys, dos Josés e seus cães Baleias. À quem e sobre quem é resultado de um terceiro mundo implacável, numa perícia audiovisual cuja improvisação no método da representação torna o filme poderoso. Um Brasil sem condição para escolher lado político e visto pela ótica do real que não merece ser fábula.

    Filhos da Esperança, de Alfonso CuarónNum projeto desses, o esforço de um cineasta ganancioso (no bom sentido) tal Alfonso Cuarón – ímpeto incerto até o ponto-chave que sucumbimos no universo distópico onde ninguém mais engravida – é o de conseguir extrair o caos de uma situação como essa, e convertê-lo numa nova e possível esperança. É o triunfo concretizado de um artista no domínio da essência científica de uma ficção justificada por cada imagem construída.

    Borat: O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América, de Larry CharlesA comédia da década, adiantando vícios culturais do novo milênio que, em 2006, ainda não estavam tão em voga assim. Borat é o puro suco do mamilo verde em termos do humor globalizado de hoje em dia: Explícito, polêmico, hiper-crítico consigo mesmo e sem pudores no estilo doa a quem doer, numa escala ainda mais impressionante devido ao talento descomunal dos humoristas envolvidos. High Five!

  • Crítica | Sully: O Herói do Rio Hudson

    Crítica | Sully: O Herói do Rio Hudson

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    Após um filme de qualidade bastante discutível – Sniper Americano – o veterano Clint Eastwood volta a direção de outra cinebiografia de um americano famoso, dessa vez uma figura muito mais popular e de moral indiscutível, que é o piloto de aviões Chesley “Sully” Sullenberger, o mesmo que conseguiu pousar um avião após uma pane geral causado pela entrada de aves nas turbinas e que salvou a todos os passageiros. Sully: O Herói do Rio Hudson trata de toda a paranoia do personagem título, ao ser investigado pela corregedoria e pela empresa que pagaria o seguro a companhia de aviação.

    Como foi Gran Torino com o próprio Eastwood e em A Troca com Angelina Jolie, este é um longa dedicado a performance de Tom Hanks, que passou por um intenso trabalho de pesquisa para se parecer com o autor do livro homônimo (escrito pelo próprio Sulleberger e Zack Zaslow). A dedicação do ator ao papel é impressionante, em especial por no final aparecer um depoimento com o próprio falando, sendo extremamente parecido com o jeito de agir do ator vencedor do prêmio da Academia.

    A câmera de Clint não julga mal seu protagonista. A moral do sujeito é ilibada e a sensação é a de se ver um Elliot Ness de Os Intocáveis, em uma versão mais pragmática, uma vez que o ofício de transporte não tem nada de justiceiro, como era com o fiscal da receita de Chicago. A questão mais complicada do roteiro de Todd Kormanick mora na pecha de herói, que é repetida a exaustão, uma vez que é assim que a opinião pública vê a pessoa de Sully, independente claro dos acusadores que querem culpar o sujeito a fim de não pagar as indenizações, estabelecendo portanto o nome do profissional na lama.

    A insegurança do personagem em relação aos estudos que fazem sobre si e sobre seu voo tornam o sujeito em um exemplo maior de humanidade, uma vez que ele não é isento de privações e limites, e sim passível de errar como qualquer outro homem. Essa dúvida que o cerca é um fator básico para todo o drama do filme funcionar, soando austero e discreto, driblando qualquer possibilidade de cafonice e ufanismo, seguindo na mesma esteira de outra boa biografia, Loving, de Jeff Nichols.

    Sully: O Herói do Rio Hudson não chega nem perto do brilhantismo da filmografia clássica de Eastwood, como havia sido em Os Imperdoáveis e Cartas de Iwo Jima, mas também não se exacerba em melodrama como Menina de Ouro faz. Seu drama é discreto, carrega em suspense o seu desenrolar e possui atuações de grandes coadjuvantes, como Aaron Eckhart, sendo uma ótima escada para Hanks, que tem com quem dialogar em seu desempenho dramatúrgico, mesmo que não passe perto do brilho do protagonista. As cenas de avião conseguem mostrar o quão certeira está a direção de Clint Easwtood, que fora uma ou outra repetição desnecessária de cena e conceito, consegue fazer um filme enxuto, rápido e sentimental na medida certa e sem recair em finais problemáticos e excessivamente melodramáticos.

  • Crítica | Impacto Fulminante

    Crítica | Impacto Fulminante

    Impacto Fulminante

    Sete anos depois da parte três da franquia Dirty Harry, Clint Eastwood decidiria pela primeira (e única) vez assumir a direção de um filme sobre seu personagem mais famoso, supostamente para salvar Impacto Fulminante da continuação caça-níqueis, um arquétipo que o ícone que era Callahan ajudou a construir no cenário de ação do cinema norte-americano.

    O tom de autoparódia é notado logo em seu início, quando Callahan agride verbalmente um bandido que acabou de ser absolvido pelo sistema legal, usando frases de efeito e um comportamento bastante canastrão, auge que se dá por uma veia sobressaltada na testa de Eastwood. Finalmente os métodos ultra violentos do policial são discutidos, gerando a partir daí uma atitude enérgica, de afastamento deste que é transferido de São Francisco para a Califórnia, onde deveria apenas descansar, o que evidentemente não ocorre.

    A galhofa do filme prossegue, com demonstrações de tiros de Dirty Harry com uma Magnum cujo cano se assemelha a uma vareta de tão grande, bem como o retorno de Albert Popwell em sua quarta participação na franquia, com seu quarto personagem diferente, dessa vez como o amigo do anti-herói, Horace King, um especialista em armas.

    Novamente o detetive se vê em meio a assassinatos em série, mas não ao modo comumente mostrado pelo cinema mainstream. Jennifer Spence, vivida por Sondra Locke, é uma artista que é violentada sexualmente. As lembranças do ato nefasto são traumáticas e reúnem as melhores e mais inspiradas cenas organizadas pelo diretor, que se vale de ângulos estratégicos para causar no público a mesma repulsa ao ato que a vítima sofreu.

    As pinturas da artista retratam as perturbações de uma mulher, remetendo à desconstrução do ser feminino, servindo até de esconderijo para os crimes que ela comete, assassinando cada um dos envolvidos em seu estupro, em cenas nas quais a violência caricatural serve de válvula de escape, como um “descanso” para o caos social em que o filme está inserido, justificando o tom burlesco dos opositores.

    Apesar do final apressado, que inverte os arquétipos de agressor e refém, construídos no decorrer do filme, Impacto Fulminante consegue, por muito pouco, ultrapassar a barreira de ser apenas uma sequência tardia, principalmente por possuir uma direção inspirada, que garante muitos bons momentos para um roteiro que não chega nem perto de ultrapassar a linha da mediocridade.

  • Crítica | Honkytonk Man

    Crítica | Honkytonk Man

    Honkytonk Man - poster dvd

    Em 1982, duas produções dirigidas por Clint Eastwood chegaram às telas, evidenciando um caminho duplo pelo qual o astro percorreria até o início da década de 1990: uma vertente comercial de maior apelo, caso de Firefox – Raposa de Fogo, e outra mais autoral, explorando histórias com enfoque dramático ou policial, normalmente adaptadas de boas narrativas literárias.

    Se observarmos um panorama do diretor com base na recepção contemporânea de sua carreira, com tais filmes sendo discutidos e reeditados em edições especiais e de formatos diversos, é perceptível que alguns deles permaneceram com um destaque menor do merecido, principalmente nas obras entre a década de 1980 até início dos 1990, quando Os Imperdoáveis, em 1992, foi um marco. Mesmo que algumas dessas sejam transições para grandes produções, há histórias que ainda merecem maior atenção e que demonstravam um talento nato atrás das câmeras.

    Honkytonk Man é o primeiro ponto de contato entre a música e o cinema realizado por Eastwood, temas que seriam entrelaçados futuramente em Bird e, recentemente, em Jersey Boys – Em Busca da Música. Mantendo o estilo consagrado de seus personagens, o ator interpreta o músico Red Stovall, um cantor itinerante que, após visitar a família, viaja com seu sobrinho até Nash, Tennessee para uma importante audição em uma rádio nacional. Baseado no romance de Clancy Carlile, a trama se passa na Grande Depressão americana e foi adaptada pelo próprio autor para as telas.

    Se o cowboy é uma representação de um tempo específico da história americana, o ator personifica nesta história um outro tipo característico desta cultura: o músico de country e folk que percorre circuitos alternativos cantando canções renomadas e composições próprias (o honkytonk do título se refere a um bar tipico do sul e sudoeste americano, normalmente frequentado pela classe trabalhadora). Um estilo musical cuja raiz evoca a parte rural dos Estados Unidos e resgata uma tradição de canções antigas, clássicas e folclóricas reconstruídas e modificadas por gerações anteriores. Uma personificação romântica de um homem solitário em companhia de seu violão dando vazão a uma expressão lírica sentimental, um contraponto com uma aspereza local e a vida de farto trabalho, do aspecto social que se universalizou e se transformou em estilo musical. Como um lamento, o folk/country se tornava uma representação do sentimento de parte da população americana, um instrumento de catarse diante da situação sócio-econômica desoladora.

    A dualidade entre bruto e sensível se mantém na aparência rude do músico, a composição tradicional de Eastwood, movimento para esconder a essência sensível e frágil, um tema muito versado pelo diretor em sua carreira. Vindo de uma família de trabalhadores que perde seu sustento depois de uma tempestade de areia, Stovall parece simbolizar um homem inconsequente, mas que carrega dentro de si uma doença incurável. Um aspecto trágico, coerente com o cancioneiro country sempre próximo de um lirismo romântico poético e fervoroso. Com certo nome no circuito de honkytonks, o músico compreende que sua audição em uma rádio em Tennessee é a última chance de alcançar o sucesso.

    Em companhia de um sobrinho, interpretado pelo próprio filho, Kyle Eastwood, a dupla parte em viagem para o Teneesse. Talvez seja neste aspecto o motivo pelo qual a produção não tenha ainda alcançado o mesmo destaque do que outras obras anteriores do diretor, revistas e analisada sob outra perspectiva. Representando uma época diferente da sociedade, a presença do garoto Whit pode parecer politicamente incorreta nos dias de hoje. A relação entre tio e sobrinho é composta com certa adoração por parte do garoto, enquanto o músico permanece como um padrinho que retira o jovem de seu cotidiano na fazenda, iniciando-o no mundo adulto de carros, bebidas e mulheres. Uma composição coerente com sua época e bem conduzida pelo roteiro mas que, ainda assim, pode parecer dissonante à parte do público que não compreende a representação de uma época específica.

    O roteiro também desenvolve uma sutil camada de humor em cenas específicas, demonstrando um personagem com uma leveza semelhante ao circense Bronco Billy ainda que carregada de um drama inerente. Aos que conhecem a figura de Eastwood sempre de cara fechada, é surpreendente ver o ator em cena de maneira bem humorada, sem ironia comum aos seus personagens western, compondo expressões faciais características da comédia.

    Honkytonk Man é o primeiro momento em que a sutileza narrativa atinge o equilíbrio estável e maduro, desenvolvido com qualidade em uma trajetória com boa carga dramática. Uma obra que precisa ser revisitada pela crítica e ganhar um novo alcance do público. Ao lado de O Estranho Sem Nome é a melhor produção da lavra inicial do diretor.

  • Crítica | Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal

    Crítica | Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal

    Meia Noite no Jardim do Bem e do Mal 1

    Bastante diferente da sua filmografia costumeira, Clint Eastwood se aventura ao adaptar o livro de John Berendt, cuja história mistura metalinguagem e apreço por fantasia. Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal inicia-se com o ingresso de John Kelso (John Cusack), um jovem escritor de Nova York, na pequena cidade de Savanah, onde deveria cobrir uma festa de Natal bastante abastada, com “patrocínio” de Jim Williams (Kevin Spacey), o qual visa tornar visíveis para o país inteiro as comemorações locais.

    Kelso é um homem atento, que beira o deslumbre ao observar a incomum rotina dos membros da alta sociedade residentes ali. A todo momento ele toma nota, mostrando estar atento a todos os acontecimentos, por menor ou mais tediosos que sejam os eventos que envolvem os ricos de Savanah.

    A investigação do protagonista mudaria, quando um conflito estranho ocorre em plena festa, em uma discussão envolvendo Williams e o jovem e inconsequente Billy Hanson (Jude Law), com o primeiro alvejando o segundo, em um ato supostamente de legítima defesa. Após o ocorrido, uma intricada trama de tribunal se desenrola, com os dois lados distintos se digladiando, com o importante líder da comunidade se valendo de seu prestígio para se livrar da prisão.

    Enquanto o jornalista enxerga a possibilidade de uma história interessante e além da monotonia da cidade interiorana, os argumentos dos advogados do acusado usam um discurso conservador e simplista, que revela as vias pelas quais passam o ideal do pensamento médio norte-americano.

    O filme possui um grave problema de ritmo, tendo partes excessivamente longas, especialmente na metade de sua duração, que mistura elementos diversos que pouco combinam entre si, gerando uma quantidade enorme de aspectos estranhos ao olhar do público. A atmosfera presente no roteiro de John Lee Hancock (também roteirista de Um Mundo Perfeito e Branca de Neve e O Caçador) apresenta longos períodos mornos que ajudam a fazer o espectador perder o interesse no suspense que deveria predominar na fita.

    O desfecho para os envolvidos no assassinato é misterioso e envolve uma dubiedade de caráter e abordagem que deveriam ter ocorrido no restante do filme, e que se apresentam tardiamente, atrelando um conceito de justiça divina sobre os destinos dos “culpados”. Apelando para uma ação divina não-cristã, fugindo do convencionalmente utilizado nos filmes dos Estados Unidos, ainda assim o filme é muito pouco para um produto dirigido por Clint Eastwood.

  • Crítica | Crime Verdadeiro

    Crítica | Crime Verdadeiro

    Crime Verdadeiro - poster

    Dois anos após dirigir duas produções e exercer dupla função em uma delas, Clint Eastwood retorna a sua bem-sucedida jornada dupla em mais uma trama baseada em uma narrativa policial. Ao contrário da estranheza de Meia Noite no Jardim do Bem e do Mal e do plot conspiracional de Poder Absoluto, a narrativa de Crime Verdadeiro é uma trama tradicional apoiada na tradição dos suspenses investigativos, desenvolvendo um personagem detetivesco que retoma a trilha de um caso antigo à procura de pistas não encontradas pela polícia, tentando ajudar um homem prestes a ser executado.

    Culpado por um assalto à mão armada que vitimou uma mulher e seu filho há seis anos, Frank Louis Beechum (Isaiah Washigton) aguarda sua execução enquanto observa a agonia familiar. Mesmo que a intenção da trama seja explorar a investigação do jornalista, é notável uma inferência sobre o sistema judiciário americano, lento e mal executado, principalmente quando questões raciais estão no cerne da questão. No papel do jornalista Steve Everett, Eastwood mantém um estilo comum a muitos de seus personagens: a evidente presença da velhice como parte da composição do papel, representando uma velha guarda jornalística, a qual investigava e verificava fontes além da mera publicação das notícias,

    O ator parece explicitar seu gosto de imprimir um aspecto diferencial na idade, assim este aspecto se sobressai na análise de sua obra geral gerando uma possível teoria sobre suas personagens. Porém, suas caracterizações sempre são equilibradas entre tensões positivas e negativas. Everett é um jornalista de senso apurado que mantém uma vida amorosa indiscreta. Um pai e um marido ausente que sobrepõe o trabalho e seu instinto por notícias acima dos laços familiares, denotando certa imaturidade mesmo em idade mais avançada, um contraponto que não corrompe o carisma natural.

    Se por um lado o conflito inicial é bem desenvolvido, com o jornalista colhendo pistas para descobrir uma nova linha investigativa, a conclusão não é funcional. A trama corre contra o tempo e se passa em um dia, aproximadamente. Diante deste espaço temporal limitado, as ações da personagens se tornam inverossímeis devido ao acúmulo de situações que se apresentam e a uma rápida dedução de um caso. Mesmo que a rápida conclusão demonstre a habilidade e o faro do jornalista, a intensificação do suspense dilui parte do impacto narrativo.

    Crime Verdadeiro é funcional como um thriller e coerente com a vertente mais comercial do diretor que, na época, ainda dividia-se entre projetos mais comerciais e mais autorais, um aspecto que, com o amadurecimento e uma carreira consolidada, foi modificado a favor de grandes obras.

    Compre: Crime Verdadeiro (DVD)

  • Crítica | Coração de Caçador

    Crítica | Coração de Caçador

    Coração de Caçador - capa dvd

    Começando por um comentário metalinguístico, focado em uma figura poderosa da indústria cinematográfica, mas com uma básica distância de estereótipo entre intérprete e personagem, Coração de Caçador conta a história do diretor de cinema John Wilson, que, com estilo excêntrico e esbanjador, se diferencia pelo tédio excessivo que o faz viajar para a África a fim de realizar o seu filme. Ou algo que o valha, já que tudo se torna pretexto para experiências “diferentes”.

    Wilson tem um estilo bon vivant, fazendo com que o estúdio tenha uma preocupação excessiva com seus métodos, aspecto que dificilmente se veria no cinema de Clint Eastwood, dada a sua maneira econômica de trabalhar atrás das câmeras. O processo de convencimento para realizar a produção aos chefões do estúdio, para liberar a verba necessária para as viagens ao continente, revela não só a resistência do cineasta em mudar de ideia, bem como referencia a obsessão que ocorreria ao finalmente adentrar o cenário de suas novas aventuras.

    O diretor é sempre acompanhado de seu amigo e roteirista Pete Verrill (Jeff Fahey), que se aproxima vagarosamente, perguntando sobre o projeto do filme, para logo se tornar o seu escudeiro em meio à jornada da realização cinematográfica. Quase todos os personagens no entorno do protagonista têm alguma ligação com a produção de filmes, fazendo lembrar os detalhes do ideário presente nas personagens da série televisiva Entourage, ainda que o caráter de ambas as propostas seja bem diferente.

    As atitudes da personagem mudam com o tempo, deixando-se de lado a curiosa pecha de playboy carismático, para tornar-se uma brutalização pessoal que se dá de modo gradual, retardando em alguns momentos, agindo como um adolescente em fúria, que busca qualquer motivo para encrencar-se. A prática da caça de animais selvagens torna-se cada vez mais frequente, servindo de alegoria à necessidade do homem de estabelecer contato com seu lado predatório.

    Seus desejos encontram eco nas atitudes de inúmeros diretores premiados e de outros artistas que superestimam seus talentos e seus produtos, inclusive em relação ao final, o qual menciona uma epifania – ou pseudo epifania – cujo significado ou é muito pessoal ou zerado de significado, alertando para os “mistérios” inventados na mente do artista entediado. O roteiro de Burt Kennedy, James Bridges e Peter Vierte é repleto de subtextos, mas já na sua camada superficial nota-se um paralelo com a urgência do homem em arrumar subterfúgios para dar vazão a sentimentos e sensações das mais básicas, usando a vaidade como ponto de partida de uma discussão sobre arte, vaidade e soberba.

  • Crítica | Bronco Billy

    Crítica | Bronco Billy

    Bronco Billy - Poster

    Diante da carreira desenvolvida no gênero Western, Clint Eastwood inicia a década de 80 dirigindo mais uma produção que versa sobre o mesmo tema, mas com uma ótica diferenciada. Motivo que fez de Bronco Billy um fracasso comercial devido à alta expectativa que seu nome carregou desde o início.

    A produção visa a parceria do ator com sua esposa, Sondra Locke, representando um casal atípico como em Rota Suicida. A narrativa de Bronco estabelece uma homenagem à figura do cowboy, bem representado por Eastwood em diversos filmes, recondicionando-o a realidade contemporânea. O famoso Bronco Billy é um artista dono de um circo itinerante cuja intenção é apresentar um panorama do que foi o oeste americano. Se o western por excelência observa este passado glorioso, a figura de Bronco Billy e de sua equipe vivem um passado histórico do qual nunca fizeram parte, de fato.

    A tônica da produção é suave, próxima de um filme familiar, com uma das personagens mais doces do ator. A suavidade do roteiro foge das tradicionais tramas densas e situa parte de seu argumento de maneira cômica ao apresentar uma herdeira que casa com um picareta para manter seu dinheiro. É sua fuga deste casamento arranjado que a faz entrar na trupe de Bronco Billy.

    A leveza do roteiro de Dennis Hackin não esconde a intenção de demonstrar tais personagens como homens distantes da realidade, escolhendo uma fuga para viverem em harmonia. Um aspecto que produz uma análise precoce da carreira de Eastwood, que faria futuramente grandes obras revisitando sua trajetória, como Gran Torino e estrelando Curvas da Vida, uma obra sobre envelhecimento e tradição. De maneira sutil, o cowboy é visto como um ser destoante e uma espécie de representante de um passado agora inútil. Ao mesmo tempo que deixa clara a ode ao passado, na progressão de apresentações de Bronco e sua equipe.

    Mesmo sem um enredo brilhante, a história se destaca por apresentar um Eastwood diferente do habitual, mas conectado a uma narrativa com tom familiar, evocando com alegria mais um passado do que explicitamente sua verve violenta. Mesmo que seja evidente que a obra causaria um impacto negativo de bilheteria, Bronco Billy é cativante pela simplicidade.