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  • Crítica | Fuga de Nova York (2)

    Crítica | Fuga de Nova York (2)

    Fuga de Nova York é mais um filme dirigido por John Carpenter que se um clássico instantâneo mesmo que sua premissa não desse conta dessa previsão. Sua história é bastante estranha, envolve um atentado ao presidente dos Estados Unidos, um ex-combatente militar mal-encarado e a tentativa fracassada dos Estados Unidos em tornar o país em um lugar menos violento contando com medidas drásticas e que não fazem nenhum sentido.

    A história se inicia em 1997, um futuro já velho. Desde 1988 uma onda de violência extrema obrigou as autoridades a tomarem medidas extremas, construindo um muro ao redor da costa do Brooklyn e Nova Jersey, fazendo da ilha de Manhattan uma prisão gigante, algo tão esdrúxulo e sem sentido quanto a política desse universo colapsado e pós apocalíptico, que infelizmente tem algumas semelhanças com o “novo normal” do século XXI da nossa realidade. Para resgatar o político emérito, as autoridades escolhem Snake Plissken, um mercenário e veterano de ações do governo, feito por Kurt Russell, silencioso e estiloso com seu tapa olho, uma síntese do que era a ação dos cinemas dos anos 80.

    Há um prazo curto, o comandante em chefe da nação precisa dar uma declaração em uma convenção, e o mercenário é apressado, sofrendo com a injeção de uma toxina, para deixar ele “motivado”, pois se não fizer a missão no prazo, perecerá. Apesar do senso de urgência no máximo, ainda assim a trama não se leva a sério. O roteiro de Carpenter e Nick Castle mostra um grupo terrorista/ revolucionário tentando fazer justiça sequestrando o homem da Casa Branca, no entanto, a queda não planejada do avião, além de conveniente para história, serve de pretexto para apresentar uma cidade abandonada e distante demais dos antigos tempos de glória, da época áurea da Broadway, ou de qualquer outro glamour que a cidade já teve.

    Sobram a escuridão, sombras, sujeira, esgoto e ratos, além de alguns agentes da lei, entre eles Bob Hauk (Lee Van Cleef) e Rehme (Tom Atkins), que não demoram a chamar o mercenário em troca de privilégios. A história é tão mirabolante e cretinamente pensada que é difícil não simpatizar com os personagens, portanto, perverter a suspensão de descrença não é nada complicado.

    O filme possui muitos efeitos  práticos, tomadas aéreas e uso largo de maquetes, fato que lhe garante uma aura fidedigna e realista, principalmente se considerar que essa era uma produção de baixo custo. Além disso, o caráter artesanal se vê também em sua trilha, repleta de músicas do próprio diretor (ao lado de Alan Howarth), que já havia feito isso em outros sucessos como Halloween: A Noite do Terror. O filme ainda conta com um bom número de atores carismáticos e já saudosos, como Harry Dean Stanton, Ernest Borgnine, Donald Pleasence, todos eles bastante a vontade em seus papéis, cada um com uma importância considerável, apesar da falta de compromisso do roteiro com qualquer seriedade.

    Fuga de Nova York é quase uma versão futurista e diatópica de Selvagens da Noite, NY é toda dividida em castas e gangues, não há respeito por figuras de autoridade, o desprezo pela ordem impera, tanto que eles não temem em momento nenhum fazer um político eleito de refém, além disso, o próprio político tem seus sinais de psicopatia, retribui sem receio a violência que sofreu, não há espaço para heroísmo dentro desse conto de fadas cínico e violento, e ainda bem que é assim.

  • Os Dinossauros e o Cinema – Parte 1

    Os Dinossauros e o Cinema – Parte 1

    O passado sempre fascinou a raça humana, e boa parte da arte que o homem faz remete a esse tempo que jaz inalcançável, e parte dessa obsessão explica um dos temas mais comuns no cinema de aventura, ação, e até horror, que normalmente lota salas de cinema ao redor do mundo. Desde muito antes de Steven Spielberg trabalhar em Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros e O Mundo Perdido: Jurassic Park, já haviam outras tantas obras que tratavam do tema, algumas com mais conhecimento, outras com menos.

    Obviamente, deixarei de lado a franquia japonesa Gojira/Godzilla, pois ela merece uma análise própria, e trata mais de atomic horror do que o fascínio pelas criaturas que um dia tomaram o topo da cadeia alimentar pelo planeta. O primeiro filme digno de nota é em preto e branco, mudo e de curta duração, em torno de 12 minutos, chamado Gertie: O DinossauroWinsor McCay dá luz a obra, misturando um estilo que já lhe era comum, que é a animação em cenas com atores reais, onde um grupo de homens discutem em um museu, e em determinado ponto, aparece a animação que mostra Gertie, uma animal que faz lembrar o dinossauro hoje conhecido como Brontossauro vivendo seus dias, com participações de outros seres de períodos mais antigos, ainda que não haja preocupação com pesquisa histórica, até porque este é um filme lúdico e escapista somente, uma comédia leve que visava mostrar a capacidade de McCay em animar.

    Gertie: O Dinossauro, de Winsor McCay (1914)

    Há outras obras da época do cinema mudo, em especial onde Willis H. O’Brien está envolvido como The Dinosaur and the Missing Link: A Prehistoric Tragedy que foi lançado pelos estúdio de Thomas Edison em 1917. Ele mostra um homem das cavernas tentando agradar uma fêmea, e no meio dessa tentativa, se depara com um dinossauro, que o atrapalha. É bem curto, tem um tom de comédia ainda mais acentuado que Gertie, mas a passagem pelo animal antigo é bem rápida. Ainda em 1917, Prehistoric Poultry brinca com as semelhanças entra galinhas e dinossauros, é bem curtinho e mostra uma figura muito semelhante à ave que serve de alimento ao homem agindo na época antiga, conceito esse reutilizado mais seriamente em filmes nos anos noventa. Nesse mesmo ano, também foi exibido R.F.D., 10000 B.C. mostrando um carteiro que lida com um dinossauro como meio de transporte. Em 1919 o mesmo diretor faria The Ghost of Slumber Mountain, mostra um sujeito que através de um conto descrito aos seus sobrinhos, se volta ao tempo dos dinossauros. Esse é mais extenso, ao menos a cópia disponível para visualização, mas ainda não tão primorosa. Houve um projeto chamado Creation, que seria lançado em 1931, mas foi cancelado, sobrando apenas esboços do que deveria ter sido o longa-metragem definitivo de O’Brien, mas que jamais viu a luz do dia.

    Em 1925 chegava aos cinemas um dos maiores filmes sobre o tema, O Mundo Perdido, baseado na obra de Arthur Conan Doyle, conhecido criador do detetive Sherlock Holmes. Esta obra deu origem a outras adaptações, até fora do cinema, e mais para frente nos debruçaremos sobre algumas delas. A obra original se perdeu com o tempo e depois de um intenso trabalho de resgate de oito gravações diferentes, se chegou a versão mais comumente encontrada no mercado, de 93 minutos. A visão que Doyle e o diretor Harry O. Hoyt tem da Amazônia é completamente estereotipada, e comum a sua época, visto que o mundo era um lugar pouco explorado e conhecido como se tornou nesse quase um século que separa a atualidade e o filme em questão. O livro foi lançado em 1912, e nessa versão o único lugar onde teriam essas criaturas fantásticas era um platô da bacia amazônica. Em meio ao desbravar da ilha, os pesquisadores vêem uma luta que seria (ou a menos tentaria, dadas as limitações da época) épica, entre dois animais pré históricos gigantes, sendo ao menos um deles um Alossauro, um dino que lembra bastante o Tiranossauro Rex, e que mata o seu adversário facilmente, quebrando seu pescoço e deixando ele caído, ou seja, sua predação é pura e simplesmente porque ele pode matar as outras criaturas, e não por fome. Logo depois ele ataca um triceratopes.

    O grupo que viaja para a Amazônia consegue retornar, e ainda leva um brontossauro para Londres, desfecho esse bem semelhante ao visto em King Kong, de 1933, inclusive com a fuga da criatura monstruosa, embora nesta versão não seja mostrado isso, e sim contado através de texto. No entanto, a demonstração do dinossauro nas ruas inglesas é feita de maneira expositiva, com a criatura andando pelas ruas e atacando as pessoas hostis. O modo como ela escapa é curioso, e seria catastrófico, uma vez que a ponte de Londres cai e ele é empurrado pela correnteza em uma direção desconhecida. O longa não dá um destino definido para a criatura, ao contrário, prefere se dedicar a mostrar o destino romântico dos personagens humanos, em detrimento de mostrar a recepção de Londres ao seu novo “habitante”.

    Além do já citado King KongFantasia, clássico de animação que mistura música orquestrada com curtas animados de Walt Disney também traz referências aos monstros pré-históricos, ainda em 1940. Seu segmento The Rite of Spring, baseado em uma composição de Igor Stravinsky, mostra o planeta em meio a uma galáxia imensa, tendo a formação de seus rochedos, oceanos e primeiras formas de vida, desde as microscópicas até as marinhas. As cores lembram aquarelas pintadas e esse sem dúvida é um dos momentos mais bonitos de todo o longa-metragem, inclusive quando são mostrados os dinossauros.

    Fantasia, cena do segmento “Rite of Spring”, de Bill Roberts e Paul Satterfield (1940)

    Ainda em 1940, O Despertar do Mundo era lançado, contando a história de um grupo de aventureiros entrando em uma caverna, onde um paleontólogo começa a contar uma história que supostamente aconteceu entre homens primitivos que disputavam territórios. O longa erroneamente coloca na mesma linha temporal o homem pré-histórico junto dos dinossauros. Essa versão de Hal RoachHal Roach Jr. seria revisitada anos depois, pela produtora inglesa Hammer.

    Demora a aparecer um dos répteis gigantes, e quando surge, é bastante anti-climático, já que ele se disfarça atrás de plantas que dificultam sua visualização. Mais à frente, usam-se animais para emular os bichos pré-históricos, com iguanas fazendo às vezes de animais carnívoros, bem como tatus com  chifres artificiais, fingindo ser triceratopes, e ainda, jacarés fantasiados.

    Em 1951, Sam Newfield conduziu o filme Continente Perdido, sobre um grupo de cientistas que realizam provas com foguetes na Nova Guiné, e um desses foguetes acabam sumindo durante um desses testes. Já que o item é caro, o governo envia um piloto experiente para liderar uma expedição em busca do veículo. O filme é em preto e branco e em determinado ponto passa a ter coloração verde. Os efeitos das feras antigas são feitos em stop motion e dentro de sua limitações, funcionam bem, mas ainda assim a participação dos dinossauros é pequena, se tornando meros coadjuvantes para as subtramas bobas dos humanos.

    Em 1953, baseado em um texto do escritor Ray Bradbury, The Fog Horn, foi lançado O Monstro do Mar (The Beast from 20,000 Fathoms) tem efeitos técnicos assinados por Ray Harryhausen e conta em seu elenco com Lee Van Cleef, que ficaria famosos anos depois por trabalhar em filmes como Por Uns Dólares a Mais, Três Homens em Conflito e O Homem que Matou o Facínora. O visual gélido do longa lembrar outro clássico, O Monstro do Ártico, que originou o remake de John Carpenter, O Enigma do Outro Mundo. A história mostra os clichês dos filmes de atomic horror, onde um dinossauro carnívoro gigante desperta no Ártico após testes nucleares. Percebe-se uma tendência para os filmes envolvendo os predadores antigos e gigantescos, já que novamente o destino da criatura é semelhante ao do brontossauro em O Mundo Perdido, de 1925, quanto o de King Kong, em 1933, uma vez que a criatura é levada para Manhattan para atender a demanda dos gananciosos que a encontraram, que mais se importam em ganhar dinheiro do que preservar o milagre que é um animal como esse estar vivo. Aliás, esse clichê também foi utilizado na parte dois da franquia de Spielberg, Mundo Perdido: Jurassic Park.

    O Monstro do Mar, de Eugène Lourié (1953)

    O modo encontrado para deter a fera é bastante criativo, e a cena em questão se dá em um parque de diversões, próximo de uma montanha russa, um cenário completamente inesperado para esse tipo de sequência. O final é melancólico para a criatura, e faz perguntar afinal quem seriam os verdadeiros monstros da história, e nesse ponto o filme de Eugène Lourié acerta em cheio, pois propõe discussões e questionamentos importantes. O diretor ainda voltaria ao tema com outros dois filmes: O Monstro Submarino e Gorgo.

    Pouco tempo depois, chegava as telas O Rei Dinossauro, um filme sobre exploração espacial, onde um grupo de aventureiros vão até o planeta Nova, um novo corpo celeste que chega na Via Láctea. Neste planeta, a vida é basicamente formada por animais gigantes como os dinossauros terrestres, além de algumas criaturas pré-históricas. O filme dirigido por Bert I. Gordon, que era especialista em produtos de atomic horror (A Maldição da Aranha, A Maldição do Monstro, O Incrível Homem Atômico), ainda há um suposto T-Rex que aparece, “interpretado” por uma iguana. Ainda assim, o tom é sério, mas a questão de não se definir se a iguana que está no filme é realmente uma iguana gigante ou é um T-Rex, torna tudo muito tosco, piorado quanto um monstro maior se aproxima – um crocodilo – em um embate mortal, mas que já se sabe qual será o destino ao final. O crocodilo e a iguana, quando se deparam tem o mesmo tamanho, e isso é demonstrado com dois bonecos se enrolando pelo chão arenoso, de uma maneira terrivelmente filmada.

    A Besta da Montanha é o primeiro filme em cores dessa lista, lançado em 1956, começa como um drama de faroeste, com vaqueiros americanos e mexicanos convivendo com os perigos naturais do solo do país latino. Filmado em cinemascope, o longa de Edward NassourIsmael Rodriguez tem lindas imagens e cores muito vivas. Contudo, o filme se vale demais de estereótipos, em especial quando se desenvolve os personagens mexicanos. O texto do filme é baseado na ideia de Willis H. O’Brien, especialista em efeitos especiais que havia trabalhado no primeiro O Mundo Perdido. O Alossauro que ataca o vale e come alguns dos animais é uma referência clara ao filme de O’Brien e ao romance de Doyle. O modo como ele aparece varia, no começo é mostrada uma fantasia, com os pés do monstro e depois surge em stop motions, em cores cinzas e detalhes que até então não se viam em criaturas assim. Uma pena que o roteiro não colabore com as ótimas ideias visuais do filme.

    Em No Mundo dos Monstros Pré-Históricos (Land Unknown) o diretor Virgil W. Vogel faz muito uso de gravuras e pinturas como cenário, fato que já não era regra nos idos de 1957. Suas cenas com fundo falso soam artificiais demais em comparação com produções da época. Há outro momento complicado, com um pterodáctilo voando – terrivelmente mal filmada – além de batalhas de iguanas, ainda que melhor desenvolvidas. O T-Rex aparece de repente, logo depois da batalha de lagartos e é uma pessoa em um roupa andando em meio a miniaturas, como nos tokusatsus e filmes de Godzilla. Chega a ser cômico o uso da hélice do helicóptero para afastar a criatura e se vê muitos problemas com perspectiva, com o T-Rex variando de tamanho de acordo com as cenas. O longa termina de modo emocionante, mostrando os humanos que estavam na terra isolada fugindo.

    Viagem à Pré-História (Cesta do Praveku), de 1955, traz crianças viajando a uma terra perdida. O longa de Karel Zeman tem um tom bastante lúdico, mostrando criaturas pré-históricas sem um compromisso com a realidade, mas ainda assim bem retratadas no aspecto técnico. Zeman é conhecido por ter feito belas animações, não à toa ficou conhecido como o Georges Méliès tcheco De fato, a melhor coisa do seu filme são os efeitos especiais, pois a trama em si deixa muito a desejar.

    Viagem à Pré-História, de Karel Zeman (1955)

    Dirigido  pela lenda do Cinema B, Roger Corman, Teenage Cave Man tenta resgatar elementos de O Despertar do Mundo, ainda que seja mais explícito em sua proposta. Os homens da tribo já tem uma linguagem sofisticada, a mistura de elementos que claramente não tem congruência histórica é exibido bastante cedo, com os dinossauros aparecendo com menos de cinco minutos de exibição, variando entre stop motion e animais reptilianos disfarçados. Para variar, essa é mais uma produção onde acontecem as famosas lutas entre crocodilos e iguanas rolando pela areia, que se tornou clássica e reaproveitada entre os filmes desse subgênero. De curioso, há o protagonismo de Robert Vaughn, astro de filmes trash, entre eles, O Despertar dos Mortos, do pai dos filmes de zumbi George A. Romero.

    Um dos romances mais famosos de ficção cientifica moderna, é Viagem ao Centro da Terra, não à toa tiveram dezenas de adaptações do livro de Jules Verne. A primeira dela é um curta antigo, de 1910, bastante difícil de achar por conta das raras cópias que existem dele. A mais notória adaptação aconteceu em 1959, uma produção grande, filmada em cinemascope e em cores, dirigida por Henry Levin. Os efeitos e cenários são um pouco caricatos se vistos hoje, mas cumpriam bem o papel de tentar alinhar a obra de Verne à época em que passavam, sem falar que os jogos de luzes do diretor de fotografia disfarçam as limitações técnicas da época em boa parte do filme. Já os dinossauros, em sua primeira aparição são lagartos disfarçados, com efeitos ligeiramente superiores ao das produções anteriores, mas claramente as figuras deles eram coadjuvantes diante da trama que tentava traduzir o livro de Verne para as telas.

    Em 1959, foi a vez também de exibir O Monstro Submarino, traz Behemoth, figura essa existente nos livros da Bíblia, mais especificamente em Jó. No livro, Behemoth é uma figura monstruosa, que para muitos estudiosos é mais aproximada de um bovino com três chifres, para outros um hipopótamo e há quem o compare com um dinossauro. No filme de Lourié, mais uma vez o antagonismo é por conta de uma criatura que sofreu interferência da ação humana, através da energia nuclear. Esse é o terceiro filme do diretor que traz “dinossauros”, e talvez seja o que temor apelo, ainda assim a forma como a criatura é desenvolvida é muito inventiva, apesar de não ser tão bem feita.

    Leia: Parte 2 | Parte 3.

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  • Crítica | Três Homens em Conflito

    Crítica | Três Homens em Conflito

    Inúmeros fatores atemporais tornam uma grande obra, na melhor obra da carreira de um grande e marcante artista. No caso de Oscar Niemeyer, por exemplo, o sinônimo de arquitetura moderna do Brasil e laureado, em 1988, por um Pritzker, considerado o Nobel da arquitetura, a construção dos edifícios governamentais de Brasília ainda são consideradas sua obra máxima, devido à importância para com o contexto político brasileiro; já no caso de Leonardo da Vinci, os mistérios envolvendo absolutamente tudo em torno da sua Monalisa a consagram como a magnum opus inigualável do pintor, façanha intocável feito as sinfonias de Ludwig van Beethoven, os livros de Machado de Assis, as peças de William Shakespeare, e assim por diante.

    Contudo, adentrando finalmente nos assuntos que nos interessam, e na sétima-arte que os abriga e os ilumina ao longo das décadas que vieram, e dos séculos por vir, poucos(as) cineastas podem se dar ao luxo de terem um currículo invejável a ponto de ser um desafio crítico a escolha de seu principal triunfo. Vejamos alguns, saltando na memória: Charles Chaplin, Kenji Mizoguchi, John Ford, Stanley Kubrick, Jean Renoir, Alfred Hitchcock… e nosso amigo, Sergio Leone.

    Muito se discute de qual seria sua pérola suprema, e para qual são discutidos (eternamente) os mesmos fatores de sempre: Estilo, história, sofisticação, etc. Na verdade, cinéfilos se dividem entre três exemplares do seu mais do que rico portfólio: Era Uma Vez no Oeste, Era Uma Vez na América e Três Homens em Conflito. Seria então este último, por ser o mais famoso dos três, o pináculo da visão Leônica de Cinema, já que apresenta bem mais reconhecimento popular do que os outros, já citados?

    Há de se admitir aqui o início do projeto de mistificação moderna do faroeste, a partir de agora completamente livre das regras do passado. Um projeto ambicioso e extremamente presente na última história de Clint Eastwood como o homem sem nome. Depois de Três Homens em Conflito e Era Uma Vez no Oeste, a cartilha formal e quadrada de John Ford e Howard Hawks seria seguida apenas pelos cineastas mais tradicionais, que não se deixavam seduzir pelas experimentações cada vez mais bem-sucedidas de Leone, Sergio Corbucci e companhia Após a trilogia dos dólares, novas e divertidas possibilidades estilísticas surgiram junto e oriundas desse marco triplo do bang-bang, e, novamente, muito além do gênero que emula como pouquíssimos filmes se atreveram a conseguir.

    No comando de um tour de force inesquecível (e atrevido), nas três horas de uma projeção incansável, Leone não teria mais nada a provar depois de 1966 – senão sua falta de ousadia em projetos futuros. Afinal, é inconcebível drenar do histórico cinemático de cada um de nós as lembranças de cenas como o mítico duelo entre os três principais pistoleiros em um cemitério (o bom, o mal e o feio), tudo por causa dos malditos dólares de sempre, é óbvio (honra e paraíso são conceitos tardios demais para aquelas almas do deserto que parecem ter sido extraídas dali mesmo, sujas e cansadas de viver, mas ainda inimigas da morte; arquétipos desenterrados pela câmera e a montagem soberba do seu criador).

    Fato é que há pouco a se falar sobre este filme que ainda não foi elucubrado, justamente por ser uma das grandes referências de Cinema com C maiúsculo para muita gente. Mas há sempre algo de novo para descobrir ao assisti-lo – e se o “novo” for difícil de teorizar, de colocar em palavras ou até mesmo de se refletir sobre, é essa novidade percebida que não poderia ser mais nobre e ambicionada por parte de nós, meros espectadores. É logo abaixo do encanto dessa síndrome de Deus que todo cineasta carrega, logo abaixo também dessa apoteose de elementos próprios tão irônicos e apaixonantes, que o mundo de Leone se espalha sem medo no tempo e nos nossos corações, não podendo ser mais preciso nos seus efeitos sobre tudo aquilo que convém as intenções de um artista tão completo, quanto Leone nos é, hoje e sempre.

    Dono das suas histórias, da sua assinatura, independente até o fim, e fiel à sua realidade aonde, através das aventuras de suas personagens deliciosamente amorais, banhadas pelas trilhas de Ennio Morricone e um sol desértico tão acachapante quanto, talvez seja na exploração dela em Três Homens em Conflito que se explica, no caso de Leone, o que faz este filme ser, talvez, sua chegada tão sonhada ao Eldorado: O poder da direção no Cinema, tão explícito e forte como se manifesta aqui. Em cada frame, em cada uma das sequências clássicas.

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  • Crítica | Por Uns Dólares a Mais

    Crítica | Por Uns Dólares a Mais

    Por Uns Dólares a Mais foi Sergio Leone mostrando um pouco mais de sua ambição, e os fundamentos justificáveis a tanto. Ainda sob o pretexto dos homens sem passado, e muito provavelmente tidos como sem futuro, sendo arquétipos de uma masculinidade agressiva em uma terra sem-dono e sem-lei, a história agora gira em torno de dois homens, dois caçadores de recompensa e seus cavalos cujo alvo é um dos grandes vilões do faroeste, o cruel e implacável Índio. Aliás, Leone arriscou ter um assumido vilão numa filmografia de estereótipos constantemente superados por personagens nem bons, nem maus, apenas sobreviventes de uma realidade árida em todos os sentidos.

    Por ser o filme do meio da famosa trilogia dos dólares, reverenciada por tantos cineastas e outros entusiastas críticos mundo afora, o filme de 1965 tinha a responsabilidade de expandir e solidificar da melhor forma possível aquele mundo de bang bang, já tão Leônico, com assinaturas reconhecíveis do mestre (elementos de set, diálogos, paleta de cores, efeitos sonoros, trilha sonora de Ennio Morricone, até mesmo ângulos de câmera típicos do mestre, como hiper closes e zoom chicote), aqui mais bem desenvolvidas que no primeiro exercício cinematográfico de antes. Pois, se Por um Punhado de Dólares ainda detinha uma aparência e uma vibe ainda experimentais não apenas em sua estética inconfundível, mas na sua premissa e construção de mundo, sua continuação é mais divertida, mais bem resolvida em si, e produzida com primor e consciência superiores por parte de Leone do material riquíssimo que tinha em mãos, tratado com exímia classe na ação.

    Uma ação que nos arrebata a cada sequência. De um trabalho para o outro, com apenas um ano de maturidade artística separando-os, o filme ainda carrega consigo a responsabilidade de entreter e provocar reflexão a partir de sua potência estilística, ou seja de sua carga estética e imagética, mas com uma sofisticação notável e cada vez mais forte na abordagem dos temas que movem a trama. O fato torna-se absolutamente claro numa ótima sequência, motivada por grana e por orgulho, onde o pistoleiro Blonde (Clint Eastwood) mostra-se mais rápido que o fantástico ator Lee Van Cleef atirando no seu chapéu, mas é Cleef que mostra-se mais preciso fazendo o chapéu de cowboy do outro virar uma peneira de pano. A forma como o breve e hilário duelo de habilidades é filmada é formidável, usando sem abusar de um domínio elegante na mise em-scène que Leone ainda não havia demonstrado em outros pequenos grandes momentos da sua carreira.

    A aposta no poder do visual, puramente falando, é acentuada aqui e nos torna refém do bom gosto talhado em tela. Noutra sequência que deve ter destaque sobre o assunto do apuramento visual presente no decorrer da fita, também se baseando na ausência de diálogos, menos famosa mas tão icônica quanto a outra, Blonde chega numa vila e demonstra sua precisão no gatilho ajudando um garoto a pegar frutos de uma árvore ao atirar neles, e derrubando-os. Nisso, atrás dele, o personagem de Cleef também resolve demonstrar ser um oponente (ou amigo) a altura do primeiro, e derruba alguns limões da mesma árvore frondosa. Eles se olham, e um percebe do que o outro é capaz, algo imprescindível para as situações de conflito e competitividade que melhor retratam a trilogia, em questão (ela merece o nome que tem). Uma das inúmeras piadas visuais do filme.

    Aqui, Leone ainda não se levava tão a sério como se levaria, adiante, talvez por ainda não ostentar a alcunha de mestre que viria a ganhar, logo em seguida, mas já estavam no seu campo grande elenco jogando com seus elementos dispostos para a construção formal de seus clássicos (o ator Gian Maria Volonté dá um show, encarnando de verdade a personalidade sádica do detestável Índio, talvez o mais marcante personagem da trilogia). Na época, é incrível pensar como Por uns Dólares a Mais foi considerado apenas mais um western spaghetti (sub-gênero que ajudou a emblemar) com a cara de seu criador, e se hoje consta na lista de inúmeros cinéfilos como um dos melhores, ou um dos mais divertidos exemplares já estabelecidos na história da arte que o abraça do seu gênero, é porque o tempo basta por ser justo, e recompensa com a lembrança de bom grado da existência então ignorada de joias como essa que podemos ter a sorte e o prazer de rever, e rever, sempre.

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  • Dossel dos Dólares – A Trilogia do Oeste

    Dossel dos Dólares – A Trilogia do Oeste

    O Star Wars no Oeste, antes de ser no espaço. Pensaram que onde não existe som – mas, nos filmes de George Lucas, o que não existe é a física – seriam mais bacanas duelos de rifle com sabres de luz, espaçonaves ao invés de cavalos etc. Pode ser, pode não ser, mas se de fato há discordância da qualidade da interminável série da família Skywalker, o mesmo não se remete aos clássicos indiscutíveis de Sergio Leone, seminais em sua proposta mas não em realização: os filmes são deliciosamente exagerados na abordagem das histórias, sendo que esse “excesso de Cinema” tornou imortal a trilogia justamente pela precisão na aplicação de intenções artísticas que Leone empregava, na fartura de linguagens em um mesmo filme, tal qual Akira Kurosawa ou Sam Peckinpah posteriormente, cada um com a sua manha. Além do gênero e sub-gênero spaghetti, exagero mesmo é não encaixar a quinquagenária Trilogia dos Dólares (em 2014, o primeiro filme completou 50 anos) entre as maiores trilogias, junto à Trilogia de Apu, do indiano Satyajit Ray, ou de Michelangelo Antonioni, a da Incompatibilidade. Leone vai além do diretor favorito de gente como Quentin Tarantino, foi um dos mestres que, com poucos filmes, feito Stanley Kubrick ou Hiroshi Teshigahara, se tornou uma lenda e elevou o Cinema ao respeito do mundo.

    Por Um Punhado de Dólares

    Em cada bala, e não são poucas, se justifica a relevância da metáfora na figura de um abutre, vulgo feitor de caixões. A clássica frase: “Erro meu, quatro caixões” se encaixa e é a essência do manifesto italiano a um cinema de hipóteses e incertezas contra qualquer permanência de clichês anteriores na filmografia do país. Leone se preocupa só em criar a mitologia primária da trilogia, a ética de um microcosmo empoeirado onde a moral é matar ou morrer ou servir, no máximo. Cada figura, e isso se aplica aos dois outros filmes, arrasta suas esporas num fio de navalha que ajudam a tecer e tornar cada vez mais mortal em seus conflitos de interesses, divertidos, unilaterais, havendo nestas questões planos óbvios para próximos filmes, que naturalmente iriam superar este primeiro exemplar, humilde síntese ao cunho de Sérgio Leone. Por Um Punhado de Dólares é o berço de gigantes como Sergio Corbucci, Enzo G. Castellari e Fernando Di Leo, ases da terra da Sicília que não escondem em obra alguma referências à excelência da história de gringo, cowboy sem nome, passado e, graças à sábia incerteza que o filme se apropria durante a projeção, futuro.

    Por Uns Dólares a Mais

    A morte, entretanto, é um excesso de certeza – lê-se isso nos olhos de Lee Van Cleef. A cena de Clint Eastwood e Cleef atirando em seus chapéus, dois raios no gatilho, para provar suas miras é emblemática: um sobrevivente avisando ao outro para não traí-lo em sua parceria desconfiada, só pra chegarem mais rápido na recompensa de ambos, no violento Índio, vilão sem limites cujo desejo repousa no banco de El Paso, e que o grande ator Gian Maria Volonté tratou de tornar inesquecível. Agora, o vilão e o parceiro de Gringo ganham pretérito e propósito para distinguir suas condutas em sentido imediato perante Gringo, caçador de recompensas que a morte parece não querer cruzar seu caminho. Num trote infinito de causas e consequências, um mural de esporas e verdadeiros centauros consagra um gênero como Cinema quente e abafado de primeira qualidade. Leone agora é mais dono de si, dono de suas marcas registradas. Por Uns Dólares a Mais carrega consigo uma propriedade mais refinada para representar sozinho, se for preciso, o trio que faz parte, lapida o que deu errado antes e o que dará certo mais tarde, e concede honra ao fazê-lo.

    Três Homens Em Conflito

    É o ponto máximo, é o épico que toda trilogia com começo, meio e fim tenta ter, mas poucas conseguem – todos sabemos bem disso. Leone não só atingiu a veia suprema na exploração de temas e recursos de sua trilogia, como maximizou seu legado sem precedentes em Era Uma Vez no Oeste, de 1968, um colosso incorruptível diante dos arquétipos da mise en-scène contemporânea. Il Buono, il Brutto, il Cattivo (porque no idioma original é sempre melhor) é tudo que o cinema permite, é um abuso positivo das quatro extremidades de uma tela de cinema em prol de uma história longa, 161 minutos cabíveis ao sentido de epicidade que Leone não abriu mão de conjurar. É difícil imaginar outros atores melhores: Eastwood, Van Leef e o extraordinário Eli Wallach – recém falecido, o eterno Tuco – são o ménage à trois, o real cenário pulsante e vivo de uma teia de fetiches ordinários, descompromissados, contudo cercados numa abordagem cirúrgica aos rumos que um dos maiores expoentes do western mundial ao longo dos anos tomou, aos poucos, sem pressa, até um clímax/aula de edição cinematográfica muito além do deserto de Almería, no nordeste de Madri (Espanha), que serviu de cenário a Por um Punhado de Dóles, e antes a O Xerife de Queixo Quebrado (1958), um spaghetti western britânico.

    Três Homens em Conflito é um marco histórico a ser celebrado ao mostrar (e definir, para muitos) o Velho Oeste de forma mais realista que John Ford ou Howard Hawks mostraram, para efeito de comparação, é claro. No encerramento da trilogia, Leone deixa a ambição subir à cabeça mas sabe como a usar em benefício próprio; chave difícil de se encontrar. O filme persegue suas personas, seus protagonistas, em três histórias que não evitam de se chocar de uma forma para a qual, hoje em dia, quase não se abre exceção. E sobretudo, se num mundo onde um homem vale o quanto mata e a mulher o quanto vê e silencia, muito da experiência irresistível se deve à alegoria sonora, a inconfundível música composta por um dos maestros seminais da trilha sonora fílmica, o veterano que em 2012 fez ingresso aos domínios de Quentin Tarantino – e desaprovou – com Django Livre, uma homenagem aos moldes de um tarado por Leone.

    Ennio Morricone, de timbres seletos e cada vez mais diversos no uso de instrumentos inusitados, tão inusitados quanto o espírito irreverente que se sente na tela, cria um bálsamo sonoro presente em 90 porcento do tempo, com aperitivos presentes neste artigo. Sua melodia, sensibilidade à flor da pele, embala e aprofunda um universo ao constituir aspectos subjetivos que nenhum diálogo e nem ação poderiam alcançar senão com a música. A digressão dos momentos não teriam a mesma emoção sem a fórmula sensorial desenvolvida por poucas e tão eficientes intervenções musicais. Morricone cria sublimes concertos e faz a poeira testemunhada ter gosto e cheiro, maturidade que num cenário merece tamanha identidade acústica. Numa trilogia que faz permanecer sua qualidade técnica até o fim como forma de personalidade linear, a música só é cortada pelos tiros que falam mais alto que qualquer coisa, afinal, señor, isso ainda é um bang bang. †

  • Crítica | Fuga de Nova York

    Crítica | Fuga de Nova York

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    Fuga Para Nova York é um dos melhores filmes de John Carpenter e sempre lembrado na lista de grandes produções da década de oitenta. Misturando ação com ficção científica, a trama situa-se em 1998, em um futuro em que a ilha de Manhattan tornou-se uma gigantesca prisão que o governo monitora pelo exterior. Devido a um atentado contra o avião do presidente dos Estados Unidos, o veículo faz pouso forçado dentro da prisão e precisa ser resgatado a todo custo. Snake Plisken, um famoso bandido local, é obrigado a realizar o salvamento.

    Kurt Russell já havia trabalhado com Carpenter anteriormente e realizam mais uma parceria bem sucedida. A criação do anti herói de poucas palavras tornou-se icônica pela cara mal encarada e o tapa olho característico. Mesmo silencioso a maior parte do tempo, é um personagem com presença cênica e  carrega em si a simbologia de um nome feito nas ruas, a partir da tatuagem de cobra que tem na barriga, garantido seu perfil brucutu. O típico anti-herói que não se transforma durante a jornada. Mesmo tendo estrelado apenas dois filmes, foi marcante o suficiente para sempre estar na memória de cinéfilos e de listas sobre heróis de ação.

    Ao assistir está produção antiga, nota-se as sequências de ação bem diferentes das vistas hoje. Ainda não havia apreço por cenas de lutas coreografadas como balé, nem utilização de cortes rápidos. A produção tem somente um conciso polo de ação – o resgate do presidente – e nesta situação que se desenvolve pequenos conflitos e embates que surgem no caminho desta missão.

    A ambientação de Nova York suja e desolada, como uma prisão-esgoto para os bandidos, é bem retratada e demonstra o talento que John Carpenter possui para produzir boas histórias no universo da ficção científica (recuso-me a utilizar a expressão futuro distópico, tão em voga no momento). Embora ainda vivo, parece aposentado. Seu último filme, Fantasmas de Marte, foi lançado em 2001 e foi um fracasso retumbante de público. Fazendo jus a um filme bobo que aproveitou o hype da exploração de nosso planeta vizinho para uma história de antiga civilização que assombra a população terrestre do local.