Tag: Walt Disney

  • Resenha | Os Anos de Ouro de Mickey: 1931-1932 – Mickey no Circo e Outras Histórias

    Resenha | Os Anos de Ouro de Mickey: 1931-1932 – Mickey no Circo e Outras Histórias

    Como é possível um rato, um ser repugnante do esgoto, servir de inspiração para um personagem que deve ser um sucesso entre todas as pessoas? Tornando-o mais que divertido, amigável, icônico em sua aparência e nas amizades e desavenças que encontra pelo caminho, Walt Disney e Ub Iwerks não apenas deram-lhe a alcunha de símbolo pop universal, como principalmente fizeram do curioso e destemido Mickey Mouse a síntese substancial de tudo e todos que viriam após a sua criação, ainda na aurora dos antigos estúdios Disney. O namorado de Minnie já passou pelas mãos dos mais diversos e talentosos desenhistas da casa de Branca de Neve e Dumbo, mas nunca lhe foi permitido perder sua essência primordial – no início, Mickey muitas vezes foi apresentado como um artista, literalmente fazendo as pessoas felizes enquanto escapava ou se metia em mil encrencas.

    A jovialidade aqui presente é latente, e todas essas características muito bem asseguradas desde o começo por sua dupla criadora fazem deste personagem inconfundível um clássico que sempre uniu gregos e troianos para participar de suas façanhas, e irresistível estripulias. Porém, algo precisava ser feito para ajudar um artista solitário. Estamos falando de Floyd Gottfredson, cartunista de grande aptidão que substituiu no começo de 1930 Ub Iwerks, este indo embora com seus próprios projetos. Gottfredson se viu sozinho para comandar um ícone cada vez mais amado pelo público, e uma vez que “ostra feliz não produz pérolas”, a óbvia pressão impulsionou a criatividade de um dos principais colaboradores de Mickey a expandir as possibilidades. A responsabilidade era enorme, mas se distanciar do que já tinha sido estabelecido estava fora de questão. A missão, portanto, era abraçar um passado recente, e abrir novas portas para novas ideias.

    Assim, Gottfredson não apenas continuou com as qualidades originais do ratinho espoleta, como deu-lhe um ar mais detetivesco nas histórias de perseguição e crime (lembre-se que estamos aqui nos tempos da Grande crise econômica americana, dos anos 1920/30), e concedeu-lhe também seus populares companheiros de aventura para ressaltar os pontos mais forte de Mickey, com muito humor e irreverência típicos de uma época mais simples, doce e ingênua do entretenimento. Ao imprimir elementos reais em histórias fantásticas, Gottfredson se mostrou absolutamente habilidoso nas divertidas metáforas que produziu, sugerindo o charlatanismo, a malandragem e o altruísmo de um povo largado a própria sorte – ou azar. Percebemos isso claramente em duas brilhantes e longas histórias reunidas, entre outras, neste segundo volume dos Anos de Ouro de Mickey, publicado no Brasil pela editora Abril, em um trabalho gráfico de esplendorosa excelência.

    Em “Mickey e os Ciganos”, na qual Minnie viajando com seu namorado e amigos é sequestrada por ladrões atrapalhados, podemos sentir o forte sentimento de impunidade que nasce dessa situação, refletindo (in)diretamente o espírito da época. Também retratando as dificuldades socioeconômicas do seu tempo, “Mickey e O Grande Roubo do Orfanato” talvez seja uma das melhores histórias já criadas para o personagem. Nela, ao saber da miséria de uma instituição que acolhe jovens desamparados, o ratinho e seu amigo Horácio armam uma peça de teatro para angariar fundos ao orfanato, mas quando todo o dinheiro é roubado, a polícia acha que os dois são os principais culpados. Agindo então como detetive em um contexto tanto urbano, quanto rural, Mickey começou nos anos de 1931/32 a ser agraciado com histórias levemente mais complexas e até mesmo mais ousadas que as aventuras de seus primeiros anos de publicação, em tiras semanais ou em desenhos animados.

    Com vários arquétipos ainda presentes em certos momentos desses Anos de Ouro, como a representação estereotipada de negros e mulheres, por exemplos, os estúdios Disney já se mostravam hábeis o bastante para evoluir suas ideias sem perder qualquer traço de familiaridade. Universais e tão icônicos como podem ser, nenhuma outra criação oriunda do estúdio foi tão perfeita sendo seu porta-voz essencial quanto Mickey, e isso podemos atestar em cada tirinha reunida nesta impagável coletânea, perfeita para qualquer estante.

    Compre: Os Anos de Ouro de Mickey: 1931-1932 – Mickey no Circo e Outras Histórias.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Resenha | Os Anos de Ouro de Mickey: 1930-1931 – Mickey na Ilha Misteriosa e Outras Histórias

    Resenha | Os Anos de Ouro de Mickey: 1930-1931 – Mickey na Ilha Misteriosa e Outras Histórias

    É dito que abrir um livro reitera não só a magia da experiência puramente imersiva de se voltar no tempo, e acompanhar aqui as primeiras aventuras de Mickey Mouse ainda sem a sua turma, logo quando foi criado, como também reforça a importância da literatura, no caso a mídia dos quadrinhos, em emoldurar e artisticamente simbolizar a época em que se está presente, e faz retratar. Seja por meio da arte das gags, em que se provoca o riso e a descontração por meio da irreverência de piadas visuais, ou por evidenciar um zeitgeist, em certos momentos, que nos parece totalmente ultrapassado, com suas normalidades e seus preconceitos, é indiscutível o prazer de viajarmos a idos mais simples, em que o humor ainda tinha na sua simplicidade histriônica, suas cores, sua diversão e nas suas onomatopeias os seus principais triunfos de grande e duradoura paixão.

    Os Anos de Ouro de Mickey – Volume 1 chegou tal um monumento da nostalgia para conservar o encanto (e a importância para a cultura pop) de um dos personagens norte-americanos mais populares e amados do século XX, sendo este a criação máxima tanto do famoso Walt Disney, quanto de seu co-criador, o igualmente genial Ub Iwerks. Diz-se também que a genialidade apenas surge através do trabalho duro, e desde 1929, ambos trabalharam juntos na sementinha de um império que, em 2019, se consolida como uma das dez maiores marcas do mundo. Ainda nos primórdios de um entretenimento já muito remodelado, Disney e Iwerks foram parceiros por poucos anos nos estúdios Disney, antes do segundo seguir seu rumo. Contudo, a breve combinação de talentos deixou sua marca histórica em tiras de quadrinhos que serviram de base do que chamamos de cultura popular. Mickey já passou pelas mãos de diversos artistas, cada um com seu traço e sua visão de mundo, mas nunca com o mesmo senso de forte liberdade criativa que o começo dos anos de 1930 tão bem permitiam.

    Isso porque a Disney não se orgulha, hoje, de certos desenhos ou tiras ancestrais cujos temas são percebidos como polêmicos e até mesmo ofensivos, sendo parte então de sua extensa cronologia, e mesmo que representativos a mentalidade de uma época que ficou para trás. As primeiras histórias de Mickey, por outro lado, usam e abusam de outras características relativas ao tempo que foram criadas, tais como a crise na economia dos EUA após o grande desastre na bolsa de valores de Nova York, em 1929, e a hostilidade entre as pessoas que deixam de se respeitar, muitas vezes, para conseguirem sobreviver no cenário da Grande Depressão, em que muitos cidadãos americanos estavam literalmente passando fome. Sem achar graça deste contexto, mas aproveitando-se do drama da situação, vemos neste primeiro volume dos seus Anos de Ouro o valente e astuto Mickey enfrentando problemas e caindo em artimanhas que muitos dos seus leitores também passavam, mas achando no poder do riso o melhor remédio para se enfrentar uma dura realidade, impossível de se ignorar.

    Afinal, como representar melhor a sensação de desespero das pessoas diante da miséria financeira, na primeira grande crise do capitalismo, do que colocar Mickey sendo cozinhado num caldeirão de canibais, como vemos na ótima história Mickey na Ilha Misteriosa, ou ainda, sendo enganado de várias formas, junto de sua namorada Minnie, pelo cafajeste Chico Charlatão, no delicioso conto homônimo de 1930? Isso porque a arte não precisa ser óbvia ou apolítica, e seus leitores tampouco ingênuos. Assim, acompanhamos os primeiros passos de um rato desde sempre visto como um jovem adulto ultra curioso, e que se mete em mil confusões para tentar se livrar delas logo em seguida com seu grande coração, e a esperteza que os destemidos sempre carregam mundo afora. Em uma coletânea primorosa neste primeiro volume da editora Abril, lançado no Brasil em 2017, notamos o quanto o personagem, seus amigos e vilões, todos icônicos o suficiente para serem amados por todos os públicos, e gerações, leva consigo também a essência da empresa Disney, e de tudo o que viria em quase cem anos de história a ser produzido, e aprimorado, por uma marca brilhante o bastante para habitar os corações do passado, presente e futuro.

    Compre: Os Anos de Ouro de Mickey: 1930-1931 – Mickey na Ilha Misteriosa e Outras Histórias.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Resenha | O Manual do Mickey

    Resenha | O Manual do Mickey

    O fato é que Walt Disney, o menino sonhador do estado do Kansas, nos Estados Unidos, pode ser considerado um dos grandes autores do Séc. XX. E até mesmo o mais querido, vide suas criações que até hoje conquistam as novas gerações com uma naturalidade e aclamação universal imbatível. Surpreendente mesmo é que seu personagem mais popular não seja uma bela princesa, ou um grande herói de estilo europeu, e sim um rato, uma criatura asquerosa que nas mãos de Disney, desde 1928, virou sinônimo de magia, encantamento, e grandes aventuras.

    Com O Manual do Mickey (nome este dado a emblemática figura pela esposa de Walt, diante de outros nomes bem menos interessantes que ele bolou, na época), é junto de Mickey, sua namorada Minnie e o cachorro Pluto que passeamos pelos mais diversos cenários, idos e lendas, enfrentando com muita diversão e alegria as mais malucas situações. Sejam no mar ou em terra firme, sejam no espaço ou ainda em alguma dimensão criada sob medida para nos divertir, é claro, mas também, para tirarmos algum proveito intelectual desta experiência enriquecedora.

    Aliás, Disney pode também ser considerado um dos grandes e poucos criadores de conteúdo em Hollywood a se preocupar mais com a qualidade autêntica desse conteúdo, do que com o lucro que deveria obter através de sua imaginação. Muito mais que Donald ou Pateta, percebemos como Mickey Mouse foi moldado para ser o porta-voz oficial da criatividade inesgotável do corajoso empreendedor que foi Walt, representando então a personalidade para sempre jovial de seu prolífico e incansável criador norte-americano.

    Sempre visando o público infantil, tal um “professor pardal” da garotada de verdade, o inventor pretendia transmitir conhecimento para a turminha através das aventuras irresistíveis que ele, e seu departamento criativo, bolavam para uma mídia em especial: o cinema. E muitos anos depois, em O Manual do Mickey, conhecemos mais a fundo a dinâmica do velho oeste americano, os fundamentos da lei e da ordem sociais pós-revolução industrial, e os grandes aventureiros de antigamente, como se o nosso avô estivesse contando essas histórias para nós, numa tarde ensolarada de domingo.

    É justamente essa a sensação pretendida, aqui, e plenamente alcançada. Assim, O Manual do Mickey reúne literalmente essa nobre ambição de Walt Disney em usar um dos mais famosos personagens da cultura pop que tanto ajudou a construir, desde seus primórdios, para nos deixar por dentro das grandes odisseias da humanidade e suas consequências para a evolução do homem, enquanto indivíduo, e das sociedades em si, desde o tempo das cavernas até os grandes roubos de bancos nas grandes cidades do mundo civilizado.

    A publicação da editora Abril é um relançamento da obra de 1973, e chegou caprichada em 2016 no Brasil, repleta de desenhos originais, uma bela capa dura e com um acabamento gráfico impecável, garantindo por sua estética uma leitura mais que agradável a todos os públicos que se propõe a investigar a história dos gregos e troianos, da conquista dos polos, das Américas e até mesmo do nosso brilhante satélite lunar, e muito, muito mais. Tudo pela ótica mais amável possível: brincando, sorrindo, e se sentindo parte cativa dessa atemporal turminha do Mickey Mouse.

    Compre: Manual do Mickey.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Disney e o Antinazismo

    Disney e o Antinazismo

    Desde sempre, a cultura e a arte tem ligação íntima com a política, e não é incomum que os produtores de audiovisual tomem partido quando o contexto histórico assim pede. O combate ao totalitarismo alheio é bem comum em especial em épocas de conflitos e basta dar uma olhada nos quadrinhos para perceber o enorme esforço de guerra que era empregado nos anos quarenta pelos heróis populares. Batman e Robin, Superman e Mulher-Maravilha estampavam capas nos anos 40 com tanques e armamentos de guerra. Na Marvel/Timeless não era diferente, pois a capa mais clássica do herói símbolo Capitão América era justamente dele desferindo um soco no rosto de Adolf Hitler.

    Nesse contexto, Walt Disney também teve uma contribuição. Sua carreira controversa por outros tantos motivos – entre eles a falta de crédito aos diretores, como é o caso da maioria desses – ganhou também esse capítulo, onde ele utilizou os seus estúdios e animações no mesmo esforço, produzindo obras em curta-metragem, com temáticas diferenciadas entre si, mas que tinham como norte o combate à tirania de Hitler e o chamado eixo do mal.

    Um tempo atrás,  analisamos Aprendizado Para a Morte (ou Education For Death), que mostra a construção do ideal nazista e a doutrinação que ocorria entre crianças,  com o estado nazista afetando o destino da infância desde o nascimento, proibindo certos nomes (os que se associam a judeus) além de estimular que as famílias cresçam para que haja gente que ocupe as fileiras de alistados.

    Outro filme que Walt Disney encomendou com seus produtores foi A Face do Fuhrer (ou no original Der Fuehrer Face), protagonizado pelo Pato Donald e lançado em 1943, vencedor do Óscar de Melhor Curta de Animação. Seu começo é musical, e mostra um trio de soldados opositores cantando, cada com um jeito bem peculiar, no idioma inglês, mas com forte sotaque alemão e japonês. Na música, falam sobre a nova ordem mundial de Hitler, e de como eles são como super homens.

    Logo, o hino acorda o pato, que assim que desperta, passa a fazer a saudação nazista a retratos na parede, de Adolf Hitler, Benito Mussolini e ao imperador japonês. Pelo céu e por toda a casa de Donald se percebem desenhos dos símbolo da suástica, tão abundantes em tela que passam a ideia de que os seguidores desse pensamento e modo de governo eram vítimas de lavagem cerebral. Quando não está comendo, ou fazendo suas necessidades, o pato lê Mein Kampf, como forma de ocupar seu tempo.

    O trabalho dele é repetitivo, ele verifica se as munições, entre balas, granadas e demais projéteis, mas a quantidade é tão grande e a indústria da guerra exige tanto dele que acaba entrando em colapso, vítima de um ataque nervoso, por não  conseguir suprir a demanda. O filme de Jack Kinney por mais que termine de maneira propagandista, existe um aprofundamento interessante da condição do proletariado, que é a parcela do povo que mais sofre em períodos de guerra.

    The Thrifty Pig, de 1941, um conto dos três porquinhos com algumas pequenas alterações na roupa do Lobo Mau, que usa faixa com a suástica além de um quepe com o mesmo símbolo. Mas não há muita diferença entre essa a história principal, exceto por uma bandeira da Grã Bretanha na casa dos tijolos. Ao final dele há uma propaganda nada velada, que evocava a vitória dos ingleses. Curiosamente o filme foi lançado em novembro, no mês anterior ao ataque a Pearl Harbor. Parecido com este é The New Spirit, de 1942, menos elaborado aos outros citados anteriormente, e ligeiramente melhor que o anterior. Ele começa com uma canção original sobre o espírito yankee. Tem um caráter de propaganda fortíssimo, pedindo investimento na indústria armamentista.

    Há um outro curta, Reason and Emotion, narrado de maneira tão quadrada que faz lembrar até um documentário. Na trama, Razão e Emoção brigam no cérebro das pessoas para tomar o controle, de certa forma, como foi visto na premissa de Divertida Mente, da Pixar. Na metade final do curta, é mostrado uma ideia de como Hitler dominou corações e mentes alemãs, a Razão é diminuída através das falácias de Adolf e a Emoção, e a forma como o Fuhrer propaga suas inverdades ludibria facilmente a parte emocional. Apesar de didático, o filme de Bill Roberts consegue transmitir bem a ideia de lavagem cerebral que ocorria no III Reich.

    Private Pluto é protagonizado pelo cachorro de Mickey Mouse, que marcha de maneira quadrúpede e com um capacete de soldado, seguindo ordens de um comandante estrangeiro, aparentemente alemão. De 1943, dirigido por Clyde Geronimi, a história mostra o cão se envolvendo em uma intriga com dois pequenos esquilos, que seriam os famosos personagens Tico e Teco, os dois acabariam sendo coadjuvantes em muitos desenhos do Pato Donald e depois teriam até uma animação famosa nos anos 90. Para efeitos da Guerra, fora o sucateamento do equipamento que os bichinhos fazem, não há muito a acrescentar, exceto que seu diretor Geronimi ganharia notoriedade anos mais tarde pela direção, seria ele o diretor dos clássicos animados Cinderela, A Bela Adormecida, Alice no País das Maravilhas, As Aventuras de Peter Pan, A Dama e o Vagabundo, além de nos anos sessenta ter feito dezenas de episódios nos desenhos desanimados do Namor, Hulk e no Homem Aranha.

    Voltando ao Pato Donald, Commando Duck lançado em 1944 mostra o protagonista como um soldado americano, que desce de paraquedas em um campo de batalha genérico, mas que está tomado de caricaturas de soldados japoneses. A animação é engraçada e repleta das piadas de humor físico típicas do personagem, com os exageros que mostram um bote militar se enchendo d’água e ficando tão grande quanto o espaço físico de um cânion, mas tão frágil quanto uma bexiga.

    Outra situação cômica estranha é o fato de brincar-se demais com armas e munições, onde se tira boa parte do peso. Jack King conduz uma história bem engraçada, tal qual faz também em Fall Out Fall In, um ano antes, que é levemente menos inspirado que os outros citados. Nele, Donald é um alistado que enfrenta a chuva, lama e outros percalços comuns aos soldados rasos. Ao esforço de guerra, serve para valorizar a bravura e a estafa que os alistados tinham, e veladamente, uma reflexão sobre quão fútil poderia ser o serviço de alistamento militar.

    King ainda faria The Old Army Game, que começa com Bafo de Onça de vigia do exército, verificando o sono dos soldados, até perceber que um deles pôs um boneco em seu lugar na cama. Depois, ficam os dois brincando entre si, com Bafo se sentindo mal por fazer troça com o pato. Para terminar, há Sky Trooper, mais antigo dos filmes, de 1942. Como o nome diz, é focado em uma instalação aeronáutica. Donald é um recruta responsável por descascar batatas, mas seu desejo real é voar. Ele lida com um oficial superior vivido pelo Bafo de Onça, que o engana, fingindo que ele irá voar nas aeronaves como os pilotos, mas ele é posto com os paraquedistas sem o mínimo de treinamento para tal. Esse é mais um vídeo de bastidores, feito para entreter o público e para tornar mais leve o dia a dia das tropas americanas, com uma temática divertida e escapista, diferente dos horrores da guerra que os jovens soldados viviam. Se por um lado, seu caráter é desimportante, por outro não há a arrogância propagandista típica de Disney como houve com A Face do Fuhrer. É curioso apreciar hoje em dia o esforço cultural contra o avanço de Hitler e do nazifascismo, e serve a história por ser registros de uma época diferente.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Crítica | Aprendizado Para a Morte

    Crítica | Aprendizado Para a Morte

    Era algo bastante comum durante a época da Segunda Guerra Mundial um esforço de quem quer fosse parte da cultura popular da época, tratar de assumir um lado contra ou a favor do Eixo. Enquanto Hergé foi obrigado a transformar Tintim em um personagem da juventude hitlerista, o Capitão América dava um soco no rosto de Hitler, Batman e Robin, e até o Superman posavam montados em canos de canhões e obviamente Walt Disney se posicionava contra Hitler e seus companheiros de guerra. Alguns filmes curtos foram feitos, alguns panfletando a favor do American Way of Life, mas nenhum foi tão bem posicionado quanto a Education for Death, chamado também em alguma edições brasileiras de Aprendizado Para A Morte.

    O filme começa com uma narração bem expositiva e explicativa de Art Smith, sobre como é “feito” um nazista, falando da doutrinação ainda pequeno, usando como exemplo os pais do pequeno Hans, que entregam a documentação da certidão de nascimento. A figura de autoridade alemã é preenchida de cores escuras, e é vista por cima, em um palanque que lhe confere um aspecto quase divino, não à toa, pois este homem em questão tem poder até para vetar certos nomes as crianças. Hans não está entre as alcunhas proibidas.

    O filme tem pouco mais de 10 minutos, é baseado no texto de Gregon Ziemer e direção de Clyde Geromini, e o seu conteúdo não tem qualquer pudor em parecer propagandista, até porque há de se lembrar que o estado alemão produziu boa parte da cinematografia do pais nos anos 30 e 40. Antes dos pais enfocados irem embora, eles recebem uma caderneta, com doze espaços para nomes de crianças, uma nada sutil sugestão da quantidade de filhos que deveriam ter, afinal era preciso lotar as filas de alistados.

    O que se fala hoje de anti doutrinação nas escolas brasileiras conversa demais com o que é visto aqui, obviamente não pelo viés que programas mal intencionados como o Escola Sem Partido pregam, até porque para  qualquer bom observador é bem claro que o objetivo desses é sim incutir sua própria ideologia nas crianças. Além do livro mais lido pelos alemães, Mein Kampf, também eram distribuídos outros materiais mais infanto juvenis, que comparavam a Democracia as bruxas de contos de fadas como A Bela Adormecida de Branca de Neve.

    Disney sempre foi conhecido como um produtor e realizador de historias maniqueístas, e obviamente que o filme assinado por si debocharia das figuras em questão. A princesa dita num conto é uma mulher gorda, para representar a Alemanha, e o príncipe/cavaleiro que a salva da Democracia malvada, é Hitler, uma figura extremamente caricata. O fato disso conversar muito bem com a cinematografia dos anos quarenta do século passado faz o filme ser palatável, evidentemente, mas é absurdo como as mesmas técnicas que utilizavam com Hans, de alta repetição de preceitos e saudações nazistas é ainda utilizada para a montagem da mentalidade de boa parte da direita autoritária, com discursos montados em cima de falácias e apelando para preconceitos acéfalos paara encurtar a distancia entre o discurso teórico e o pragmatismo das pessoas.

    Hans, ao errar é encarado por retratados com feições más de Hitler, Goering e Goebbels, as figuras políticas eram muito presentes. Essa simples descrição pode fazer o filme parecer bobo, mas esse didatismo serve bem a sociedade, e mostra que a construção de um povo que abraça a intolerância não ocorre por acaso, e é preparado de modo gradativo, mesmo que o filme apresse um pouco esse processo. Ainda assim, Aprendizado Para a Morte é um curta de uma intenção correta, dentre os filmes comprados pelo governo americano, não à toa o forte final, igualando todos os soldados a cópias uns dos outros, que tem em comum as cruzes visíveis com o símbolo da suástica.

    https://www.youtube.com/watch?v=6vLrTNKk89Q

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram | Spotify.

  • Crítica | Mary Poppins

    Crítica | Mary Poppins

    Em 1964, uma época em que Walt Disney ainda dava muitos pitacos nas produções de seu estúdio, chegava as grandes telas o simpático e mágico Mary Poppins, um musical todo focado na figura que dava título ao filme e que era interpretada por Julie Andrews, a mesma que brilhou muito na Broadway mas que ainda não havia feito nenhum filme. A atriz acostumada a produções teatrais havia ganhado notoriedade por fazer a peça My Fair Lady, que ganhou as telas em uma produção da Warner também neste ano, com o nome de Minha Bela Dama no Brasil.

    Andrews não fez Minha Bela Dama, no lugar dela escolheram Audrey Hepburne, que quis que o papel recaísse sobre a interprete de Poppins, mas os estúdios temiam que a inexperiência da atriz comprometesse o projeto, e Andrews fez o clássico da Disney, e ganhou o Oscar de melhor atriz. A partir daí foi inventada uma rivalidade entre as duas que claramente jamais existiu, ao contrário, ambas eram bem simpáticas entre si.

    O cenário da casa dos Banks, onde se passará boa parte da trama do filme é de certa forma caótico. A dona da casa Winifred (Glynis Johns) tem uma aparência submissa e angelical, mas é claramente uma agitadora, uma feminista, sufragista que quer garantir as mulheres o direito ao voto, e isso por si só na primeira década do século XX já era demais. Alem disso a governanta que já era acostumada com as crianças e com George W. Banks (David Tomlinson) acaba de se demitir, e a família fica de novo em apuros, sem saber quem cuidará dos infantes, mesmo após testarem seis babás em quatro meses.

    Durante o filme se veem alguns personagens periféricos tão nonsenses que beiram a fantasia. Os vizinhos dos Banks são marinheiros que dão tiros de canhão toda vez que o marcam uma hora e essa demonstração de poderia e arsenal talvez fosse uma mostra da autora do livro, P L Travers, do quão bobo e elementar pode ser o homem, embora ela claramente não tenha um viés progressista em sua visão de mundo, vide a esposa dos Banks e sua construções. Ainda no campo lúdico, Poppins torna o corriqueiro, o comum como os afazeres de arrumar o quarto em passatempos com músicas e ainda indica algo não recomendável, como inserir açúcar nos remédios que as crianças precisam tomar, aparentemente os anos sessenta eram mais selvagens e ler a bula não era tão usual.

    Nem mesmo o aspecto de contos de fadas do filme faz o espectador não perceber o obvio, a família Banks é carente de muitas coisas. George não consegue ser amoroso com ninguém, a mãe é atenciosa, mas também precisa ser ativa politicamente, desse modo ela não pode se ocupar em tempo integral da educação de seus filhos, afinal, como é com o pai, ela também tem seus afazeres e não deixará essa questão de lado, mas incrivelmente o seu lado é bem mais culpabilizado que a de seu esposo, mesmo ela tendo mais contato com as crianças que ele. Já os pequenos Jane e Michael ( Karen Dotrice e Matthew Garber) tentam traçar o perfil de uma babá perfeita para ajudar seu pai, mas tudo o que eles falam é desconsiderado pelo mesmo, tratado como nonsense. Essa falta de diálogo seria solucionada, ainda que tardiamente pela intervenção da protagonista, que teria acesso aos pedidos das crianças, mesmo que as folhas redigidas com as palavras dos filhos tivessem voado.

    Depois de Mary assumir seu trabalho, ela passeia com as crianças e encontra seu velho amigo, Bert (Dick Van Dyke) e eles passam a cantar e dançar em meio animações de duas dimensões. Aos poucos, a perfeita babysitter passa a afeiçoar a atenção das crianças e o inverso também ocorre, e tudo isso flui de uma maneira bastante natural.

    Lá pelo meio do filme a competência de Poppins é posta a prova, em seu dia de folga as crianças ficam impossíveis de lidar, e não conseguem entender a necessidade que a mulher tem de ter seu espaço e sua folga garantida. Evidentemente que a rebeldia das crianças é super comedida, assim como as lições de moral que seu pai recebe não é super pesada, afinal, são pessoas falhas (e mimadas) mas não são exatamente más.

    Proximo de terminar o filme demonstra todo o seu problema com o feminismo. A mãe que começa como sufragista depois muda de ideia , acha toda sua luta uma  loucura, e decide ser ela própria a cuidadora dos filhos enquanto mr banks continua sua rotina. Não há problema nenhum em ela decidir ser do lar, mas o roteiro literalmente debocha da ideologia feminista, mostrando-a como uma fase de ocupação mental de uma mulher rica, tornando tudo isso em mais um evento meio fútil. Isso quase põe toda a magia do clássico abaixo, mas claramente essa mentalidade não tem a ver com a personagem principal.

    Mary Poppins é mágica, uma mulher forte e decidida a fazer o que quer. Por mais que a natureza de seu trabalho seja o tradicional relegado as mulheres da época – cuidar de crianças – ela o faz ao seu estilo, sabe seus limites, briga por suas folgas e considera que seus direitos são irrevogáveis, e a forma como ela faz unir os Banks é bem singela e bonita. Seus últimos momentos reproduzem a mágica do começo, embora claramente os adultos da familia não tenham digerido bem tais ensinamentos. Toda a magia presente no filme é muito mérito de Stevenson, que equilibra bem os momentos de tensão e sentimento e principalmente é culpa de Andrews, que une todo o jeito angelical e autoritário em alguns pontos com outros que culminariam na figura de mulher perfeita e memorável que era, sem deixar de ter personalidade e identidade, como muitos dos homens de sua época achavam que as mulheres deveriam ser e agir.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram | Spotify.

  • Os 10 Melhores Momentos do Mickey Mouse

    Os 10 Melhores Momentos do Mickey Mouse

    Em novembro de 2018 o camundongo mais famoso do mundo completa 90 anos de sua primeira exibição ao público norte-americano. Entre altos e baixos, com produções memoráveis e outras nem tanto, Mickey Mouse permanece como um símbolo da Walt Disney Company até hoje e influencia até mesmo as leis de direitos autorais através de lobby no governo dos EUA. Em homenagem a essas nove décadas, preparamos uma lista com os melhores momentos do ratinho na televisão, cinema e videogames!

    10. O Point do Mickey (2000)

    Especial de Dia das Bruxas de House of Mouse, Os Vilões da Disney fez sucesso em home video

    Em último lugar nessa lista, o desenho animado House of Mouse ficou conhecido no Brasil por uma gíria que não sobreviveu à metade da primeira década do século 21. O tal “point” era uma espécie de clube ou casa noturna da qual Mickey era sócio junto ao Pato Donald na série. O clube era frequentado por praticamente todos os personagens animados Disney, desde os clássicos Pateta, Pluto, Minnie e Clarabela até personagens de filmes como O Rei Leão, Pinóquio e Dumbo. Era possível ver na mesma cena o urso Balu, a sereia Ariel e os Sete Anões. A maioria dos personagens não tinha fala, apenas faziam uma ponta – a não ser que o roteiro assim pedisse. No palco, Mickey apresentava segmentos de desenhos clássicos e novos, alternadamente, dando uma sobrevida ao programa anterior que havia sido cancelado, Mickey Mouse Works (no Brasil, com o péssimo nome OK Mundongo da Disney). A série seguiu esse formato por quatro temporadas e 52 episódios, sendo que os episódios de natal e halloween são até hoje reprisados com certa frequência. Embora a animação das cenas no “point” seja bastante limitada, a série merece entrar nesta lista por apresentar material antigo – e de qualidade – a um público novo.

    09. A Casa do Mickey Mouse (2006)

    Mickey e sua turma conquistam pais e filhos com programa educativo

    Seguindo a linha de programas educativos para crianças bem pequenas, como Dora, a Aventureira, A Casa do Mickey Mouse fez um estrondoso sucesso também com os pais. Fofinho, colorido e mantendo o visual clássico dos icônicos personagens, era também uma novidade por ser um programa feito completamente em computação gráfica. Os roteiros são bem infantis e os personagens se envolvem em situações que só parecem problemas reais para crianças de cinco anos, mas isso é o suficiente para manter olhinhos atentos na tela. Para resolver os problemas, Mickey conversa com a câmera representando as crianças, e espera um tempo para que elas respondam em casa, num exercício de quebra da quarta parede pra pato nenhum botar defeito (“É mole?”, diria um certo penoso semi-famoso nas redes sociais). Para ajudá-lo a resolver os problemas, Toodles surgia com os Mickey Objetos – que sempre vinham a calhar e nunca eram inúteis.

    A Casa do Mickey Mouse, embora não tenha um primor de roteiro para aqueles que já são alfabetizados, ganha lugar de destaque nessa lista pelos seus 125 episódios que, disputando com o fenômeno nacional Galinha Pintadinha, manteve o interesse da criançada no personagem.

    08. Hora de viajar! (2013)

    Passado e presente, juntos na mesma animação

    No final de 2013, uma “febre congelante” avassalou as crianças do mundo inteiro com o longa animado Frozen. O que poucos comentam, contudo, é que antes do lérigou foi apresentado nos cinemas um dos curta-metragens mais divertidos do Mickey desde a sua criação. Hora de viajar! mistura animação clássica em preto e branco com o que há de melhor em efeitos visuais 3D. Em uma sequência alucinante, a impressão que temos é que os personagens realmente saem da tela e interagem com a sala de cinema. Talvez por isso esse curta seja tão pouco lembrado, pois só quem assistiu no cinema e em 3D obteve a sensação de imersão necessária, nunca reproduzida totalmente em home video.

    07. Castle of Illusion (1990/2013)

    Diversão eletrônica

    É impossível falar de Castle of Illusion sem citar suas duas versões: a clássica, de Mega Drive e Master System dos anos 90, e o excelente remake de 2013 para PlayStation e XBox. Ambas as versões seguem a mesma história: Minnie foi sequestrada pela bruxa Mizrabel. O jogo apresenta todos os clichês presentes em jogos de plataforma como Mario ou Sonic, mas aposta em um personagem igualmente carismático e imensamente mais popular.

    Cada fase do jogo apresenta um tema diferente do universo mágico da bruxa, sendo florestas sombrias, bibliotecas encantadas, casa de brinquedos e até doces e guloseimas os cenários que, magicamente, se escondem no castelo de ilusões de Mizrabel. Os chefões das fases não são muito difíceis de derrotar, apresentando uma certa lógica bastante previsível em seus movimentos. Diferente de DuckTales Remastered (que usou exatamente o mesmo jogo de NES com uma roupagem gráfica moderna), a nova versão reformulou completamente as fases, mecânicas e jogabilidade do cartucho original, e é ainda hoje uma excelente experiência tanto para o público mais novo quanto para os saudositas.

    06. Epic Mickey (2010)

    Clima sombrio marca retorno de personagem esquecido

    Epic Mickey é um marco não só nos videogames como também na história recente dos Estúdios Disney por reintroduzir na empresa o primeiro personagem de Walt Disney: Osvaldo, o Coelho Sortudo. Walt havia perdido os direitos do personagem pouco depois de criá-lo, e por muito tempo o coelho ficou nos estúdios de Walter Lantz, o mesmo da turma do Pica-Pau. O personagem faz nesse jogo seu retorno triunfal, antagonizando seu “irmão” Mickey numa terra de personagens esquecidos ou rejeitados que é uma paródia sombria aos parques temáticos da Disney, incluindo animatrônicos defeituosos de personagens como Pateta e Margarida. O jogo foi lançado para Nintendo Wii e utilizava-se da tecnologia de captura de movimentos que era novidade na época com o Wiimote, que servia para simular o pincel mágico que Mickey “emprestou” do feiticeiro Yen Sid (o mesmo de Fantasia).

    O jogo tem um roteiro deslumbrante e gráficos espetaculares, mas apresenta alguns problemas de jogabilidade, principalmente com os ângulos de câmera, que ficaram ainda mais limitados na sua sequência direta, Epic Mickey 2: The Power of Two. O jogo ainda rendeu uma adaptação em quadrinhos roteirizada por Peter David (conhecido por sua longa fase no Hulk, da Marvel e pela revitalização do Aquaman na DC nos anos 90).

    05. Mickey Mouse (2013)

    “O meu amor está no Carnaval!”

    Também chamada popularmente de Curtas do Mickey, essa série mantém o ritmo alucinante e o espírito aventureiro e jovial dos primeiros desenhos em preto e branco do camundongo. A série mistura design clássico com humor nonsense e a agilidade das mais modernas animações de comédia para revitalizar os personagens de forma estranha e hilária ao mesmo tempo. Os episódios são totalmente independentes entre si, e não mantém nenhum compromisso com cronologia ou mesmo tempo e espaço. Vemos Mickey e sua turma morando e trabalhando na França, na Rússia ou em qualquer parte do globo, e nesses episódios eles falam a língua local, sem precisar de dublagem localizada (com exceção dos episódios no Brasil que foram redublados, talvez para não causar estranheza ao ouvir o Mickey falando português com outra voz que não seja a do seu atual dublador, Guilherme Briggs).

    Os roteiros também não se intimidam em fazer piada com nada. Em um episódio, Pateta é um zumbi em decomposição, rodeado por moscas. Em outro, descobrimos que Donald nunca foi marinheiro! Nos dois episódios ambientados no Brasil (o primeiro sobre futebol e o segundo, claro, carnaval) temos a aparição rápida, porém pontual, do nosso representante no Universo Disney, Zé Carioca, e são episódios muito divertidos. A série está, atualmente, em sua quinta temporada.

    04. Runaway brain (1995)

    Ah, os anos 90!

    Um dos melhores curtas já feito, Runaway Brain trouxe o Mickey dos anos 1940 para os anos 1990. Tudo nele lembra seus episódios clássicos, mas aqui ele come pizza e joga videogame. O roteiro é bastante sombrio para um desenho do Mickey, com referências a diversos filmes de terror – sendo os mais evidentes O Exorcista e Frankenstein. Mickey tem seu cérebro trocado com o de um monstro com a cara do Bafo de Onça ao tentar arrumar um jeito de agradar sua namorada Minnie. O curta apresenta vários easter eggs, desde um jogo de videogame estrelado pelo Dunga, de Branca de Neve e os Sete Anões, até a aparição de um certo mordomo real da Pedra do Rei. Apesar de esquecido do grande público, merece um lugar bem perto do topo na nossa lista de grandes momentos!

    03. Fantasia – O aprendiz de feiticeiro (1940)

    Com grandes poderes…

    Segmento de Fantasia,  terceiro longa animado de Walt Disney, O aprendiz de feiticeiro é talvez o mais importante papel que Mickey já atuou em todos os tempos. Prova disso é a constante volta a essa história em outras mídias, como no especial de halloween Os vilões da Disney, ou em videogames, como o já citado Epic Mickey e o mundo aberto de Disney Infinity.

    No curta, Mickey é ajudante do feiticeiro Yen Sid (nome digno de personagens de rpg pouco inspirados, como Namtab, Alucard ou Redav Htrad) e descobre poderes cósmicos fenomenais ao colocar o chapéu mágico de seu mestre. Claro que os grandes poderes a ele concedidos fogem ao seu controle e o ratinho precisa lidar com as consequências da magia ilimitada! A trilha sonora de Paul Dukas, baseada na obra de Johann Wolfgang von Goethe encaixa perfeitamente com a magistral animação e o primoroso roteiro de um dos maiores clássicos Disney.

    O curta está entre os top 3 dessa lista por um motivo curioso: o Mickey roubou o papel que seria de outro personagem Disney famoso na época! A princípio, o aprendiz de feiticeiro seria interpretado por Dunga, de Branca de Neve e os Sete Anões. Aparentemente, o senhor Mouse deve ser um ator influente nos estúdios, roubando até mesmo alguns dos trejeitos e parte do figurino do anão para esse filme…

    02. Uma cilada para Roger Rabbit (1988)

    Miska, muska, o que que há, velhinho?

    Uma cena épica no cinema aconteceu no longa de Robert Zemeckis Uma Cilada para Roger Rabbit: quando o detetive humano Eddie Valiant cai de um edifício em Toontown (ou Desenholândia, dependendo da dublagem), dois paraquedistas aparecem para ajudá-lo (mais ou menos). Trata-se do primeiro encontro entre Mickey Mouse e Pernalonga da história!

    O filme em si já foi um marco, tanto pela técnica que misturava cenas reais com animação quanto pela quantidade absurda de personagens de estúdios diferentes em cena ao mesmo tempo. Mas a cena do paraquedismo com Mickey e Pernalonga é realmente icônica, pois ambos os personagens são considerados os maiores representantes de seus respectivos estúdios. Os estúdios Disney e Warner, após longa negociação, concordaram em ceder os dois personagens, desde que tivessem o mesmo tempo de tela. O resultado não poderia ter sido mais satisfatório, e merece o segundo lugar nessa lista!

    01. Steamboat Willie (1928)

    Clássico é clássico!

    Em primeiríssimo lugar, não poderia ser diferente! O barco a vapor foi lançado em 18 de novembro de 1928 e é um marco da animação mundial! Aqui, vemos um Mickey muito diferente do que estamos acostumados nos dias de hoje: embora já fosse aventureiro e enfrentasse problemas muito maiores que ele mesmo, o Mickey desse curta é também atrapalhado como o Pateta seria mais tarde e se irritava com facilidade da mesma forma que o Pato Donald!  Essas características seriam diluídas anos mais tarde entre seus dois co-protagonistas, e se perderiam com o tempo, dando espaço apenas ao bom-mocismo do personagem-símbolo da Disney. Mas em seu primeiro trabalho, Mickey se mostra mais disposto a burlar regras, como trazer sua namorada à bordo do barco com um anzol ou desrespeitar o comandante. O design do personagem também não era algo original , pois emprestava muitas características do Gato Félix e do Coelho Osvaldo. O desenho também não foi o primeiro a ser produzido com o ratinho: Plane Crazy surgiu antes, mas com o advento do cinema sonoro, O barco a vapor viu as telas e o público antes e fez história! Hoje, o segmento em que ele pilota o timão do barquinho enquanto assobia se tornou a vinheta de abertura dos longas animados do estúdio. E assim se vão 90 anos do camundongo mais famoso do mundo! Parabéns, Mickey Mouse!

  • Os Dinossauros e o Cinema – Parte 1

    Os Dinossauros e o Cinema – Parte 1

    O passado sempre fascinou a raça humana, e boa parte da arte que o homem faz remete a esse tempo que jaz inalcançável, e parte dessa obsessão explica um dos temas mais comuns no cinema de aventura, ação, e até horror, que normalmente lota salas de cinema ao redor do mundo. Desde muito antes de Steven Spielberg trabalhar em Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros e O Mundo Perdido: Jurassic Park, já haviam outras tantas obras que tratavam do tema, algumas com mais conhecimento, outras com menos.

    Obviamente, deixarei de lado a franquia japonesa Gojira/Godzilla, pois ela merece uma análise própria, e trata mais de atomic horror do que o fascínio pelas criaturas que um dia tomaram o topo da cadeia alimentar pelo planeta. O primeiro filme digno de nota é em preto e branco, mudo e de curta duração, em torno de 12 minutos, chamado Gertie: O DinossauroWinsor McCay dá luz a obra, misturando um estilo que já lhe era comum, que é a animação em cenas com atores reais, onde um grupo de homens discutem em um museu, e em determinado ponto, aparece a animação que mostra Gertie, uma animal que faz lembrar o dinossauro hoje conhecido como Brontossauro vivendo seus dias, com participações de outros seres de períodos mais antigos, ainda que não haja preocupação com pesquisa histórica, até porque este é um filme lúdico e escapista somente, uma comédia leve que visava mostrar a capacidade de McCay em animar.

    Gertie: O Dinossauro, de Winsor McCay (1914)

    Há outras obras da época do cinema mudo, em especial onde Willis H. O’Brien está envolvido como The Dinosaur and the Missing Link: A Prehistoric Tragedy que foi lançado pelos estúdio de Thomas Edison em 1917. Ele mostra um homem das cavernas tentando agradar uma fêmea, e no meio dessa tentativa, se depara com um dinossauro, que o atrapalha. É bem curto, tem um tom de comédia ainda mais acentuado que Gertie, mas a passagem pelo animal antigo é bem rápida. Ainda em 1917, Prehistoric Poultry brinca com as semelhanças entra galinhas e dinossauros, é bem curtinho e mostra uma figura muito semelhante à ave que serve de alimento ao homem agindo na época antiga, conceito esse reutilizado mais seriamente em filmes nos anos noventa. Nesse mesmo ano, também foi exibido R.F.D., 10000 B.C. mostrando um carteiro que lida com um dinossauro como meio de transporte. Em 1919 o mesmo diretor faria The Ghost of Slumber Mountain, mostra um sujeito que através de um conto descrito aos seus sobrinhos, se volta ao tempo dos dinossauros. Esse é mais extenso, ao menos a cópia disponível para visualização, mas ainda não tão primorosa. Houve um projeto chamado Creation, que seria lançado em 1931, mas foi cancelado, sobrando apenas esboços do que deveria ter sido o longa-metragem definitivo de O’Brien, mas que jamais viu a luz do dia.

    Em 1925 chegava aos cinemas um dos maiores filmes sobre o tema, O Mundo Perdido, baseado na obra de Arthur Conan Doyle, conhecido criador do detetive Sherlock Holmes. Esta obra deu origem a outras adaptações, até fora do cinema, e mais para frente nos debruçaremos sobre algumas delas. A obra original se perdeu com o tempo e depois de um intenso trabalho de resgate de oito gravações diferentes, se chegou a versão mais comumente encontrada no mercado, de 93 minutos. A visão que Doyle e o diretor Harry O. Hoyt tem da Amazônia é completamente estereotipada, e comum a sua época, visto que o mundo era um lugar pouco explorado e conhecido como se tornou nesse quase um século que separa a atualidade e o filme em questão. O livro foi lançado em 1912, e nessa versão o único lugar onde teriam essas criaturas fantásticas era um platô da bacia amazônica. Em meio ao desbravar da ilha, os pesquisadores vêem uma luta que seria (ou a menos tentaria, dadas as limitações da época) épica, entre dois animais pré históricos gigantes, sendo ao menos um deles um Alossauro, um dino que lembra bastante o Tiranossauro Rex, e que mata o seu adversário facilmente, quebrando seu pescoço e deixando ele caído, ou seja, sua predação é pura e simplesmente porque ele pode matar as outras criaturas, e não por fome. Logo depois ele ataca um triceratopes.

    O grupo que viaja para a Amazônia consegue retornar, e ainda leva um brontossauro para Londres, desfecho esse bem semelhante ao visto em King Kong, de 1933, inclusive com a fuga da criatura monstruosa, embora nesta versão não seja mostrado isso, e sim contado através de texto. No entanto, a demonstração do dinossauro nas ruas inglesas é feita de maneira expositiva, com a criatura andando pelas ruas e atacando as pessoas hostis. O modo como ela escapa é curioso, e seria catastrófico, uma vez que a ponte de Londres cai e ele é empurrado pela correnteza em uma direção desconhecida. O longa não dá um destino definido para a criatura, ao contrário, prefere se dedicar a mostrar o destino romântico dos personagens humanos, em detrimento de mostrar a recepção de Londres ao seu novo “habitante”.

    Além do já citado King KongFantasia, clássico de animação que mistura música orquestrada com curtas animados de Walt Disney também traz referências aos monstros pré-históricos, ainda em 1940. Seu segmento The Rite of Spring, baseado em uma composição de Igor Stravinsky, mostra o planeta em meio a uma galáxia imensa, tendo a formação de seus rochedos, oceanos e primeiras formas de vida, desde as microscópicas até as marinhas. As cores lembram aquarelas pintadas e esse sem dúvida é um dos momentos mais bonitos de todo o longa-metragem, inclusive quando são mostrados os dinossauros.

    Fantasia, cena do segmento “Rite of Spring”, de Bill Roberts e Paul Satterfield (1940)

    Ainda em 1940, O Despertar do Mundo era lançado, contando a história de um grupo de aventureiros entrando em uma caverna, onde um paleontólogo começa a contar uma história que supostamente aconteceu entre homens primitivos que disputavam territórios. O longa erroneamente coloca na mesma linha temporal o homem pré-histórico junto dos dinossauros. Essa versão de Hal RoachHal Roach Jr. seria revisitada anos depois, pela produtora inglesa Hammer.

    Demora a aparecer um dos répteis gigantes, e quando surge, é bastante anti-climático, já que ele se disfarça atrás de plantas que dificultam sua visualização. Mais à frente, usam-se animais para emular os bichos pré-históricos, com iguanas fazendo às vezes de animais carnívoros, bem como tatus com  chifres artificiais, fingindo ser triceratopes, e ainda, jacarés fantasiados.

    Em 1951, Sam Newfield conduziu o filme Continente Perdido, sobre um grupo de cientistas que realizam provas com foguetes na Nova Guiné, e um desses foguetes acabam sumindo durante um desses testes. Já que o item é caro, o governo envia um piloto experiente para liderar uma expedição em busca do veículo. O filme é em preto e branco e em determinado ponto passa a ter coloração verde. Os efeitos das feras antigas são feitos em stop motion e dentro de sua limitações, funcionam bem, mas ainda assim a participação dos dinossauros é pequena, se tornando meros coadjuvantes para as subtramas bobas dos humanos.

    Em 1953, baseado em um texto do escritor Ray Bradbury, The Fog Horn, foi lançado O Monstro do Mar (The Beast from 20,000 Fathoms) tem efeitos técnicos assinados por Ray Harryhausen e conta em seu elenco com Lee Van Cleef, que ficaria famosos anos depois por trabalhar em filmes como Por Uns Dólares a Mais, Três Homens em Conflito e O Homem que Matou o Facínora. O visual gélido do longa lembrar outro clássico, O Monstro do Ártico, que originou o remake de John Carpenter, O Enigma do Outro Mundo. A história mostra os clichês dos filmes de atomic horror, onde um dinossauro carnívoro gigante desperta no Ártico após testes nucleares. Percebe-se uma tendência para os filmes envolvendo os predadores antigos e gigantescos, já que novamente o destino da criatura é semelhante ao do brontossauro em O Mundo Perdido, de 1925, quanto o de King Kong, em 1933, uma vez que a criatura é levada para Manhattan para atender a demanda dos gananciosos que a encontraram, que mais se importam em ganhar dinheiro do que preservar o milagre que é um animal como esse estar vivo. Aliás, esse clichê também foi utilizado na parte dois da franquia de Spielberg, Mundo Perdido: Jurassic Park.

    O Monstro do Mar, de Eugène Lourié (1953)

    O modo encontrado para deter a fera é bastante criativo, e a cena em questão se dá em um parque de diversões, próximo de uma montanha russa, um cenário completamente inesperado para esse tipo de sequência. O final é melancólico para a criatura, e faz perguntar afinal quem seriam os verdadeiros monstros da história, e nesse ponto o filme de Eugène Lourié acerta em cheio, pois propõe discussões e questionamentos importantes. O diretor ainda voltaria ao tema com outros dois filmes: O Monstro Submarino e Gorgo.

    Pouco tempo depois, chegava as telas O Rei Dinossauro, um filme sobre exploração espacial, onde um grupo de aventureiros vão até o planeta Nova, um novo corpo celeste que chega na Via Láctea. Neste planeta, a vida é basicamente formada por animais gigantes como os dinossauros terrestres, além de algumas criaturas pré-históricas. O filme dirigido por Bert I. Gordon, que era especialista em produtos de atomic horror (A Maldição da Aranha, A Maldição do Monstro, O Incrível Homem Atômico), ainda há um suposto T-Rex que aparece, “interpretado” por uma iguana. Ainda assim, o tom é sério, mas a questão de não se definir se a iguana que está no filme é realmente uma iguana gigante ou é um T-Rex, torna tudo muito tosco, piorado quanto um monstro maior se aproxima – um crocodilo – em um embate mortal, mas que já se sabe qual será o destino ao final. O crocodilo e a iguana, quando se deparam tem o mesmo tamanho, e isso é demonstrado com dois bonecos se enrolando pelo chão arenoso, de uma maneira terrivelmente filmada.

    A Besta da Montanha é o primeiro filme em cores dessa lista, lançado em 1956, começa como um drama de faroeste, com vaqueiros americanos e mexicanos convivendo com os perigos naturais do solo do país latino. Filmado em cinemascope, o longa de Edward NassourIsmael Rodriguez tem lindas imagens e cores muito vivas. Contudo, o filme se vale demais de estereótipos, em especial quando se desenvolve os personagens mexicanos. O texto do filme é baseado na ideia de Willis H. O’Brien, especialista em efeitos especiais que havia trabalhado no primeiro O Mundo Perdido. O Alossauro que ataca o vale e come alguns dos animais é uma referência clara ao filme de O’Brien e ao romance de Doyle. O modo como ele aparece varia, no começo é mostrada uma fantasia, com os pés do monstro e depois surge em stop motions, em cores cinzas e detalhes que até então não se viam em criaturas assim. Uma pena que o roteiro não colabore com as ótimas ideias visuais do filme.

    Em No Mundo dos Monstros Pré-Históricos (Land Unknown) o diretor Virgil W. Vogel faz muito uso de gravuras e pinturas como cenário, fato que já não era regra nos idos de 1957. Suas cenas com fundo falso soam artificiais demais em comparação com produções da época. Há outro momento complicado, com um pterodáctilo voando – terrivelmente mal filmada – além de batalhas de iguanas, ainda que melhor desenvolvidas. O T-Rex aparece de repente, logo depois da batalha de lagartos e é uma pessoa em um roupa andando em meio a miniaturas, como nos tokusatsus e filmes de Godzilla. Chega a ser cômico o uso da hélice do helicóptero para afastar a criatura e se vê muitos problemas com perspectiva, com o T-Rex variando de tamanho de acordo com as cenas. O longa termina de modo emocionante, mostrando os humanos que estavam na terra isolada fugindo.

    Viagem à Pré-História (Cesta do Praveku), de 1955, traz crianças viajando a uma terra perdida. O longa de Karel Zeman tem um tom bastante lúdico, mostrando criaturas pré-históricas sem um compromisso com a realidade, mas ainda assim bem retratadas no aspecto técnico. Zeman é conhecido por ter feito belas animações, não à toa ficou conhecido como o Georges Méliès tcheco De fato, a melhor coisa do seu filme são os efeitos especiais, pois a trama em si deixa muito a desejar.

    Viagem à Pré-História, de Karel Zeman (1955)

    Dirigido  pela lenda do Cinema B, Roger Corman, Teenage Cave Man tenta resgatar elementos de O Despertar do Mundo, ainda que seja mais explícito em sua proposta. Os homens da tribo já tem uma linguagem sofisticada, a mistura de elementos que claramente não tem congruência histórica é exibido bastante cedo, com os dinossauros aparecendo com menos de cinco minutos de exibição, variando entre stop motion e animais reptilianos disfarçados. Para variar, essa é mais uma produção onde acontecem as famosas lutas entre crocodilos e iguanas rolando pela areia, que se tornou clássica e reaproveitada entre os filmes desse subgênero. De curioso, há o protagonismo de Robert Vaughn, astro de filmes trash, entre eles, O Despertar dos Mortos, do pai dos filmes de zumbi George A. Romero.

    Um dos romances mais famosos de ficção cientifica moderna, é Viagem ao Centro da Terra, não à toa tiveram dezenas de adaptações do livro de Jules Verne. A primeira dela é um curta antigo, de 1910, bastante difícil de achar por conta das raras cópias que existem dele. A mais notória adaptação aconteceu em 1959, uma produção grande, filmada em cinemascope e em cores, dirigida por Henry Levin. Os efeitos e cenários são um pouco caricatos se vistos hoje, mas cumpriam bem o papel de tentar alinhar a obra de Verne à época em que passavam, sem falar que os jogos de luzes do diretor de fotografia disfarçam as limitações técnicas da época em boa parte do filme. Já os dinossauros, em sua primeira aparição são lagartos disfarçados, com efeitos ligeiramente superiores ao das produções anteriores, mas claramente as figuras deles eram coadjuvantes diante da trama que tentava traduzir o livro de Verne para as telas.

    Em 1959, foi a vez também de exibir O Monstro Submarino, traz Behemoth, figura essa existente nos livros da Bíblia, mais especificamente em Jó. No livro, Behemoth é uma figura monstruosa, que para muitos estudiosos é mais aproximada de um bovino com três chifres, para outros um hipopótamo e há quem o compare com um dinossauro. No filme de Lourié, mais uma vez o antagonismo é por conta de uma criatura que sofreu interferência da ação humana, através da energia nuclear. Esse é o terceiro filme do diretor que traz “dinossauros”, e talvez seja o que temor apelo, ainda assim a forma como a criatura é desenvolvida é muito inventiva, apesar de não ser tão bem feita.

    Leia: Parte 2 | Parte 3.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram.

  • Crítica | Cinderela

    Crítica | Cinderela

    cinderella_poster

    Contos de fadas são parte de uma cultura popular originada em histórias transmitidas oralmente de geração para geração, nas quais temas adultos e controversos que explicam o mundo são atenuados com base na formação moral. Sem autoria definida, os contos de fadas, também chamados de contos maravilhosos, sempre dispõem de elementos sobrenaturais, fantásticos ou de encantamento, sendo as fadas apenas uma representação simbólica.

    A história de Cinderela possui diferentes versões. A mais famosa é do francês Charles Perrault, responsável por reunir diversas fábulas da cultura oral e transformá-las em narrativas simples, breves, tornando-se um modelo seguido por diversos outros autores. Cinderela ganha vida literária como Gata Borralheira no livro Contos de Mamãe Gansa em 1697, junto a Chapeuzinho Vermelho, Gato-de-Botas, Pequeno Polegar, entre outros personagens que passam a ser conhecidos mundialmente através do autor. Ainda que com a mesma base narrativa, essas histórias modificam-se conforme a cultural local, adquirindo diferentes formas. Caso dos irmãos Grimm, que posteriormente adaptariam esses e outros contos de forma a preservar a cultura e o folclore locais, e suas versões mais antigas, mais violentas e nada apropriadas a crianças, difeririam das de Perrault, que procurou manter com seus leitores um diálogo sóbrio e voltado aos infantes.

    Lançado em 1950, Cinderela é fruto da obsessão de Walt Disney pelo conto. O diretor já havia produzido um curta-metragem inspirado na história em um estúdio anterior ao Walt Disney Pictures. Pioneiro nas animações, o Laugh-O-Gram apresentou de maneira cômica uma personagem com roupas da moda da época, em uma linguagem típica do cinema mudo. Passaram-se quase 30 anos para o diretor voltar ao projeto, uma demora influenciada pelo baixo investimento ao estúdio durante o período da guerra. Inicialmente, a história seria uma de suas Sinfonias Ingênuas (Silly Simphonies), mas gerou inspiração suficiente para se tornar um longa-metragem.

    Com poucas modificações da versão literária francesa, o filme narra a vida da personagem homônima, órfã de pai, maltratada pela madrasta, Lady Tremaine e suas filhas Drizella e Anastasia. Sonhando com uma realidade diferente da atual, Cinderela interage com os animais da casa, os únicos amigos com quem divide seu pesar. A princípio, a obra estabelece uma inversão entre a representação dos humanos e animais, onde animais são humanizados e humanos bestializados, dominados pela soberba e vaidade.

    Assim, o roteiro mantém a crítica de Perrault ao regime de trabalho estafante da plebe e à ociosidade e arrogância da corte francesa, representada pela antagonista e suas filhas fúteis, de gosto duvidoso e sem atrativos físicos. A subordinação de Cinderela à madrasta é ainda mais opressiva porque não se trata de um trabalho explorado, mas uma relação familiar. O embate dualista do bem versus mal é comum nas narrativas de contos de fadas, nos quais essas representações tipificadas utilizam-se de conflitos simples como alicerce da trama para compreensão universal.

    O conceito tipificado da bondade estende-se também aos animais, tidos como seres puros e figuras presentes na maioria dos contos maravilhosos. Identificando-se com a compaixão de Cinderela, o núcleo dos ratos – os únicos com o dom da fala – ajuda a personagem a lidar com as adversidades da vida, inclusive, durante um divertido musical, os roedores reformam um antigo vestido que ela usaria no baile do príncipe. A bondade, em contraste, não se ostenta nas cenas de Lady Tremaine, onde as sombras dividem espaço com a vilã, revelando sua figura soturna e malévola. A obra costura um retrato benevolente de pessoas que sofrem querendo ocupar algum lugar no mundo. No sofrimento, o coração e alma desabrocham, e a partir das lágrimas de um ser imaculado surge a fada-madrinha.

    A protetora dos contos de fadas salvaguarda a heroína e geralmente aparece quando há a necessidade de atender a um chamado ou pedido. Representada pelo poder de segurança, a fada-madrinha da versão Disney é um pouco atrapalhada e associa-se à figura materna que Cinderela não tem por perto. Apesar dos ratos que falam e pássaros que observam a princesa cantar, é a fada e suas magias o elemento fantástico da história, a figura que transforma e surge como contraponto a um mundo caduco que necessita de compaixão.

    Procurando equilibrar a narrativa, Walt Disney chegou a mudar a estrutura da obra centenas de vezes. Perfeccionista, o diretor não teve medo de deletar cenas extras ou personagens desnecessários à trama. Muitas passagens foram cortadas, inclusive foi pensado um final diferente no qual o príncipe vê a Gata Borralheira com seus trajes modestos, após descoberta a sua verdadeira identidade. Retirada essa indicação desnecessária, a obra mantém a coerência, sem margem de interpretação para a surpresa que a realeza teria ao ver a princesa com roupas simplórias, algo muito diferente da contemporânea versão cinematográfica Para Sempre Cinderela, que subverte o desfecho, gerando um conflito em relação ao fato da heroína ser ou não uma moça da nobreza.

    Seguindo a estrutura de um conto de fadas tradicional, com introdução, conflito e desenlace, e apoiado pela boa trilha sonora, que oferece maior profundidade às cenas chave da película – ponto para a dublagem clássica brasileira, mantida na versão do blu-ray, com Simone de Morais dando à personagem principal um caráter mais doce –, o filme marca mais um momento dos estúdios Disney, após um difícil período mundial. Cinderela não só conta uma boa história como também torna a personagem a figura definitiva da princesa, elevando-a a um conceito que se sobrepõe à própria mitologia.

    Compre aqui: DVD | Blu Ray

    Texto de autoria de Karina Audi.