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  • Resenha | Os Anos de Ouro de Mickey: 1931-1932 – Mickey no Circo e Outras Histórias

    Resenha | Os Anos de Ouro de Mickey: 1931-1932 – Mickey no Circo e Outras Histórias

    Como é possível um rato, um ser repugnante do esgoto, servir de inspiração para um personagem que deve ser um sucesso entre todas as pessoas? Tornando-o mais que divertido, amigável, icônico em sua aparência e nas amizades e desavenças que encontra pelo caminho, Walt Disney e Ub Iwerks não apenas deram-lhe a alcunha de símbolo pop universal, como principalmente fizeram do curioso e destemido Mickey Mouse a síntese substancial de tudo e todos que viriam após a sua criação, ainda na aurora dos antigos estúdios Disney. O namorado de Minnie já passou pelas mãos dos mais diversos e talentosos desenhistas da casa de Branca de Neve e Dumbo, mas nunca lhe foi permitido perder sua essência primordial – no início, Mickey muitas vezes foi apresentado como um artista, literalmente fazendo as pessoas felizes enquanto escapava ou se metia em mil encrencas.

    A jovialidade aqui presente é latente, e todas essas características muito bem asseguradas desde o começo por sua dupla criadora fazem deste personagem inconfundível um clássico que sempre uniu gregos e troianos para participar de suas façanhas, e irresistível estripulias. Porém, algo precisava ser feito para ajudar um artista solitário. Estamos falando de Floyd Gottfredson, cartunista de grande aptidão que substituiu no começo de 1930 Ub Iwerks, este indo embora com seus próprios projetos. Gottfredson se viu sozinho para comandar um ícone cada vez mais amado pelo público, e uma vez que “ostra feliz não produz pérolas”, a óbvia pressão impulsionou a criatividade de um dos principais colaboradores de Mickey a expandir as possibilidades. A responsabilidade era enorme, mas se distanciar do que já tinha sido estabelecido estava fora de questão. A missão, portanto, era abraçar um passado recente, e abrir novas portas para novas ideias.

    Assim, Gottfredson não apenas continuou com as qualidades originais do ratinho espoleta, como deu-lhe um ar mais detetivesco nas histórias de perseguição e crime (lembre-se que estamos aqui nos tempos da Grande crise econômica americana, dos anos 1920/30), e concedeu-lhe também seus populares companheiros de aventura para ressaltar os pontos mais forte de Mickey, com muito humor e irreverência típicos de uma época mais simples, doce e ingênua do entretenimento. Ao imprimir elementos reais em histórias fantásticas, Gottfredson se mostrou absolutamente habilidoso nas divertidas metáforas que produziu, sugerindo o charlatanismo, a malandragem e o altruísmo de um povo largado a própria sorte – ou azar. Percebemos isso claramente em duas brilhantes e longas histórias reunidas, entre outras, neste segundo volume dos Anos de Ouro de Mickey, publicado no Brasil pela editora Abril, em um trabalho gráfico de esplendorosa excelência.

    Em “Mickey e os Ciganos”, na qual Minnie viajando com seu namorado e amigos é sequestrada por ladrões atrapalhados, podemos sentir o forte sentimento de impunidade que nasce dessa situação, refletindo (in)diretamente o espírito da época. Também retratando as dificuldades socioeconômicas do seu tempo, “Mickey e O Grande Roubo do Orfanato” talvez seja uma das melhores histórias já criadas para o personagem. Nela, ao saber da miséria de uma instituição que acolhe jovens desamparados, o ratinho e seu amigo Horácio armam uma peça de teatro para angariar fundos ao orfanato, mas quando todo o dinheiro é roubado, a polícia acha que os dois são os principais culpados. Agindo então como detetive em um contexto tanto urbano, quanto rural, Mickey começou nos anos de 1931/32 a ser agraciado com histórias levemente mais complexas e até mesmo mais ousadas que as aventuras de seus primeiros anos de publicação, em tiras semanais ou em desenhos animados.

    Com vários arquétipos ainda presentes em certos momentos desses Anos de Ouro, como a representação estereotipada de negros e mulheres, por exemplos, os estúdios Disney já se mostravam hábeis o bastante para evoluir suas ideias sem perder qualquer traço de familiaridade. Universais e tão icônicos como podem ser, nenhuma outra criação oriunda do estúdio foi tão perfeita sendo seu porta-voz essencial quanto Mickey, e isso podemos atestar em cada tirinha reunida nesta impagável coletânea, perfeita para qualquer estante.

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  • Resenha | Os Anos de Ouro de Mickey: 1930-1931 – Mickey na Ilha Misteriosa e Outras Histórias

    Resenha | Os Anos de Ouro de Mickey: 1930-1931 – Mickey na Ilha Misteriosa e Outras Histórias

    É dito que abrir um livro reitera não só a magia da experiência puramente imersiva de se voltar no tempo, e acompanhar aqui as primeiras aventuras de Mickey Mouse ainda sem a sua turma, logo quando foi criado, como também reforça a importância da literatura, no caso a mídia dos quadrinhos, em emoldurar e artisticamente simbolizar a época em que se está presente, e faz retratar. Seja por meio da arte das gags, em que se provoca o riso e a descontração por meio da irreverência de piadas visuais, ou por evidenciar um zeitgeist, em certos momentos, que nos parece totalmente ultrapassado, com suas normalidades e seus preconceitos, é indiscutível o prazer de viajarmos a idos mais simples, em que o humor ainda tinha na sua simplicidade histriônica, suas cores, sua diversão e nas suas onomatopeias os seus principais triunfos de grande e duradoura paixão.

    Os Anos de Ouro de Mickey – Volume 1 chegou tal um monumento da nostalgia para conservar o encanto (e a importância para a cultura pop) de um dos personagens norte-americanos mais populares e amados do século XX, sendo este a criação máxima tanto do famoso Walt Disney, quanto de seu co-criador, o igualmente genial Ub Iwerks. Diz-se também que a genialidade apenas surge através do trabalho duro, e desde 1929, ambos trabalharam juntos na sementinha de um império que, em 2019, se consolida como uma das dez maiores marcas do mundo. Ainda nos primórdios de um entretenimento já muito remodelado, Disney e Iwerks foram parceiros por poucos anos nos estúdios Disney, antes do segundo seguir seu rumo. Contudo, a breve combinação de talentos deixou sua marca histórica em tiras de quadrinhos que serviram de base do que chamamos de cultura popular. Mickey já passou pelas mãos de diversos artistas, cada um com seu traço e sua visão de mundo, mas nunca com o mesmo senso de forte liberdade criativa que o começo dos anos de 1930 tão bem permitiam.

    Isso porque a Disney não se orgulha, hoje, de certos desenhos ou tiras ancestrais cujos temas são percebidos como polêmicos e até mesmo ofensivos, sendo parte então de sua extensa cronologia, e mesmo que representativos a mentalidade de uma época que ficou para trás. As primeiras histórias de Mickey, por outro lado, usam e abusam de outras características relativas ao tempo que foram criadas, tais como a crise na economia dos EUA após o grande desastre na bolsa de valores de Nova York, em 1929, e a hostilidade entre as pessoas que deixam de se respeitar, muitas vezes, para conseguirem sobreviver no cenário da Grande Depressão, em que muitos cidadãos americanos estavam literalmente passando fome. Sem achar graça deste contexto, mas aproveitando-se do drama da situação, vemos neste primeiro volume dos seus Anos de Ouro o valente e astuto Mickey enfrentando problemas e caindo em artimanhas que muitos dos seus leitores também passavam, mas achando no poder do riso o melhor remédio para se enfrentar uma dura realidade, impossível de se ignorar.

    Afinal, como representar melhor a sensação de desespero das pessoas diante da miséria financeira, na primeira grande crise do capitalismo, do que colocar Mickey sendo cozinhado num caldeirão de canibais, como vemos na ótima história Mickey na Ilha Misteriosa, ou ainda, sendo enganado de várias formas, junto de sua namorada Minnie, pelo cafajeste Chico Charlatão, no delicioso conto homônimo de 1930? Isso porque a arte não precisa ser óbvia ou apolítica, e seus leitores tampouco ingênuos. Assim, acompanhamos os primeiros passos de um rato desde sempre visto como um jovem adulto ultra curioso, e que se mete em mil confusões para tentar se livrar delas logo em seguida com seu grande coração, e a esperteza que os destemidos sempre carregam mundo afora. Em uma coletânea primorosa neste primeiro volume da editora Abril, lançado no Brasil em 2017, notamos o quanto o personagem, seus amigos e vilões, todos icônicos o suficiente para serem amados por todos os públicos, e gerações, leva consigo também a essência da empresa Disney, e de tudo o que viria em quase cem anos de história a ser produzido, e aprimorado, por uma marca brilhante o bastante para habitar os corações do passado, presente e futuro.

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  • Resenha | O Manual do Mickey

    Resenha | O Manual do Mickey

    O fato é que Walt Disney, o menino sonhador do estado do Kansas, nos Estados Unidos, pode ser considerado um dos grandes autores do Séc. XX. E até mesmo o mais querido, vide suas criações que até hoje conquistam as novas gerações com uma naturalidade e aclamação universal imbatível. Surpreendente mesmo é que seu personagem mais popular não seja uma bela princesa, ou um grande herói de estilo europeu, e sim um rato, uma criatura asquerosa que nas mãos de Disney, desde 1928, virou sinônimo de magia, encantamento, e grandes aventuras.

    Com O Manual do Mickey (nome este dado a emblemática figura pela esposa de Walt, diante de outros nomes bem menos interessantes que ele bolou, na época), é junto de Mickey, sua namorada Minnie e o cachorro Pluto que passeamos pelos mais diversos cenários, idos e lendas, enfrentando com muita diversão e alegria as mais malucas situações. Sejam no mar ou em terra firme, sejam no espaço ou ainda em alguma dimensão criada sob medida para nos divertir, é claro, mas também, para tirarmos algum proveito intelectual desta experiência enriquecedora.

    Aliás, Disney pode também ser considerado um dos grandes e poucos criadores de conteúdo em Hollywood a se preocupar mais com a qualidade autêntica desse conteúdo, do que com o lucro que deveria obter através de sua imaginação. Muito mais que Donald ou Pateta, percebemos como Mickey Mouse foi moldado para ser o porta-voz oficial da criatividade inesgotável do corajoso empreendedor que foi Walt, representando então a personalidade para sempre jovial de seu prolífico e incansável criador norte-americano.

    Sempre visando o público infantil, tal um “professor pardal” da garotada de verdade, o inventor pretendia transmitir conhecimento para a turminha através das aventuras irresistíveis que ele, e seu departamento criativo, bolavam para uma mídia em especial: o cinema. E muitos anos depois, em O Manual do Mickey, conhecemos mais a fundo a dinâmica do velho oeste americano, os fundamentos da lei e da ordem sociais pós-revolução industrial, e os grandes aventureiros de antigamente, como se o nosso avô estivesse contando essas histórias para nós, numa tarde ensolarada de domingo.

    É justamente essa a sensação pretendida, aqui, e plenamente alcançada. Assim, O Manual do Mickey reúne literalmente essa nobre ambição de Walt Disney em usar um dos mais famosos personagens da cultura pop que tanto ajudou a construir, desde seus primórdios, para nos deixar por dentro das grandes odisseias da humanidade e suas consequências para a evolução do homem, enquanto indivíduo, e das sociedades em si, desde o tempo das cavernas até os grandes roubos de bancos nas grandes cidades do mundo civilizado.

    A publicação da editora Abril é um relançamento da obra de 1973, e chegou caprichada em 2016 no Brasil, repleta de desenhos originais, uma bela capa dura e com um acabamento gráfico impecável, garantindo por sua estética uma leitura mais que agradável a todos os públicos que se propõe a investigar a história dos gregos e troianos, da conquista dos polos, das Américas e até mesmo do nosso brilhante satélite lunar, e muito, muito mais. Tudo pela ótica mais amável possível: brincando, sorrindo, e se sentindo parte cativa dessa atemporal turminha do Mickey Mouse.

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  • Resenha | Tesouros Disney

    Resenha | Tesouros Disney

    Seguindo a onda de encadernados luxuosos de capa dura para um público de nicho, a Editora Abril lançou em 2017 o volume intitulado Tesouros Disney, que se propunha a publicar histórias raras e inéditas no Brasil. A publicação acabou sendo um tanto confusa. Afinal, o que faz de uma história em quadrinhos um “tesouro”: sua raridade ou a qualidade do conteúdo?

    Entre as escolhas editoriais do volume que podem gerar certa confusão temos, logo de cara, a pintura à óleo sobre tela de Carl Barks representada na capa. Embora a arte seja belíssima e tenha ficado ótima com a reserva de verniz, nada tem a ver com o conteúdo do miolo, que não apresenta nenhuma história do Homem dos Patos. Ao invés disso, temos várias histórias comerciais, criadas para promover o turismo nos parques temáticos de Walt Disney, crossovers pouco ortodoxos e uma história que causou um incidente diplomático no mundo real. Tudo isso em quase 400 páginas de quadrinhos em um excelente papel couché – que infelizmente é subaproveitado devido a decisão de manter as cores originais de época, claramente inferiores ao potencial da obra.

    A história que abre a edição, O fantasma da Montanha Canibal, apresenta Mickey e Pateta numa clássica aventura de mistério. Publicada originalmente em 1951, não escapa aos clichés da época sobre o funcionamento de materiais radioativos, mas tem uma ou outra solução criativa tanto para o roteiro quanto para os desenhos (representar as silhuetas dos personagens no escuro quase como em um anúncio de neon foi uma sacada genial!). Em seguida, temos a primeira história de Pluto como protagonista, que acaba sendo longa demais para o que se propõe. Pluto funciona melhor com histórias mais curtas, mas isso acabou sendo desenvolvido com o tempo a partir dessa primeira empreitada, que já apresentava os elementos clássicos das hqs do cachorro do Mickey (narração em off, Pluto como personagem mudo, agindo como um cão agiria em diferentes situações). A edição tem mais algumas histórias do Mickey com o Pateta que seguem mais ou menos o mesmo padrão, sempre com João Bafo-de-Onça como antagonista.

    Os crossovers da edição são bastante estranhos. Branca de Neve e Pinóquio se encontram numa história na qual não fica claro em que tempo/espaço ocorreu. Ela ainda mora com os anões e Pinóquio ainda é um boneco de madeira e isso foge do que foi estabelecido para os personagens em seus próprios filmes. Também é estranho ver na mesma história o Capitão Gancho, Tio Patinhas e Irmãos Metralha, ou o grande encontro de vilões que une esses a João Bafo-de-Onça e Lobão, de forma totalmente aleatória. Provavelmente um fan-service da época, já que essas são histórias que servem pra apresentar elementos da Disneyland. Além disso, como foram extraídas de uma revista específica, essas histórias contam com a apresentação da fada Sininho (nessa edição, traduzida como Tinker Bell para se adequar ao mercado atual) ou de uma página com Donald e seus sobrinhos de férias comentando a história antes dela começar. É estranho notar que, após essa miscelânea, temos duas ótimas histórias do Peninha escritas por Dick Kinney, seguida por uma das primeiras histórias do Donald desenhadas pelo mestre Giorgio Cavazzano.

    A última e mais longa história da edição é uma adaptação para o formato revista da série de tirinhas do Mickey Mouse de 1937, o Monarca de Medioka. Nessa aventura, após ganhar uma fortuna em dinheiro, Mickey acaba substituindo o rei de um país europeu falido. Como carapuças sempre servem em alguém, o governo da antiga Iugoslávia se sentiu profundamente ofendido e a história levou à proibição do camundongo no país! A história é bem divertida e realmente brinca com vários estereótipos da época, mas a polarização política da Europa de então viu a obra como subversiva e perigosa num mundo às portas da Segunda Guerra. Vale notar que essa mesma história foi republicada cerca de sete meses depois no nono volume da coleção Os Anos de Ouro de Mickey, no formato original. Por mais que a história seja boa, é impossível não pensar que as mais de cem páginas foram desperdiçadas com um material que já estava nos planos de ser publicado em outra coleção.

    Tesouros Disney é uma edição com altos e baixos, que pode decepcionar quem espera encontrar as melhores histórias da casa do Mickey em um volume, mas apresenta material raro e curioso que muito provavelmente não será republicado nas décadas vindouras.

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  • Disney e o Antinazismo

    Disney e o Antinazismo

    Desde sempre, a cultura e a arte tem ligação íntima com a política, e não é incomum que os produtores de audiovisual tomem partido quando o contexto histórico assim pede. O combate ao totalitarismo alheio é bem comum em especial em épocas de conflitos e basta dar uma olhada nos quadrinhos para perceber o enorme esforço de guerra que era empregado nos anos quarenta pelos heróis populares. Batman e Robin, Superman e Mulher-Maravilha estampavam capas nos anos 40 com tanques e armamentos de guerra. Na Marvel/Timeless não era diferente, pois a capa mais clássica do herói símbolo Capitão América era justamente dele desferindo um soco no rosto de Adolf Hitler.

    Nesse contexto, Walt Disney também teve uma contribuição. Sua carreira controversa por outros tantos motivos – entre eles a falta de crédito aos diretores, como é o caso da maioria desses – ganhou também esse capítulo, onde ele utilizou os seus estúdios e animações no mesmo esforço, produzindo obras em curta-metragem, com temáticas diferenciadas entre si, mas que tinham como norte o combate à tirania de Hitler e o chamado eixo do mal.

    Um tempo atrás,  analisamos Aprendizado Para a Morte (ou Education For Death), que mostra a construção do ideal nazista e a doutrinação que ocorria entre crianças,  com o estado nazista afetando o destino da infância desde o nascimento, proibindo certos nomes (os que se associam a judeus) além de estimular que as famílias cresçam para que haja gente que ocupe as fileiras de alistados.

    Outro filme que Walt Disney encomendou com seus produtores foi A Face do Fuhrer (ou no original Der Fuehrer Face), protagonizado pelo Pato Donald e lançado em 1943, vencedor do Óscar de Melhor Curta de Animação. Seu começo é musical, e mostra um trio de soldados opositores cantando, cada com um jeito bem peculiar, no idioma inglês, mas com forte sotaque alemão e japonês. Na música, falam sobre a nova ordem mundial de Hitler, e de como eles são como super homens.

    Logo, o hino acorda o pato, que assim que desperta, passa a fazer a saudação nazista a retratos na parede, de Adolf Hitler, Benito Mussolini e ao imperador japonês. Pelo céu e por toda a casa de Donald se percebem desenhos dos símbolo da suástica, tão abundantes em tela que passam a ideia de que os seguidores desse pensamento e modo de governo eram vítimas de lavagem cerebral. Quando não está comendo, ou fazendo suas necessidades, o pato lê Mein Kampf, como forma de ocupar seu tempo.

    O trabalho dele é repetitivo, ele verifica se as munições, entre balas, granadas e demais projéteis, mas a quantidade é tão grande e a indústria da guerra exige tanto dele que acaba entrando em colapso, vítima de um ataque nervoso, por não  conseguir suprir a demanda. O filme de Jack Kinney por mais que termine de maneira propagandista, existe um aprofundamento interessante da condição do proletariado, que é a parcela do povo que mais sofre em períodos de guerra.

    The Thrifty Pig, de 1941, um conto dos três porquinhos com algumas pequenas alterações na roupa do Lobo Mau, que usa faixa com a suástica além de um quepe com o mesmo símbolo. Mas não há muita diferença entre essa a história principal, exceto por uma bandeira da Grã Bretanha na casa dos tijolos. Ao final dele há uma propaganda nada velada, que evocava a vitória dos ingleses. Curiosamente o filme foi lançado em novembro, no mês anterior ao ataque a Pearl Harbor. Parecido com este é The New Spirit, de 1942, menos elaborado aos outros citados anteriormente, e ligeiramente melhor que o anterior. Ele começa com uma canção original sobre o espírito yankee. Tem um caráter de propaganda fortíssimo, pedindo investimento na indústria armamentista.

    Há um outro curta, Reason and Emotion, narrado de maneira tão quadrada que faz lembrar até um documentário. Na trama, Razão e Emoção brigam no cérebro das pessoas para tomar o controle, de certa forma, como foi visto na premissa de Divertida Mente, da Pixar. Na metade final do curta, é mostrado uma ideia de como Hitler dominou corações e mentes alemãs, a Razão é diminuída através das falácias de Adolf e a Emoção, e a forma como o Fuhrer propaga suas inverdades ludibria facilmente a parte emocional. Apesar de didático, o filme de Bill Roberts consegue transmitir bem a ideia de lavagem cerebral que ocorria no III Reich.

    Private Pluto é protagonizado pelo cachorro de Mickey Mouse, que marcha de maneira quadrúpede e com um capacete de soldado, seguindo ordens de um comandante estrangeiro, aparentemente alemão. De 1943, dirigido por Clyde Geronimi, a história mostra o cão se envolvendo em uma intriga com dois pequenos esquilos, que seriam os famosos personagens Tico e Teco, os dois acabariam sendo coadjuvantes em muitos desenhos do Pato Donald e depois teriam até uma animação famosa nos anos 90. Para efeitos da Guerra, fora o sucateamento do equipamento que os bichinhos fazem, não há muito a acrescentar, exceto que seu diretor Geronimi ganharia notoriedade anos mais tarde pela direção, seria ele o diretor dos clássicos animados Cinderela, A Bela Adormecida, Alice no País das Maravilhas, As Aventuras de Peter Pan, A Dama e o Vagabundo, além de nos anos sessenta ter feito dezenas de episódios nos desenhos desanimados do Namor, Hulk e no Homem Aranha.

    Voltando ao Pato Donald, Commando Duck lançado em 1944 mostra o protagonista como um soldado americano, que desce de paraquedas em um campo de batalha genérico, mas que está tomado de caricaturas de soldados japoneses. A animação é engraçada e repleta das piadas de humor físico típicas do personagem, com os exageros que mostram um bote militar se enchendo d’água e ficando tão grande quanto o espaço físico de um cânion, mas tão frágil quanto uma bexiga.

    Outra situação cômica estranha é o fato de brincar-se demais com armas e munições, onde se tira boa parte do peso. Jack King conduz uma história bem engraçada, tal qual faz também em Fall Out Fall In, um ano antes, que é levemente menos inspirado que os outros citados. Nele, Donald é um alistado que enfrenta a chuva, lama e outros percalços comuns aos soldados rasos. Ao esforço de guerra, serve para valorizar a bravura e a estafa que os alistados tinham, e veladamente, uma reflexão sobre quão fútil poderia ser o serviço de alistamento militar.

    King ainda faria The Old Army Game, que começa com Bafo de Onça de vigia do exército, verificando o sono dos soldados, até perceber que um deles pôs um boneco em seu lugar na cama. Depois, ficam os dois brincando entre si, com Bafo se sentindo mal por fazer troça com o pato. Para terminar, há Sky Trooper, mais antigo dos filmes, de 1942. Como o nome diz, é focado em uma instalação aeronáutica. Donald é um recruta responsável por descascar batatas, mas seu desejo real é voar. Ele lida com um oficial superior vivido pelo Bafo de Onça, que o engana, fingindo que ele irá voar nas aeronaves como os pilotos, mas ele é posto com os paraquedistas sem o mínimo de treinamento para tal. Esse é mais um vídeo de bastidores, feito para entreter o público e para tornar mais leve o dia a dia das tropas americanas, com uma temática divertida e escapista, diferente dos horrores da guerra que os jovens soldados viviam. Se por um lado, seu caráter é desimportante, por outro não há a arrogância propagandista típica de Disney como houve com A Face do Fuhrer. É curioso apreciar hoje em dia o esforço cultural contra o avanço de Hitler e do nazifascismo, e serve a história por ser registros de uma época diferente.

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  • Os 10 Melhores Momentos do Mickey Mouse

    Os 10 Melhores Momentos do Mickey Mouse

    Em novembro de 2018 o camundongo mais famoso do mundo completa 90 anos de sua primeira exibição ao público norte-americano. Entre altos e baixos, com produções memoráveis e outras nem tanto, Mickey Mouse permanece como um símbolo da Walt Disney Company até hoje e influencia até mesmo as leis de direitos autorais através de lobby no governo dos EUA. Em homenagem a essas nove décadas, preparamos uma lista com os melhores momentos do ratinho na televisão, cinema e videogames!

    10. O Point do Mickey (2000)

    Especial de Dia das Bruxas de House of Mouse, Os Vilões da Disney fez sucesso em home video

    Em último lugar nessa lista, o desenho animado House of Mouse ficou conhecido no Brasil por uma gíria que não sobreviveu à metade da primeira década do século 21. O tal “point” era uma espécie de clube ou casa noturna da qual Mickey era sócio junto ao Pato Donald na série. O clube era frequentado por praticamente todos os personagens animados Disney, desde os clássicos Pateta, Pluto, Minnie e Clarabela até personagens de filmes como O Rei Leão, Pinóquio e Dumbo. Era possível ver na mesma cena o urso Balu, a sereia Ariel e os Sete Anões. A maioria dos personagens não tinha fala, apenas faziam uma ponta – a não ser que o roteiro assim pedisse. No palco, Mickey apresentava segmentos de desenhos clássicos e novos, alternadamente, dando uma sobrevida ao programa anterior que havia sido cancelado, Mickey Mouse Works (no Brasil, com o péssimo nome OK Mundongo da Disney). A série seguiu esse formato por quatro temporadas e 52 episódios, sendo que os episódios de natal e halloween são até hoje reprisados com certa frequência. Embora a animação das cenas no “point” seja bastante limitada, a série merece entrar nesta lista por apresentar material antigo – e de qualidade – a um público novo.

    09. A Casa do Mickey Mouse (2006)

    Mickey e sua turma conquistam pais e filhos com programa educativo

    Seguindo a linha de programas educativos para crianças bem pequenas, como Dora, a Aventureira, A Casa do Mickey Mouse fez um estrondoso sucesso também com os pais. Fofinho, colorido e mantendo o visual clássico dos icônicos personagens, era também uma novidade por ser um programa feito completamente em computação gráfica. Os roteiros são bem infantis e os personagens se envolvem em situações que só parecem problemas reais para crianças de cinco anos, mas isso é o suficiente para manter olhinhos atentos na tela. Para resolver os problemas, Mickey conversa com a câmera representando as crianças, e espera um tempo para que elas respondam em casa, num exercício de quebra da quarta parede pra pato nenhum botar defeito (“É mole?”, diria um certo penoso semi-famoso nas redes sociais). Para ajudá-lo a resolver os problemas, Toodles surgia com os Mickey Objetos – que sempre vinham a calhar e nunca eram inúteis.

    A Casa do Mickey Mouse, embora não tenha um primor de roteiro para aqueles que já são alfabetizados, ganha lugar de destaque nessa lista pelos seus 125 episódios que, disputando com o fenômeno nacional Galinha Pintadinha, manteve o interesse da criançada no personagem.

    08. Hora de viajar! (2013)

    Passado e presente, juntos na mesma animação

    No final de 2013, uma “febre congelante” avassalou as crianças do mundo inteiro com o longa animado Frozen. O que poucos comentam, contudo, é que antes do lérigou foi apresentado nos cinemas um dos curta-metragens mais divertidos do Mickey desde a sua criação. Hora de viajar! mistura animação clássica em preto e branco com o que há de melhor em efeitos visuais 3D. Em uma sequência alucinante, a impressão que temos é que os personagens realmente saem da tela e interagem com a sala de cinema. Talvez por isso esse curta seja tão pouco lembrado, pois só quem assistiu no cinema e em 3D obteve a sensação de imersão necessária, nunca reproduzida totalmente em home video.

    07. Castle of Illusion (1990/2013)

    Diversão eletrônica

    É impossível falar de Castle of Illusion sem citar suas duas versões: a clássica, de Mega Drive e Master System dos anos 90, e o excelente remake de 2013 para PlayStation e XBox. Ambas as versões seguem a mesma história: Minnie foi sequestrada pela bruxa Mizrabel. O jogo apresenta todos os clichês presentes em jogos de plataforma como Mario ou Sonic, mas aposta em um personagem igualmente carismático e imensamente mais popular.

    Cada fase do jogo apresenta um tema diferente do universo mágico da bruxa, sendo florestas sombrias, bibliotecas encantadas, casa de brinquedos e até doces e guloseimas os cenários que, magicamente, se escondem no castelo de ilusões de Mizrabel. Os chefões das fases não são muito difíceis de derrotar, apresentando uma certa lógica bastante previsível em seus movimentos. Diferente de DuckTales Remastered (que usou exatamente o mesmo jogo de NES com uma roupagem gráfica moderna), a nova versão reformulou completamente as fases, mecânicas e jogabilidade do cartucho original, e é ainda hoje uma excelente experiência tanto para o público mais novo quanto para os saudositas.

    06. Epic Mickey (2010)

    Clima sombrio marca retorno de personagem esquecido

    Epic Mickey é um marco não só nos videogames como também na história recente dos Estúdios Disney por reintroduzir na empresa o primeiro personagem de Walt Disney: Osvaldo, o Coelho Sortudo. Walt havia perdido os direitos do personagem pouco depois de criá-lo, e por muito tempo o coelho ficou nos estúdios de Walter Lantz, o mesmo da turma do Pica-Pau. O personagem faz nesse jogo seu retorno triunfal, antagonizando seu “irmão” Mickey numa terra de personagens esquecidos ou rejeitados que é uma paródia sombria aos parques temáticos da Disney, incluindo animatrônicos defeituosos de personagens como Pateta e Margarida. O jogo foi lançado para Nintendo Wii e utilizava-se da tecnologia de captura de movimentos que era novidade na época com o Wiimote, que servia para simular o pincel mágico que Mickey “emprestou” do feiticeiro Yen Sid (o mesmo de Fantasia).

    O jogo tem um roteiro deslumbrante e gráficos espetaculares, mas apresenta alguns problemas de jogabilidade, principalmente com os ângulos de câmera, que ficaram ainda mais limitados na sua sequência direta, Epic Mickey 2: The Power of Two. O jogo ainda rendeu uma adaptação em quadrinhos roteirizada por Peter David (conhecido por sua longa fase no Hulk, da Marvel e pela revitalização do Aquaman na DC nos anos 90).

    05. Mickey Mouse (2013)

    “O meu amor está no Carnaval!”

    Também chamada popularmente de Curtas do Mickey, essa série mantém o ritmo alucinante e o espírito aventureiro e jovial dos primeiros desenhos em preto e branco do camundongo. A série mistura design clássico com humor nonsense e a agilidade das mais modernas animações de comédia para revitalizar os personagens de forma estranha e hilária ao mesmo tempo. Os episódios são totalmente independentes entre si, e não mantém nenhum compromisso com cronologia ou mesmo tempo e espaço. Vemos Mickey e sua turma morando e trabalhando na França, na Rússia ou em qualquer parte do globo, e nesses episódios eles falam a língua local, sem precisar de dublagem localizada (com exceção dos episódios no Brasil que foram redublados, talvez para não causar estranheza ao ouvir o Mickey falando português com outra voz que não seja a do seu atual dublador, Guilherme Briggs).

    Os roteiros também não se intimidam em fazer piada com nada. Em um episódio, Pateta é um zumbi em decomposição, rodeado por moscas. Em outro, descobrimos que Donald nunca foi marinheiro! Nos dois episódios ambientados no Brasil (o primeiro sobre futebol e o segundo, claro, carnaval) temos a aparição rápida, porém pontual, do nosso representante no Universo Disney, Zé Carioca, e são episódios muito divertidos. A série está, atualmente, em sua quinta temporada.

    04. Runaway brain (1995)

    Ah, os anos 90!

    Um dos melhores curtas já feito, Runaway Brain trouxe o Mickey dos anos 1940 para os anos 1990. Tudo nele lembra seus episódios clássicos, mas aqui ele come pizza e joga videogame. O roteiro é bastante sombrio para um desenho do Mickey, com referências a diversos filmes de terror – sendo os mais evidentes O Exorcista e Frankenstein. Mickey tem seu cérebro trocado com o de um monstro com a cara do Bafo de Onça ao tentar arrumar um jeito de agradar sua namorada Minnie. O curta apresenta vários easter eggs, desde um jogo de videogame estrelado pelo Dunga, de Branca de Neve e os Sete Anões, até a aparição de um certo mordomo real da Pedra do Rei. Apesar de esquecido do grande público, merece um lugar bem perto do topo na nossa lista de grandes momentos!

    03. Fantasia – O aprendiz de feiticeiro (1940)

    Com grandes poderes…

    Segmento de Fantasia,  terceiro longa animado de Walt Disney, O aprendiz de feiticeiro é talvez o mais importante papel que Mickey já atuou em todos os tempos. Prova disso é a constante volta a essa história em outras mídias, como no especial de halloween Os vilões da Disney, ou em videogames, como o já citado Epic Mickey e o mundo aberto de Disney Infinity.

    No curta, Mickey é ajudante do feiticeiro Yen Sid (nome digno de personagens de rpg pouco inspirados, como Namtab, Alucard ou Redav Htrad) e descobre poderes cósmicos fenomenais ao colocar o chapéu mágico de seu mestre. Claro que os grandes poderes a ele concedidos fogem ao seu controle e o ratinho precisa lidar com as consequências da magia ilimitada! A trilha sonora de Paul Dukas, baseada na obra de Johann Wolfgang von Goethe encaixa perfeitamente com a magistral animação e o primoroso roteiro de um dos maiores clássicos Disney.

    O curta está entre os top 3 dessa lista por um motivo curioso: o Mickey roubou o papel que seria de outro personagem Disney famoso na época! A princípio, o aprendiz de feiticeiro seria interpretado por Dunga, de Branca de Neve e os Sete Anões. Aparentemente, o senhor Mouse deve ser um ator influente nos estúdios, roubando até mesmo alguns dos trejeitos e parte do figurino do anão para esse filme…

    02. Uma cilada para Roger Rabbit (1988)

    Miska, muska, o que que há, velhinho?

    Uma cena épica no cinema aconteceu no longa de Robert Zemeckis Uma Cilada para Roger Rabbit: quando o detetive humano Eddie Valiant cai de um edifício em Toontown (ou Desenholândia, dependendo da dublagem), dois paraquedistas aparecem para ajudá-lo (mais ou menos). Trata-se do primeiro encontro entre Mickey Mouse e Pernalonga da história!

    O filme em si já foi um marco, tanto pela técnica que misturava cenas reais com animação quanto pela quantidade absurda de personagens de estúdios diferentes em cena ao mesmo tempo. Mas a cena do paraquedismo com Mickey e Pernalonga é realmente icônica, pois ambos os personagens são considerados os maiores representantes de seus respectivos estúdios. Os estúdios Disney e Warner, após longa negociação, concordaram em ceder os dois personagens, desde que tivessem o mesmo tempo de tela. O resultado não poderia ter sido mais satisfatório, e merece o segundo lugar nessa lista!

    01. Steamboat Willie (1928)

    Clássico é clássico!

    Em primeiríssimo lugar, não poderia ser diferente! O barco a vapor foi lançado em 18 de novembro de 1928 e é um marco da animação mundial! Aqui, vemos um Mickey muito diferente do que estamos acostumados nos dias de hoje: embora já fosse aventureiro e enfrentasse problemas muito maiores que ele mesmo, o Mickey desse curta é também atrapalhado como o Pateta seria mais tarde e se irritava com facilidade da mesma forma que o Pato Donald!  Essas características seriam diluídas anos mais tarde entre seus dois co-protagonistas, e se perderiam com o tempo, dando espaço apenas ao bom-mocismo do personagem-símbolo da Disney. Mas em seu primeiro trabalho, Mickey se mostra mais disposto a burlar regras, como trazer sua namorada à bordo do barco com um anzol ou desrespeitar o comandante. O design do personagem também não era algo original , pois emprestava muitas características do Gato Félix e do Coelho Osvaldo. O desenho também não foi o primeiro a ser produzido com o ratinho: Plane Crazy surgiu antes, mas com o advento do cinema sonoro, O barco a vapor viu as telas e o público antes e fez história! Hoje, o segmento em que ele pilota o timão do barquinho enquanto assobia se tornou a vinheta de abertura dos longas animados do estúdio. E assim se vão 90 anos do camundongo mais famoso do mundo! Parabéns, Mickey Mouse!

  • Resenha | Três Dedos: Um Escândalo Animado

    Resenha | Três Dedos: Um Escândalo Animado

    tres-dedos-capaUma das histórias em quadrinhos mais surpreendentes e interessantes que li nos últimos tempos: Três Dedos: Um Escândalo Animado, do autor Rich Koslowski, publicada no Brasil pela Gal Editora. Em Três Dedos a história é ambientada em uma realidade distópica na qual os “animados” (Mickey Mouse, Pernalonga, Patolino etc.) vivem na mesma sociedade que as pessoas, ou seja, eles existem de fato, não se tratam de criações ficcionais e, além disso, vivem no subúrbio dessa sociedade, são párias e excluídos dentro desse complexo e engraçado mundo. Até que Rickey Rat (isso mesmo, trata-se do nome verdadeiro de Mickey) se destaca e consegue sair da periferia e fazer grande sucesso em um mercado que pertencia unicamente às pessoas comuns, vamos dizer assim. E, após isso, ele abriu as portas para outros animados que também passaram a fazer parte do showbiz e tiveram uma valorização que nunca tinham conhecido até então.

    Mas a que custo? Esse é justamente o tema da HQ. Já na capa, a figura de Rickey, com um copo de tequila, um charuto na mão e um ambiente de decadência já mostra que a vida desses artistas animados não se tratou de um grande mar de rosas onde tudo deu certo. Aliás, há muitos segredos e muitas histórias mal contadas entre todos esses animados que fizeram sucesso, mas que, no momento em que a história se passa, estão velhos e decadentes. Alguns estão, inclusive, em sanatórios devido a graves danos cerebrais causados por sucessivas pancadas (quem já assistiu minimamente desenhos na vida é capaz de adivinhar quem seria esse). E a grande questão é investigar o que ficou conhecido como “o ritual”, que seria algo como uma ação necessária para os animados fazerem sucesso. Mais do que isso e eu poderia estragar o prazer de ler essa grande HQ.

    tres-dedos-1Em relação à narrativa há alguns elementos bastante interessantes. Em primeiro lugar, toda a história é contada como se fosse a gravação de um documentário. Assim, o narrador poderia ser considerado como o diretor que conduz a investigação e as entrevistas com os animados, os quais poderiam melhor elucidar sobre a questão do ritual. Com isso, o autor vai nos mostrando as “verdadeiras” personalidades de todas as figuras que nos acostumamos a ver com alegria e satisfação na TV. A ideia é mostrar a realidade por trás de personalidades famosas, como se descortinássemos a vida íntima de atores e atrizes que povoam filmes e novelas. Portanto, o autor criou um modelo fácil e bastante atraente para nos contar uma história, e que também difere da maioria das histórias em quadrinhos.

    Esta abordagem também faz com que o leitor tenha uma interação bastante interessante com a HQ, uma vez que você se sente como o próprio condutor do documentário e do gibi (para todos aqueles que não gostam dos termos gibi, revistinha ou outras formas que consideram depreciativas, e que por excesso de zelo preferem História em Quadrinhos ou terminologias mais rebuscadas, busquem se preocupar com coisas mais sérias). Quando uma personagem é entrevistada, não existem “balões” de pergunta, apenas a resposta do entrevistado, o que intensifica essa relação com a narrativa e, usando uma expressão da moda, a “quebra da quarta parede” (outro preciosismo dos dias de hoje).

    tres-dedos-2Sobre a arte é interessante notar o formato da HQ, widescreen, ou seja, mais alongado no comprimento do que na altura, contribuindo para a sensação de assistir a um documentário televisivo ou cinematográfico. Toda a arte é feita em preto e branco, o que confere um ar mais pesado e sério que cai muito bem com a proposta do gibi. Traz uma sensação mais sombria, que é fundamental para determinadas passagens da história contada naquelas páginas, já que algumas revelações não são tão alegres e festivas como os desenhos que acompanhávamos na TV.

    Sendo assim, fica a indicação de uma HQ que traz um tema bastante diferente e corrobora com a possibilidade de se utilizar o formato de história em quadrinhos para contar os mais variados tipos de histórias e temas. Essa HQ prova que não somente heróis e super seres compõem o universo dos quadrinhos. Enfim, se quiser investir em algo diferente, mas de grande qualidade, não pense duas vezes: corra atrás de Três Dedos: Um Escândalo Animado.

    Texto de Autoria de Douglas Biagio Puglia.