Tag: Pato Donald

  • Resenha | Pato Donald por Carl Barks: A Mina Perdida do Perneta

    Resenha | Pato Donald por Carl Barks: A Mina Perdida do Perneta

    Pato Donald: A Mina Perdida do Perneta é um dos volumes que a Editora Abril lançou com foco na compilação das historias clássicas e originais de Carl Barks. Esse volume é escrito e desenhado pelo autor com um trabalho de cores assinada por  Tom Ziuko e em outras historias por Rich Tommaso. Essa coleção tinha um bonito visual com capa dura, verniz localizado, com os personagens em destaque. Foi descontinuada por motivos comerciais da Abril Jovem e retomada depois pela Panini Comics mantendo o design. As historias são bem curtas, em torno de 10 páginas cada, a maioria com Donald como protagonista com seus sobrinhos trigêmeos Huguinho, Zezinho e Luisinho e algumas contando com o Tio Patinhas.

    Barks foi mais que apenas um ilustrador da Disney. Apesar de Donald não ser uma criação sua (assim como os sobrinhos) é dele a autoria a respeito de Patópolis, onde se passam as aventuras, além da maioria dos seus habitantes como Patinhas, Gastão, Irmãos Metralha, Professor Pardal e Maga Patalójika. Ou seja, boa parte da mitologia dos patos é inventada por ele, como visto também em A Coroa Perdida de Gengis Khan e A Cidade Fantasma. Nestas histórias se percebe alguns eventos bem curiosos, como Donald se referindo a si mesmo como um homem e não um pato, fato que fortalece de certa forma a Teoria do Filtro, conceito criado por fãs que consiste em afirmar que os animais antropomorfizados são humanos na verdade, e que têm um “filtro” de animais como aparência. Isso explicaria por exemplo Pluto ser um animal de estimação e Pateta um ser bípede e inteligente. Mas há tantas outras possíveis razões para Donald se enxergar como mais esperto e soberano sobre os animais irracionais, basicamente como se nesse universo fossem os patos e outros mamíferos que evoluíram a condição humanoide, e não os símios.

    Outro aspecto digno de nota é a inventividade e engenhosidade dos meninos, que resolvem questões adultas bem sérias, pensam em trabalhar e se mostram muito preparados para além do que segue o famoso Manual do Escoteiro Mirim. Eles são bem mais espertos que seu tutor. Na maior parte das vezes, isso é tratado bem ao estilo dos quadrinhos Disney, de forma engraçada, bem humorada e obviamente escapista.

    As diferenças de personalidade e conduta entre Gastão e Donald são bem exemplificadas nas histórias protagonizadas pelos dois. Além da óbvia rivalidade entre os primos, é ressaltada a diferença de personalidade, com um sendo mostrado como um sortudo e preguiçoso, sem mérito algum, enquanto Donald é esforçado e obstinado, apesar de ser resmungão. A expansão dessa personalidade e caráter é muito bem vinda, pois nos curtas produzidos por Walt Disney ele não tem tanto espaço para mostrar quem realmente é. E aqui ele fala tanto que chega a ser verborrágico em alguns pontos. Barks o mostra como alguém articulado, diferente do visto nos curtas.

    O roteirista-ilustrador trabalha muito bem a relação de desentendimento entre tio e sobrinhos,  e faz isso de maneira leve e convidativa para possíveis novos leitores. As revistas dessa coleção são um bom ponto de partida para quem quer conhecer ou meros leitores casuais. Além das histórias, há um bom número de extras no final, com textos complementares de professores e especialistas em quadrinhos da Disney, enquanto na narrativa, não há sequer uma história que não seja pelo menos engraçada e incapaz de alegrar quem as lê.

  • Resenha | Tio Patinhas por Carl Barks: A Coroa Perdida de Gengis Khan

    Resenha | Tio Patinhas por Carl Barks: A Coroa Perdida de Gengis Khan

    Após a saída dos quadrinhos Disney da editora Abril Jovem, ficou a dúvida entre os leitores se as coleções dedicadas a Carl Barks e Keno Don Rosa teriam continuação em alguma outra editora, uma vez que a Culturama assumiu apenas as edições mensais das revistas. A aflição passou quando a editora Panini anunciou ter assumido a publicação dessas e de outras séries em capa dura da Disney. Assim, continuando de onde a editora anterior parou, a Panini lança Tio Patinhas por Carl Barks: A Coroa Perdida de Gengis Khan primeiro volume da série a abordar o tio do Pato Donald tanto no título quanto nas histórias. Embora tenha Tio Patinhas no título e no conteúdo, não se trata de uma nova série, e sim do volume 16 da chamada “Coleção Carl Barks Definitiva”, que não é publicada em ordem cronológica.

    Para uma edição de estreia na casa, a Panini acertou em cheio na escolha do material. O livro traz as histórias publicadas originalmente em Uncle Scrooge nos anos de 1956 a 1961, e apresenta verdadeiros clássicos que já foram revisitados por outros artistas e outras mídias. Além da história que dá nome ao volume (que aliás, é uma história bem pequena se compararmos a outros épicos da edição), temos vários clássicos de Barks que valem a pena serem lidos.

    Fabricantes de terremotos é um desses clássicos que atingiram outras mídias. Além da excelente adaptação no desenho Duck Tales de 1987, os habitantes rechonchudos do subterrâneo de Patópolis apareceram em videogames (no antigo Nintendinho e na remasterização para PlayStation 3) e no reboot dos Caçadores de Aventuras de 2017. Na história, Patinhas descobre uma civilização responsável pela criação de terremotos, e teme pela sua caixa-forte.

    Em Qual o mais rico do mundo? vemos a primeira aparição do Pão-Duro Mac Mônei, o “duplo do mal” do Tio Patinhas. Diferente de suas aparições em Duck Tales, Mac Mônei é originalmente sul-africano, e não escocês (algo que o reboot de 2017 resolveu de forma inteligente). Essa história é bem interessante por mostrar que, apesar de tudo, Patinhas não é inescrupuloso e mantém ainda alguns princípios morais – coisa que seu rival não apresenta nem de longe.

    A edição ainda conta com pérolas como O elemento mais raro do mundo e A fantástica corrida de barcos, mas talvez a melhor ou mais importe história seja Os índios Nanicós. Nela, Patinhas demonstra que nem tudo deve ser lucro – embora seu espírito capitalista mantenha-se presente o tempo todo, o velho rico percebe que, embora possa extrair recursos naturais de uma reserva florestal, talvez ele não deva fazê-lo. Talvez hoje a história traga alguns problemas com a retratação estereotipada dos nativos-americanos, mas a mensagem final é boa, num saldo geral. Vale notar o cuidado que o tradutor Marcelo Alencar teve ao adaptar a fala dos índios, que no original é toda rimada como num poema de Henry Wadsworth Longfellow – diferente do que a tradução da Abril havia feito em sua continuação na coleção de Don Rosa.

    Ainda sobre tradução, um ponto a se destacar é a decisão da editora de manter alguns termos que talvez não façam mais sentido nos dias de hoje. Traduzir dólar por “pataca” talvez fizesse sentido décadas atrás, quando as revistas eram regionalizadas e nosso dinheiro mudava de nome como o Donald muda de emprego, mas hoje com internet e tudo mais, podemos esperar que as crianças entendam que Patópolis não fica no Brasil e sim nos Estados Unidos. Da mesma forma, manter o sobrenome de Tio Patinhas como “Mac Patinhas” ao invés de “McPato” é uma decisão um tanto polêmica, já que o segundo se assemelha mais ao original. Além disso, o personagem é chamado de Patinhas McPato nas duas séries animadas de Ducktales, nos quadrinhos da Culturama e até mesmo nas próprias novas publicações da Editora Panini. O tradutor Marcelo Alencar explicou em suas redes sociais que manteria Mac Patinhas apenas nas coleções de Barks e Rosa, por se tratarem de continuações da outra editora e que, em possíveis reedições da série completa, haverá alteração nesse detalhe. Outra mudança significativa na troca de “casa” foi o letreiramento, que passa a ser de responsabilidade do Studio Animatic. Nas edições da Abril as letras ficavam a cargo da veterana Lilian Mitsunaga, sempre extremamente competente e que faz falta nessa nova empreitada. Ainda sobre os diálogos, chega a incomodar muito os erros de revisão dos textos, que não são poucos.

    O formato do álbum se mantém o mesmo, e o padrão de qualidade gráfica não se altera, o que nos dá uma sensação tranquila de continuidade. Para o fã de quadrinhos Disney e, mais especificamente, de Barks, fica o alívio de não ter sua coleção definitivamente interrompida, mas também a esperança de vê-la, num futuro próximo, em uma nova reedição, com formato maior e mais parecido com o original da Fantagraphics.

    Compre: Tio Patinhas por Carl Barks: A Coroa Perdida de Gengis Khan.

  • Resenha | Donald Jovem

    Resenha | Donald Jovem

    O Pato Donald é um dos mais populares personagens dos Estúdios Disney, ofuscando até mesmo o camundongo mascote do conglomerado – principalmente quando pensamos no legado deixado pelas histórias em quadrinhos. São 86 anos desde a criação do personagem até os dias de hoje, e sua trajetória passa por desenhos animados, videogames, álbuns de figurinha e toda e qualquer mídia imaginável. Porém, diferente de seu tio ricaço e avarento, não temos muito material considerado “definitivo” sobre seu passado. Não existe nada equivalente à Saga do Tio Patinhas, de Keno Don Rosa, para contar como e por quê Donald é o que ele é hoje. O personagem vive num eterno presente, sendo um homem comum, vivendo uma vida comum – ou ao menos tentando. Ainda assim, existem diversas pistas, mesmo que algumas sejam contraditórias, sobre partes de seu passado. Sabemos, por exemplo, que ele cresceu no campo, conforme mostrado em seu curta animado de estreia, A galinha sábia, de 1934. Várias hqs fazem referência à essa época, e mesmo desenhos animados das década de 1930 e 1940, bem como um especial do programa Disneylândia, que inclusive mostra a Vovó Donalda. Também podemos dizer que é canônico o fato de Donald ter crescido sem conhecer o seu Tio Patinhas, criação de Carl Barks na história em quadrinhos Natal nas montanhas, de 1947.

    Tomando essas e mais algumas pistas deixadas por roteiristas do pato durante décadas, Donald Jovem é uma minissérie em oito partes publicada no Brasil pela Culturama em um volume único de capa dura. Escrita por Francesco Artibani e Stefano Ambrosio, a série tenta preencher esse espaço de tempo em que Donald deixa o sítio da Vovó para estudar na cidade e acaba conhecendo seus amigos mais famosos. Porém, diferente do que Don Rosa fez na Saga do Tio Patinhas, aqui não vemos um período histórico acurado com todo o repertório anterior. Ao contrário, o pato adolescente vive suas aventuras nos dias de hoje, jogando videogames e salvando músicas em pendrives.

    O primeiro capítulo mostra justamente elementos de sua primeira aparição em Silly Symphonies, como o clubinho-barco no riacho e seu amigo Porcolino – que na hq é mais um espertalhão do que o preguiçoso do desenho. A dupla passa todo o tempo jogando videogame e aprontando confusões, que levam a um desastre ambiental no campo, o que faz com que Donald seja obrigado a deixar a vida na roça e ir para a cidade. Assim, Patinhas garante a caríssima mensalidade que permite ao seu sobrinho estudar em um colégio interno de Ratópolis. Duas coisas são interessantes de se notar: a primeira é a forma como Patinhas McPato monitora a vida de seu sobrinho remotamente sem que Donald saiba – afinal, eles apenas se conheceriam em Natal nas Montanhas. A segunda curiosidade é ver que, nessa edição, Ratópolis é uma cidade diferente de Patópolis, visto que nas traduções nacionais da Editora Abril ambas eram uma só cidade – mas pode ter sido apenas um deslize da tradução.

    No colégio, Donald conhece seu colega de quarto: ninguém menos que o próprio Mickey Mouse, em uma versão de franjinha emo que já nasceu datada (ainda existem emos hoje em dia?). Mickey parece ser o personagem mais descaracterizado de todos. Ao invés do jovial ratinho aventureiro, mostrado nas tiras de Floyd Gottfredson, aqui ele é tímido e inseguro. Afinal, o foco da história, pelo que os roteiristas deixam claro, deve ser unicamente o Pato Donald. Conhecemos também o Pateta, em uma versão também de franja, porém mais voltado para o estilo nerd/hipster. Causa estranhamento ver essa versão mais “inteligente” do Pateta, que curte ficção e mestra RPG para seus amigos. As meninas estão presentes também, sendo que Margarida é uma esportista que a princípio ignora Donald, que se apaixona por ela à primeira vista, e Minnie mantém um crush secreto pelo Mickey – que é recíproco, mas ambos não percebem.

    Uma personagem que aparece de forma um tanto surpreendente é a Tudinha, que nos quadrinhos italianos é a parceira romântica de João Bafo de Onça, mas na série é uma garota que sofre bullying de seus colegas de escola por gostar de coisinhas fofas, como uma mochila de coala. Bafo, por sinal, não aparece e, pra dizer a verdade, faz falta na história. Ao invés disso, temos um valentão genérico na escola chamado de Nero, que poderia muito bem ser Bafo. Foi mesmo uma oportunidade perdida.

    As histórias têm vários furos de roteiros, personagens  mal construídos e inconsistências que saltam aos olhos. Como Donald conhece Mickey, Pateta e a turma toda no colégio que deveria ser de ultra-ricaços? Seriam eles também de famílias de milionários? Por onde anda Dumbella, irmã gêmea de Donald? Eles não deveriam ter crescido juntos? Jamais saberemos…

    Para leitores mais puristas, a série pode não agradar por fugir muito de algo que se possa considerar canônico, além do design “moderno” dos personagens que reflete o que pessoas de meia idade imaginam que seja a representação do jovem de hoje. Para leitores mais jovens, por outro lado, pode ser uma excelente leitura, pois o texto flui com o dinamismo sempre presente nas hqs Disney italianas, com quadros grandes e balões de fala enxutos. A arte varia bastante do bom para o médio, mas as cores vivas (mas não saturadas) e o “movimento” das cenas a torna bastante agradável. Algumas piadas parecem um tanto forçadas e até escatológicas (Donald parece não se importar com a limpeza do banheiro ao dividir o quarto com Mickey), outras até mesmo previsíveis. Donald Jovem pode não ser a Saga definitiva do pato encrenqueiro, mas serve como uma boa diversão – principalmente para crianças na faixa dos dez anos de idade. O que acaba sendo uma vantagem, no fim das contas, pois serve para apresenta-las ao incrível mundo dos quadrinhos Disney.

    Compre: Donald Jovem.

  • Resenha | Tesouros Disney

    Resenha | Tesouros Disney

    Seguindo a onda de encadernados luxuosos de capa dura para um público de nicho, a Editora Abril lançou em 2017 o volume intitulado Tesouros Disney, que se propunha a publicar histórias raras e inéditas no Brasil. A publicação acabou sendo um tanto confusa. Afinal, o que faz de uma história em quadrinhos um “tesouro”: sua raridade ou a qualidade do conteúdo?

    Entre as escolhas editoriais do volume que podem gerar certa confusão temos, logo de cara, a pintura à óleo sobre tela de Carl Barks representada na capa. Embora a arte seja belíssima e tenha ficado ótima com a reserva de verniz, nada tem a ver com o conteúdo do miolo, que não apresenta nenhuma história do Homem dos Patos. Ao invés disso, temos várias histórias comerciais, criadas para promover o turismo nos parques temáticos de Walt Disney, crossovers pouco ortodoxos e uma história que causou um incidente diplomático no mundo real. Tudo isso em quase 400 páginas de quadrinhos em um excelente papel couché – que infelizmente é subaproveitado devido a decisão de manter as cores originais de época, claramente inferiores ao potencial da obra.

    A história que abre a edição, O fantasma da Montanha Canibal, apresenta Mickey e Pateta numa clássica aventura de mistério. Publicada originalmente em 1951, não escapa aos clichés da época sobre o funcionamento de materiais radioativos, mas tem uma ou outra solução criativa tanto para o roteiro quanto para os desenhos (representar as silhuetas dos personagens no escuro quase como em um anúncio de neon foi uma sacada genial!). Em seguida, temos a primeira história de Pluto como protagonista, que acaba sendo longa demais para o que se propõe. Pluto funciona melhor com histórias mais curtas, mas isso acabou sendo desenvolvido com o tempo a partir dessa primeira empreitada, que já apresentava os elementos clássicos das hqs do cachorro do Mickey (narração em off, Pluto como personagem mudo, agindo como um cão agiria em diferentes situações). A edição tem mais algumas histórias do Mickey com o Pateta que seguem mais ou menos o mesmo padrão, sempre com João Bafo-de-Onça como antagonista.

    Os crossovers da edição são bastante estranhos. Branca de Neve e Pinóquio se encontram numa história na qual não fica claro em que tempo/espaço ocorreu. Ela ainda mora com os anões e Pinóquio ainda é um boneco de madeira e isso foge do que foi estabelecido para os personagens em seus próprios filmes. Também é estranho ver na mesma história o Capitão Gancho, Tio Patinhas e Irmãos Metralha, ou o grande encontro de vilões que une esses a João Bafo-de-Onça e Lobão, de forma totalmente aleatória. Provavelmente um fan-service da época, já que essas são histórias que servem pra apresentar elementos da Disneyland. Além disso, como foram extraídas de uma revista específica, essas histórias contam com a apresentação da fada Sininho (nessa edição, traduzida como Tinker Bell para se adequar ao mercado atual) ou de uma página com Donald e seus sobrinhos de férias comentando a história antes dela começar. É estranho notar que, após essa miscelânea, temos duas ótimas histórias do Peninha escritas por Dick Kinney, seguida por uma das primeiras histórias do Donald desenhadas pelo mestre Giorgio Cavazzano.

    A última e mais longa história da edição é uma adaptação para o formato revista da série de tirinhas do Mickey Mouse de 1937, o Monarca de Medioka. Nessa aventura, após ganhar uma fortuna em dinheiro, Mickey acaba substituindo o rei de um país europeu falido. Como carapuças sempre servem em alguém, o governo da antiga Iugoslávia se sentiu profundamente ofendido e a história levou à proibição do camundongo no país! A história é bem divertida e realmente brinca com vários estereótipos da época, mas a polarização política da Europa de então viu a obra como subversiva e perigosa num mundo às portas da Segunda Guerra. Vale notar que essa mesma história foi republicada cerca de sete meses depois no nono volume da coleção Os Anos de Ouro de Mickey, no formato original. Por mais que a história seja boa, é impossível não pensar que as mais de cem páginas foram desperdiçadas com um material que já estava nos planos de ser publicado em outra coleção.

    Tesouros Disney é uma edição com altos e baixos, que pode decepcionar quem espera encontrar as melhores histórias da casa do Mickey em um volume, mas apresenta material raro e curioso que muito provavelmente não será republicado nas décadas vindouras.

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  • Culturama e os Novos Quadrinhos Disney

    Culturama e os Novos Quadrinhos Disney

    Após o hiato em que ficaram os quadrinhos Disney no Brasil devido ao cancelamento do contrato com a Editora Abril, finalmente os fãs de Mickey, Donald e toda a turma tiveram contato com o material da nova casa das aventuras de Patópolis. A editora gaúcha Culturama lançou em março suas cinco revistas mensais, todas com histórias inéditas e com a numeração reiniciando do zero. Além da distribuição avulsa normal em bancas, a editora aposta em outros pontos de vendas para popularizar a leitura de quadrinhos Disney, principalmente entre crianças – por isso, a princípio, não teremos os encadernados de luxo que foram descontinuados pela editora anterior, que era mais caro e voltado ao público adulto. Também está disponível um sistema de assinatura que, ao invés de oferecer um desconto ao assinante, oferece brindes exclusivos como canecas, chaveiros e miniaturas exclusivas. A Culturama oferece ainda uma terceira modalidade de venda: o box contendo as cinco edições e uma cartela de adesivos. Foi com essa caixa que o Vortex Cultural teve contato, e iremos analisar cada uma das edições a seguir. Todas elas têm 68 páginas e apresentam o mesmo texto introdutório, contando um histórico da própria Culturama, das publicações Disney no Brasil e os planos futuros da nova editora.

    *Os textos a seguir são as opiniões pessoais do redator, e não refletem necessariamente a posição dos editores do site.

    Tio Patinhas nº zero

    Comecei a ler pelo título do meu personagem favorito, o que seria o mais lógico a se fazer. O gibi do Tio Patinhas apresenta um formato de publicações de histórias que me pareceu o ideal, e se continuar assim tem grandes chances de ser minha revista favorita. A primeira história é uma publicação italiana, que costumam ser mais longas e com menos quadros por páginas. Pessoalmente, não sou um grande fã da Disney italiana. Embora eu reconheça a liberdade criativa dos autores e desenhistas, o traço mais estilizado típico dos artistas do país da pizza me incomodam às vezes. Mas o que me incomoda sempre é a falta de comprometimento com uma cronologia razoável. Isso fica muito claro na primeira história intitulada O grande amor do Tio Patinhas. Escrita por Bruno Concita e desenhada pelo mestre Giorgio Cavazzano, a história me induziu a um erro logo no título. Eu esperava que fosse sobre Dora Cintilante, a vigarista que roubou o ouro e o coração do velho sovina nos tempos de garimpo no Klondike. Bem, nada disso apareceu, e vemos uma personagem totalmente nova chama Miriam MacGold. Como assim, ela é o grande amor do Tio Patinhas? O que houve com Cintilante? Como eu disse, os italianos tomam certas liberdades criativas e acabam simplesmente ignorando qualquer coisa já feita antes por autores de outras nacionalidades. Mas devo confessar que a história é bem interessante e me peguei rindo em algumas situações. As histórias a seguir são mais curtas (e com mais quadros por página), com um traço mais clássico e consistente, e aparentam estar mais alinhadas com Barks e Don Rosa. Produzidas na Dinamarca, essas hqs apresentam tudo que se espera de um conto dos Patos: Invasão à Caixa-Forte, os Irmãos Metralha, Maga Patalójika, uma viagem ao antigo garimpo do Tio Patinhas… Mas apesar de manter o visual clássico, temos tecnologia atualizada, como smatphones por exemplo. Diferente das histórias de Don Rosa, que se passam em uma eterna década de 1950, os dinamarqueses atualizam o que julgam necessário para dialogar com a nova geração de leitores.

    Pato Donald nº zero

    Eu tinha uma grande expectativa pra ler o novo gibi do Pato Donald. Afinal, foi com ele que começou a publicação mensal de hqs Disney no Brasil, na Editora Abril. Não me decepcionei. Suas 68 páginas foram bem recheadas de histórias que se alternavam entre mistério, aventura e humor, todas elas na média de dez páginas. Me surpreendi ao ler a primeira história com o teor mais sério e atual. Um golpe na Escandinávia mostra Donald e seus sobrinhos de férias em Oslo e retrata de forma bem realista algumas das paisagens nórdicas mais famosas. Mais histórias dinamarquesas seguem a essa, com tom mais leve, e duas histórias italianas (além das gags de uma página estreladas pelo Peninha). Temos Professor Pardal, Metralhas, Gastão, uma história de exploração espacial com Tio Patinhas e claro, o Peninha aprontando das suas! Pra quem gosta de humor leve e descompromissado, ou procura por algo mais infantil, esse gibi é certamente a melhor opção.

    Mickey nº zero

    Após ler as duas revistas que eu mais estava esperando, resolvi tirar logo o elefante da sala. Nunca gostei muito das histórias do Mickey, então resolvi ler de uma vez pra terminar logo. Ah, como eu estava errado! O gibi do Mickey realmente aqueceu meu coração e superou qualquer coisa que meu preconceito com o ratinho pudesse me permitir esperar. Loo na primeira história, aquela surra de nostalgia: Francesco Artibani escreve um conto da juventude de Mickey, Donald e Pateta que remete às primeiras animações do trio, lá do início do século passado. A arte de Lorenzo Pastrovicchio emula perfeitamente o espírito da época, e vemos aquele Mickey aventureiro e cheio de energia dos clássicos animados em uma empreitada com seus amigos como limpadores de chaminés, e enfrentam o Bafo de Onça e cientistas malucos em uma história de 30 páginas que me levou diretamente aos VHS da Video Collection Walt Disney de quando eu era criança. A segunda história não deixou por menos. Contando a história do romance entre Mickey e Minnie desde quando se conheceram (mais uma vez adaptando o estilo ao dos anos 1920 em um flashback), Giorgio Fontana e Massimo De Vita nos mostra como é a vida a dois do casal mais famoso da Disney. Apenas duas histórias italianas nesse gibi e PRONTO! Já não sou mais um hater! Quem diria que um gibi do Mickey iria abrir minha mente para experimentar essas liberdades criativas? (Ou talvez tenha sido justamente o fato de manterem uma cronologia? Veremos nos próximos lançamentos…)

    Pateta nº zero

    Ah, o Pateta! Hahaha, não tem como errar numa revista dessas! É o Pateta, ele é o mais engraçado dos três personagens principais, haha… ha? Oi, como assim, ele não é o personagem principal de sua própria revista? É isso mesmo que estou vendo? Infelizmente, é isso sim. Assim como no título do Mickey, a revista do Pateta apresenta duas histórias longas produzidas na Itália. Mas o Pateta sequer é o protagonista! Nem mesmo secundário ele é na primeira história, que dá mais importância a uma personagem que eu só conhecia de longe (a arqueóloga Eurásia). Já na segunda história, Pateta faz dupla com Horácio (o cavalo, não o tiranossauro herbívoro) para desbaratinar os planos de uma empresária inescrupulosa que descobriu a “água fóssil” e… Ah, cara! Que história genérica, qualquer outra dupla de personagens poderia estar ali que daria na mesma! Podia ser com Donald e Peninha, Mario e Luigi, Cebolinha e Xaveco… A história não mudaria em nada. Espero que as próximas revistas tragam histórias mais curtas ou ao menos mais engraçadas.

    Aventuras Disney nº zero

    Ah, a cereja do bolo! Deixei por último pois sabia que ia gostar, já que lembra o mix de histórias do antigo Almanaque Disney. A revista abre com uma história longa do Superpato, que eu gostei mas confesso não ter conseguido identificar se é a versão clássica ou a nova, futurística, pois pra mim parecia mesclar elementos de ambas. (“Ain, Dan, você tem que pesquisar mais antes de escrever!” – É, eu sei, mals aí! Tô tentando.) A seguir uma história curta do único Lobão que vale a pena prestar atenção, uma história muda do Pardal com o Peninha e um conto de mistério da Vovó Donalda – eu senti um certo orgulho em ter desvendado o roubo antes do desfecho, mas depois me lembrei que é um gibi pra crianças! Pra terminar, uma história do Superpateta bem divertida e leve (meio bobinha até), mas que pode tirar um riso ou outro.

    Conclusão: os italianos são legais, Dan!

    Após terminar os cinco gibis, cheguei à conclusão de que não devo torcer o nariz pras histórias italianas. Elas são divertidas! E as novas revistas estão com uma material muito melhor na Culturama do que na antiga casa. Papel de maior gramatura, capa em couché, excelente impressão. Teve um ou dois errinhos de diagramação nos balões, mas nada que prejudique o resultado final. Resta agora esperar que essa qualidade se mantenha, e que venham também as prometidas publicações diferenciadas, além da retomada da produção nacional. Ah, e tem cartela de adesivos! Todo mundo gosta de adesivos!

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  • Resenha | A Nova História e Glória da Dinastia Pato

    Resenha | A Nova História e Glória da Dinastia Pato

    Pouco antes de perder os direitos de publicação dos quadrinhos Disney no Brasil, a Editora Abril lançou o primeiro e único volume de uma série que seria trimestral mas acabou morrendo na praia: tratava-se de Disney Saga, apresentando as seis partes da inédita minissérie intitulada A Nova História e Glória da Dinastia Pato. Continuação da saga italiana semi-homônima dos anos 1970 que mostrava os antepassados do Tio Patinhas, a nova história apresenta seus futuros descendentes.

    Na saga original, Patinhas e seus sobrinhos descobrem um baú com moedas mágicas pertencentes aos seus antepassados e cunhadas em diferentes eras, que ofereciam aos patos um vislumbre do passado ao serem esfregadas com os dedos. Essa premissa se mantém na nova história, porém com o misterioso surgimento de novas e estranhas moedas vindas do futuro. Assim, cada capítulo da série mostra um salto de cem anos pra frente, e acompanhamos o surgimento de novas tecnologias, bem como o avanço da sociedade rumo à colonização do espaço sideral. A cada novo século o valor do dinheiro vai mudando de importância, bem como a forma de se ocupar os espaços – seja na terra, no mar ou por todo o sistema solar.

    A qualidade dos desenhos de Claudio Sciarrone nos salta aos olhos logo de cara. Não temos aqui um traço clássico para os personagens, como os de Don Rosa ou do próprio Carl Barks, mas também não é caricato ao extremo como muitas das produções italianas. Embora em alguns momentos pareça estilizado, não chega a ser desproporcional e a leveza da arte-final combinada com as cores e o enquadramento das cenas dá uma dinâmica ao roteiro invejável a outras produções contemporâneas. Infelizmente, não podemos dizer o mesmo do roteiro em si. Os personagens que deveriam ser descendentes do Tio Patinhas, Pato Donald e dos trigêmeos Huguinho, Zezinho e Luisinho acabam sendo nada mais do que os próprios personagens com roupas diferentes. Não existe nenhum desenvolvimento das personalidades deles, de forma que lá pela metade da edição o leitor percebe ser inútil tentar aprender seus nomes – basta chamá-los pelos nomes clássicos mesmo e está resolvido!

    É evidente que os autores italianos tenham maior liberdade criativa com os personagens Disney, mas chega a incomodar a falta de uma árvore genealógica coerente (como a de Don Rosa). Isso já era sentido na saga original, mas na nova história fica muito estranho. É impossível não se questionar sobre a linhagem de cada um. Como exemplo, podemos observar a primeira história, que se passa no ano 2118. MacPat é o “bisneto” do Tio Patinhas (embora mantenha todas as características do próprio), mas não sabemos mais nada dele. O Tio Patinhas teve filhos então? Com quem? Foi na velhice? O mesmo questionamento vale pros sobrinhos, mas fica ainda mais estranho quando pensamos em Huguinho, Zezinho e Luisinho: os três patinhos nas eras futuras são trigêmeos também ou cada um descende de um dos irmãos? Não sabemos. Não faz diferença, já que todos são, basicamente, os mesmos personagens.

    Lá pelo meio da história temos uma participação especial inusitada do Ultracomissário Mick-Maus que, bem, é basicamente o Mickey mesmo. É interessante vê-lo na história, pois geralmente os universo dos patos não se mistura com o dos ratos, mas aqui o crossover ocorre de forma bastante natural.

    Quanto aos vilões da história, temos a participação dos Metralhas e do Bafo de Onça (como chefe do Mickey), mas o principal é mesmo o Patacôncio, em suas diferentes encarnações. O desfecho da saga retoma algo do começo que, sinceramente, pode passar batido ao leitor casual menos atento (vale até a pena retomar as primeiras páginas para compreender melhor), pois se desenvolveu de forma corrida e pouco original. Ao terminar a leitura, fica aquela sensação de que poderia ter sido melhor, mas os desenhos, cores e enquadramentos são tão agradáveis aos olhos que uma crítica mais pesada pode até parecer injusta. Deve ser a tal da “Magia Disney”, que carrega uma grande carga de nostalgia e permite que relevemos alguns erros em troca da experiência de uma leitura leve e descompromissada.

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  • Disney e o Antinazismo

    Disney e o Antinazismo

    Desde sempre, a cultura e a arte tem ligação íntima com a política, e não é incomum que os produtores de audiovisual tomem partido quando o contexto histórico assim pede. O combate ao totalitarismo alheio é bem comum em especial em épocas de conflitos e basta dar uma olhada nos quadrinhos para perceber o enorme esforço de guerra que era empregado nos anos quarenta pelos heróis populares. Batman e Robin, Superman e Mulher-Maravilha estampavam capas nos anos 40 com tanques e armamentos de guerra. Na Marvel/Timeless não era diferente, pois a capa mais clássica do herói símbolo Capitão América era justamente dele desferindo um soco no rosto de Adolf Hitler.

    Nesse contexto, Walt Disney também teve uma contribuição. Sua carreira controversa por outros tantos motivos – entre eles a falta de crédito aos diretores, como é o caso da maioria desses – ganhou também esse capítulo, onde ele utilizou os seus estúdios e animações no mesmo esforço, produzindo obras em curta-metragem, com temáticas diferenciadas entre si, mas que tinham como norte o combate à tirania de Hitler e o chamado eixo do mal.

    Um tempo atrás,  analisamos Aprendizado Para a Morte (ou Education For Death), que mostra a construção do ideal nazista e a doutrinação que ocorria entre crianças,  com o estado nazista afetando o destino da infância desde o nascimento, proibindo certos nomes (os que se associam a judeus) além de estimular que as famílias cresçam para que haja gente que ocupe as fileiras de alistados.

    Outro filme que Walt Disney encomendou com seus produtores foi A Face do Fuhrer (ou no original Der Fuehrer Face), protagonizado pelo Pato Donald e lançado em 1943, vencedor do Óscar de Melhor Curta de Animação. Seu começo é musical, e mostra um trio de soldados opositores cantando, cada com um jeito bem peculiar, no idioma inglês, mas com forte sotaque alemão e japonês. Na música, falam sobre a nova ordem mundial de Hitler, e de como eles são como super homens.

    Logo, o hino acorda o pato, que assim que desperta, passa a fazer a saudação nazista a retratos na parede, de Adolf Hitler, Benito Mussolini e ao imperador japonês. Pelo céu e por toda a casa de Donald se percebem desenhos dos símbolo da suástica, tão abundantes em tela que passam a ideia de que os seguidores desse pensamento e modo de governo eram vítimas de lavagem cerebral. Quando não está comendo, ou fazendo suas necessidades, o pato lê Mein Kampf, como forma de ocupar seu tempo.

    O trabalho dele é repetitivo, ele verifica se as munições, entre balas, granadas e demais projéteis, mas a quantidade é tão grande e a indústria da guerra exige tanto dele que acaba entrando em colapso, vítima de um ataque nervoso, por não  conseguir suprir a demanda. O filme de Jack Kinney por mais que termine de maneira propagandista, existe um aprofundamento interessante da condição do proletariado, que é a parcela do povo que mais sofre em períodos de guerra.

    The Thrifty Pig, de 1941, um conto dos três porquinhos com algumas pequenas alterações na roupa do Lobo Mau, que usa faixa com a suástica além de um quepe com o mesmo símbolo. Mas não há muita diferença entre essa a história principal, exceto por uma bandeira da Grã Bretanha na casa dos tijolos. Ao final dele há uma propaganda nada velada, que evocava a vitória dos ingleses. Curiosamente o filme foi lançado em novembro, no mês anterior ao ataque a Pearl Harbor. Parecido com este é The New Spirit, de 1942, menos elaborado aos outros citados anteriormente, e ligeiramente melhor que o anterior. Ele começa com uma canção original sobre o espírito yankee. Tem um caráter de propaganda fortíssimo, pedindo investimento na indústria armamentista.

    Há um outro curta, Reason and Emotion, narrado de maneira tão quadrada que faz lembrar até um documentário. Na trama, Razão e Emoção brigam no cérebro das pessoas para tomar o controle, de certa forma, como foi visto na premissa de Divertida Mente, da Pixar. Na metade final do curta, é mostrado uma ideia de como Hitler dominou corações e mentes alemãs, a Razão é diminuída através das falácias de Adolf e a Emoção, e a forma como o Fuhrer propaga suas inverdades ludibria facilmente a parte emocional. Apesar de didático, o filme de Bill Roberts consegue transmitir bem a ideia de lavagem cerebral que ocorria no III Reich.

    Private Pluto é protagonizado pelo cachorro de Mickey Mouse, que marcha de maneira quadrúpede e com um capacete de soldado, seguindo ordens de um comandante estrangeiro, aparentemente alemão. De 1943, dirigido por Clyde Geronimi, a história mostra o cão se envolvendo em uma intriga com dois pequenos esquilos, que seriam os famosos personagens Tico e Teco, os dois acabariam sendo coadjuvantes em muitos desenhos do Pato Donald e depois teriam até uma animação famosa nos anos 90. Para efeitos da Guerra, fora o sucateamento do equipamento que os bichinhos fazem, não há muito a acrescentar, exceto que seu diretor Geronimi ganharia notoriedade anos mais tarde pela direção, seria ele o diretor dos clássicos animados Cinderela, A Bela Adormecida, Alice no País das Maravilhas, As Aventuras de Peter Pan, A Dama e o Vagabundo, além de nos anos sessenta ter feito dezenas de episódios nos desenhos desanimados do Namor, Hulk e no Homem Aranha.

    Voltando ao Pato Donald, Commando Duck lançado em 1944 mostra o protagonista como um soldado americano, que desce de paraquedas em um campo de batalha genérico, mas que está tomado de caricaturas de soldados japoneses. A animação é engraçada e repleta das piadas de humor físico típicas do personagem, com os exageros que mostram um bote militar se enchendo d’água e ficando tão grande quanto o espaço físico de um cânion, mas tão frágil quanto uma bexiga.

    Outra situação cômica estranha é o fato de brincar-se demais com armas e munições, onde se tira boa parte do peso. Jack King conduz uma história bem engraçada, tal qual faz também em Fall Out Fall In, um ano antes, que é levemente menos inspirado que os outros citados. Nele, Donald é um alistado que enfrenta a chuva, lama e outros percalços comuns aos soldados rasos. Ao esforço de guerra, serve para valorizar a bravura e a estafa que os alistados tinham, e veladamente, uma reflexão sobre quão fútil poderia ser o serviço de alistamento militar.

    King ainda faria The Old Army Game, que começa com Bafo de Onça de vigia do exército, verificando o sono dos soldados, até perceber que um deles pôs um boneco em seu lugar na cama. Depois, ficam os dois brincando entre si, com Bafo se sentindo mal por fazer troça com o pato. Para terminar, há Sky Trooper, mais antigo dos filmes, de 1942. Como o nome diz, é focado em uma instalação aeronáutica. Donald é um recruta responsável por descascar batatas, mas seu desejo real é voar. Ele lida com um oficial superior vivido pelo Bafo de Onça, que o engana, fingindo que ele irá voar nas aeronaves como os pilotos, mas ele é posto com os paraquedistas sem o mínimo de treinamento para tal. Esse é mais um vídeo de bastidores, feito para entreter o público e para tornar mais leve o dia a dia das tropas americanas, com uma temática divertida e escapista, diferente dos horrores da guerra que os jovens soldados viviam. Se por um lado, seu caráter é desimportante, por outro não há a arrogância propagandista típica de Disney como houve com A Face do Fuhrer. É curioso apreciar hoje em dia o esforço cultural contra o avanço de Hitler e do nazifascismo, e serve a história por ser registros de uma época diferente.

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  • Resenha | Lendas Disney n°01 – Superpato Original

    Resenha | Lendas Disney n°01 – Superpato Original

    Em janeiro de 2018, a Editora Abril lançou o que seria uma nova série dedicada aos maiores personagens dos quadrinhos Disney. Com capa cartonada e formato diferenciado, a série não chegou sequer ao seu segundo número – que seria dedicado aos 70 anos do Ganso Gastão – graças à crise editorial e perda dos direitos de publicação dos quadrinhos Disney no Brasil. Contudo, o primeiro e único volume da série mostra que a premissa seria bem interessante se não fosse interrompida por questões contratuais da empresa. Lendas Disney n°01 – Superpato Original apresentou as três primeiras histórias do personagem, sem cortes e sem censura, reunidas em uma só edição.

    Antes de falar sobre as histórias em si, cabe aqui uma contextualização histórica. As histórias em quadrinhos Disney são produzidas em diversos países, como Itália, Dinamarca, Holanda e Brasil (embora hoje não exista mais produção nacional, esta foi muito forte nos anos 1980), e o Superpato é uma criação da Disney italiana, fruto de uma ideia da editora Elisa Penna e do roteiro de Guido Martina, com desenhos de Giovan Battista Carpi em 1969. Em terras brasileiras, a publicação do personagem se deu pela primeira vez em 1973, porém sofreu diversos cortes e alterações, tanto na arte quanto nos roteiros, tendo páginas suprimidas e final totalmente refeito no Brasil. Isso se deu por conta da forte censura da ditadura militar, na época sob o comando do general Emílio Garrastazu Médici. Nas histórias publicadas na íntegra nessa edição, vemos um Donald bastante diferente do que conhecemos, com caráter mais do que duvidoso, infringindo a lei e agredindo policiais – coisa que jamais passaria pelos censores dos anos de chumbo no Brasil. Quem leu essas histórias na época, no saudoso Almanaque Disney, pode entender nesse volume o motivo de tantas incongruências entre elas. Aqui, vemos em ordem cronológica e com um certo respeito à linha narrativa, tendo um background bem estabelecido para o alter ego do Pato Donald.

    A primeira história se chama Superpato, o diabólico vingador. Nela vemos a origem do herói – opa! Herói não! Em seus primórdios, Superpato nada mais era do que um fora-da-lei, uma persona criada por Donald para se vingar dos desmandos de seu tio muquirana (que nas histórias italianas é ainda mais sovina e até mesmo cruel do que o Tio Patinhas retratado por Barks e Rosa). Cansado de ser humilhado, Donald se apropria indevidamente de uma vila nas colinas com um casarão abandonado (que deveria ter sido doada a seu primo Gastão). Ali ele conhece a história de Fantomius, um fora-da-lei do passado e usa sua vestimenta e apetrechos para se vingar do seu tio pão-duro, roubando-lhe o colchão recheado de dinheiro enquanto o velho pato dormia. O interessante nessa história de origem é ver o quanto Martina retrata Donald como mau-caráter e aproveitador, incriminando pessoas inocentes apenas para atingir seus objetivos mesquinhos, muito diferente do personagem que conhecemos.

    Em A fabulosa noite do Superpato, também de Martina mas com desenhos de Romano Scarpa e arte-final de Giorgio Cavazzano, vemos o desenrolar dos eventos ocorridos na história anterior. É interessante notar uma certa preocupação com fatos estabelecidos anteriormente, principalmente o destino da Vila Rosa no desfecho da história anterior. Donald continua obcecado por vingança, e está disposto até mesmo a roubar todo o dinheiro arrecadado em um baile filantrópico para atingir seus objetivos. Merece destaque a participação do Professor Pardal, que não só prepara um arsenal e um bunker para o vingador mascarado como também cria um álibi perfeito para si próprio ao desenvolver o caramelo cancelador de memórias.

    O museu de cera é a terceira e última história da edição, produzida pelo mesmo trio da anterior, e continuamos vendo o Superpato como um bandido, porém seu desfecho é um pouquinho mais altruísta do que nas outras duas. Chega a ser irritante ver a hipocrisia de Donald quando ele se indispõe com quem desconfia de que ele seja o Superpato, chegando até mesmo a agredir seus sobrinhos fisicamente por simplesmente estarem certos. Dessa vez, inconformado por ver seu tio se apropriar de uma ideia sua, o herói rouba o museu de cera do milionário. Sem dúvida alguma Donald é um criminoso nessas HQs, mas ao menos em seu desfecho o roteiro começa a sinalizar uma mudança no status quo do personagem, que de tanto sucesso passou a ser realmente um super-heróis nas histórias vindouras.

    Superpato Original nos apresenta um personagem totalmente diferente daquele que conhecemos. Inicialmente uma paródia de um personagem famoso na Itália (Diabolik, de onde vem o nome original italiano Paperinik), ganhou público e crítica, mudou seu conceito, teve reboot e séries mensais dignas de heróis da Marvel ou DC e conquistou gerações. Uma pena que Lendas Disney tenha sido interrompida tão precocemente em sua primeira edição.

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  • Resenha | Tio Patinhas e Pato Donald: “Volta a Quadradópolis” – Biblioteca Don Rosa

    Resenha | Tio Patinhas e Pato Donald: “Volta a Quadradópolis” – Biblioteca Don Rosa

    O segundo volume da série Biblioteca Don Rosa, Tio Patinhas e Pato Donald: “Volta a Quadradópolis” é um dos livros mais interessantes publicados pela recém-extinta divisão de quadrinhos Disney da Editora Abril. Nele, vemos uma época da carreira de Keno Don Rosa em que embora ele estivesse mais confortável com os personagens, histórias e arte, também precisou passar por questões editoriais alheias à sua vontade. As histórias desse volume datam de outubro de 1988 até junho de 1990, e foram publicadas por editoras diferentes e em países diferentes, o que fez com que o autor tivesse que se submeter a alguns contratempos que, mais tarde com a carreira já consolidada, ele provavelmente não aceitaria. Assim, temos histórias que contam com o talento de outros artistas e escritores, em uma co-produção inclusive com o próprio Carl Barks!

    A primeira história, “O caçador de crocodilos”, segue a fórmula favorita de Don Rosa, que é a de aventuras de exploração e caça ao tesouro. A trama contém várias referências às histórias antigas de Barks, incluindo o incrível zoológico do Tio Patinhas mostrado na edição Em Busca do Unicórnio,  da coleção O Pato Donald por Carl Barks, publicada pela mesma editora. Na trama, baseada em uma ilustração de capa feita por Barks, Donald e os sobrinhos partem em uma aventura no Egito para encontrar um raríssimo crocodilo. Em seguida, temos Fortuna nas rochas, uma história curta em que Don Rosa usa seu conhecimento sobre geologia adquirido na faculdade para fazer piadas e trocadilhos com pedras (que se perdem na tradução). Mas a terceira história é a que, de longe, chama mais a atenção!

    Volta à Quadradópolis é a primeira continuação direta de uma obra de Barks, dando sequência à história Perdido nos Andes (também publicada na outra coleção). Vale notar o cuidado da tradução em manter os mesmos termos usados na coleção Carl Barks, incluindo a música que Donald havia ensinado aos nativos de Quadradópolis (corrigindo um equívoco ocorrido na última republicação das duas histórias, em Disney Big nº 05). A família Pato retorna aos Andes – dessa vez acompanhados de seu rico tio – para devolver as galinhas quadradas ao seu habitat natural, mas são perseguidos pelo Pão-Duro Mac Mônei, mais uma vez brilhantemente usado como vilão da história. É interessante a forma como Don Rosa representa o impacto cultural que pode ser gerado quando uma inóspita tribo é visitada por membros do chamado “mundo civilizado”, e o quanto de aculturação pode resultar do processo.

    Entre as outras histórias do volume (algumas curtas, centradas em uma piada), vale destacar mais quatro: Um pato vendo estrelas, Sua majestade Patinhas, Viagem no tempo e Ratos, sigam-me!, cada uma por um motivo diferente e igualmente interessante.

    Um pato vendo estrelas nunca foi finalizada, e é apresentada em sua forma de roteiro, com os esboços do próprio Don Rosa. Trata-se de uma peça publicitária, onde Donald e os Sobrinhos visitam o parque Disney-MGM. É a única história de Don Rosa em que Mickey aparece, aqui como uma celebridade dos cinemas (o universo do camundongo não existe nas histórias de Rosa). A história foi engavetada na época e é apresentada de forma crua, possibilitando ao leitor entender como o autor trabalha seus roteiros.

    Sua majestade, Patinhas mostra um pouco do passado de Patópolis quando o Tio Patinhas resolve transformar o Morro Matamotor, onde reside sua Caixa-Forte, em um país independente. A história lida com questões de imigração e impostos, e embora sua premissa seja ingênua à princípio, vemos várias camadas de assuntos sérios e relevantes sobre economia, geopolítica e sociedade, disfarçados de piadas infantis. Alguns elementos dessa história seriam reapresentados mais tarde na épica Saga do Tio Patinhas.

    Viagem no tempo é  uma história bobinha de quatro páginas que merece atenção por algumas curiosidades. Primeiro: não foi desenhada por Barks, o que nos salta logo de cara. Segundo: carrega a marca DuckTales, e apresenta os personagens de uma forma muito diferente do que Don Rosa estabeleceu em suas publicações. Em várias entrevistas e em matérias autobiográficas, Rosa afirma que apenas escreve histórias que possam ser uma continuidade do que Barks fez, recusando a desenhar personagens como o Peninha, por exemplo, que não foi criado pelo Homem dos Patos. Pois bem: nesta história ele escreve para nada menos do que TRÊS personagens criados para a série de TV! O mordomo Leopoldo, o garoto pré-histórico Bubba e o atrapalhado Capitão Bóing, além da Mansão Patinhas abrigar os sobrinhos como estabelecido na série. Aparentemente, Don Rosa é um homem de plenas convicções artísticas apenas quando não precisa de dinheiro…

    Em Ratos, sigam-me!, vemos algo singular: o autor se apropria de um antigo roteiro não finalizado de Carl Barks e desenvolve sua trama, baseada no clássico O flautista de Hamelin. Assim, essa é a única história feita, de certa forma, em conjunto pelos dois grandes artistas!

    Tio Patinhas e Pato Donald: “Volta a Quadradópolis” é um daqueles volumes cheios de gratas surpresas e curiosidades, que remonta a uma fase um tanto conturbada na carreira do autor e mesmo assim prende nossa atenção, tanto pelas ótimas histórias quanto pelas curiosidades de bastidores.

    Compre: Tio Patinhas e Pato Donald: “Volta a Quadradópolis”.

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  • Resenha | Tio Patinhas e Pato Donald: “O Filho do Sol” – Biblioteca Don Rosa

    Resenha | Tio Patinhas e Pato Donald: “O Filho do Sol” – Biblioteca Don Rosa

    Quadrinhos Disney costumam ser vistos pelo grande público como uma forma de escapismo simples e divertida, sem grandes nuances e, por vezes, até meio ingênua. Vez ou outra surge algum grande artista que resolve colocar um pouco mais de esforço em suas histórias e se dedica a trazer algo além do mero escapismo. Foi o caso de Carl Barks, nos anos de 1940 em diante, que criou grande parte do que conhecemos hoje nas histórias do Pato Donald e marcou gerações de leitores. Seguindo sua linha de narrativa e explorando os personagens desenvolvidos por Barks, nos anos de 1980 desponta aquele que seria aclamado pelo público como seu “sucessor espiritual” nas revistas dos patos. Keno Don Rosa era fã de quadrinhos desde criança, e afirmava ter se preparado a vida inteira para escrever uma única história do Tio Patinhas. Em julho de 1987 essa história foi publicada, e claramente não foi a única: muitas vieram depois e Rosa consagrou-se como um dos grandes artistas Disney!

    Em outubro de 2017 a Editora Abril publicou pela primeira vez no Brasil o primeiro volume da série que se propõe a compilar cronologicamente todas as histórias Disney em que Don Rosa trabalhou. Tio Patinhas e Pato Donald: “O Filho do Sol” – Biblioteca Don Rosa é um álbum luxuoso não só para os padrões de quadrinhos Disney publicados mensalmente no país, mas para o mercado de graphic novels como um todo. O livro apresenta histórias de julho de 1987 a agosto de 1988, com notas do autor e a primeira parte de sua autobiografia. A primeira história é a que dá nome ao volume (O Filho do Sol), e é uma releitura de uma hq que Rosa tinha produzido para um fanzine em sua juventude. A história traz tudo que uma aventura dos patos deve ter: ação, aventura, comédia, uma civilização perdida, tesouros… E um vilão que, nas mãos de Don Rosa, ficou realmente assustador: Pão-Duro MacMônei, que não só usa suas artimanhas e trapaças para ludibriar a equipe do Tio Patinhas como claramente ameça assassiná-los em determinado momento. A cena em que o vilão aponta uma arma para seus rivais em um avião em pleno voo passa uma emoção ímpar aos leitores, e realmente tememos pelas vidas dos protagonistas emplumados.

    Rosa segue à risca a cartilha de Barks, tratando os personagens não como patos verdadeiros, mas como uma representação da condição humana. Sua arte, muito detalhista e um tanto fora dos padrões Disney, dá o tom mais sério das histórias quando necessário. Em suas 200 e poucas páginas, vemos o autor explorar várias nuances de histórias clássicas do Tio Patinhas e Pato Donald, tanto nas histórias longas, nas curtas e nas piadas de duas páginas. Elementos clássicos como o carro 313, os Escoteiros Mirins, o vizinho rabugento Silva e o primo sortudo e presunçoso Gastão ganham o mais próximo de uma versão “definitiva” nas mãos talentosas do quadrinista. Embora esse primeiro volume ainda não apresente uma continuação direta de alguma história de Carl Barks, existem vários elementos do Homem dos Patos apresentados como homenagem, assim como a dedicatória que Don Rosa procurava esconder na maioria das suas histórias (D.U.C.K., sigla em inglês para “Dedicado ao Tio Carl, por Keno”). A preocupação com a continuidade das histórias, como num universo coeso cronologicamente, faz com que todas elas sejam ambientadas aproximadamente na década de 1950, o que se reflete nos hábitos e costumes dos personagens e na tecnologia que é por eles utilizadas – não há computadores ou celulares por perto!

    O último trenó para Dawson é a mais tocante das histórias. Nela, vemos um pouco do passado do pato quaquilionário e sua juventude vibrante, que contrasta muito com a sua personalidade sovina adquirida na velhice. Essa história faz uma ponte com A Saga do Tio Patinhas, épico de Don Rosa que será republicada na coleção.

    O álbum foi editado de forma muito parecida com a versão original, o que deve ter sido um árduo trabalho de negociação com o próprio Keno Don Rosa – que nunca estivera antes satisfeito com a forma que suas histórias eram publicadas. Todas as notas sobre todas as histórias, o prefácio e a biografia do autor foram escritas pelo próprio artista. O trabalho de tradução e letreiramento estão realmente muito bons, embora, por ser uma edição que se propõe definitiva, talvez algumas decisões editoriais como traduzir a moeda americana para “pataca” ou o sobrenome do velho tio para “MacPatinhas” ao invés de McPato (popularizado pela série de TV DuckTales) pudessem ter sido evitadas, como a Panini tem feito com personagens DC que tiveram nomes adaptados no passado. Mas esses são pequenos detalhes que, de forma alguma, alteram a grandiosidade da obra e a importância de sua publicação em terras brasileiras.

    Compre: Tio Patinhas e Pato Donald: “O Filho do Sol”.

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  • Resenha | Pato Donald por Carl Barks: A Cidade Fantasma

    Resenha | Pato Donald por Carl Barks: A Cidade Fantasma

    O quarto volume da série que pretende republicar toda a obra do Homem dos Patos é ao mesmo tempo o maior e o mais fraco que a Editora Abril publicou até agora. Com 252 páginas, Pato Donald por Carl Barks: A Cidade Fantasma corresponde cronologicamente ao volume 15 da coleção, e passa longe da fase de ouro do autor. Embora Barks se mostre muito mais à vontade tanto ao escrever quanto ao desenhar os personagens, algumas soluções de roteiro se mostram muito simplistas e em alguns momentos até mesmo preguiçosas. O traço dos patos está mais simples que nas edições anteriores, e Donald parece mais jovem e menos pesado, com seu bico menos alongado, pescoço mais curto e cabeça mais arredondada.

    As histórias dessa edição são de dezembro de 1953 a junho de 1955, e são mais curtas, sem os grandes épicos das edições anteriores. O foco está mais voltado para o dia a dia do Pato Donald, seus relacionamentos com a família e os vários ofícios que exerce para sobreviver. Embora não apresente histórias épicas, podemos destacar vários clássicos nesse volume, como Puxa-Puxa, que caramelo!, O faz-tudo, e Quem tutu quer, tutu perde. Essa última tem algumas curiosidades, como a aparição de um gato muito parecido com Lúcifer, de Cinderela, ou uma versão meio abobalhada do Professor Pardal bem diferente do que estamos acostumados hoje em dia. Em O preço da glória, Donald cisma que tem o dom cantar e quer participar de um programa de televisão, deixando os sobrinhos enlouquecidos com seus ensaios. Na tradução, todas as músicas cantadas por Donald são da banda Pato Fu, o que soa um tanto quanto anacrônico se lembrarmos da data e país de origem dessa história – talvez o tradutor Marcelo Alencar tenha as inserido para brincar com o nome da banda.

    A história que dá nome ao volume é a primeira a ser apresentada, e é uma ótima peça de comédia que homenageia os filmes de bangue-bangue muito populares à época. Porém, diferente de O Xerife do Vale Balaço, publicada anteriormente na coleção, a história é mais comedida no que se pesa à aventura. Mesmo assim, mostra um Pato Donald decidido a até mesmo pegar em armas para defender sua família de um suposto fantasma! Além de várias outras histórias de dez páginas, vemos duas que foi republicada há pouco tempo, com colorização diferente, no especial Contos de Natal por Carl Barks,  mas que valem a pena serem relidas (Um camelo de graça… é caro e Presentes para todos). Jogo de tênis, gag de uma página só, é um caso curioso: é uma das duas únicas histórias roteirizadas por Barks e desenhada por outro artista (no caso, Tony Strobl). Outro caso curioso é a história Pato Donald fala sobre pipas, que não tem roteiro de Barks e foi distribuída gratuitamente por companhias elétricas para alertar as crianças sobre os perigos de soltar pipas perto de fios e torres de energia.

    Embora não tenha grandes épicos e apresente uma qualidade inferior de roteiro e arte, esse volume ainda assim é bastante divertido e, por conter histórias menores, mais variado que os demais. Vemos um Pato Donald mais humano, um verdadeiro homem comum, que se esforça para atingir seus objetivos mesmo que, muitas vezes, não consiga. Temos, rivalidades, humor  e uma boa dose de inconsequência, além de textos explicativos e excelente qualidade gráfica, que podem agradar tanto o leitor casual quanto o mais exigente colecionador.

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  • Resenha | Pato Donald por Carl Barks: Em Busca do Unicórnio

    Resenha | Pato Donald por Carl Barks: Em Busca do Unicórnio

    Terceiro volume publicado da série (e oitavo editorialmente), O Pato Donald por Carl Barks: Em busca do unicórnio segue a qualidade gráfica de seus antecessores, e apresenta histórias sensacionais. Barks parece estar mais à vontade com os personagens, principalmente os recém-criados por ele, como Gastão e Tio Patinhas. Esses dois apresentam algumas características que foram aos poucos se perdendo nas histórias mais recentes. A história-título, Em busca do unicórnio, apresenta algo impensável para o Tio Patinhas dos dias de hoje: o velho sovina oferece uma gorda recompensa em dinheiro ao seu sobrinho caso ele cumpra a tarefa de capturar o último unicórnio vivo na Índia. Roteiristas mais novos costumam fazer com que Donald receba apenas 30 centavos por hora de seu tio, ou acabe até devendo algo a ele pelo uso de equipamentos. O Patinhas ainda embrionário de Barks não toma a dianteira da expedição, como faria em futuras obras do autor, terceirizando a ação. O Gastão, também embrionário, não é apenas um ganso sortudo. Ele “faz” a própria sorte, através de meios muitas vezes escusos, enganando e trapaceando seu primo para conseguir encontrar o unicórnio antes dele, e de forma menos trabalhosa. Assim, ao final das histórias com a dupla Donald/Gastão, nem sempre o primo ganso leva a melhor e a justiça poética parece funcionar. Donald pode, vez por outra, usufruir de uma parcela da riqueza de seu abastado tio, afinal!

    Em outra história apresentando a relação entre o pato e seu tio rico, Carta para Papai Noel, vemos um Patinhas menos avarento esbanjando seu rico dinheirinho para presentear seus sobrinhos-netos no natal. Essa história formidável (com direito a uma luta de retro-escavadeiras) já tinha sido republicada recentemente no especial de capa dura Contos de Natal, mas aqui apresenta a paleta de cores original, como todo o volume.

    Talvez o maior destaque da edição seja a história O felizardo do Pólo Norte, na qual Donald arma um esquema para se livrar do seu primo esnobe Gastão, mandando-o a uma infrutífera expedição no gelo polar. As cenas em que o pato sente o peso na consciência de sentenciar o ganso a uma morte glacial são de uma genialidade característica de Barks, e um dos momentos mais humanos do volume.

    A terra dos ídolos é mais uma daquelas histórias que se utilizam dos estereótipos raciais da época ao retratar os nativos americanos. Guardadas as devidas precauções para que não haja um julgamento anacrônico de valor, a história é sensacional! Donald arruma um emprego como vendedor de bugigangas e procura os povos mais isolados da América para empurrar suas quinquilharias. A transformação dos ídolos do título (totens, na verdade) em um enorme órgão à vapor é uma das cenas mais divertidas da edição!

    O volume apresenta Carl Barks bastante à vontade e em sua melhor fase. A qualidade das histórias é muito superior à edição que veio logo a seguir – que seria, cronologicamente, o volume 15 – , e merece um lugar de destaque na coleção de qualquer fã de quadrinhos Disney.

    Compre: Pato Donald por Carl Barks: Em Busca do Unicórnio

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  • Resenha | Pato Donald por Carl Barks: O Segredo do Castelo

    Resenha | Pato Donald por Carl Barks: O Segredo do Castelo

    Segundo volume publicado da coleção dedicada a trazer para o leitor toda a obra do Homem dos Patos (e cronologicamente, anterior ao primeiro volume), Pato Donald por Carl Barks: O segredo do castelo nos brinda com o que que há de melhor nos quadrinhos Disney de todos os tempos. Para o leitor e fã brasileiro, essa edição tem uma importância histórica, já que O segredo do castelo foi a primeira hq Disney publicada pela Editora Abril, em O Pato Donald nº 01, em julho de 1950 (dois anos após sua publicação original). A edição segue o padrão da anterior, com papel fosco e de gramatura maior que o normal e mantendo a paleta de cores próxima do original – com um restauro de verdade, não o que vem ocorrendo com as revistas Disney mensais que mais parecem xerox mal feito. A qualidade gráfica é bastante superior a qualquer obra publicada recentemente, o que prova que é realmente uma coleção à parte dos outros encadernados em capa dura da editora.

    Além da história que dá título ao volume, temos mais algumas aventuras longas, outras histórias de dez páginas e várias gags de uma página só. Em qualquer uma delas, vemos a arte de Barks de forma quase que cinematográfica, e painéis estáticos nos passam a noção de movimento necessária para que, em determinados momentos, tenhamos a sensação de estar assistindo um desenho animado. A maestria do roteiro de Barks pode ser percebida pelo tour que ele faz ao redor de vários gêneros literários, seja a aventura de exploração em “Os caçadores da borboleta perdida”, a ficção científica em “Corrida fórmula lua”, o faroeste de “O xerife do Vale Balaço” ou as sitcoms das gags de página única.

    Interessante notar como os personagens coadjuvantes ainda não apresentam as características que conhecemos hoje. O Ganso Gastão, por exemplo, embora rivalize com seu primo e se mostre um folgado convicto, ainda não tem a sorte como elemento chave de sua personalidade (sua história de estreia consta nesse volume, mesmo tendo sido republicada há pouco tempo em Contos de Natal, mas dessa vez com as cores originais). Os sobrinhos Huguinho, Zezinho e Luisinho ainda não são os Escoteiros Mirins que seriam mais tarde, e embora já não sejam mais os pestinhas das tiras dominicais de Al Taliaferro, tomam atitudes bastante questionáveis. Tio Patinhas é uma figura distante, longe do protagonista que se tornaria mais tarde pelas mãos do próprio Carl Barks, digno de estrelar sua própria série animada nos anos 80.

    Se há algo no volume que não agrada o leitor é o preço: 60 patacas é bastante salgado, mesmo pra um volume de qualidade como esse. Talvez compense esperar por promoções em sites especializados.

    Cada história – inclusive as gags – é analisada ao fim da edição por vários estudiosos de literatura e quadrinhos, que dão um gosto ainda melhor pra cada uma delas ao situarem o contexto histórico em que estão inseridas, bem como o momento da vida do autor que refletem. O trabalho de restauro é muito bem feito, principalmente em “Os caçadores da borboleta perdida”, cuja arte original havia se perdido há muito tempo e foi redesenhada em 1982 pelo artista holandês Daan Jipes. Nesse volume, ela teve seu restauro com base em uma edição italiana de 1950 e finalmente a vemos com a arte de Carl Barks novamente. Aos fãs, resta torcer para que a coleção seja publicada até o fim, mantendo a qualidade que vem se mostrando até agora.

  • Resenha | Pato Donald por Carl Barks: Perdidos nos Andes

    Resenha | Pato Donald por Carl Barks: Perdidos nos Andes

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    A coleção dedicada a republicar todas as histórias do Homem dos Patos começou de maneira sensacional! Pato Donald por Carl Barks: Perdidos nos Andes é o primeiro volume da série a chegar às bancas e livrarias brasileiras – embora seja o sétimo da coleção, que não está sendo publicada cronologicamente, da mesma forma que a editora Salvat faz com sua coleção de graphic novels da Marvel – e não poderia ter começado melhor. Publicada nos Estados Unidos pela Fantagraphics, a série apresenta todas as histórias escritas e desenhadas por Carl Barks, e resgata a paleta de cores originais da época (diferentes das últimas republicações, que tinham as cores remasterizadas) além da arte original, sem alterações. Barks foi o mais importante quadrinista Disney, e esta edição mostra porque ele é tão reverenciado.

    Perdidos nos Andes traz a clássica história homônima, na qual Donald e seus sobrinhos Huguinho, Zezinho e Luisinho encontram uma civilização perdida onde não existe nada na forma circular, chamada de Quadradópolis. A expedição começa quando acidentalmente, Donald descobre que as rochas em exposição no museu eram, na verdade, ovos quadrados! A investigação sobre a origem dos ovos quadrados (cúbicos, na verdade) leva Donald e seus sobrinhos a uma busca pelas montanhas do Peru, em antigo território inca. É interessante notar como Barks representa os nativos de forma a sempre parecerem exóticos e não-civilizados, além de um tanto quanto preguiçosos ou oportunistas. Parece ser a visão que se tinha na década de 1940 dos povos de terceiro mundo. Mas ao encontrar a tal civilização perdida, num local isolado por montanhas e névoas, vemos que a assimilação de hábitos e costumes norte-americanos está representada através da música que os nativos cantam e da língua que falam (inglês, evidentemente perdido na tradução). Assim, a família Pato passa por diversas situações em um cenário deslumbrante, fruto da melhor fase criativa de Barks.

    Além da história-título, ainda vemos na primeira parte do volume – dedicada às grandes aventuras – um outro clássico absoluto: Donald na África. Essa aventura emocionante é também alvo de duas polêmicas. A primeira está na representação dos nativos africanos como figuras sombrias e assustadoras, parte da iconografia estereotipada – e por que não dizer, racista – da época em que foi produzida. Outras edições recentes nas quais essas histórias foram publicadas tiveram sua arte alterada para amenizar o estereótipo. Desta vez, manteve-se todos as caricaturas racistas da época (inclusive um personagem que aparece na primeira página da história, Bop-Bop, que é claramente inspirado nos black faces dos minstrel shows), porém com textos explicativos que contextualizam a obra. Assim, ao invés de varrer pra debaixo do tapete esse momento vergonhoso das representações gráficas de povos afrodescendentes (como fez a Warner com seus desenhos antigos do Pernalonga), a Disney assume seus erros do passado. A segunda polêmica envolvendo essa história é a afirmação do Tio Patinhas de que teria contratado mercenários para expulsar as tribos das terras africanas que ele tomou posse, no passado. São detalhes importantes e com grande significado para entendermos as mudanças pelas quais nossa sociedade passou no último século, mas que não atrapalham ou fazem muita diferença na história em si. Na trama, Donald é perseguido por um zumbi africano que o confunde com seu tio rico e lança nele uma maldição vodu. Donald viaja então para a África pra livrar-se dessa maldição, encontrando o feiticeiro que a conjurou. Interessante notar como o velho Patinhas, em sua breve aparição, faz pouco caso disso, enquanto Donald é movido pelo medo e superstição. Parece que Barks, ao inserir o ceticismo como parte da personalidade do Tio Patinhas, faz uma crítica à credulidade da sociedade.

    Mais duas grandes aventuras recheiam o volume, sendo elas A árvore de natal dourada (que já foi republicada há pouco tempo no especial Contos de Natal, porém com colorização diferente) e Primo, você é que tem sorte, onde Donald e Gastão disputam uma corrida naval para salvar seu velho tio em uma ilha perdida.

    Embora alguns estereótipos salte aos olhos do leitor moderno, as histórias não são pautadas nas polêmicas, e sim nas personalidades de seus protagonistas. Donald, embora um pato, reflete todos os aspectos da personalidade humana. Ambição, desejo, frustração, medo, raiva… Seja qual for o sentimento, não poderia estar mais humanizado do que nas expressões do Pato. Nos identificamos com Donald, pois não temos a fortuna do Tio Patinhas, a sorte do Gastão ou a esperteza dos seus sobrinhos: o Pato é um homem comum como qualquer um de nós. Embora não possua uma mente brilhante, é um trabalhador esforçado que faz de tudo para sobreviver. Seus sobrinhos funcionam ora como sua consciência, como na história principal, ora como antagonistas, como na história em que Donald é um inspetor de alunos que os flagra cabulando aula.

    Além das longas aventuras, temos mais duas partes no livro: uma dedicada a histórias curtas de dez páginas e outra com gags de uma página só. Barks, que trabalhou anteriormente nos estúdios de animação da Disney, sabe conduzir todas elas com maestria. Os personagens aparentam ter volume, peso e ocupar realmente um lugar no espaço do cenário, e a ação ocorre de forma fluida e fácil de acompanhar. Os ricos detalhes dos desenhos não atrapalham a leitura da trama.

    Para encerrar o livro, temos vários textos explicativos, comentando cada uma das histórias, assim como uma biografia de Carl Barks nas primeiras páginas. O papel utilizado para o miolo é diferente do que vinha sendo usado nos outros especiais de capa dura da Abril, mas por um motivo peculiar: para preservar a leitura de forma mais parecida possível com a original. Assim dispensou-se o couché, que deixava as cores brilhantes e optou-se pelo off-white, que é mais fosco e cansa menos a vista. Na verdade, tanto seu formato quanto conteúdo fogem do padrão que a Abril estabeleceu nos últimos encadernados, notoriamente por se tratar de uma outra coleção. O volume tem metade das páginas da edição dedicada aos quadrinhos de DuckTales, porém sua qualidade é bastante superior, tanto nas histórias quanto no material extra. Tanto fãs antigos como quem nunca leu uma história dos patos tem nesse volume uma excelente compilação de histórias do maior artista que passou pelas histórias em quadrinhos de Walt Disney.

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  • Resenha | Contos de Natal

    Resenha | Contos de Natal

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    Histórias de natal nos quadrinhos Disney são quase que uma tradição anual. No Brasil, todo fim de ano vemos nas bancas um almanaque contendo coletâneas de histórias natalinas, o Natal de Ouro Disney. Edição esperada o ano todo pelos leitores nos anos 80 e 90, Natal de Ouro voltou a ser publicada há alguns anos, apostando em histórias mais recentes e algumas inéditas, produzidas na Itália. Além desta costumeira edição, os leitores de quadrinhos Disney no Brasil tiveram uma ótima surpresa nesse fim de ano: a Editora Abril publicou um volume em capa dura intitulado Contos de Natal por Carl Barks.

    Barks foi o criador de praticamente tudo que é legal nas histórias do Pato Donald, desde personagens secundários até a própria cidade de Patópolis. Esta edição apresenta, em ordem cronológica (em partes – mais sobre isso daqui a pouco) todas as histórias com tema natalino escrita pelo Homem dos Patos. São 35 histórias que vão desde épicos de mais de vinte páginas até gags de uma página só.

    As histórias de natal apresentadas nesse volume, além de serem clássicos indiscutíveis, carregam também grande valor histórico. A primeira delas, O Melhor Natal, apresenta a primeira aparição da Vovó Donalda. Além disso, mais duas histórias nos brindam com primeiras aparições: Natal nas Montanhas é a estreia de ninguém menos que Tio Patinhas Mac Patinhas (ou MacPato, para os saudosistas de Duck Tales). Aqui, Patinhas é um velho sovina e rabugento que odeia o natal e é praticamente o vilão da história. Sua personalidade ainda não estava definida – dizem que Barks não tinha planos de usá-lo em outras histórias.

    O avarento Tio Patinhas, em sua primeira aparição.

    O velho avarento co-estrela várias histórias, e rouba a cena em quase todas elas. O Patinhas de Barks não é tão avarento quanto era a princípio, e para ganhar a atenção de seus sobrinhos-netos não pensa duas vezes antes de esbanjar! Se em uma história ele aprende a valorizar o natal e a família, parece que na outra ele simplesmente esqueceu-se de tudo, e em outra se mostra muito mais mão aberta do que estamos acostumados. Nas últimas histórias, porém, podemos ver um Tio Patinhas muito mais próximo da figura que conhecemos: ainda um pão-duro, mas com bom coração!

    Em A Visita do Primo Gastão vemos o surgimento do ganso sortudo que não gosta de trabalhar. Gastão vive à revelia da própria sorte, e aparece mais algumas vezes no volume, sempre rivalizando com Donald e se dando bem no fim das contas. Sua personalidade não muda tanto quanto a do Tio Patinhas.

    A maioria das histórias parece girar em torno de um modelo: Donald enfrenta alguma dificuldade para comemorar o natal, inventa um plano, o plano dá errado mas no final tudo fica bem. Claro que nem tudo segue essa fórmula, e essa é a graça. Podemos ver os patos em um farol distante da cidade, em um submarino no meio do oceano, em uma ilha deserta ou simplesmente nos arredores de Patópolis. Barks pode contar uma excelente história, seja qual for o contexto ou cenário escolhido para tal.

    A figura do Papai Noel é algo bastante curiosa. Aparentemente, ele existe e todos concordam com isso – inclusive o próprio Bom Velhinho aparece em duas histórias. Porém, ainda assim, é preciso comprar os presentes para os meninos ou colocar a cartinha deles no correio a tempo. Aparentemente, existe uma diferença entre os presentes dados pelo Noel e os recebidos das mãos de seu próprios familiares. O que importa, mais do que tudo, é uma boa ceia em família, com peru assado!

    Barks não era lá um grande entusiasta da tradição natalina em sua vida pessoal, mas conseguia com maestria capturar as angústias, as ambições, os desejos e os mais diversos sentimentos que o feriado cristão gera nas pessoas, extrapolando para as páginas em uma excelente caricatura do Natal.

    Das histórias publicadas, apenas as duas últimas não estão em ordem cronológica. Noite Feliz, penúltima história, havia sido escrita e desenhada nos anos 60, mas foi vetada devido a um alto teor de violência para os quadrinhos Disney americanos na época (Donald é torturado com choques elétricos por seu vizinho Silva). Essa história foi publicada pela primeira vez duas décadas depois, na Holanda. Isso explica a diferença do traço dos personagens, com pescoços e bicos mais longos, como nas primeiras histórias. Essa é a única trama em que fica evidente o caráter cristão do feriado, com Donald cantando a música título, mais devido à tradução da versão brasileira do que uma vontade do próprio autor, que preferia deixar questões religiosas de lado.

    A última história não foi escrita por Barks, apenas desenhada a lápis. É a reprodução das páginas de um livro que já foi publicado no brasil três vezes, em diferentes formatos (diferente do que aparece creditado no índice, onde diz que foi publicada apenas uma vez). O velho conto Um Conto de Natal, de Charles Dickens, é mais uma vez reencenado pelo “Tio Scrooge” da Disney.

    Contos de Natal por Carl Barks é uma excelente edição, não trata o feriado de forma maçante e é garantia de boa diversão. O formato de capa dura, 400 páginas e miolo em couché é excelente, embora um pouco menor do que o apresentado em A Saga do Tio Patinhas e Os 80 Anos do Pato Donald. Ao leitor e fã das aventuras barksianas, resta torcer para que a Abril republique sua obra completa em um modelo parecido.