Tag: Giorgio Cavazzano

  • Resenha | Tesouros Disney

    Resenha | Tesouros Disney

    Seguindo a onda de encadernados luxuosos de capa dura para um público de nicho, a Editora Abril lançou em 2017 o volume intitulado Tesouros Disney, que se propunha a publicar histórias raras e inéditas no Brasil. A publicação acabou sendo um tanto confusa. Afinal, o que faz de uma história em quadrinhos um “tesouro”: sua raridade ou a qualidade do conteúdo?

    Entre as escolhas editoriais do volume que podem gerar certa confusão temos, logo de cara, a pintura à óleo sobre tela de Carl Barks representada na capa. Embora a arte seja belíssima e tenha ficado ótima com a reserva de verniz, nada tem a ver com o conteúdo do miolo, que não apresenta nenhuma história do Homem dos Patos. Ao invés disso, temos várias histórias comerciais, criadas para promover o turismo nos parques temáticos de Walt Disney, crossovers pouco ortodoxos e uma história que causou um incidente diplomático no mundo real. Tudo isso em quase 400 páginas de quadrinhos em um excelente papel couché – que infelizmente é subaproveitado devido a decisão de manter as cores originais de época, claramente inferiores ao potencial da obra.

    A história que abre a edição, O fantasma da Montanha Canibal, apresenta Mickey e Pateta numa clássica aventura de mistério. Publicada originalmente em 1951, não escapa aos clichés da época sobre o funcionamento de materiais radioativos, mas tem uma ou outra solução criativa tanto para o roteiro quanto para os desenhos (representar as silhuetas dos personagens no escuro quase como em um anúncio de neon foi uma sacada genial!). Em seguida, temos a primeira história de Pluto como protagonista, que acaba sendo longa demais para o que se propõe. Pluto funciona melhor com histórias mais curtas, mas isso acabou sendo desenvolvido com o tempo a partir dessa primeira empreitada, que já apresentava os elementos clássicos das hqs do cachorro do Mickey (narração em off, Pluto como personagem mudo, agindo como um cão agiria em diferentes situações). A edição tem mais algumas histórias do Mickey com o Pateta que seguem mais ou menos o mesmo padrão, sempre com João Bafo-de-Onça como antagonista.

    Os crossovers da edição são bastante estranhos. Branca de Neve e Pinóquio se encontram numa história na qual não fica claro em que tempo/espaço ocorreu. Ela ainda mora com os anões e Pinóquio ainda é um boneco de madeira e isso foge do que foi estabelecido para os personagens em seus próprios filmes. Também é estranho ver na mesma história o Capitão Gancho, Tio Patinhas e Irmãos Metralha, ou o grande encontro de vilões que une esses a João Bafo-de-Onça e Lobão, de forma totalmente aleatória. Provavelmente um fan-service da época, já que essas são histórias que servem pra apresentar elementos da Disneyland. Além disso, como foram extraídas de uma revista específica, essas histórias contam com a apresentação da fada Sininho (nessa edição, traduzida como Tinker Bell para se adequar ao mercado atual) ou de uma página com Donald e seus sobrinhos de férias comentando a história antes dela começar. É estranho notar que, após essa miscelânea, temos duas ótimas histórias do Peninha escritas por Dick Kinney, seguida por uma das primeiras histórias do Donald desenhadas pelo mestre Giorgio Cavazzano.

    A última e mais longa história da edição é uma adaptação para o formato revista da série de tirinhas do Mickey Mouse de 1937, o Monarca de Medioka. Nessa aventura, após ganhar uma fortuna em dinheiro, Mickey acaba substituindo o rei de um país europeu falido. Como carapuças sempre servem em alguém, o governo da antiga Iugoslávia se sentiu profundamente ofendido e a história levou à proibição do camundongo no país! A história é bem divertida e realmente brinca com vários estereótipos da época, mas a polarização política da Europa de então viu a obra como subversiva e perigosa num mundo às portas da Segunda Guerra. Vale notar que essa mesma história foi republicada cerca de sete meses depois no nono volume da coleção Os Anos de Ouro de Mickey, no formato original. Por mais que a história seja boa, é impossível não pensar que as mais de cem páginas foram desperdiçadas com um material que já estava nos planos de ser publicado em outra coleção.

    Tesouros Disney é uma edição com altos e baixos, que pode decepcionar quem espera encontrar as melhores histórias da casa do Mickey em um volume, mas apresenta material raro e curioso que muito provavelmente não será republicado nas décadas vindouras.

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  • Culturama e os Novos Quadrinhos Disney

    Culturama e os Novos Quadrinhos Disney

    Após o hiato em que ficaram os quadrinhos Disney no Brasil devido ao cancelamento do contrato com a Editora Abril, finalmente os fãs de Mickey, Donald e toda a turma tiveram contato com o material da nova casa das aventuras de Patópolis. A editora gaúcha Culturama lançou em março suas cinco revistas mensais, todas com histórias inéditas e com a numeração reiniciando do zero. Além da distribuição avulsa normal em bancas, a editora aposta em outros pontos de vendas para popularizar a leitura de quadrinhos Disney, principalmente entre crianças – por isso, a princípio, não teremos os encadernados de luxo que foram descontinuados pela editora anterior, que era mais caro e voltado ao público adulto. Também está disponível um sistema de assinatura que, ao invés de oferecer um desconto ao assinante, oferece brindes exclusivos como canecas, chaveiros e miniaturas exclusivas. A Culturama oferece ainda uma terceira modalidade de venda: o box contendo as cinco edições e uma cartela de adesivos. Foi com essa caixa que o Vortex Cultural teve contato, e iremos analisar cada uma das edições a seguir. Todas elas têm 68 páginas e apresentam o mesmo texto introdutório, contando um histórico da própria Culturama, das publicações Disney no Brasil e os planos futuros da nova editora.

    *Os textos a seguir são as opiniões pessoais do redator, e não refletem necessariamente a posição dos editores do site.

    Tio Patinhas nº zero

    Comecei a ler pelo título do meu personagem favorito, o que seria o mais lógico a se fazer. O gibi do Tio Patinhas apresenta um formato de publicações de histórias que me pareceu o ideal, e se continuar assim tem grandes chances de ser minha revista favorita. A primeira história é uma publicação italiana, que costumam ser mais longas e com menos quadros por páginas. Pessoalmente, não sou um grande fã da Disney italiana. Embora eu reconheça a liberdade criativa dos autores e desenhistas, o traço mais estilizado típico dos artistas do país da pizza me incomodam às vezes. Mas o que me incomoda sempre é a falta de comprometimento com uma cronologia razoável. Isso fica muito claro na primeira história intitulada O grande amor do Tio Patinhas. Escrita por Bruno Concita e desenhada pelo mestre Giorgio Cavazzano, a história me induziu a um erro logo no título. Eu esperava que fosse sobre Dora Cintilante, a vigarista que roubou o ouro e o coração do velho sovina nos tempos de garimpo no Klondike. Bem, nada disso apareceu, e vemos uma personagem totalmente nova chama Miriam MacGold. Como assim, ela é o grande amor do Tio Patinhas? O que houve com Cintilante? Como eu disse, os italianos tomam certas liberdades criativas e acabam simplesmente ignorando qualquer coisa já feita antes por autores de outras nacionalidades. Mas devo confessar que a história é bem interessante e me peguei rindo em algumas situações. As histórias a seguir são mais curtas (e com mais quadros por página), com um traço mais clássico e consistente, e aparentam estar mais alinhadas com Barks e Don Rosa. Produzidas na Dinamarca, essas hqs apresentam tudo que se espera de um conto dos Patos: Invasão à Caixa-Forte, os Irmãos Metralha, Maga Patalójika, uma viagem ao antigo garimpo do Tio Patinhas… Mas apesar de manter o visual clássico, temos tecnologia atualizada, como smatphones por exemplo. Diferente das histórias de Don Rosa, que se passam em uma eterna década de 1950, os dinamarqueses atualizam o que julgam necessário para dialogar com a nova geração de leitores.

    Pato Donald nº zero

    Eu tinha uma grande expectativa pra ler o novo gibi do Pato Donald. Afinal, foi com ele que começou a publicação mensal de hqs Disney no Brasil, na Editora Abril. Não me decepcionei. Suas 68 páginas foram bem recheadas de histórias que se alternavam entre mistério, aventura e humor, todas elas na média de dez páginas. Me surpreendi ao ler a primeira história com o teor mais sério e atual. Um golpe na Escandinávia mostra Donald e seus sobrinhos de férias em Oslo e retrata de forma bem realista algumas das paisagens nórdicas mais famosas. Mais histórias dinamarquesas seguem a essa, com tom mais leve, e duas histórias italianas (além das gags de uma página estreladas pelo Peninha). Temos Professor Pardal, Metralhas, Gastão, uma história de exploração espacial com Tio Patinhas e claro, o Peninha aprontando das suas! Pra quem gosta de humor leve e descompromissado, ou procura por algo mais infantil, esse gibi é certamente a melhor opção.

    Mickey nº zero

    Após ler as duas revistas que eu mais estava esperando, resolvi tirar logo o elefante da sala. Nunca gostei muito das histórias do Mickey, então resolvi ler de uma vez pra terminar logo. Ah, como eu estava errado! O gibi do Mickey realmente aqueceu meu coração e superou qualquer coisa que meu preconceito com o ratinho pudesse me permitir esperar. Loo na primeira história, aquela surra de nostalgia: Francesco Artibani escreve um conto da juventude de Mickey, Donald e Pateta que remete às primeiras animações do trio, lá do início do século passado. A arte de Lorenzo Pastrovicchio emula perfeitamente o espírito da época, e vemos aquele Mickey aventureiro e cheio de energia dos clássicos animados em uma empreitada com seus amigos como limpadores de chaminés, e enfrentam o Bafo de Onça e cientistas malucos em uma história de 30 páginas que me levou diretamente aos VHS da Video Collection Walt Disney de quando eu era criança. A segunda história não deixou por menos. Contando a história do romance entre Mickey e Minnie desde quando se conheceram (mais uma vez adaptando o estilo ao dos anos 1920 em um flashback), Giorgio Fontana e Massimo De Vita nos mostra como é a vida a dois do casal mais famoso da Disney. Apenas duas histórias italianas nesse gibi e PRONTO! Já não sou mais um hater! Quem diria que um gibi do Mickey iria abrir minha mente para experimentar essas liberdades criativas? (Ou talvez tenha sido justamente o fato de manterem uma cronologia? Veremos nos próximos lançamentos…)

    Pateta nº zero

    Ah, o Pateta! Hahaha, não tem como errar numa revista dessas! É o Pateta, ele é o mais engraçado dos três personagens principais, haha… ha? Oi, como assim, ele não é o personagem principal de sua própria revista? É isso mesmo que estou vendo? Infelizmente, é isso sim. Assim como no título do Mickey, a revista do Pateta apresenta duas histórias longas produzidas na Itália. Mas o Pateta sequer é o protagonista! Nem mesmo secundário ele é na primeira história, que dá mais importância a uma personagem que eu só conhecia de longe (a arqueóloga Eurásia). Já na segunda história, Pateta faz dupla com Horácio (o cavalo, não o tiranossauro herbívoro) para desbaratinar os planos de uma empresária inescrupulosa que descobriu a “água fóssil” e… Ah, cara! Que história genérica, qualquer outra dupla de personagens poderia estar ali que daria na mesma! Podia ser com Donald e Peninha, Mario e Luigi, Cebolinha e Xaveco… A história não mudaria em nada. Espero que as próximas revistas tragam histórias mais curtas ou ao menos mais engraçadas.

    Aventuras Disney nº zero

    Ah, a cereja do bolo! Deixei por último pois sabia que ia gostar, já que lembra o mix de histórias do antigo Almanaque Disney. A revista abre com uma história longa do Superpato, que eu gostei mas confesso não ter conseguido identificar se é a versão clássica ou a nova, futurística, pois pra mim parecia mesclar elementos de ambas. (“Ain, Dan, você tem que pesquisar mais antes de escrever!” – É, eu sei, mals aí! Tô tentando.) A seguir uma história curta do único Lobão que vale a pena prestar atenção, uma história muda do Pardal com o Peninha e um conto de mistério da Vovó Donalda – eu senti um certo orgulho em ter desvendado o roubo antes do desfecho, mas depois me lembrei que é um gibi pra crianças! Pra terminar, uma história do Superpateta bem divertida e leve (meio bobinha até), mas que pode tirar um riso ou outro.

    Conclusão: os italianos são legais, Dan!

    Após terminar os cinco gibis, cheguei à conclusão de que não devo torcer o nariz pras histórias italianas. Elas são divertidas! E as novas revistas estão com uma material muito melhor na Culturama do que na antiga casa. Papel de maior gramatura, capa em couché, excelente impressão. Teve um ou dois errinhos de diagramação nos balões, mas nada que prejudique o resultado final. Resta agora esperar que essa qualidade se mantenha, e que venham também as prometidas publicações diferenciadas, além da retomada da produção nacional. Ah, e tem cartela de adesivos! Todo mundo gosta de adesivos!

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  • Resenha | Lendas Disney n°01 – Superpato Original

    Resenha | Lendas Disney n°01 – Superpato Original

    Em janeiro de 2018, a Editora Abril lançou o que seria uma nova série dedicada aos maiores personagens dos quadrinhos Disney. Com capa cartonada e formato diferenciado, a série não chegou sequer ao seu segundo número – que seria dedicado aos 70 anos do Ganso Gastão – graças à crise editorial e perda dos direitos de publicação dos quadrinhos Disney no Brasil. Contudo, o primeiro e único volume da série mostra que a premissa seria bem interessante se não fosse interrompida por questões contratuais da empresa. Lendas Disney n°01 – Superpato Original apresentou as três primeiras histórias do personagem, sem cortes e sem censura, reunidas em uma só edição.

    Antes de falar sobre as histórias em si, cabe aqui uma contextualização histórica. As histórias em quadrinhos Disney são produzidas em diversos países, como Itália, Dinamarca, Holanda e Brasil (embora hoje não exista mais produção nacional, esta foi muito forte nos anos 1980), e o Superpato é uma criação da Disney italiana, fruto de uma ideia da editora Elisa Penna e do roteiro de Guido Martina, com desenhos de Giovan Battista Carpi em 1969. Em terras brasileiras, a publicação do personagem se deu pela primeira vez em 1973, porém sofreu diversos cortes e alterações, tanto na arte quanto nos roteiros, tendo páginas suprimidas e final totalmente refeito no Brasil. Isso se deu por conta da forte censura da ditadura militar, na época sob o comando do general Emílio Garrastazu Médici. Nas histórias publicadas na íntegra nessa edição, vemos um Donald bastante diferente do que conhecemos, com caráter mais do que duvidoso, infringindo a lei e agredindo policiais – coisa que jamais passaria pelos censores dos anos de chumbo no Brasil. Quem leu essas histórias na época, no saudoso Almanaque Disney, pode entender nesse volume o motivo de tantas incongruências entre elas. Aqui, vemos em ordem cronológica e com um certo respeito à linha narrativa, tendo um background bem estabelecido para o alter ego do Pato Donald.

    A primeira história se chama Superpato, o diabólico vingador. Nela vemos a origem do herói – opa! Herói não! Em seus primórdios, Superpato nada mais era do que um fora-da-lei, uma persona criada por Donald para se vingar dos desmandos de seu tio muquirana (que nas histórias italianas é ainda mais sovina e até mesmo cruel do que o Tio Patinhas retratado por Barks e Rosa). Cansado de ser humilhado, Donald se apropria indevidamente de uma vila nas colinas com um casarão abandonado (que deveria ter sido doada a seu primo Gastão). Ali ele conhece a história de Fantomius, um fora-da-lei do passado e usa sua vestimenta e apetrechos para se vingar do seu tio pão-duro, roubando-lhe o colchão recheado de dinheiro enquanto o velho pato dormia. O interessante nessa história de origem é ver o quanto Martina retrata Donald como mau-caráter e aproveitador, incriminando pessoas inocentes apenas para atingir seus objetivos mesquinhos, muito diferente do personagem que conhecemos.

    Em A fabulosa noite do Superpato, também de Martina mas com desenhos de Romano Scarpa e arte-final de Giorgio Cavazzano, vemos o desenrolar dos eventos ocorridos na história anterior. É interessante notar uma certa preocupação com fatos estabelecidos anteriormente, principalmente o destino da Vila Rosa no desfecho da história anterior. Donald continua obcecado por vingança, e está disposto até mesmo a roubar todo o dinheiro arrecadado em um baile filantrópico para atingir seus objetivos. Merece destaque a participação do Professor Pardal, que não só prepara um arsenal e um bunker para o vingador mascarado como também cria um álibi perfeito para si próprio ao desenvolver o caramelo cancelador de memórias.

    O museu de cera é a terceira e última história da edição, produzida pelo mesmo trio da anterior, e continuamos vendo o Superpato como um bandido, porém seu desfecho é um pouquinho mais altruísta do que nas outras duas. Chega a ser irritante ver a hipocrisia de Donald quando ele se indispõe com quem desconfia de que ele seja o Superpato, chegando até mesmo a agredir seus sobrinhos fisicamente por simplesmente estarem certos. Dessa vez, inconformado por ver seu tio se apropriar de uma ideia sua, o herói rouba o museu de cera do milionário. Sem dúvida alguma Donald é um criminoso nessas HQs, mas ao menos em seu desfecho o roteiro começa a sinalizar uma mudança no status quo do personagem, que de tanto sucesso passou a ser realmente um super-heróis nas histórias vindouras.

    Superpato Original nos apresenta um personagem totalmente diferente daquele que conhecemos. Inicialmente uma paródia de um personagem famoso na Itália (Diabolik, de onde vem o nome original italiano Paperinik), ganhou público e crítica, mudou seu conceito, teve reboot e séries mensais dignas de heróis da Marvel ou DC e conquistou gerações. Uma pena que Lendas Disney tenha sido interrompida tão precocemente em sua primeira edição.

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