Tag: Tio Patinhas

  • Resenha | Ducktales: Os Caçadores de Aventuras (2)

    Resenha | Ducktales: Os Caçadores de Aventuras (2)

    Originalmente concebido como uma telessérie em 1987, Ducktales: Os Caçadores de Aventuras foi uma estratégia da Disney para popularizar seus famosos personagens que, nos anos 80, já não tinham mais um grande apelo com o público. Agora, junto do quaquilionário tio Patinhas, o sovina mais adorável e detestável de toda a Patolândia, e seus sobrinhos Huguinho, Zezinho e Luisinho, a TV ficaria pequena para tanto corre-corre ao redor do mundo – quase sempre motivado no começo por dinheiro, e no final, pelo amor que Patinhas sente por seus sobrinhos, sempre metidos em mil e uma peripécias. A série foi um enorme sucesso nos Estados Unidos, e logo retornou para os quadrinhos, agora com o grupo de aventureiros mais unidos do que nunca, enfrentando velhos e novos inimigos, e contando com novas caras para figurar uma nostalgia e uma diversão que Walt Disney criou e tanto priorizou, junto do seu lendário time de talentos herculanos.

    Temos em mãos uma trinca de aventuras á lá Indiana Jones inesquecíveis, para todas as idades, em um belíssimo encadernado que a editora Abril lança no Brasil, em um trabalho gráfico caprichado para todos os gostos, em especial dos colecionadores, com uma bela capa dura e um relevo impressionantes. Neste encadernado, as histórias selecionadas fazem justiça ao título da coletânea, ao invocarem principalmente no primeiro e segundo arcos toda a chama e a graça de uma ação sem fôlego que o muquirana tio Patinhas, seus sobrinhos e o atrapalhado capitão Boing sempre se metem, hora para salvar a pele da jovem Patrícia (sua nova sobrinha, criada para a série) de um grande e perigoso sequestro, hora arriscando tudo e mais um pouco para conquistarem um meteoro de ouro maciço que caiu numa floresta, e agora é mais cobiçado que água no deserto. Nisso, é claro que o vilão MacMônei, ainda mais ganancioso que Patinhas, fará todo o necessário para chegar ao meteoro primeiro.

    Reviravoltas dão o tom das histórias, em tramas de narrativa super ágil que remetem a dinâmica eletrizante dos desenhos animados, e aprendemos que a verdadeira piscina de ouro se faz presente para o tio Patinhas na forma de seus sobrinhos, por mais que ele jamais admita isso, uma vez que ele troca até sua moeda da sorte para recuperar Patrícia das garras da cruel bruxa Patalójika – outra antiga antagonista do ícone mais rico do mundo da ficção. Aqui, nota-se a homenagem as clássicas HQ’s escritas pelo mestre Carl Barks do Tio Patinhas, e companhia, na maravilhosa saga A Odisseia do Ouro, de 1991, na qual os heróis e vilões reconhecem que o céu não é o limite para suas confusões. Dividida em sete capítulos como foi publicada no original, a saga se destaca entre Em Busca da Número Um e Legítimos Donos por ser um exemplar perfeito do mais puro e sagaz entretenimento, abrangendo do polo norte aos confins do espaço todo o potencial que existe em uma aventura com essas figuras emblemáticas da cultura pop universal.

    Se a palavra-chave na série era “revitalização” desses personagens, a ausência de Donald e Margarida em Os Caçadores de Aventuras, nesse retorno aos quadrinhos dos anos 80, é justificada pela necessidade de se introduzir uma novidade bem-sucedida as tramas, mas sem perder a irreverência das primeiras histórias ancestrais. No caso, nos é apresentado o hilário capitão Boing, um garanhão que se acha o máximo e sempre comete os maiores erros no céu, no mar, ou em alguma ilha misteriosa. São estes e muitos outros elementos que tornam esta leitura bem mais que um mero passatempo, mas um atestado colorido do que há de melhor na alma das criações atemporais de Walt Disney. Reverenciadas por um sem-número de brilhantes roteiristas e ilustradores a carregar, com absoluto êxito, o legado do mestre através de uma mitologia absolutamente cativante para pais e filhos, ao longo dos séculos.

  • Resenha | Tio Patinhas por Carl Barks: A Coroa Perdida de Gengis Khan

    Resenha | Tio Patinhas por Carl Barks: A Coroa Perdida de Gengis Khan

    Após a saída dos quadrinhos Disney da editora Abril Jovem, ficou a dúvida entre os leitores se as coleções dedicadas a Carl Barks e Keno Don Rosa teriam continuação em alguma outra editora, uma vez que a Culturama assumiu apenas as edições mensais das revistas. A aflição passou quando a editora Panini anunciou ter assumido a publicação dessas e de outras séries em capa dura da Disney. Assim, continuando de onde a editora anterior parou, a Panini lança Tio Patinhas por Carl Barks: A Coroa Perdida de Gengis Khan primeiro volume da série a abordar o tio do Pato Donald tanto no título quanto nas histórias. Embora tenha Tio Patinhas no título e no conteúdo, não se trata de uma nova série, e sim do volume 16 da chamada “Coleção Carl Barks Definitiva”, que não é publicada em ordem cronológica.

    Para uma edição de estreia na casa, a Panini acertou em cheio na escolha do material. O livro traz as histórias publicadas originalmente em Uncle Scrooge nos anos de 1956 a 1961, e apresenta verdadeiros clássicos que já foram revisitados por outros artistas e outras mídias. Além da história que dá nome ao volume (que aliás, é uma história bem pequena se compararmos a outros épicos da edição), temos vários clássicos de Barks que valem a pena serem lidos.

    Fabricantes de terremotos é um desses clássicos que atingiram outras mídias. Além da excelente adaptação no desenho Duck Tales de 1987, os habitantes rechonchudos do subterrâneo de Patópolis apareceram em videogames (no antigo Nintendinho e na remasterização para PlayStation 3) e no reboot dos Caçadores de Aventuras de 2017. Na história, Patinhas descobre uma civilização responsável pela criação de terremotos, e teme pela sua caixa-forte.

    Em Qual o mais rico do mundo? vemos a primeira aparição do Pão-Duro Mac Mônei, o “duplo do mal” do Tio Patinhas. Diferente de suas aparições em Duck Tales, Mac Mônei é originalmente sul-africano, e não escocês (algo que o reboot de 2017 resolveu de forma inteligente). Essa história é bem interessante por mostrar que, apesar de tudo, Patinhas não é inescrupuloso e mantém ainda alguns princípios morais – coisa que seu rival não apresenta nem de longe.

    A edição ainda conta com pérolas como O elemento mais raro do mundo e A fantástica corrida de barcos, mas talvez a melhor ou mais importe história seja Os índios Nanicós. Nela, Patinhas demonstra que nem tudo deve ser lucro – embora seu espírito capitalista mantenha-se presente o tempo todo, o velho rico percebe que, embora possa extrair recursos naturais de uma reserva florestal, talvez ele não deva fazê-lo. Talvez hoje a história traga alguns problemas com a retratação estereotipada dos nativos-americanos, mas a mensagem final é boa, num saldo geral. Vale notar o cuidado que o tradutor Marcelo Alencar teve ao adaptar a fala dos índios, que no original é toda rimada como num poema de Henry Wadsworth Longfellow – diferente do que a tradução da Abril havia feito em sua continuação na coleção de Don Rosa.

    Ainda sobre tradução, um ponto a se destacar é a decisão da editora de manter alguns termos que talvez não façam mais sentido nos dias de hoje. Traduzir dólar por “pataca” talvez fizesse sentido décadas atrás, quando as revistas eram regionalizadas e nosso dinheiro mudava de nome como o Donald muda de emprego, mas hoje com internet e tudo mais, podemos esperar que as crianças entendam que Patópolis não fica no Brasil e sim nos Estados Unidos. Da mesma forma, manter o sobrenome de Tio Patinhas como “Mac Patinhas” ao invés de “McPato” é uma decisão um tanto polêmica, já que o segundo se assemelha mais ao original. Além disso, o personagem é chamado de Patinhas McPato nas duas séries animadas de Ducktales, nos quadrinhos da Culturama e até mesmo nas próprias novas publicações da Editora Panini. O tradutor Marcelo Alencar explicou em suas redes sociais que manteria Mac Patinhas apenas nas coleções de Barks e Rosa, por se tratarem de continuações da outra editora e que, em possíveis reedições da série completa, haverá alteração nesse detalhe. Outra mudança significativa na troca de “casa” foi o letreiramento, que passa a ser de responsabilidade do Studio Animatic. Nas edições da Abril as letras ficavam a cargo da veterana Lilian Mitsunaga, sempre extremamente competente e que faz falta nessa nova empreitada. Ainda sobre os diálogos, chega a incomodar muito os erros de revisão dos textos, que não são poucos.

    O formato do álbum se mantém o mesmo, e o padrão de qualidade gráfica não se altera, o que nos dá uma sensação tranquila de continuidade. Para o fã de quadrinhos Disney e, mais especificamente, de Barks, fica o alívio de não ter sua coleção definitivamente interrompida, mas também a esperança de vê-la, num futuro próximo, em uma nova reedição, com formato maior e mais parecido com o original da Fantagraphics.

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  • Culturama e os Novos Quadrinhos Disney

    Culturama e os Novos Quadrinhos Disney

    Após o hiato em que ficaram os quadrinhos Disney no Brasil devido ao cancelamento do contrato com a Editora Abril, finalmente os fãs de Mickey, Donald e toda a turma tiveram contato com o material da nova casa das aventuras de Patópolis. A editora gaúcha Culturama lançou em março suas cinco revistas mensais, todas com histórias inéditas e com a numeração reiniciando do zero. Além da distribuição avulsa normal em bancas, a editora aposta em outros pontos de vendas para popularizar a leitura de quadrinhos Disney, principalmente entre crianças – por isso, a princípio, não teremos os encadernados de luxo que foram descontinuados pela editora anterior, que era mais caro e voltado ao público adulto. Também está disponível um sistema de assinatura que, ao invés de oferecer um desconto ao assinante, oferece brindes exclusivos como canecas, chaveiros e miniaturas exclusivas. A Culturama oferece ainda uma terceira modalidade de venda: o box contendo as cinco edições e uma cartela de adesivos. Foi com essa caixa que o Vortex Cultural teve contato, e iremos analisar cada uma das edições a seguir. Todas elas têm 68 páginas e apresentam o mesmo texto introdutório, contando um histórico da própria Culturama, das publicações Disney no Brasil e os planos futuros da nova editora.

    *Os textos a seguir são as opiniões pessoais do redator, e não refletem necessariamente a posição dos editores do site.

    Tio Patinhas nº zero

    Comecei a ler pelo título do meu personagem favorito, o que seria o mais lógico a se fazer. O gibi do Tio Patinhas apresenta um formato de publicações de histórias que me pareceu o ideal, e se continuar assim tem grandes chances de ser minha revista favorita. A primeira história é uma publicação italiana, que costumam ser mais longas e com menos quadros por páginas. Pessoalmente, não sou um grande fã da Disney italiana. Embora eu reconheça a liberdade criativa dos autores e desenhistas, o traço mais estilizado típico dos artistas do país da pizza me incomodam às vezes. Mas o que me incomoda sempre é a falta de comprometimento com uma cronologia razoável. Isso fica muito claro na primeira história intitulada O grande amor do Tio Patinhas. Escrita por Bruno Concita e desenhada pelo mestre Giorgio Cavazzano, a história me induziu a um erro logo no título. Eu esperava que fosse sobre Dora Cintilante, a vigarista que roubou o ouro e o coração do velho sovina nos tempos de garimpo no Klondike. Bem, nada disso apareceu, e vemos uma personagem totalmente nova chama Miriam MacGold. Como assim, ela é o grande amor do Tio Patinhas? O que houve com Cintilante? Como eu disse, os italianos tomam certas liberdades criativas e acabam simplesmente ignorando qualquer coisa já feita antes por autores de outras nacionalidades. Mas devo confessar que a história é bem interessante e me peguei rindo em algumas situações. As histórias a seguir são mais curtas (e com mais quadros por página), com um traço mais clássico e consistente, e aparentam estar mais alinhadas com Barks e Don Rosa. Produzidas na Dinamarca, essas hqs apresentam tudo que se espera de um conto dos Patos: Invasão à Caixa-Forte, os Irmãos Metralha, Maga Patalójika, uma viagem ao antigo garimpo do Tio Patinhas… Mas apesar de manter o visual clássico, temos tecnologia atualizada, como smatphones por exemplo. Diferente das histórias de Don Rosa, que se passam em uma eterna década de 1950, os dinamarqueses atualizam o que julgam necessário para dialogar com a nova geração de leitores.

    Pato Donald nº zero

    Eu tinha uma grande expectativa pra ler o novo gibi do Pato Donald. Afinal, foi com ele que começou a publicação mensal de hqs Disney no Brasil, na Editora Abril. Não me decepcionei. Suas 68 páginas foram bem recheadas de histórias que se alternavam entre mistério, aventura e humor, todas elas na média de dez páginas. Me surpreendi ao ler a primeira história com o teor mais sério e atual. Um golpe na Escandinávia mostra Donald e seus sobrinhos de férias em Oslo e retrata de forma bem realista algumas das paisagens nórdicas mais famosas. Mais histórias dinamarquesas seguem a essa, com tom mais leve, e duas histórias italianas (além das gags de uma página estreladas pelo Peninha). Temos Professor Pardal, Metralhas, Gastão, uma história de exploração espacial com Tio Patinhas e claro, o Peninha aprontando das suas! Pra quem gosta de humor leve e descompromissado, ou procura por algo mais infantil, esse gibi é certamente a melhor opção.

    Mickey nº zero

    Após ler as duas revistas que eu mais estava esperando, resolvi tirar logo o elefante da sala. Nunca gostei muito das histórias do Mickey, então resolvi ler de uma vez pra terminar logo. Ah, como eu estava errado! O gibi do Mickey realmente aqueceu meu coração e superou qualquer coisa que meu preconceito com o ratinho pudesse me permitir esperar. Loo na primeira história, aquela surra de nostalgia: Francesco Artibani escreve um conto da juventude de Mickey, Donald e Pateta que remete às primeiras animações do trio, lá do início do século passado. A arte de Lorenzo Pastrovicchio emula perfeitamente o espírito da época, e vemos aquele Mickey aventureiro e cheio de energia dos clássicos animados em uma empreitada com seus amigos como limpadores de chaminés, e enfrentam o Bafo de Onça e cientistas malucos em uma história de 30 páginas que me levou diretamente aos VHS da Video Collection Walt Disney de quando eu era criança. A segunda história não deixou por menos. Contando a história do romance entre Mickey e Minnie desde quando se conheceram (mais uma vez adaptando o estilo ao dos anos 1920 em um flashback), Giorgio Fontana e Massimo De Vita nos mostra como é a vida a dois do casal mais famoso da Disney. Apenas duas histórias italianas nesse gibi e PRONTO! Já não sou mais um hater! Quem diria que um gibi do Mickey iria abrir minha mente para experimentar essas liberdades criativas? (Ou talvez tenha sido justamente o fato de manterem uma cronologia? Veremos nos próximos lançamentos…)

    Pateta nº zero

    Ah, o Pateta! Hahaha, não tem como errar numa revista dessas! É o Pateta, ele é o mais engraçado dos três personagens principais, haha… ha? Oi, como assim, ele não é o personagem principal de sua própria revista? É isso mesmo que estou vendo? Infelizmente, é isso sim. Assim como no título do Mickey, a revista do Pateta apresenta duas histórias longas produzidas na Itália. Mas o Pateta sequer é o protagonista! Nem mesmo secundário ele é na primeira história, que dá mais importância a uma personagem que eu só conhecia de longe (a arqueóloga Eurásia). Já na segunda história, Pateta faz dupla com Horácio (o cavalo, não o tiranossauro herbívoro) para desbaratinar os planos de uma empresária inescrupulosa que descobriu a “água fóssil” e… Ah, cara! Que história genérica, qualquer outra dupla de personagens poderia estar ali que daria na mesma! Podia ser com Donald e Peninha, Mario e Luigi, Cebolinha e Xaveco… A história não mudaria em nada. Espero que as próximas revistas tragam histórias mais curtas ou ao menos mais engraçadas.

    Aventuras Disney nº zero

    Ah, a cereja do bolo! Deixei por último pois sabia que ia gostar, já que lembra o mix de histórias do antigo Almanaque Disney. A revista abre com uma história longa do Superpato, que eu gostei mas confesso não ter conseguido identificar se é a versão clássica ou a nova, futurística, pois pra mim parecia mesclar elementos de ambas. (“Ain, Dan, você tem que pesquisar mais antes de escrever!” – É, eu sei, mals aí! Tô tentando.) A seguir uma história curta do único Lobão que vale a pena prestar atenção, uma história muda do Pardal com o Peninha e um conto de mistério da Vovó Donalda – eu senti um certo orgulho em ter desvendado o roubo antes do desfecho, mas depois me lembrei que é um gibi pra crianças! Pra terminar, uma história do Superpateta bem divertida e leve (meio bobinha até), mas que pode tirar um riso ou outro.

    Conclusão: os italianos são legais, Dan!

    Após terminar os cinco gibis, cheguei à conclusão de que não devo torcer o nariz pras histórias italianas. Elas são divertidas! E as novas revistas estão com uma material muito melhor na Culturama do que na antiga casa. Papel de maior gramatura, capa em couché, excelente impressão. Teve um ou dois errinhos de diagramação nos balões, mas nada que prejudique o resultado final. Resta agora esperar que essa qualidade se mantenha, e que venham também as prometidas publicações diferenciadas, além da retomada da produção nacional. Ah, e tem cartela de adesivos! Todo mundo gosta de adesivos!

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  • Resenha | A Nova História e Glória da Dinastia Pato

    Resenha | A Nova História e Glória da Dinastia Pato

    Pouco antes de perder os direitos de publicação dos quadrinhos Disney no Brasil, a Editora Abril lançou o primeiro e único volume de uma série que seria trimestral mas acabou morrendo na praia: tratava-se de Disney Saga, apresentando as seis partes da inédita minissérie intitulada A Nova História e Glória da Dinastia Pato. Continuação da saga italiana semi-homônima dos anos 1970 que mostrava os antepassados do Tio Patinhas, a nova história apresenta seus futuros descendentes.

    Na saga original, Patinhas e seus sobrinhos descobrem um baú com moedas mágicas pertencentes aos seus antepassados e cunhadas em diferentes eras, que ofereciam aos patos um vislumbre do passado ao serem esfregadas com os dedos. Essa premissa se mantém na nova história, porém com o misterioso surgimento de novas e estranhas moedas vindas do futuro. Assim, cada capítulo da série mostra um salto de cem anos pra frente, e acompanhamos o surgimento de novas tecnologias, bem como o avanço da sociedade rumo à colonização do espaço sideral. A cada novo século o valor do dinheiro vai mudando de importância, bem como a forma de se ocupar os espaços – seja na terra, no mar ou por todo o sistema solar.

    A qualidade dos desenhos de Claudio Sciarrone nos salta aos olhos logo de cara. Não temos aqui um traço clássico para os personagens, como os de Don Rosa ou do próprio Carl Barks, mas também não é caricato ao extremo como muitas das produções italianas. Embora em alguns momentos pareça estilizado, não chega a ser desproporcional e a leveza da arte-final combinada com as cores e o enquadramento das cenas dá uma dinâmica ao roteiro invejável a outras produções contemporâneas. Infelizmente, não podemos dizer o mesmo do roteiro em si. Os personagens que deveriam ser descendentes do Tio Patinhas, Pato Donald e dos trigêmeos Huguinho, Zezinho e Luisinho acabam sendo nada mais do que os próprios personagens com roupas diferentes. Não existe nenhum desenvolvimento das personalidades deles, de forma que lá pela metade da edição o leitor percebe ser inútil tentar aprender seus nomes – basta chamá-los pelos nomes clássicos mesmo e está resolvido!

    É evidente que os autores italianos tenham maior liberdade criativa com os personagens Disney, mas chega a incomodar a falta de uma árvore genealógica coerente (como a de Don Rosa). Isso já era sentido na saga original, mas na nova história fica muito estranho. É impossível não se questionar sobre a linhagem de cada um. Como exemplo, podemos observar a primeira história, que se passa no ano 2118. MacPat é o “bisneto” do Tio Patinhas (embora mantenha todas as características do próprio), mas não sabemos mais nada dele. O Tio Patinhas teve filhos então? Com quem? Foi na velhice? O mesmo questionamento vale pros sobrinhos, mas fica ainda mais estranho quando pensamos em Huguinho, Zezinho e Luisinho: os três patinhos nas eras futuras são trigêmeos também ou cada um descende de um dos irmãos? Não sabemos. Não faz diferença, já que todos são, basicamente, os mesmos personagens.

    Lá pelo meio da história temos uma participação especial inusitada do Ultracomissário Mick-Maus que, bem, é basicamente o Mickey mesmo. É interessante vê-lo na história, pois geralmente os universo dos patos não se mistura com o dos ratos, mas aqui o crossover ocorre de forma bastante natural.

    Quanto aos vilões da história, temos a participação dos Metralhas e do Bafo de Onça (como chefe do Mickey), mas o principal é mesmo o Patacôncio, em suas diferentes encarnações. O desfecho da saga retoma algo do começo que, sinceramente, pode passar batido ao leitor casual menos atento (vale até a pena retomar as primeiras páginas para compreender melhor), pois se desenvolveu de forma corrida e pouco original. Ao terminar a leitura, fica aquela sensação de que poderia ter sido melhor, mas os desenhos, cores e enquadramentos são tão agradáveis aos olhos que uma crítica mais pesada pode até parecer injusta. Deve ser a tal da “Magia Disney”, que carrega uma grande carga de nostalgia e permite que relevemos alguns erros em troca da experiência de uma leitura leve e descompromissada.

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  • Resenha | Tio Patinhas e Pato Donald: “Volta a Quadradópolis” – Biblioteca Don Rosa

    Resenha | Tio Patinhas e Pato Donald: “Volta a Quadradópolis” – Biblioteca Don Rosa

    O segundo volume da série Biblioteca Don Rosa, Tio Patinhas e Pato Donald: “Volta a Quadradópolis” é um dos livros mais interessantes publicados pela recém-extinta divisão de quadrinhos Disney da Editora Abril. Nele, vemos uma época da carreira de Keno Don Rosa em que embora ele estivesse mais confortável com os personagens, histórias e arte, também precisou passar por questões editoriais alheias à sua vontade. As histórias desse volume datam de outubro de 1988 até junho de 1990, e foram publicadas por editoras diferentes e em países diferentes, o que fez com que o autor tivesse que se submeter a alguns contratempos que, mais tarde com a carreira já consolidada, ele provavelmente não aceitaria. Assim, temos histórias que contam com o talento de outros artistas e escritores, em uma co-produção inclusive com o próprio Carl Barks!

    A primeira história, “O caçador de crocodilos”, segue a fórmula favorita de Don Rosa, que é a de aventuras de exploração e caça ao tesouro. A trama contém várias referências às histórias antigas de Barks, incluindo o incrível zoológico do Tio Patinhas mostrado na edição Em Busca do Unicórnio,  da coleção O Pato Donald por Carl Barks, publicada pela mesma editora. Na trama, baseada em uma ilustração de capa feita por Barks, Donald e os sobrinhos partem em uma aventura no Egito para encontrar um raríssimo crocodilo. Em seguida, temos Fortuna nas rochas, uma história curta em que Don Rosa usa seu conhecimento sobre geologia adquirido na faculdade para fazer piadas e trocadilhos com pedras (que se perdem na tradução). Mas a terceira história é a que, de longe, chama mais a atenção!

    Volta à Quadradópolis é a primeira continuação direta de uma obra de Barks, dando sequência à história Perdido nos Andes (também publicada na outra coleção). Vale notar o cuidado da tradução em manter os mesmos termos usados na coleção Carl Barks, incluindo a música que Donald havia ensinado aos nativos de Quadradópolis (corrigindo um equívoco ocorrido na última republicação das duas histórias, em Disney Big nº 05). A família Pato retorna aos Andes – dessa vez acompanhados de seu rico tio – para devolver as galinhas quadradas ao seu habitat natural, mas são perseguidos pelo Pão-Duro Mac Mônei, mais uma vez brilhantemente usado como vilão da história. É interessante a forma como Don Rosa representa o impacto cultural que pode ser gerado quando uma inóspita tribo é visitada por membros do chamado “mundo civilizado”, e o quanto de aculturação pode resultar do processo.

    Entre as outras histórias do volume (algumas curtas, centradas em uma piada), vale destacar mais quatro: Um pato vendo estrelas, Sua majestade Patinhas, Viagem no tempo e Ratos, sigam-me!, cada uma por um motivo diferente e igualmente interessante.

    Um pato vendo estrelas nunca foi finalizada, e é apresentada em sua forma de roteiro, com os esboços do próprio Don Rosa. Trata-se de uma peça publicitária, onde Donald e os Sobrinhos visitam o parque Disney-MGM. É a única história de Don Rosa em que Mickey aparece, aqui como uma celebridade dos cinemas (o universo do camundongo não existe nas histórias de Rosa). A história foi engavetada na época e é apresentada de forma crua, possibilitando ao leitor entender como o autor trabalha seus roteiros.

    Sua majestade, Patinhas mostra um pouco do passado de Patópolis quando o Tio Patinhas resolve transformar o Morro Matamotor, onde reside sua Caixa-Forte, em um país independente. A história lida com questões de imigração e impostos, e embora sua premissa seja ingênua à princípio, vemos várias camadas de assuntos sérios e relevantes sobre economia, geopolítica e sociedade, disfarçados de piadas infantis. Alguns elementos dessa história seriam reapresentados mais tarde na épica Saga do Tio Patinhas.

    Viagem no tempo é  uma história bobinha de quatro páginas que merece atenção por algumas curiosidades. Primeiro: não foi desenhada por Barks, o que nos salta logo de cara. Segundo: carrega a marca DuckTales, e apresenta os personagens de uma forma muito diferente do que Don Rosa estabeleceu em suas publicações. Em várias entrevistas e em matérias autobiográficas, Rosa afirma que apenas escreve histórias que possam ser uma continuidade do que Barks fez, recusando a desenhar personagens como o Peninha, por exemplo, que não foi criado pelo Homem dos Patos. Pois bem: nesta história ele escreve para nada menos do que TRÊS personagens criados para a série de TV! O mordomo Leopoldo, o garoto pré-histórico Bubba e o atrapalhado Capitão Bóing, além da Mansão Patinhas abrigar os sobrinhos como estabelecido na série. Aparentemente, Don Rosa é um homem de plenas convicções artísticas apenas quando não precisa de dinheiro…

    Em Ratos, sigam-me!, vemos algo singular: o autor se apropria de um antigo roteiro não finalizado de Carl Barks e desenvolve sua trama, baseada no clássico O flautista de Hamelin. Assim, essa é a única história feita, de certa forma, em conjunto pelos dois grandes artistas!

    Tio Patinhas e Pato Donald: “Volta a Quadradópolis” é um daqueles volumes cheios de gratas surpresas e curiosidades, que remonta a uma fase um tanto conturbada na carreira do autor e mesmo assim prende nossa atenção, tanto pelas ótimas histórias quanto pelas curiosidades de bastidores.

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  • Resenha | Tio Patinhas e Pato Donald: “O Filho do Sol” – Biblioteca Don Rosa

    Resenha | Tio Patinhas e Pato Donald: “O Filho do Sol” – Biblioteca Don Rosa

    Quadrinhos Disney costumam ser vistos pelo grande público como uma forma de escapismo simples e divertida, sem grandes nuances e, por vezes, até meio ingênua. Vez ou outra surge algum grande artista que resolve colocar um pouco mais de esforço em suas histórias e se dedica a trazer algo além do mero escapismo. Foi o caso de Carl Barks, nos anos de 1940 em diante, que criou grande parte do que conhecemos hoje nas histórias do Pato Donald e marcou gerações de leitores. Seguindo sua linha de narrativa e explorando os personagens desenvolvidos por Barks, nos anos de 1980 desponta aquele que seria aclamado pelo público como seu “sucessor espiritual” nas revistas dos patos. Keno Don Rosa era fã de quadrinhos desde criança, e afirmava ter se preparado a vida inteira para escrever uma única história do Tio Patinhas. Em julho de 1987 essa história foi publicada, e claramente não foi a única: muitas vieram depois e Rosa consagrou-se como um dos grandes artistas Disney!

    Em outubro de 2017 a Editora Abril publicou pela primeira vez no Brasil o primeiro volume da série que se propõe a compilar cronologicamente todas as histórias Disney em que Don Rosa trabalhou. Tio Patinhas e Pato Donald: “O Filho do Sol” – Biblioteca Don Rosa é um álbum luxuoso não só para os padrões de quadrinhos Disney publicados mensalmente no país, mas para o mercado de graphic novels como um todo. O livro apresenta histórias de julho de 1987 a agosto de 1988, com notas do autor e a primeira parte de sua autobiografia. A primeira história é a que dá nome ao volume (O Filho do Sol), e é uma releitura de uma hq que Rosa tinha produzido para um fanzine em sua juventude. A história traz tudo que uma aventura dos patos deve ter: ação, aventura, comédia, uma civilização perdida, tesouros… E um vilão que, nas mãos de Don Rosa, ficou realmente assustador: Pão-Duro MacMônei, que não só usa suas artimanhas e trapaças para ludibriar a equipe do Tio Patinhas como claramente ameça assassiná-los em determinado momento. A cena em que o vilão aponta uma arma para seus rivais em um avião em pleno voo passa uma emoção ímpar aos leitores, e realmente tememos pelas vidas dos protagonistas emplumados.

    Rosa segue à risca a cartilha de Barks, tratando os personagens não como patos verdadeiros, mas como uma representação da condição humana. Sua arte, muito detalhista e um tanto fora dos padrões Disney, dá o tom mais sério das histórias quando necessário. Em suas 200 e poucas páginas, vemos o autor explorar várias nuances de histórias clássicas do Tio Patinhas e Pato Donald, tanto nas histórias longas, nas curtas e nas piadas de duas páginas. Elementos clássicos como o carro 313, os Escoteiros Mirins, o vizinho rabugento Silva e o primo sortudo e presunçoso Gastão ganham o mais próximo de uma versão “definitiva” nas mãos talentosas do quadrinista. Embora esse primeiro volume ainda não apresente uma continuação direta de alguma história de Carl Barks, existem vários elementos do Homem dos Patos apresentados como homenagem, assim como a dedicatória que Don Rosa procurava esconder na maioria das suas histórias (D.U.C.K., sigla em inglês para “Dedicado ao Tio Carl, por Keno”). A preocupação com a continuidade das histórias, como num universo coeso cronologicamente, faz com que todas elas sejam ambientadas aproximadamente na década de 1950, o que se reflete nos hábitos e costumes dos personagens e na tecnologia que é por eles utilizadas – não há computadores ou celulares por perto!

    O último trenó para Dawson é a mais tocante das histórias. Nela, vemos um pouco do passado do pato quaquilionário e sua juventude vibrante, que contrasta muito com a sua personalidade sovina adquirida na velhice. Essa história faz uma ponte com A Saga do Tio Patinhas, épico de Don Rosa que será republicada na coleção.

    O álbum foi editado de forma muito parecida com a versão original, o que deve ter sido um árduo trabalho de negociação com o próprio Keno Don Rosa – que nunca estivera antes satisfeito com a forma que suas histórias eram publicadas. Todas as notas sobre todas as histórias, o prefácio e a biografia do autor foram escritas pelo próprio artista. O trabalho de tradução e letreiramento estão realmente muito bons, embora, por ser uma edição que se propõe definitiva, talvez algumas decisões editoriais como traduzir a moeda americana para “pataca” ou o sobrenome do velho tio para “MacPatinhas” ao invés de McPato (popularizado pela série de TV DuckTales) pudessem ter sido evitadas, como a Panini tem feito com personagens DC que tiveram nomes adaptados no passado. Mas esses são pequenos detalhes que, de forma alguma, alteram a grandiosidade da obra e a importância de sua publicação em terras brasileiras.

    Compre: Tio Patinhas e Pato Donald: “O Filho do Sol”.

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  • Crítica | O Conto de Natal do Mickey

    Crítica | O Conto de Natal do Mickey

    O Conto de Natal do Mickey, também conhecido como A Canção de Natal do MickeyO Natal do Mickey Mouse, foi um marco nas animações Disney nos anos 1980. O curta-metragem produzido e dirigido por Burny Mattinson, marca o retorno do camundongo às telas em 1983, após 30 anos de hiato. Mattinson, que coincidentemente havia começado a trabalhar com animações na Disney exatamente quando o último desenho do Mickey foi lançado, não podia estar mais empolgado com a empreitada que lhe foi confiada.

    Assim, escolheu a dedo um time de animadores de forma com que cada um se sentisse o mais confortável possível com o personagem ao qual iria dar vida no celuloide. Da mesma forma, o elenco vocal original contou com a presença de uma equipe que já tinha trabalhado em uma versão de Um Conto de Natal, de Charles Dickens, em um LP dez anos antes. Para a voz do personagem principal, Ebenezer Scrooge (encarnado pelo Tio Patinhas), Alan Young foi o escolhido e sua interpretação foi tão acertada que, poucos anos mais tarde, reprisou o papel do Pato Mais Rico do Mundo na série animada Duck Tales (e em 2013, no videogame Duck Tales Remastered). Young consegue captar soberbamente os contrastes de personalidade de Scrooge/Patinhas, tanto sua avareza quanto, ao final, sua conversão, além de imitar o sotaque escocês de forma natural. No Brasil, Ebenezer Scrooge foi também brilhantemente dublado pelo veterano Isaac Bardavid, a voz do Wolverine nos cinemas.

    Se o clássico de Dickens tinha como óbvia a escolha de Patinhas McPato para representar Ebenezer Scrooge (inclusive, seu nome original “Uncle Scrooge” o referencia), para interpretar Bob Cratchit ninguém seria melhor indicado do que o próprio Mickey Mouse. Para tanto, o técnico de som Wayne Allwine foi escalado e se tornou a terceira pessoa a interpretar o camundongo (o primeiro, de 1928 a 1946, tinha sido o próprio Walt Disney), e continuou como a voz de Mickey até sua morte, em 2009. A personalidade de Mickey se manteve fiel ao que ele sempre foi, mesmo 30 anos depois: pacato e carismático, e um tanto quanto modesto. Um personagem adorável, que mesmo com todos os problemas que enfrenta na vida se mantém otimista e confiante em um futuro melhor. Cratchit trabalha duro, sendo subserviente ao seu inescrupuloso patrão, para sustentar sua mulher e três filhos, sendo o mais novo, Timmy, muito doente.

    A história, como no clássico conto, gira em torno de Ebenezer e sua avareza se confrontando com os espíritos dos natais passado, presente e futuro. Scrooge demonstra prazer em enriquecer de forma ilícita, e tem momentos de pura crueldade, como quando, no passado, executou a hipoteca da própria noiva. O sovina recebe a primeira visita do além quando o fantasma de seu falecido sócio Jacob Marley surge para alertá-lo do que o espera no pós-vida. Marley, “interpretado” pelo atrapalhado Pateta, tinha sido em vida ainda mais cruel que seu sócio e, na morte, foi condenado a arrastar correntes pela eternidade “ou até mais”. Pateta/Marley o avisa que receberá a visita de três espíritos ainda nessa noite, véspera de natal, e o deixa aterrorizado.

    O primeiro espírito, o Fantasma do Natal Passado é interpretado pelo Grilo Falante, e sua introdução traz uma solução visual no mínimo interessante ao vermos uma câmera em primeira pessoa pulando pelo quarto. O fantasma leva Ebenezer Scrooge a revisitar seu passado, desde quando ainda era um jovem tímido, porém promissor, numa cena onde aparece a maior parte das “participações especiais” do curta (incluindo uma rara presença da Vovó Donalda), até sua transformação em um ser detestável e avarento. Contrastando com o grilo, o Fantasma do Natal Presente é representado por Willie, o Gigante de Mickey e o Pé de Feijão (segmento do clássico Como é bom se divertir). O ator vocal Will Ryan procurou manter-se fiel ao personagem, reprisando frases do gigante do curta anterior. Em um momento marcante e bastante sentimental, o gigante mostra para Scrooge como seu empregado Cratchit está passando o natal.

    Alheio à forma como “pessoas normais” vivem, Scrooge mal conseguia imaginar que o salário que pagava a seu empregado não garantiria sequer uma refeição digna. Scrooge se choca mais ainda ao ver o pequeno Timmy, doente e andando com ajuda de muletas, ter sua vida interrompida precocemente. Numa abrupta mudança de cena, vemos a família do camundongo no cemitério, chorando a morte do caçula. Ainda no cemitério, Scrooge vê seu próprio túmulo junto ao Fantasma do Natal Futuro (Bafo de Onça), sendo enterrado solitário, sem família e amigos, e uma clara alusão ao inferno no fundo de sua cova. Ao acordar desesperado, Ebenezer tem então sua conversão, distribuindo dinheiro aos pobres e fazendo a ceia de natal de seu empregado um momento mais feliz, tornando-o seu sócio.

    É possível ver a leveza do personagem de Scrooge ao fim em comparação com o peso que carregava no começo do filme. Até mesmo na forma de andar, antes com as costas arcadas como se carregasse o mundo em seus ombros com todo o peso de seus pecados passados. Em seu despertar, o peso das costas se esvai e Ebenezer fica visivelmente mais leve e, consequentemente um tanto atrapalhado com a súbita mudança, porém uma pessoa mais feliz e altruísta. Talvez a noção cristã de pecado e remissão esteja presente nesse momento, mesmo não se falando em momento algum sobre religião. O natal, nos desenhos Disney, não é exatamente uma data cristã, mas um momento de celebrar com a família e amigos, de desejar paz na Terra a todos, e assim é o final desse desenho, otimista e reconfortante, agradando crianças e adultos igualmente e principalmente nos fazendo refletir junto ao Tio Patinhas sobre nossos atos e nossos anseios para o futuro.

    Se Um Conto de Natal já foi adaptada para todos os meios possíveis, de peças teatrais a longa animado em computação gráfica, passando por novelas radiofônicas e inúmeras sátiras, O Conto de Natal do Mickey é uma das versões mais acalentadoras do conto de Dickens. A produção prima tanto pela qualidade da animação quanto trilha sonora e interpretações vocais, além de colocar personagens consagrados interpretando outros igualmente atemporais. Um clássico que honra as produções Disney anteriores e deixa um legado para as que vieram depois.

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  • Resenha | Pato Donald por Carl Barks: Perdidos nos Andes

    Resenha | Pato Donald por Carl Barks: Perdidos nos Andes

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    A coleção dedicada a republicar todas as histórias do Homem dos Patos começou de maneira sensacional! Pato Donald por Carl Barks: Perdidos nos Andes é o primeiro volume da série a chegar às bancas e livrarias brasileiras – embora seja o sétimo da coleção, que não está sendo publicada cronologicamente, da mesma forma que a editora Salvat faz com sua coleção de graphic novels da Marvel – e não poderia ter começado melhor. Publicada nos Estados Unidos pela Fantagraphics, a série apresenta todas as histórias escritas e desenhadas por Carl Barks, e resgata a paleta de cores originais da época (diferentes das últimas republicações, que tinham as cores remasterizadas) além da arte original, sem alterações. Barks foi o mais importante quadrinista Disney, e esta edição mostra porque ele é tão reverenciado.

    Perdidos nos Andes traz a clássica história homônima, na qual Donald e seus sobrinhos Huguinho, Zezinho e Luisinho encontram uma civilização perdida onde não existe nada na forma circular, chamada de Quadradópolis. A expedição começa quando acidentalmente, Donald descobre que as rochas em exposição no museu eram, na verdade, ovos quadrados! A investigação sobre a origem dos ovos quadrados (cúbicos, na verdade) leva Donald e seus sobrinhos a uma busca pelas montanhas do Peru, em antigo território inca. É interessante notar como Barks representa os nativos de forma a sempre parecerem exóticos e não-civilizados, além de um tanto quanto preguiçosos ou oportunistas. Parece ser a visão que se tinha na década de 1940 dos povos de terceiro mundo. Mas ao encontrar a tal civilização perdida, num local isolado por montanhas e névoas, vemos que a assimilação de hábitos e costumes norte-americanos está representada através da música que os nativos cantam e da língua que falam (inglês, evidentemente perdido na tradução). Assim, a família Pato passa por diversas situações em um cenário deslumbrante, fruto da melhor fase criativa de Barks.

    Além da história-título, ainda vemos na primeira parte do volume – dedicada às grandes aventuras – um outro clássico absoluto: Donald na África. Essa aventura emocionante é também alvo de duas polêmicas. A primeira está na representação dos nativos africanos como figuras sombrias e assustadoras, parte da iconografia estereotipada – e por que não dizer, racista – da época em que foi produzida. Outras edições recentes nas quais essas histórias foram publicadas tiveram sua arte alterada para amenizar o estereótipo. Desta vez, manteve-se todos as caricaturas racistas da época (inclusive um personagem que aparece na primeira página da história, Bop-Bop, que é claramente inspirado nos black faces dos minstrel shows), porém com textos explicativos que contextualizam a obra. Assim, ao invés de varrer pra debaixo do tapete esse momento vergonhoso das representações gráficas de povos afrodescendentes (como fez a Warner com seus desenhos antigos do Pernalonga), a Disney assume seus erros do passado. A segunda polêmica envolvendo essa história é a afirmação do Tio Patinhas de que teria contratado mercenários para expulsar as tribos das terras africanas que ele tomou posse, no passado. São detalhes importantes e com grande significado para entendermos as mudanças pelas quais nossa sociedade passou no último século, mas que não atrapalham ou fazem muita diferença na história em si. Na trama, Donald é perseguido por um zumbi africano que o confunde com seu tio rico e lança nele uma maldição vodu. Donald viaja então para a África pra livrar-se dessa maldição, encontrando o feiticeiro que a conjurou. Interessante notar como o velho Patinhas, em sua breve aparição, faz pouco caso disso, enquanto Donald é movido pelo medo e superstição. Parece que Barks, ao inserir o ceticismo como parte da personalidade do Tio Patinhas, faz uma crítica à credulidade da sociedade.

    Mais duas grandes aventuras recheiam o volume, sendo elas A árvore de natal dourada (que já foi republicada há pouco tempo no especial Contos de Natal, porém com colorização diferente) e Primo, você é que tem sorte, onde Donald e Gastão disputam uma corrida naval para salvar seu velho tio em uma ilha perdida.

    Embora alguns estereótipos salte aos olhos do leitor moderno, as histórias não são pautadas nas polêmicas, e sim nas personalidades de seus protagonistas. Donald, embora um pato, reflete todos os aspectos da personalidade humana. Ambição, desejo, frustração, medo, raiva… Seja qual for o sentimento, não poderia estar mais humanizado do que nas expressões do Pato. Nos identificamos com Donald, pois não temos a fortuna do Tio Patinhas, a sorte do Gastão ou a esperteza dos seus sobrinhos: o Pato é um homem comum como qualquer um de nós. Embora não possua uma mente brilhante, é um trabalhador esforçado que faz de tudo para sobreviver. Seus sobrinhos funcionam ora como sua consciência, como na história principal, ora como antagonistas, como na história em que Donald é um inspetor de alunos que os flagra cabulando aula.

    Além das longas aventuras, temos mais duas partes no livro: uma dedicada a histórias curtas de dez páginas e outra com gags de uma página só. Barks, que trabalhou anteriormente nos estúdios de animação da Disney, sabe conduzir todas elas com maestria. Os personagens aparentam ter volume, peso e ocupar realmente um lugar no espaço do cenário, e a ação ocorre de forma fluida e fácil de acompanhar. Os ricos detalhes dos desenhos não atrapalham a leitura da trama.

    Para encerrar o livro, temos vários textos explicativos, comentando cada uma das histórias, assim como uma biografia de Carl Barks nas primeiras páginas. O papel utilizado para o miolo é diferente do que vinha sendo usado nos outros especiais de capa dura da Abril, mas por um motivo peculiar: para preservar a leitura de forma mais parecida possível com a original. Assim dispensou-se o couché, que deixava as cores brilhantes e optou-se pelo off-white, que é mais fosco e cansa menos a vista. Na verdade, tanto seu formato quanto conteúdo fogem do padrão que a Abril estabeleceu nos últimos encadernados, notoriamente por se tratar de uma outra coleção. O volume tem metade das páginas da edição dedicada aos quadrinhos de DuckTales, porém sua qualidade é bastante superior, tanto nas histórias quanto no material extra. Tanto fãs antigos como quem nunca leu uma história dos patos tem nesse volume uma excelente compilação de histórias do maior artista que passou pelas histórias em quadrinhos de Walt Disney.

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  • Resenha | Ducktales: Os Caçadores de Aventuras (1)

    Resenha | Ducktales: Os Caçadores de Aventuras (1)

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    Entre 1987 e 1990, a Disney produziu aquela que viria a ser sua mais famosa série animada, estrelada por ninguém menos que o velho sovina Tio Patinhas e seus sobrinhos-netos Huguinho, Zezinho e Luisinho. Ducktales é ainda hoje lembrada com muito carinho por quem foi criança na época, e grande parte do seu sucesso foi devido à capacidade dos produtores em manterem-se fiéis às histórias em quadrinhos. Mesmo com algumas criações exclusivas para a série e algumas licenças poéticas que mudariam personagens já consagrados, o espírito aventureiro das obras clássicas de Carl Barks estava presente em cada episódio.

    Não demorou muito para que a transição inversa de mídia acontecesse: uma série baseada em quadrinhos acabou baseando, também, histórias em quadrinhos! Esses quadrinhos diferiam das habituais por incorporarem elementos antes exclusivos da série, como personalidades diferentes para cada um dos Irmãos Metralhas ou a origem escocesa do Pão-Duro MacMônei, que nos quadrinhos era sul-africano. Além de uma revista mensal, os patos tiveram algumas minisséries publicadas pela Editora Abril, sendo que três delas estão reunidas nesse volume de capa dura intitulado apenas Ducktales: Os Caçadores de Aventuras.

    Em busca da Número Um

    A primeira saga do volume é também a melhor das três e tem o roteiro assinado pelo consagrado escritor Marv Wolfman, conhecido pelo seu trabalho na DC Comics com os Novos Titãs e a maxissérie Crise nas Infinitas Terras. Wolfman resgata a atmosfera aventureira das histórias de Barks e demonstra um grande cuidado na caracterização de cada personagem. A história em sete partes começa com a vilã Maga Patalójika sequestrando a patinha Patrícia – neta da governanta Madame Patilda e para a qual Patinhas demonstra o mesmo carinho que tem pelos seus sobrinhos. Pelo resgate de Patrícia, Maga obriga Patinhas a entregar sua moedinha da sorte, a Número Um. Essa moeda foi a primeira que ele ganhou na vida e tem para ele um grande valor sentimental.

    O Tio Patinhas de Marv Wolfman é muito menos sovina e tem um coração muito mais mole do que as versões com as quais estamos acostumados por aqui – principalmente se comparado às hqs italianas ou mesmo brasileiras. Embora ainda tenha uma enorme sede por acumular riquezas, o velho não se importa em desfazer delas se isso significar o bem de seus entes queridos. Assim, vemos Patinhas abrindo mão de sua moedinha para resgatar a querida Patrícia, mas acaba caindo em um golpe sujo da bruxa.

    A saga então passa a ser sobre o resgate dessa moedinha e a busca pela Maga Patalójika, levando a família de patos e seus amigos a aventuras ao redor do mundo, tal qual na série animada. Destaque para o Capitão Bóing, que aqui aparece caracterizado como na primeira temporada da série animada: meio atrapalhado, porém valente e aventureiro. Paralela à história da moedinha, temos uma outra trama envolvendo o Pão-Duro MacMônei (que nessa história teve seu nome traduzido como MacMônei Coração-de-Pedra) na qual o rival se apropria das empresas Patinhas através de golpes financeiros. Patópolis é rebatizada como MacMópolis, e vemos a total ausência do poder público na cidade, sendo que todos os bens e serviços são advindos da iniciativa privada (asfalto, iluminação pública, saneamento básico…).

    Maga Patalójika está muito mais poderosa do que o habitual e sua presença é realmente assustadora. A habilidade de Wolfman de contar uma grande história, com muitos personagens, é visível e tudo se encaixa com sagacidade. Personagens como Madame Patilda, Asnésio, Professor Pardal e Leopoldo, embora não sejam importantes para a trama e alguns sequer tenham fala, marcam presença e garantem a atmosfera do desenho na saga, fazendo parte do cenário. Carl Barks também faz uma aparição na história como um aliado do vilão, e é uma bela homenagem ao Homem dos Patos.

    A odisseia do ouro

    A segunda saga do volume, com roteiro de Bob Langhans, trata de um meteoro de ouro descoberto por Patinhas e MacMônei e uma viagem pelo espaço para tomar posse dele. O clima de aventura também permeia toda a história e alguns momentos são bem divertidos. Asnésio, o patinho escoteiro rechonchudo, ganha uma importância maior, tendo um arco focado nele. Incomoda um pouco o uso de “ganchos” pelo roteirista a cada final de capítulo, que parece não ser usado de forma muito inteligente. Esses ganchos dão a impressão de que os capítulos simplesmente acabam “pela metade”, e a resolução na próxima parte soa corrida. Mais uma vez, vemos um Patinhas não muito apegado aos seus tesouros, e isso contrasta com a personalidade de MacMônei na história. Capitão Bóing continua aventureiro, porém mais falastrão do que na primeira saga.

    Alguns cuidados por parte da equipe de tradução foram negligenciados, e temos balões trocados em um quadro, assim como o nome de um dos sobrinhos em uma parte da história. Além disso, o topete do Bóing aparece sem cor em vários quadros, o que embora não atrapalhe o entendimento da história, causa certa estranheza ao leitor mais atento.

    Legítimos donos

    A terceira e última saga do volume é uma pena. Escrita por Warren Spector, designer do jogo Epic Mickey, a premissa é muito interessante, mas desperdiçada de uma forma tão inacreditável que chega a dar dó! A história parte do princípio de que muitos dos tesouros do Patinhas foram adquiridos através de apropriação cultural e, portanto, devem ser devolvidos aos seus legítimos donos. Uma excelente ideia, mas muito mal desenvolvida.

    Mesmo assim, temos alguns pontos pertinentes. A arte é bem diferente das duas séries anteriores, mais moderna e flertando com o estilo Disney italiano. Embora seja boa, não se mantém constante e as proporções dos personagens mudam muito de um capítulo para outro. As cores são definitivamente a melhor parte, e é a única coisa na história superior ao resto do volume.

    A história começa com uma exibição no museu de Patópolis dedicada às aventuras de seu mais notável cidadão. Assim, os tesouros conquistados por Patinhas em diversas ocasiões são expostos orgulhosamente, o que causa um certo constrangimento em Patrícia, que acaba convencendo o tio a devolvê-los. Junto a isso, o também ricaço esbanjador Patacôncio faz uma aposta com o velho Patinhas “nos termos de sempre”, o que significa que o perdedor deverá comer seu chapéu. Assim inicia-se uma jornada à tribos remotas para a devolução dos pertences.

    Mas o roteiro não funciona direito. A começar com a escolha do rival Patacôncio, que nunca sequer apareceu na série animada e não é tão popular nos Estados Unidos quanto no Brasil ou Itália. Peninha faz uma ponta que poderia passar despercebida, e Donald, apesar de citado e de aparecer em dois quadros, não teve nenhuma notoriedade na história – diferente do que a condução do roteiro parecia sugerir. Margarida – outra que nunca apareceu no desenho – surge como repórter, talvez uma referência à série Quack Pack, e o Capitão Bóing está muito diferente das histórias anteriores. Menos aventureiro e muito mais abobalhado, Bóing lembra mais sua versão no spin-off Darkwing Duck, inclusive citando sua temporada em St. Canard. Muitas e muitas referências às aventuras passadas são simplesmente jogadas na história, sem causar empatia a leitores que não as conhecem, e nem nostalgia aos fãs antigos. O desenvolvimento da primeira parte não se mantém no mesmo ritmo, forçando a história a correr na última parte, atropelando a narrativa. E ainda se encerra com um gancho forçado, que em nada contribui para o entendimento da trama. O resultado é uma história confusa, fraca, com personagens rasos e que mais parece uma fanfic do que um produto oficial.

    Acabamento de luxo

    Embora tenha seus problemas, o volume é muito bom. A capa dura com reserva de verniz tem a aparência de uma peça de pedra de algum templo antigo e é realmente muito bonita. Impossível não comprar com a arte dos filmes de Indiana Jones, clara inspiração para a série. O material extra traz um excelente texto contando a trajetória dos Caçadores de Aventuras em diversas mídias, e é realmente muito bom. As páginas em couché dão um brilho às histórias e a encadernação é perfeita, como vem sendo nas outras edições de capa dura da editora. É uma peça para se guardar na coleção e, mesmo com seus problemas, no coração de quem já cantou a música tema de Ducktales com empolgação um dia!

    Compre: Ducktales: Os Caçadores de Aventuras

  • Resenha | Contos de Natal

    Resenha | Contos de Natal

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    Histórias de natal nos quadrinhos Disney são quase que uma tradição anual. No Brasil, todo fim de ano vemos nas bancas um almanaque contendo coletâneas de histórias natalinas, o Natal de Ouro Disney. Edição esperada o ano todo pelos leitores nos anos 80 e 90, Natal de Ouro voltou a ser publicada há alguns anos, apostando em histórias mais recentes e algumas inéditas, produzidas na Itália. Além desta costumeira edição, os leitores de quadrinhos Disney no Brasil tiveram uma ótima surpresa nesse fim de ano: a Editora Abril publicou um volume em capa dura intitulado Contos de Natal por Carl Barks.

    Barks foi o criador de praticamente tudo que é legal nas histórias do Pato Donald, desde personagens secundários até a própria cidade de Patópolis. Esta edição apresenta, em ordem cronológica (em partes – mais sobre isso daqui a pouco) todas as histórias com tema natalino escrita pelo Homem dos Patos. São 35 histórias que vão desde épicos de mais de vinte páginas até gags de uma página só.

    As histórias de natal apresentadas nesse volume, além de serem clássicos indiscutíveis, carregam também grande valor histórico. A primeira delas, O Melhor Natal, apresenta a primeira aparição da Vovó Donalda. Além disso, mais duas histórias nos brindam com primeiras aparições: Natal nas Montanhas é a estreia de ninguém menos que Tio Patinhas Mac Patinhas (ou MacPato, para os saudosistas de Duck Tales). Aqui, Patinhas é um velho sovina e rabugento que odeia o natal e é praticamente o vilão da história. Sua personalidade ainda não estava definida – dizem que Barks não tinha planos de usá-lo em outras histórias.

    O avarento Tio Patinhas, em sua primeira aparição.

    O velho avarento co-estrela várias histórias, e rouba a cena em quase todas elas. O Patinhas de Barks não é tão avarento quanto era a princípio, e para ganhar a atenção de seus sobrinhos-netos não pensa duas vezes antes de esbanjar! Se em uma história ele aprende a valorizar o natal e a família, parece que na outra ele simplesmente esqueceu-se de tudo, e em outra se mostra muito mais mão aberta do que estamos acostumados. Nas últimas histórias, porém, podemos ver um Tio Patinhas muito mais próximo da figura que conhecemos: ainda um pão-duro, mas com bom coração!

    Em A Visita do Primo Gastão vemos o surgimento do ganso sortudo que não gosta de trabalhar. Gastão vive à revelia da própria sorte, e aparece mais algumas vezes no volume, sempre rivalizando com Donald e se dando bem no fim das contas. Sua personalidade não muda tanto quanto a do Tio Patinhas.

    A maioria das histórias parece girar em torno de um modelo: Donald enfrenta alguma dificuldade para comemorar o natal, inventa um plano, o plano dá errado mas no final tudo fica bem. Claro que nem tudo segue essa fórmula, e essa é a graça. Podemos ver os patos em um farol distante da cidade, em um submarino no meio do oceano, em uma ilha deserta ou simplesmente nos arredores de Patópolis. Barks pode contar uma excelente história, seja qual for o contexto ou cenário escolhido para tal.

    A figura do Papai Noel é algo bastante curiosa. Aparentemente, ele existe e todos concordam com isso – inclusive o próprio Bom Velhinho aparece em duas histórias. Porém, ainda assim, é preciso comprar os presentes para os meninos ou colocar a cartinha deles no correio a tempo. Aparentemente, existe uma diferença entre os presentes dados pelo Noel e os recebidos das mãos de seu próprios familiares. O que importa, mais do que tudo, é uma boa ceia em família, com peru assado!

    Barks não era lá um grande entusiasta da tradição natalina em sua vida pessoal, mas conseguia com maestria capturar as angústias, as ambições, os desejos e os mais diversos sentimentos que o feriado cristão gera nas pessoas, extrapolando para as páginas em uma excelente caricatura do Natal.

    Das histórias publicadas, apenas as duas últimas não estão em ordem cronológica. Noite Feliz, penúltima história, havia sido escrita e desenhada nos anos 60, mas foi vetada devido a um alto teor de violência para os quadrinhos Disney americanos na época (Donald é torturado com choques elétricos por seu vizinho Silva). Essa história foi publicada pela primeira vez duas décadas depois, na Holanda. Isso explica a diferença do traço dos personagens, com pescoços e bicos mais longos, como nas primeiras histórias. Essa é a única trama em que fica evidente o caráter cristão do feriado, com Donald cantando a música título, mais devido à tradução da versão brasileira do que uma vontade do próprio autor, que preferia deixar questões religiosas de lado.

    A última história não foi escrita por Barks, apenas desenhada a lápis. É a reprodução das páginas de um livro que já foi publicado no brasil três vezes, em diferentes formatos (diferente do que aparece creditado no índice, onde diz que foi publicada apenas uma vez). O velho conto Um Conto de Natal, de Charles Dickens, é mais uma vez reencenado pelo “Tio Scrooge” da Disney.

    Contos de Natal por Carl Barks é uma excelente edição, não trata o feriado de forma maçante e é garantia de boa diversão. O formato de capa dura, 400 páginas e miolo em couché é excelente, embora um pouco menor do que o apresentado em A Saga do Tio Patinhas e Os 80 Anos do Pato Donald. Ao leitor e fã das aventuras barksianas, resta torcer para que a Abril republique sua obra completa em um modelo parecido.