Tag: Charles Dickens

  • Crítica | LEGO Star Wars: Especial de Festas

    Crítica | LEGO Star Wars: Especial de Festas

    LEGO Star Wars: Especial de Festas é a nova e última empreitada da LEGO ligado a franquia criada por George Lucas. O especial de 48 minutos é dirigido por Ken Cunningham, e começa logo após os eventos de A Ascensão Skywaker, mostrando o cenário da destruição da Primeira Ordem, com os personagens da nova trilogia indo a Kashyyyk, planeta natal de Chewbacca, para comemorar o dia da vida.

    Apesar desse não ser um evento canônico, ele traz a tona elementos do terrível especial de 1978, Star Wars: Holiday Special, no feriado comemorativo dos wookies. Além disso, os personagens seguem suas vidas pós-vitória da resistência, Rey treina Finn e a nova geração brinca preparando a Milenium Falcon para receber a família de Chewie.

    O tom é infantil e a trilha é bem diferente do visto nos filmes embora haja uma clara inspiração no temas de John Williams. O design das naves ao estilo Lego é bem legal, mas fora elas e os personagens, mal parece que essa é uma aventura da franquia de brinquedos, já que os cenários não parecem feitos de blocos amarelos.

    O artifício para que Rey aprenda a se tornar uma mestre Jedi é inteligente, passa por momentos clássicos garante momentos muito engraçados, que fazem troça com momentos grotescos da ultima trilogia, com especial foco na historias de Kylo Ren/Ben Solo. Além disso, há referencias ao conto de natal de Charles Dickens, com fantasmas mostrando o óbvio aos heróis. A mensagem singela e sentimental do dia da vida faz todo sentido, além de brincar com os elementos caros do cânone de Star Wars, sem parecer presunçoso, nem mesmo quando brinca com os clichês e elementos de viagem no tempo.

  • Crítica | Os Fantasmas de Scrooge

    Crítica | Os Fantasmas de Scrooge

    Ebenezer Scrooge (Jim Carrey) é um senhor de idade avançada, rabugento e de caráter duvidoso. Nas primeiras cenas de Os Fantasmas de Scrooge ele observa o corpo de Jacob Marley, um antigo amigo que faleceu. Sovina, ele demora a pagar o agente funerário que prestou os serviços finais ao seu antigo sócio, e isso dá um pouco a dimensão de quem ele é. Dentre as muitas versões de Um Conto de Natal, de Charles Dickens, agora conduzida por Robert Zemeckis, esta é certamente a mais focada em estabelecer a personalidade do seu protagonista como a de um homem amargurado.

    Esta adaptação é bastante parecida com o longa em live action de 1984, Um Conto de Natal de Clive Donner, onde o personagem central é vivido por George C. Scott, que claramente é o molde para esse Ebenezer. Tal qual foi com O Expresso Polar, filme lançado em 2004, esse também se utiliza da técnica de captura de imagem para produzir os movimentos de seus personagens. Aqui os personagens humanos são ligeiramente melhor encaixados e menos estranhos do que foi no filme anterior.

    O conflito do filme se dá com qualquer pessoa minimamente sentimental, discutindo com o velho reclamão a respeito de seus hábitos isolacionistas. Um parente o chama para quebrar sua rotina de amargura e venha cear com eles na véspera do natal, seus empregados pedem mais tempo para ficar com a família, seus vizinhos cantarolam hinos natalinos, mas ele segue frio e gélido. Praticamente todas as pessoas amam a atmosfera natalina, confraternizam e brincam nas ruas, menos Scrooge.

    Se a animação com os coadjuvantes prossegue esquisita (principalmente os adultos que andam na periferia do protagonista), aos menos os fantasmas são bem detalhados. Suas formas espectrais tem cores vivas, e Carrey mesmo em baixa e longe dos sucessos indiscutíveis de anos anteriores consegue fazer ótimos papéis, no plural. Ele é bastante exigido, uma vez que atua não só como Scrooge, como é também os espíritos que o assolam. Por mais terror que eles causem no velho, é impossível não rir com cada um deles. Toda a jornada nesse sentido é fluida, e não causa tanto estranhamento quanto as outras empreitadas de Zemeckis nesse estilo de narrativa.

    A mensagem que Dickens passou em seu conto era bastante cabível, mas a lenda de Scrooge é um bocado vaidosa e sovina até na reflexão e arrependimento que Ebenezer tem. Ao menos no que toca as partes onde ele se compadece de seu empregado Bob Cratchit e tenta justificar para que as pessoas percebam sua mudança, antes de finalmente partir e se unir ao seu antigo sócio. Zemeckis tenta revitalizar isso para uma atualidade, mas não consegue cem por cento, ainda assim, a forma como ele trata o conto antigo é carinhosa e sentimental, resultando em uma mensagem que ao menos prega o bem final, mesmo que deixe a amarga sensação de quem os fins justificam os meios.

  • Crítica | Os Fantasmas Contra-Atacam

    Crítica | Os Fantasmas Contra-Atacam

    Os Fantasmas Contra-Atacam, filme de Richard Donner, começa com inserções de comerciais natalinos nonsense, com os duendes e papai Noel se armando até os dentes contra opositores, junto ao personagem Lee Majors, de O Homem de Seis Bilhões de Dólares. Em meio a isso, o diretor da rede de televisão Frank Cross (Bill Murray) é apresentado, um homem egocêntrico e com poucos escrúpulos, que só pensa na audiência de sua emissora, não importando o preço a ser cobrado. Logo, ele é visitado pelo espírito de seu amigo morto, Lew Hayward (John Forsythe), que serve de prenúncio para o que virá.

    Por não pensar nos outros e ser frio, a vida e destino do protagonista está fadada a ser destruída, e para isso, três espíritos o visitarão, o do natal passado, natal presente e futuro. Em meio a essas visitas ele viaja pelo tempo e vê alternativas do que seria sua vida, normalmente envolvendo a bela Claire Phillips (Karen Allen, de Caçadores da Arca Perdida) como seu par.

    Essa versão de Um Conto de Natal, de Charles Dickens reúne menções mais modernas a situações de A Felicidade Não se Compra, embora o herói da jornada tenha um caráter bastante diferente do Bailey que James Stewart fazia. O cunho do longa obviamente é outro, a comédia, trabalhando de maneira irônica com alguns elementos referentes a hipocrisia do mundo corporativo e da vida adulta.

    O desfecho é irônico, e se vale muito do carisma de Murray, que estava bastante em alta principalmente por conta de Os Caça-Fantasmas – que inclusive é o motivo do nome brasileiro fazer referencia a fantasmas, e não a Scrooged ou ao conto de Dickens. Entre os coadjuvantes, vale lembrar de Carol Kane, que faz o fantasma do presente, misturando o arquétipo de aparição com o de fada, com uma abordagem bem lisérgica do mito. Sua performance casa à perfeição com a de Murray, e ajuda a engrandecer o escopo de Os Fantasmas Contra-Atacam, tornando-o um filme divertido apesar de seus clichês.

    https://www.youtube.com/watch?v=C3P8u2jXm9U

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | O Conto de Natal do Mickey

    Crítica | O Conto de Natal do Mickey

    O Conto de Natal do Mickey, também conhecido como A Canção de Natal do MickeyO Natal do Mickey Mouse, foi um marco nas animações Disney nos anos 1980. O curta-metragem produzido e dirigido por Burny Mattinson, marca o retorno do camundongo às telas em 1983, após 30 anos de hiato. Mattinson, que coincidentemente havia começado a trabalhar com animações na Disney exatamente quando o último desenho do Mickey foi lançado, não podia estar mais empolgado com a empreitada que lhe foi confiada.

    Assim, escolheu a dedo um time de animadores de forma com que cada um se sentisse o mais confortável possível com o personagem ao qual iria dar vida no celuloide. Da mesma forma, o elenco vocal original contou com a presença de uma equipe que já tinha trabalhado em uma versão de Um Conto de Natal, de Charles Dickens, em um LP dez anos antes. Para a voz do personagem principal, Ebenezer Scrooge (encarnado pelo Tio Patinhas), Alan Young foi o escolhido e sua interpretação foi tão acertada que, poucos anos mais tarde, reprisou o papel do Pato Mais Rico do Mundo na série animada Duck Tales (e em 2013, no videogame Duck Tales Remastered). Young consegue captar soberbamente os contrastes de personalidade de Scrooge/Patinhas, tanto sua avareza quanto, ao final, sua conversão, além de imitar o sotaque escocês de forma natural. No Brasil, Ebenezer Scrooge foi também brilhantemente dublado pelo veterano Isaac Bardavid, a voz do Wolverine nos cinemas.

    Se o clássico de Dickens tinha como óbvia a escolha de Patinhas McPato para representar Ebenezer Scrooge (inclusive, seu nome original “Uncle Scrooge” o referencia), para interpretar Bob Cratchit ninguém seria melhor indicado do que o próprio Mickey Mouse. Para tanto, o técnico de som Wayne Allwine foi escalado e se tornou a terceira pessoa a interpretar o camundongo (o primeiro, de 1928 a 1946, tinha sido o próprio Walt Disney), e continuou como a voz de Mickey até sua morte, em 2009. A personalidade de Mickey se manteve fiel ao que ele sempre foi, mesmo 30 anos depois: pacato e carismático, e um tanto quanto modesto. Um personagem adorável, que mesmo com todos os problemas que enfrenta na vida se mantém otimista e confiante em um futuro melhor. Cratchit trabalha duro, sendo subserviente ao seu inescrupuloso patrão, para sustentar sua mulher e três filhos, sendo o mais novo, Timmy, muito doente.

    A história, como no clássico conto, gira em torno de Ebenezer e sua avareza se confrontando com os espíritos dos natais passado, presente e futuro. Scrooge demonstra prazer em enriquecer de forma ilícita, e tem momentos de pura crueldade, como quando, no passado, executou a hipoteca da própria noiva. O sovina recebe a primeira visita do além quando o fantasma de seu falecido sócio Jacob Marley surge para alertá-lo do que o espera no pós-vida. Marley, “interpretado” pelo atrapalhado Pateta, tinha sido em vida ainda mais cruel que seu sócio e, na morte, foi condenado a arrastar correntes pela eternidade “ou até mais”. Pateta/Marley o avisa que receberá a visita de três espíritos ainda nessa noite, véspera de natal, e o deixa aterrorizado.

    O primeiro espírito, o Fantasma do Natal Passado é interpretado pelo Grilo Falante, e sua introdução traz uma solução visual no mínimo interessante ao vermos uma câmera em primeira pessoa pulando pelo quarto. O fantasma leva Ebenezer Scrooge a revisitar seu passado, desde quando ainda era um jovem tímido, porém promissor, numa cena onde aparece a maior parte das “participações especiais” do curta (incluindo uma rara presença da Vovó Donalda), até sua transformação em um ser detestável e avarento. Contrastando com o grilo, o Fantasma do Natal Presente é representado por Willie, o Gigante de Mickey e o Pé de Feijão (segmento do clássico Como é bom se divertir). O ator vocal Will Ryan procurou manter-se fiel ao personagem, reprisando frases do gigante do curta anterior. Em um momento marcante e bastante sentimental, o gigante mostra para Scrooge como seu empregado Cratchit está passando o natal.

    Alheio à forma como “pessoas normais” vivem, Scrooge mal conseguia imaginar que o salário que pagava a seu empregado não garantiria sequer uma refeição digna. Scrooge se choca mais ainda ao ver o pequeno Timmy, doente e andando com ajuda de muletas, ter sua vida interrompida precocemente. Numa abrupta mudança de cena, vemos a família do camundongo no cemitério, chorando a morte do caçula. Ainda no cemitério, Scrooge vê seu próprio túmulo junto ao Fantasma do Natal Futuro (Bafo de Onça), sendo enterrado solitário, sem família e amigos, e uma clara alusão ao inferno no fundo de sua cova. Ao acordar desesperado, Ebenezer tem então sua conversão, distribuindo dinheiro aos pobres e fazendo a ceia de natal de seu empregado um momento mais feliz, tornando-o seu sócio.

    É possível ver a leveza do personagem de Scrooge ao fim em comparação com o peso que carregava no começo do filme. Até mesmo na forma de andar, antes com as costas arcadas como se carregasse o mundo em seus ombros com todo o peso de seus pecados passados. Em seu despertar, o peso das costas se esvai e Ebenezer fica visivelmente mais leve e, consequentemente um tanto atrapalhado com a súbita mudança, porém uma pessoa mais feliz e altruísta. Talvez a noção cristã de pecado e remissão esteja presente nesse momento, mesmo não se falando em momento algum sobre religião. O natal, nos desenhos Disney, não é exatamente uma data cristã, mas um momento de celebrar com a família e amigos, de desejar paz na Terra a todos, e assim é o final desse desenho, otimista e reconfortante, agradando crianças e adultos igualmente e principalmente nos fazendo refletir junto ao Tio Patinhas sobre nossos atos e nossos anseios para o futuro.

    Se Um Conto de Natal já foi adaptada para todos os meios possíveis, de peças teatrais a longa animado em computação gráfica, passando por novelas radiofônicas e inúmeras sátiras, O Conto de Natal do Mickey é uma das versões mais acalentadoras do conto de Dickens. A produção prima tanto pela qualidade da animação quanto trilha sonora e interpretações vocais, além de colocar personagens consagrados interpretando outros igualmente atemporais. Um clássico que honra as produções Disney anteriores e deixa um legado para as que vieram depois.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Resenha | Contos de Natal

    Resenha | Contos de Natal

    natal disney

    Histórias de natal nos quadrinhos Disney são quase que uma tradição anual. No Brasil, todo fim de ano vemos nas bancas um almanaque contendo coletâneas de histórias natalinas, o Natal de Ouro Disney. Edição esperada o ano todo pelos leitores nos anos 80 e 90, Natal de Ouro voltou a ser publicada há alguns anos, apostando em histórias mais recentes e algumas inéditas, produzidas na Itália. Além desta costumeira edição, os leitores de quadrinhos Disney no Brasil tiveram uma ótima surpresa nesse fim de ano: a Editora Abril publicou um volume em capa dura intitulado Contos de Natal por Carl Barks.

    Barks foi o criador de praticamente tudo que é legal nas histórias do Pato Donald, desde personagens secundários até a própria cidade de Patópolis. Esta edição apresenta, em ordem cronológica (em partes – mais sobre isso daqui a pouco) todas as histórias com tema natalino escrita pelo Homem dos Patos. São 35 histórias que vão desde épicos de mais de vinte páginas até gags de uma página só.

    As histórias de natal apresentadas nesse volume, além de serem clássicos indiscutíveis, carregam também grande valor histórico. A primeira delas, O Melhor Natal, apresenta a primeira aparição da Vovó Donalda. Além disso, mais duas histórias nos brindam com primeiras aparições: Natal nas Montanhas é a estreia de ninguém menos que Tio Patinhas Mac Patinhas (ou MacPato, para os saudosistas de Duck Tales). Aqui, Patinhas é um velho sovina e rabugento que odeia o natal e é praticamente o vilão da história. Sua personalidade ainda não estava definida – dizem que Barks não tinha planos de usá-lo em outras histórias.

    O avarento Tio Patinhas, em sua primeira aparição.

    O velho avarento co-estrela várias histórias, e rouba a cena em quase todas elas. O Patinhas de Barks não é tão avarento quanto era a princípio, e para ganhar a atenção de seus sobrinhos-netos não pensa duas vezes antes de esbanjar! Se em uma história ele aprende a valorizar o natal e a família, parece que na outra ele simplesmente esqueceu-se de tudo, e em outra se mostra muito mais mão aberta do que estamos acostumados. Nas últimas histórias, porém, podemos ver um Tio Patinhas muito mais próximo da figura que conhecemos: ainda um pão-duro, mas com bom coração!

    Em A Visita do Primo Gastão vemos o surgimento do ganso sortudo que não gosta de trabalhar. Gastão vive à revelia da própria sorte, e aparece mais algumas vezes no volume, sempre rivalizando com Donald e se dando bem no fim das contas. Sua personalidade não muda tanto quanto a do Tio Patinhas.

    A maioria das histórias parece girar em torno de um modelo: Donald enfrenta alguma dificuldade para comemorar o natal, inventa um plano, o plano dá errado mas no final tudo fica bem. Claro que nem tudo segue essa fórmula, e essa é a graça. Podemos ver os patos em um farol distante da cidade, em um submarino no meio do oceano, em uma ilha deserta ou simplesmente nos arredores de Patópolis. Barks pode contar uma excelente história, seja qual for o contexto ou cenário escolhido para tal.

    A figura do Papai Noel é algo bastante curiosa. Aparentemente, ele existe e todos concordam com isso – inclusive o próprio Bom Velhinho aparece em duas histórias. Porém, ainda assim, é preciso comprar os presentes para os meninos ou colocar a cartinha deles no correio a tempo. Aparentemente, existe uma diferença entre os presentes dados pelo Noel e os recebidos das mãos de seu próprios familiares. O que importa, mais do que tudo, é uma boa ceia em família, com peru assado!

    Barks não era lá um grande entusiasta da tradição natalina em sua vida pessoal, mas conseguia com maestria capturar as angústias, as ambições, os desejos e os mais diversos sentimentos que o feriado cristão gera nas pessoas, extrapolando para as páginas em uma excelente caricatura do Natal.

    Das histórias publicadas, apenas as duas últimas não estão em ordem cronológica. Noite Feliz, penúltima história, havia sido escrita e desenhada nos anos 60, mas foi vetada devido a um alto teor de violência para os quadrinhos Disney americanos na época (Donald é torturado com choques elétricos por seu vizinho Silva). Essa história foi publicada pela primeira vez duas décadas depois, na Holanda. Isso explica a diferença do traço dos personagens, com pescoços e bicos mais longos, como nas primeiras histórias. Essa é a única trama em que fica evidente o caráter cristão do feriado, com Donald cantando a música título, mais devido à tradução da versão brasileira do que uma vontade do próprio autor, que preferia deixar questões religiosas de lado.

    A última história não foi escrita por Barks, apenas desenhada a lápis. É a reprodução das páginas de um livro que já foi publicado no brasil três vezes, em diferentes formatos (diferente do que aparece creditado no índice, onde diz que foi publicada apenas uma vez). O velho conto Um Conto de Natal, de Charles Dickens, é mais uma vez reencenado pelo “Tio Scrooge” da Disney.

    Contos de Natal por Carl Barks é uma excelente edição, não trata o feriado de forma maçante e é garantia de boa diversão. O formato de capa dura, 400 páginas e miolo em couché é excelente, embora um pouco menor do que o apresentado em A Saga do Tio Patinhas e Os 80 Anos do Pato Donald. Ao leitor e fã das aventuras barksianas, resta torcer para que a Abril republique sua obra completa em um modelo parecido.

  • Resenha | Batman: Noel

    Resenha | Batman: Noel

    batman noel

    Destaque como uma narrativa universal situada na época natalina, Um Conto de Natal de Charles Dickens é uma dessas obras atemporais cujo alcance do público se tornou forte o para ser relembrada e recontada em outras mídias. O cinema, para citarmos somente uma das artes, já reverenciou a obra em clássicas adaptações e versões contemporâneas, sempre mantendo a mensagem-símbolo da narrativa.

    Leitor de Dickens, Lee Bermejo presta uma homenagem explícita ao autor em Batman – Noel, ao inserir o conto do autor dentro de uma história de Batman, representado como Scrooge, como um homem sovina que recebe na noite de Natal três espíritos..  A história foi lançada pela Panini Comics em edição especial de capa dura de acessível preço que, provavelmente, atrairá muitos leitores devido à arte de Bermejo e ao custo-benefício de uma leitura com história fechada.

    Com uma arte primorosa que se destaca desde a primeira página, o roteirista escolhe um narrador onisciente que dialoga com seu leitor, invocando a mesma intenção de Dickens em sua obra. Simultaneamente à narrativa, acompanhamos o Homem-Morcego em uma captura de um homem pertencente à gangue do Coringa, vilão que acaba de fugir do Arkham. Devido ao frio de Gotham, o herói pega um resfriado e, combalido, recebe a visita de três personagens. A Mulher-Gato representando o passado, o amigo Superman representando o presente e Coringa como o futuro. São estes três personagem que durante sua visita levaram o Morcego a uma jornada dentro de si e de seus medos.

    A concepção do roteiro erra ao tentar se aproximar da narrativa original, correlacionando o velho Scrooge, do original, a Bruce Wayne. Mesmo que a personagem seja sombria e pouco transpareça suas emoções, é incoerente a descrição feita pela trama de Wayne como um homem sovina que ignora os festejos, paga mal funcionários e parece não reconhecer sua própria condição solitária. Uma descrição que nunca serviu à personagem, afinal, a moral e a luta a favor do bem em detrimento a sua jornada pessoal são a base da composição da personagem.

    Não houve preocupação em criar uma história que utilizasse a mesma base sem parecer uma mera releitura superficial. Ao tentar colocar Um Conto de Natal no universo do morcego, Bermejo encaixou forçadamente personagens de ambos os universos, entregando um produto sem uma visão original além de incoerente, modificando conceitos-chave da personagem somente para que ela se encaixasse na história original.

    Se o roteiro falha, a arte é grande sustentação que fornece o ambiente para a narrativa fraca. Como uma tela pintada que se destaca pelas cores em tons pasteis de Barbara Ciardo, a atmosfera de Gotham ganha uma poética urbana entre sua sujeira e corrupção. A escolha dos uniformes corrobora uma visão realista com cores sóbrias e uma roupa que se destaca por parecer mais próxima de um uniforme militar, com direito a coturno e outros acessórios demonstrando preparo para além da mera capa assustadora. Um retrato do Morcego que desmitifica uma figura noturna para dar vazão a um Batman tão urbano quanto a cidade que o criou.

    Como desenhista, Bermejo trabalha como ninguém a composição das cenas, dando-lhes um diferencial em perspectiva e composição dos quadros, porém, ao se apoiar demais na obra de Dickens, não alcançou a metáfora da obra original, nem mesmo fez uma homenagem competente a uma história clássica devido à falta de equilíbrio entre o conto original e a mitologia existente do Homem-Morcego.

    O resultado está distante da obra-prima mencionada pela capa e pelos elogios de Jim Lee, que assina o prefácio da edição. Uma história que se sustenta apenas pelo talento visual. Desequilibrado por um argumento mal costurado, mesmo que inspirado por um clássico.

    Compre: Batman – Noel

    Batman - Noel - Coringa

  • Resenha I Um Conto de Natal – Charles Dickens

    Resenha I Um Conto de Natal – Charles Dickens

    conto de natal charles dickens

    Charles Dickens havia lançado algumas coletâneas de contos e trabalhado em cinco romances seriados – publicados semanalmente ou mensalmente em revistas de sua época – quando, em 1843, precisamente em 19 de dezembro, lançou o famoso conto de Natal. A obra foi relevante para sua carreira, e o sucesso permanece ainda hoje. Uma história tão conhecida, reinterpretada e apropriada por outras mídias que a personagem central, o sovina Scroodge, e os espíritos dos natais se tornaram tanto representações simbólicas da data comemorativa como também adquiriram status universal.

    O sucesso de Um Conto de Natal proporcionou ao autor inspiração para que escrevesse outros contos temáticos sobre a festividade. Nenhum, porém, adquiriu a mesma fama e sucesso. Compostas por cinco contos, incluindo o referido, suas histórias foram chamadas de “Contos de Natal”. Incrivelmente, a produção desta primeira famosa narrativa foi feita graças a uma dívida adquirida por Dickens. Motivado pela necessidade, o autor produziu um bonito retrato natalino com os contrastes da sociedade e uma moral que ultrapassa a concepção de uma análise religiosa sobre a festa cristã.

    Ao lançar a obra em plena Revolução Industrial inglesa, Dickens escolhe a festividade natalina para realizar uma contraposição de uma era mecanizada, que perdia os contornos sensíveis de uma sociedade. Não se trata de um texto cuja intenção é pregar a religiosidade, mas o conto aproveita-se da data e da maioria dos britânicos que a comemoram para analisar as relações e o distanciamento que há entre as classes sociais.

    A figura de Ebenezer Scroodge é a personagem que se transforma durante o enredo. Inicialmente, representa o patrão que não reconhece os serviços de seu empregado e, acima de tudo, revela-se um homem voltado ao dinheiro, tornando-se um símbolo contemporâneo do sovina, inclusive fonte de inspiração para a caracterização de Tio Patinhas, da Disney. Porém, definir Scroodge apenas como uma representação arquetípica é diminuir as nuances deste como personagem central. Em sua viagem no tempo, observamos tempos mais brilhantes na vida de Scroodge, constatando-se que sua personalidade foi moldada pela própria vida.

    O encontro com o espírito do falecido amigo Marley e a consequente viagem ao passado, presente e futuro são uma segunda chance para a personagem. Um elemento metafórico que explicita as reflexões que deveriam ser feitas no decorrer da vida de todos. Afinal, se o tempo é uma abstração criada pela humanidade com o intuito de organizar e ordenar eventos para, assim, compor uma linha de atividades, é dedutivo que seja necessário um momento para reflexão. Uma pausa em que possamos observar os passos dados até o presente a fim de que o futuro seja, ao menos em parte, planejado por nossa vontade. Dessa forma, o Natal como evento pontua este momento de reflexão. Tradicionalmente, carrega, além do nascimento de Jesus Cristo, o costume arraigado de união familiar, um momento em que diferentes núcleos tornam-se novamente unos. Talvez esta seja a justificativa para usar uma data universal como ambientação narrativa.

    A representação descritiva escolhida para cada espírito dos natais é também um bonito símbolo passível de interpretação. O passado é representado por uma figura reluzente e sem forma, uma referência óbvia à própria chama da memória e da percepção nostálgica de que aquilo que foi vivido anteriormente é sempre mais iluminado. Desta maneira, o gigante gentil demonstra simultaneamente o quanto o presente é difícil de ser dimensionado e capaz de causar medo, mesmo que, aparentemente, não seja assustador. Esta dualidade também se mantém no Fantasma do Futuro. Um personagem que permanece a maior parte do tempo em silêncio – talvez pelo futuro não ter sido escrito, de fato – e descrito como a figura mais popular da morte. As vestes escuras e a postura taciturna remetem-se à indefinição do tempo futuro, ao mesmo tempo que simboliza o próprio fim, o ceifador que nos acompanha para outra trajetória.

    O apelo sensível da obra é invejável, assim como as composições narrativa e descritiva são suficientemente capazes de evocar no leitor a percepção de cada espírito. A simplicidade narrativa amplia este sentimento natalino, e Dickens não tem vergonha de utilizar personagens carismáticos e com potencial dramático para elevar a emoção e a reflexão para o leitor. Talvez esta obra seja uma das mais universais da literatura, por ser capaz de promover, através da trajetória de um homem ficcional, a importância da reflexão interna e da compaixão e compreensão com outros membros da sociedade. Uma narrativa que talvez nunca perca sua força presente.

    Compre aqui: Um Conto de Natal – Charles Dickens