Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (Twitter | Instagram), Filipe Pereira (Twitter | Instagram), Bernardo Mazzei (Twitter | Instagram) e Jackson Good (Twitter) se reúnem para comentar sobre as últimas notícias envolvendo o universo cinemático da DC, desde o malfadado Snyderverso ao futuro imprevisível envolvendo James Gunn e Peter Safran.
Duração: 65 min.
Edição: Flávio Vieira Trilha Sonora: Flávio Vieira
Arte do Banner: Bruno Gaspar
Em Batman: A Série Animada, desenvolvida por Bruce Timm, já havia um esboço de parceira (e até alguma tensão sexual mínima) entre as personagens Hera Venenosa e Arlequina. Diante disso, o roteirista Chuck Dixon ao lado do artista Joe Chiodo decidem explorar um pouco dessa interação entre as personagens na curta história Arlequina e Hera Venenosa: Paixões Violentas.
Publicada há alguns anos pela Editora Mythos, e ainda que seja uma história curta, merecia uma edição mais caprichada. A arte de Chiodo emula o traço da animação dos anos 90 sem deixar de lado seu caráter próprio, apesar de apelar à sexualidade das personagens. O trabalho de cor realmente chama a atenção, se assemelhando a tintas de aquarela, infelizmente, pouco valorizado no papel desta edição.
Na trama, Coringa expulsa a namorada após um assalto que dá errado. Ao invés dela perceber a relação abusiva existente, ela resolve obedecer sua ordem autoritária, acreditando que caso consiga se virar sozinha, ele a aceitaria de volta. Esse fato certamente serve de paralelo com a realidade de muitas mulheres abusadas física e emocionalmente, assim como a personagem.
Há uma máxima falaciosa de que a DC Comics só começou a sexualizar a personagem após mudar seu uniforme, perto da época dos Novos 52, tal qual se vê em Batman: Assalto em Arkham e Esquadrão Suicida. Nessa história, publicada em 2001, ela luta contra a dupla dinâmica em poses praticamente impossíveis de ocorrer para uma mulher normal, faz às vezes de pinup, como um objeto sexual, assim como outras personagens.
Em À Prova de Morte, filme dirigido por Quentin Tarantino, há uma fala que conversa bem com a premissa desse gibi. O personagem assassino de Kurt Russell diz “existem poucas coisas mais atraentes que o ego amargurado de um anjo”, e isso combina com a postura da personagem após romper com o Palhaço do Crime. Embora Quinzel não tenha uma consciência sã de que sofria assédios constantes por parte de quem ela tinha como parceiro, enfim ela passou a ter uma postura resoluta quando tomou noção da rejeição que sofreu.
Dixon apresenta uma história simples, com momentos de ação bem pensados e sem grandes arcos dramáticos. A temática é igualmente simples, o que mais faz brilhar certamente é o subtexto contestador de Hera reclamando que Harley que é submissa demais, ainda assim não lhe negando ajuda, seja por amizade ou por segundas intenções. Mesmo sendo uma história breve Paixões Violentas faz refletir, diferente de boa parte dos produtos da cultura pop, e isso se torna ainda mais válido quando reflete a realidade de violência doméstica existente em diversos lares.
A tensão existente entre o Cavaleiro das Trevas e o Coringa, seu arqui-inimigo, é uma das estruturas mais sólidas do universo do morcego. O peso do vilão sempre o transforma em uma grande estrela narrativa com ausências e retornos esporádicos. Entre uma saga e outra, cada roteirista específica uma métrica na abordagem.
Há aparições definitivas estruturadas desde o início como eventos épicos, caso de A Piada Mortal de Allan Moore, outras que causaram polêmica na época de seu lançamento e marcaram as revistas mensais (A Morte de Robin) e assim seguem outros exemplos como A Morte da Família e o recente a Guerra dos Coringas.
De Volta à Sanidade, com roteiro de J.M. DeMatteis é um bom produto de sua época. Lançado em 1994, os quadrinhos ainda não seguiam o hiper-realismo vigente e promovia elementos mais divertidos sem perder as estruturas dos personagens.
A história faz parte da revista Batman: Legends of The Dark Knight publicada no país em edições especiais intituladas Um Conto de Batman ainda pela Abril. Na época, o formato americano era um grande destaque que diferenciava as histórias, fato coerente com a proposta de Legends, dedicadas a narrativas diferentes ou fora da cronologia comum.
A grande vantagem dessa narrativa é sua condução breve, em apenas quatro partes. Na trama, narrada inicialmente tanto pelo Coringa quanto pelo Batman, o vilão organiza mais um plano anárquico contra a cidade e uma de suas vereadoras. No embate com o morcego, aparentemente, Batman morre. Reconhecendo a necessidade de que um coringa precisa de seu Batman, se completando e se retroalimentando, o personagem conclui que sua vida não faz mais sentido com o morcego morto e parte para um tratamento focado em sua loucura.
Após esses acontecimentos, a narrativa promove um salto mostrando um homem comum, vivendo uma vida pacata, com breves lembranças estranhas que não se recorda ao certo. Paralelamente, Bruce Wayne está vivo e escondido, cuidado por uma médica local.
A tensão promovida pela história parte de dois polos. A recuperação lenta de um Batman debilitado e a queda da sanidade de um homem recém curado. Curiosamente, o retorno do morcego será realizado quase em simultâneo com a volta da insanidade do Coringa. Mas quem se importa com essa coincidência?
A vertente mais simples e, de certa forma, mais aventureira, faz com que deixemos de lado a rigidez da verossimilhança. O que importa que seus retornos são ao mesmo tempo se o embate é bem trabalhado na tensão? Como DeMatteis apresenta a narrativa de ambos, destaca-se a estranha amizade dos inimigos, um desejando impedi-lo e outro se divertindo pelo caos. O embate é simples, mas preciso. Sem nenhuma narrativa elaborada se não “Batman versus Coringa”. Destacando que ambos são personagens necessários como antíteses, a loucura e a razão, o caos e a justiça.
Nos últimos quinze/vinte anos, o cinema blockbuster se rendeu ao sub-gênero dos filmes de super heróis, e isso causou todo tipo de exploração temática. Coube a Todd Phillips apresentar um filme da Warner que buscaria um objetivo bem diferente tanto dos filmes super divertidos e coloridos do MCU – embora esse tenha muitas cores, em uma abordagem completamente avessa a essa – quanto da temática obscura pseudo-adulta das versões de Zack Snyder. Coringa é muito baseado em seu interprete, Joaquin Phoenix, que faz o aspirante a comediante Arthur Fleck, um homem de muitos problemas.
O cenário escolhido é uma Gotham City com greve dos lixeiros, tornando o simples hábito de transitar pela cidade um esforço hercúleo. Nesse ínterim, Arthur se maquia, forçando um sorriso com suas mãos, enquanto claramente seu semblante é triste. Ao fundo, se ouve o rádio, da onde saem as poucas vozes com quem ele interage, pois até seus companheiros de trabalho o segregam. Do lado de fora, se assiste uma cidade de arquitetura clássica e colonial, mas ainda largada, desleixada por anos de abandono dos governos municipais.
O espírito e caráter de Arthur é melancólica e depressiva enormemente, ele é incompreendido, mas não por qualquer frescura de relação que algumas plateias associaram – há inclusive poucos elementos do comportamento Incel, por exemplo, ao ponto de a maioria das associações desse comportamento ao que Fleck faz soarem reducionistas – ele lida com delinquência juvenil, humilhação contínua por desconhecidos e conhecidos, além de sofrer Bullying mesmo com idade avançada. Seu visual é estranho, assim como a risada forçada que ele dá, fruto de um dos seus problemas neurais. É curioso como o roteiro de Phillips e Scott Silver usa o movimento do riso como catalisador da tristeza e do nervoso.
É bem complicado de analisar o filme sem revelar partes fundamentais de sua trama, portanto se o leitor se incomoda com spoiler recomenda-se ler o que será falado abaixo após ver o filme.
As relações íntimas do protagonista são tão conturbadas que fazem até a condição de protagonista ser discutida. A historia é sobre o personagem de Phoenix, mas há tanto espaço para todos os outros personagens que o destaque é bem compartilhado, e sua condição de herói não é aproximada do Anti-Herói, e sim de Herói Falido, como foi Michael Corleone em O Poderoso Chefão. O papel que Frances Conroy faz como uma mãe presente, carinhosa mas extremamente carente explica boa parte da personalidade estranha de Arthur. Os colegas de trabalho também tem bons momentos, embora sejam curtos, mas o desempenho mais impressionante fora do ator principal são de Robert DeNiro, que faz uma espécie de anti Ruper Pupkin de O Rei da Comédia, e Zazie Beetz, que faz uma vizinha de porta do personagem-título, que vive no limbo ambíguo da frágil psique de Fleck. Essas personagens, por menos que sejam ajudam a abrilhantar o que Phoenix constrói durante as pouco mais de duas horas de duração.
É curioso como as gargalhadas involuntárias de Arthur pontuam não só a sua condição de não caber dentro da sociedade comum, como o estado catastrófico que Gotham e a maioria das cidades grandes tem. O riso incomodo representa bem como é a sensação geral do trabalhador precário em meio as cidades grandes e sujas. O trabalhador é massacrado, a política o reprime e o reduz a apenas um número e ter esse estado normalizado ajuda a causar doenças de alma e mente, ou ao menos serve como gatilho para isso. O corpo magro, machucado e lesionado ajuda claro a demarcar visualmente que ele tem problemas de comportamento e cognição, mas também representam como o homem comum sofre, portanto quando ele finalmente revida a segregação dos playboys inconsequentes, rapidamente o povo o abraça, levando sua causa até as última conseqüências, embora até isso seja discutível quanto a realidade ou não, pois quase todos os momentos do filme primam pelo fantasioso e onírico, e essa ambiguidade faz o filme soar mágico.
O filme passa pela rotina triste de Arthur, é visceral e repleto de gore, quase como um manual de psicopatia. É curioso como ao mesmo tempo que ele tem dificuldade em fazer rir o público que tem, seus atos violentos tem um humor implícito bem grave, causando vontade de rir de nervoso, tornando o espectador um pouco em seu personagem. A evolução do homem que sente não se encaixar em nada evolui quase naturalmente para o desejo de justiçamento, e é nesse ponto que faz aproximar o Coringa e Batman. Por mais que haja um cunho de Batman: A Piada Mortal no cerne do filme, há também semelhanças com Asilo Arkham de Grant Morrison, embora seja muito menos explicito, e more só nas semelhanças citadas.
O fato de não ter compromisso com o contrato social torna Arthur perigoso, pois as travas para alguém normal não funcionam consigo. O ritmo do filme beira a perfeição, tanto a construção do personagem quanto quando começa a ação mais gore soam absolutamente fluídas, e é nesse ponto que a aproximação deste Coringa com as fitas antigas de Martin Scorsese tem sentido, pois Bons Companheiros, Cassinoe Taxi Driver tem muito desse aspecto, não só temático mas também na forma de abordar. Há também claras referencias ao cinema de Francis Ford Coppolla, especialmente pela romantização do excluído e marginal, mostrando que uma pessoa que “pratica o mal” não necessariamente a faz por razões maniqueístas, mas sim por desprezo dos que deveriam ser os seus, agravado pelo fato de Arthur, ao contrário dos Corleones os dos soldados de Apocalipse Now morar em questões precárias e nada abastada.
É incrível como, após Fleck deixar as pílulas de lado, o mundo que antes estava ruindo começa a mudar seu caráter e zonas de conforto, com ele, que sempre viveu no caos, ascendendo aos céus e ribalta que ele sempre busco para si. Neste ponto, temáticas psicanalíticas como Complexo de Édipo são agravados, além da condição de stalker e claro, rejeição paterna e paranoia também são aludidas, e obviamente se mostra uma realidade que pode jamais ter ocorrido. A humanização do “herói” combina com o clima de terror, e até com a anestesia ideológica dele, que assume que não tem crenças, que nada o faz ter fé ou escolha de pensamento.
Há dois números visualmente maravilhosos, próximos do final, onde a sanha psicopata do sujeito rejeitado é finalmente alimentada, e há muita poesia neste ponto, mas nada irresponsável, ou que glorifique comportamento extremo. O tempo inteiro a câmera é solidária a Arthur, mas não iguala esses atos a qualquer moralidade correta, ao contrario. Vitória do Caos ou mais um devaneio.
O apocalipse de uma cidade suja e corrupta como Gotham é a Gênese, o nascimento do que seria o vigilante Cruzado Encapuzado e a forma como essa cena é conduzida (apesar de muitas vezes repetidas em película, TV e quadrinhos) e torna ainda mais problemática a questão de Batman ser um homem que bate em bandidos geralmente pobres (Os capangas principalmente), uma vez que o movimento popular evocado em Coringa faz pensar como o povo poderia tomar para si as rédeas de seu destino, com instauração do caos em um paralelo com a Revolução Francesa obviamente com uma motivação não presas a teorias, mas ainda assim consciente politicamente, independente do catalisador dela ter sido um sujeito sem posicionamento político definido. O céu é uma percepção bem particular segundo a ideia do filme, assim como a percepção do inferno, e Gotham reúne os dois arquétipos num espaço bem pequeno de espaço, em uma abordagem em áudio visual praticamente inédita, muito rica, violenta, condizente com as origens de Bob Kane, Bill Finger e Jerry Robinson mas também carregando uma carga dramática que se assemelha demais ao cinema europeu disruptivo dos movimentos da Novelle Vague e Surrealismo Alemão e Italiano.
Três anos se passaram e o plano da Fox em adaptar uma “história do Batman” obteve algum êxito, já que Gotham é um sucesso de audiência. Após os acontecimentos bastante agressivos da terceira temporada de Gotham, a série retorna relembrando os fatos da temporada anterior. Apesar de gastar muito tempo nessa reconstituição, a questão da toxina/vírus é deixada de lado e a situação que mais comove a cidade é a liberação de Oswald Cobblepot (Robin Lord Taylor) como prefeito, com uma licença para alguns criminosos criarem problemas. Isso é tão esdrúxulo que o personagem de James Gordon (Ben Mckenzie) ignora as ordens da polícia e prende as pessoas assim mesmo.
Independente da péssima caracterização de outros personagens, o quarto ano começa bem, mostrando Jonathan Crane (David W. Thompson) atormentado, e agindo como o Espantalho. Seu visual de vilão é bem construído, assim como as alucinações de fobias dos que sofrem com seu gás. Mas não demora, obviamente, a se dar atenção para mais personagens ressuscitados, artigo tão comum nos outros anos que nem causa mais estranhamento por parte do público.
Finalmente se dá alguma importância a Lucius Fox, ele ajuda Bruce, como foi em Batman Begins, com um traje diferenciado, embora esta versão de Chris Chalk não tenha um motivo tão bem construído quanto nos roteiros de David S. Goyer e Christopher Nolan, mas de todos os muitos problemas de Gotham, esse nem de longe é o pior. Além disso, há duas mudanças estranhas, com Hera sofrendo outra mutação, para ser feita por Peyton List. Ao menos, visualmente a transformação é legal, ela age como a versão do desenho Batman: a Série Animada, e domina os homens através do aroma de suas plantas, mas os atos que pratica soam estranhos, graças a péssima construção do roteiro.
A outra mudança envolve Bruce, que passa a ser um vigilante. O Ra’s Al Ghul desta série é feito pelo doutor Bashir de Deep Space Nine, o ator Alexander Siddig, e seu desempenho é bom. A forma como o Poço de Lázaro é apresentado condiz bastante com os quadrinhos, visualmente o artefato é bastante belo mas a demonstração do primeiro uso feito pelo vilão é um bocado estranha e gratuita, assim como os desdobramentos de sua chegada a Gotham, seja na aproximação de Bruce, no seu affair com Barbara Kean (Erin Richards) e também na subtrama que o coloca como líder da Corte das Corujas e responsável pelo vírus que assolou a cidade no terceiro ano. Apesar do seriado ter 22 episódios no ano, o roteiro não explora bem nenhum desses elementos.
As cenas de ação envolvendo Mazous são risíveis, ele tentando impedir Selina de roubar – sem saber que é sua amiga/par que está ali – beira o patético, mas é nesse ponto que ator pode exercer um papel legal e parecido com suas contrapartes no audiovisual, em especial quando ele gasta em um leilão. Mas não demora a série retomar suas sub-tramas estranhas, com Gordon se reaproximando de Carmine Falcone (John Doman) para controlar Gotham, se interessando ainda por Sofia (Crystal Reed), que também vai para Gotham para ter um monte desventuras desnecessárias dramaticamente e que tem pouco ou nenhum peso no final do ano.
Robin Lord Taylor consegue extrapolar ainda mais o overacting e de modo cada vez mais insuportável. Antes ele era irritante, mas quando se enfurece com o Charada a sua falta de inteligência salta aos olhos, fazendo-o parecer um adolescente. Diante disso, até a questão da licença para cometer crimes ser tão amplamente comentada por todos e ser uma regra legal e cedida de maneira oficial aos bandidos não é nem tão chocante, pois nada é real – aliás, ainda como político ele abre mão disso, traindo seus eleitores. Os exageros fazem lembrar em vários momentos a visão de Joel Schumacher sobre o Batman, em especial pelo tom esdrúxulo e gritante dos eventos que seguem nesse quarto ano.
Uma nova policial começa a ajudar James, a oficial Harper (Kelcy Griffin), já que Harvey Bullock (Donal Logue) fica de fora de boa parte do drama, mas o freak show continua imperando, com a (péssima) introdução de Solomon Grundy, na verdade uma versão ridícula sua, parecida com um bebê gigante do ressuscitado Butch (Drew Powell). Todo arco dele com o Charada e a questão do Narrows é pessimamente mal pensada e construída e não faz sentido, ainda mais no que toca Leslie Thompson, que parece estar ali unicamente por conta de um contrato longo com Morena Baccarin.
Jim volta a ter pulso firme contra a corrupção e mesmo que sua promoção a chefe de polícia só tenha ocorrido por conta de subornos e armações de criminosos, ele resolve se insurgir contra o Pinguim, ainda que esse confronto ocorra por conta da morte de um mafioso. O discurso inflamado dele com seus policiais transforma todos os agentes da lei que antes se sujavam em paladinos incorruptíveis, uma solução sem sentido e maniqueísta para uma série que parece ter roteiristas mais insanos que seus personagens.
Gotham peca principalmente no modo de retratar as mulheres, sobretudo as que tem envolvimento amoroso com Gordon. O que Lee faz com Sofia não tem sentido, mesmo com a mudança radical que sua personagem tem, mas na hora de tornar complexa essa mudança, nada é feito. Além disso, parece existir uma tara dos roteiristas em transformar Barbara no auge do banditismo da cidade. Ela toma o poder da Liga das Sombras de maneira mais gratuita e faz insurgir um grupo de mulheres, as Irmãs das Sombras, mas mesmo isso é insuficiente na tentativa de equilibrar a balança, pois o seriado não consegue mostra-las em posição de poder de forma sem que seja de maneira hiper-sexualizada.
Outro evento pouco desenvolvido nesta temporada é que o Pinguim sai da prisão e não se repercute o fato dele ter sido prefeito. Não há sucessão ou discussão mais abrangente sobre a política da cidade, ao invés disso se mostra só trivialidades e assassinatos cometidos pelo psicopata. A tentativa de adaptar Terra de Ninguém também soa gratuita, uma imitação barata de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Há até uma tentativa de remake da cena da delegacia em TDK. A cena do fim deste arco é ruim, cheia de exageros e não tem peso algum, vazios de significado, como é a Gotham pensada por Bruno Heller e seus roteiristas.
A segunda temporada de Gotham começa com o pequeno Bruce Wayne (David Mazouz) e seu fiel tutor Alfred Pennyworth (Sean Pertwee) descobrindo um compartimento secreto na mansão Wayne. As cenas seguintes são do mais puro sensacionalismo, mostrando os personagens restantes do programa tendo sua rotina após o último season finale. James Gordon (Ben McKenzie) agora se junta a Leslie Thompkins (Morena Baccarin) como casal finalmente, ignorando por completo todo o cerne dos personagens do universo do Morcego assim como todo o cânone da DC clássica.
O antigo panteão do departamento de polícia está em franca decadência. Jim foi rebaixado a guarda de trânsito, Harvey Bullock (Donal Logue) se torna bartender e todo o conjunto de vilões é liderado por Oswald Cobblepot, que é interpretado pelo ator que supostamente roubou a cena de todo o programa para si, Robin Lord Taylor, mas que só que fez ser histriônico na verdade. O Pinguim aproveita a proximidade com o policial e faz dele seu agente infiltrado, lançando mão de seus dotes e tornando o futuro comissário em um mero capanga.
O segundo ano tem um bocado de coragem em comparação com o primeiro ano, apresentando mais gore, ainda que o escurecimento da fotografia tire bastante do impacto visual sanguíneo. No entanto, mesmo este aspecto positivo se dilui diante do núcleo do Asilo Arkham, onde está Barbara Gordon (Erin Richards) e o pseudo Coringa, Jerome Valeska (Cameron Monaghan). O pior fato da primeira temporada de Gotham segue como o aspecto mais estúpido desta, mostrando a personagem de Barbara de modo exagerado e completamente fora de tom, quase fantasioso de tão estranho, destoante de todo o clima urbano e verossímil pretendido.
A pobreza do texto segue viva e a tentativa para disfarçar isso é uma série de eventos que se sobrepõem, acreditando que a alta atividade fará o espectador acreditar que algo relevante está acontecendo, ainda que isso seja uma inverdade. O que realmente ocorre é uma miríade de enganações e trocas de poder no submundo, fazendo as figuras importantes da criminalidade, os insanos e até a polícia revezem-se entre o presídio de Blackpool, Arkham e o estado de fuga, pondo nessa bagunça narrativa o personagem de Gordon, Pinguim, Bullock e outros. Nem a criação do suspense em relação ao destino desses entes é respeitado, o status de homens dentro e fora da lei variam com uma velocidade tremenda.
Há dois plots importantes e um secundário nesta temporada, os importantes se cruzam, envolvendo a adição de Theo Galavan (James Frain) e sua bela irmão Tabitha (Jessica Lucas) ao conjunto de vilões – o subtitulo dessa temporada é Rise of the Villains – que resgatam os detentos de Arkham, para servir a si, e claro o retorno de Gordon ao corpo de policiais, exatamente para ficar no rastro dos fugitivos do sanatório. A terceira e mais mirabolante das tramas aborda o passado, mostrando a parte secreta da mansão e todo um aparato que Thomas Wayne tinha, exibindo não só um dom de premonição assim como uma tradição de vigilantismo, que certamente inspiraria o jovem Bruce.
Outra questão que aparenta ser importante é a de Jerome, um ítalo americano insano que acompanha Barbara para depois se tornar um dos principais capangas de Galavan. Todos os indícios apontavam ele como o palhaço do crime, mas sua vida é encerrada, para que haja uma mística em volta do Coringa, como se uma cultura fosse instalada a partir dali. Há até uma cena posterior a morte dele, mas não há desenvolvimento desta, restando apenas mais uma ponta solta sem qualquer possibilidade de resolução aparente.
A grotesca apresentação de Azrael começa com leves menções aos quadrinhos, fator até positivo dada a total galhofa da temporada, mas se encerra de maneira tola e infantil, abrindo a possibilidade de trazer de volta alguns vilões que já tiveram suas vidas encerradas, transformando assim o programa em uma péssima imitação de Resident Evil 5. A ideia de Rising of Villains não é só infantil mas também burra e desrespeitosa. Torna-se difícil avaliar qual das temporadas é a mais ofensiva, uma vez que o primeiro tomo foi fraco o suficiente para anestesiar o seu espectador para uma nova empreitada anual. A escolha dos produtores por fazer jus ao seriado do Homem Morcego de 1966 é tão errada que a identidade se faz perder por completo, já que as menções ao programa clássico é só na construção de alguns vilões, não em tom, pois Gotham não é uma comédia como era o seriado camp de Adam West e Burt Ward.
Por se tratar de uma adaptação de histórias em quadrinhos, é evidente que certas liberdades criativas seriam tomadas e é natural que seja mais cômodo e lucrativo para o criador Bruno Heller tomar por base algo que já faz sucesso. O grave problema de Gotham não está em mudar um detalhe ou outro, mas sim o de usar todo e qualquer pretexto que envolva toda a mitologia da cidade fictícia que dá nome a série para contar uma história boba, genérica e que defenestra anos de tradição. Um dos princípios básicos das histórias do cruzado encapuzado era a prerrogativa de que o conjunto de vilões loucos que assola o município teria tomado o lugar por causa da presença do morcego. A série inverte isso, mostrando cada personagem décadas antes do vigilante surgir, unicamente porque seria divertido brincar com isso, não há significado ou qualidade dramatúrgica que apoie a mudança, tudo soa gratuito e inoportuno, o que é uma lástima, em se tratando de um exploitation a respeito do Batman.
Criado no fim dos anos 1950, mas só popularizado na saga pós-Crise Lendas, o Esquadrão Suicida era um grupo composto por vilões do segundo escalão, montado por Amanda Waller, uma das mentes que dominavam o cenário escuso do universo DC, responsável entre outras coisas pelo Projeto Cadmus. De fato, a equipe jamais havia sido alvo de uma popularidade indiscutível e funcionava melhor como elemento coadjuvante (como feito na segunda temporada de Arrow) do que como centro das atenções, inclusive com um péssimo evento audiovisual no longa animando Batman: Assalto em Arkham, que trata exatamente dos mesmos protagonistas do filme de David Ayer.
Há dois pilares de confiança para o filme, o primeiro é o prestígio de Viola Davis interpretando Waller, desde sempre sendo ela a escolha perfeita para o papel. Apesar de ter pouca oportunidade de brilhar – e de conter para si um grande número de equívocos estratégicos – a atriz consegue fugir da mediocridade que permeia o filme. Já o outro parâmetro de qualidade recairia sobre Ayer, que desnecessariamente emula traços do estilo de filmagem de Zack Snyder, uma vez que seus trabalhos são em muito superiores aos do visionário realizador de Watchmen. O slow motion é excessivo e irritante, fazendo o tom bastante genérico.
Uma das maiores discussões a respeito do filme era em relação a Arlequina de Margot Robbie. Quanto a isto, não há tanta exploração sexual quanto se imaginava antes da exibição, ainda que toda a vigilância não tenha sido em vão por futuras passagens com a personagem. Robbie permanece com muito mais pele à mostra do que deveria, especialmente comparando a versão original da esquizofrênica personagem pensada por Bruce Timm na série animada do Batman, com esta nova faceta pós-novos 52, hiper-sexualizada. Os inúmeros erros de roteiro não mostram uma personagem forte emocionalmente, e sim uma mulher que foi muito abusada e que sofre desse mal o tempo inteiro. Sua performance é a mais rica e profunda do longa e só perde força graças ao preciosismo do Coringa.
O palhaço e príncipe do crime de Gotham soa patético e faz rir pelos motivos errados, não por possíveis gracejos e sim pela construção extremamente caricata e deslocada que Jared Leto emprega. A culpa pela participação pífia parece dividida entre o texto atrapalhado de Ayer e a necessidade do ator em tentar a todo custo superar seu antecessor, Heath Ledger. Não havia qualquer necessidade para tal, tanto no Batmande 1989 quanto em Cavaleiro das Trevas há boas apresentações do criminoso insano. Ambas conseguem atingir uma boa expectativa quadrinística do Coringa, mas esta não. As cenas com Leto parecem enxertadas às pressas para trazer algum rosto conhecido ao filme, e quase banaliza o pouco de argumento que funciona em relação a Harley.
A ideia de se fazer um filme de equipe não passa de uma premissa não alcançada. O que se vê é um sub-aproveitamento dos personagens. Rick Flag (Joel Kinnaman) consegue alguns momentos condizentes com a figura de militar inspirador, mas logo perde força ao executar um momento de irreal cafonice, contendo em mãos a chave para convencer o protagonista Pistoleiro/Floyd Lawton (Will Smith) de segui-lo até a morte. Mesmo o sentimentalismo barato – marca registrada de Smith em muitos de seus filmes – neste soa desimportante.
Mesmo as piadas que funcionam no material promocional ficam mal encaixadas, soam fracas e sem peso, jogadas em uma edição confusa, que por sua vez provém de um texto final nada sólido. Alguns poucos momentos de ação são salvos pela competente mão de Ayer, mas ainda assim é pouco, muito pouco. Falta lógica na maioria das táticas de guerra, e isso faz toda a diferença para a suspensão de descrença de um público ávido por uma abordagem mais certeira da Warner e DC no cinema.
O resultado final carece de um bom vilão. E, fora Harley, os personagens femininos são fracos. Katana aparenta ser um cosplay, dada que sua motivação é tão ruim quanto a da Magia de Cara Delevingne, que faz uma vergonha tremenda nos instantes finais. Sua apresentação rivaliza com a do Crocodilo em matéria de caricatura, e é péssima em caráter de pieguice, acompanhada, claro, do restante do elenco nesse quesito. Esquadrão Suicida é aprisionado no limiar entre um filme de ação genérico dos anos 1980, um produto trash da Asylum, transitando entre Falcão, o Campeão dos Campeões e Sharknado, ainda que não haja, nem em seu orçamento quanto mais em expectativa, qualquer semelhança com quaisquer dos dois gêneros ou os dois exemplos citados.
Nossos malvados favoritos dos últimos anos. Alguns são vilões por acaso, mas outros amam compartilhar o mal por ai, parece que vivem para isso. Faltou algum(a), abaixo? Só denunciar os vacilos da lista nos comentários, e vamos lá:
10. Sr. Deveraux (Bem-Vindo a Nova York, Abel Ferrara) – “Você sabe com quem está falando?”
Personificação do capitalismo e a doentia cultura highlight, do tipo mais cruel e injusto possível, incorporando corpo a ponto de não ter mais alma num magnata impiedoso com seus (des)semelhantes, todos apenas vivendo para servi-lo e ser julgados, lá do alto da pirâmide. Um asqueroso e realista senhor do mundo, vendo todos como objetos ou obstáculos.
9. Rosa (O Lobo Atrás da Porta, Fernando Coimbra) – “Ninguém vai fazer mal pra ela.”
A amiga querida, a vizinha que já é de casa, a falsa próxima e íntima demais para fazer mal a uma mosca, só que não. Incapaz de amar como uma verdadeira femme fatale faria, Rosa é o avesso das musas dos filmes noir americanos, é a mocinha que dorme com atestado de sociopatia debaixo do travesseiro e pior: Não reconhece sua própria loucura.
É a cobra que mata sem fazer barulho, e mesmo sob pele humana, é aquém de sentir o peso do mal que acomete tal vivesse pra isso. Anton Chigurn, tal no livro de Cormac McCarthy, serve ao destino sem qualquer carga emocional sobre o bem e o mal além do instinto cavernoso de autopreservação; tudo sem prazer ou remorso nenhum… Será, mesmo?
7. Coronel Hans Landa (Bastardos Inglórios, Quentin Tarantino) – “Bingo! Não é assim que vocês falam, bingo?”
Quando o poder ri dos seus próprios abusos cometidos, idolatrando a possibilidade de se auto-idolatrar. Hans Landa é a caricatura bilateral do poder que rege o mundo, ontem e hoje, sem prestar contas a ninguém, exceto ao destino que ajuda a conduzir, sem ao menos perceber, muito além da política que torna politicagem ao morder, risonho, sua própria cauda.
6. Capitão Vidal (O Labirinto do Fauno, Guillermo Del Toro) – “É melhor você dizer a verdade…”
E se o outro abusa do poder, este é consciente da moral e ética que seu posto embute, e as estupra mesmo assim, sem dó nem piedade. Vidal não é caricatura: É a realidade filtrada pela ficção, tão desalmada quanto, às vezes, tratando de uma vilania em forma de unidade, soberba e totalitarismo como qualquer ditadura que se preze neste ou qualquer mundo.
5. Daniel Plainview (Sangue Negro, Paul Thomas Anderson) – “Eu detesto a maioria das pessoas.”
Eis o predador que cai neste mundo para caçar, aproveitando dos recursos e da ambição humana naturais para erguer seu império de petróleo, negro e vermelho-sangue. Plainview é o Cidadão Kane sem medo de matar a anaconda e mostrar a árvore milenar que precisou destronar pra talhar seu arco e flecha. Casamento inevitável do mal com o poder.
4. Kyung-Chul (Eu Vi o Diabo, Kim Jee-woont) – “Acho que vocês estão bem azarados.”
Típico personagem de Sergio Leone, sem passado nem futuro, inserido no reino asiático donde jorra o sangue sul-coreano, num vigor satânico para vingar uma vida de rancores, para enfrentar as mortes que o espreitam a cada vítima sequestrada… Para acalmar um espírito sujo pelo sangue coagulado que já o afogou num abismo existencial eterno.
3. Mary (Preciosa, Lee Daniels) – “Quem mais iria me amar?”
A figura materna, segundo Freud e muitos por ai, motivo para tantos distúrbios a quem se submete à sua figura… Aqui, Preciosa teria tudo para se tornar a próxima Rosa dessa lista. Mary, sua adorável mamãe, sente uma fome insaciável de vingança do bebê que nutriu, indo além: Sangue do seu sangue, pra ela, é a pior danação que uma mulher pode carregar.
2. Mad Dog (Operação Invasão, Gareth Evans) – “Não gosto de revólveres, essas são minhas armas. Minhas mãos… meus punhos!”
Quando você olha para ele, suado, machucado e olhos negros, vocês sabe que coisa boa não é. Quando ele prova em 3 segundos o que é capaz, um Jet-Li demoníaco vindo das profundezas, você entende porque o pequeno é chamado de Mad Dog. Com seu coração certamente retirado a sangue-frio do peito, quase imortal, sua perversidade chega a ser indecente.
1. O Coringa (O Cavaleiro das Trevas, Christophen Nolan) – “Eu sou um homem de palavra…”
Justiça, por favor. O vilão máximo da cultura pop, num uníssono opinativo de clamor por um simbolismo que comprime, mesmo após tantas revisões, um brilho ao maléfico que torna verossímil a presença de um mal absoluto, corrompendo todos os outros vilões desta e de tantas outras listas. O Coringa é a resposta do inferno ao tédio das harpas do paraíso.
A Piada Mortal é considerada uma das maiores histórias em quadrinhos já escritas com o Batman, e desde seu lançamento é envolta em polêmicas. Escrita por Alan Moore e ilustrada por Brian Bolland, a trama conta a origem mais aceita do Coringa até hoje (mesmo após tantos reboots e retcons) e marca o início de uma fase traumática para Barbara Gordon, a Batgirl. Inicialmente, teria sido apenas um especial ao estilo Elseworld (túnel do Tempo, no Brasil), mas por trazer questões tão cruciais à vida dos personagens, seus elementos mais importantes acabaram sendo inclusos no cânone das hqs do Homem-Morcego.
Embora Alan Moore sempre tenha se mostrado avesso às adaptações de suas obras para outras mídias, a DC parece não se importar com isso nem um pouco e lançou A Piada Mortal como um filme animado. Muito barulho foi feito, principalmente porque o roteiro ficou a cargo de Brian Azzarello, que inseriu uma história da Batgirl no início do filme na qual ela tem um relacionamento com Batman. A justificativa seria levar um pouco mais de polêmica à obra. Desnecessária, por sinal.
O filme começa mostrando ao público um pouco da vida de Barbara, e o quanto sua guerra ao crime em Gotham City se dá sempre à sombra do Batman. A justificativa de transformá-la em uma personagem mais forte perde-se no roteiro, já que em todas suas incursões no submundo do crime, Batgirl acaba dependendo muito do seu mentor para resgatá-la. A raiva que ela sente dos modos arrogantes de Batman acaba se confundindo com desejo sexual, em uma cena sem química, que serve apenas como pretensa polêmica e desconforto – tanto para a personagem, que tem que lidar com isso depois, quanto para o público. Barbara, ao final desse arco, decide aposentar sua carreira de combatente do crime.
Pior cena de sexo de todos os tempos!
Após essa introdução, inicia-se o arco referente à história em quadrinhos propriamente dita. E aí vemos pura e simplesmente o texto de Alan Moore adaptado pra animação. O filme segue a mesma estrutura narrativa, inclusive a mesma paleta de cores usada por Brian Bolland na edição de luxo remasterizada. O design dos personagens lembra bastante a série animada – principalmente a Batgirl – exceto o Batman, que está idêntico ao visual de Bolland, sem a elipse amarela envolvendo o símbolo do morcego em seu peito, e com orelhas no capuz que mais parecem chifres. A tempestade anunciada por Babs no fim de seu arco dá o clima da chegada de Batman ao Asilo Arkham, tal qual na hq. Há uma explicação pra visita do Cruzado Encapuzado ao hospício, mas totalmente descartável e não se retorna mais ao assunto. Batman descobre que o Coringa mais uma vez escapou, e inicia uma investigação.
O Coringa é mostrado negociando a compra de um parque de diversões abandonado e temos os primeiros flashbacks de sua origem mostrados, enquanto na bat-caverna vemos várias encarnações do vilão nos arquivos do bat-computador. Assim como Bolland reverenciou diferentes fases do Príncipe Palhaço do Crime nesse quadro da história original, vemos alguns easter-eggs de diferentes versões do Coringa em filmes e desenhos, com destaque para uma homenagem bastante clara a Heat Ledger. Em mais alguns flashbacks conhecemos o passado do criminoso como comediante fracassado enfrentando uma crise conjugal e entrando no mundo do crime para, talvez, remediar sua vida desgraçada. E então chegamos ao ponto crucial do filme: o ataque covarde e violento ao Comissário Gordon e sua filha Barbara.
O filme retrata esse momento de forma bastante crua, e o impacto da cena não deve em nada à hq. Ver Barbara se contorcendo e chorando no chão, sobre os estilhaços de vidro da mesa de centro sobre a qual caiu, enquanto seu pai é espancado por capangas, é realmente uma cena bastante forte.
Gordon é levado para o parque, onde é despido, torturado e obrigado a um passeio pelo trem-fantasma que deveria levá-lo à loucura, pois cenas de sua filha baleada, nua e sangrando, são exibidas enquanto o Coringa faz um número musical. O objetivo do Coringa é provar que qualquer um pode enlouquecer se tiver “um dia ruim”. Batman, enquanto isso, segue procurando alguma pista que o leve até o paradeiro do comissário. Ao chegar ao parque, encontra Gordon em sua deplorável condição fragilizada, mas que pede a ele para que não cruze a linha e capture o Coringa “nos termos da Lei”. Há uma luta com o elenco do circo de horrores do Coringa e sua captura ao final. Exatamente como nos quadrinhos.
O fim do filme mantém a dúvida da hq se Batman teria ou não matado o Coringa. Exatamente como nos quadros finais, vemos o Batman rindo de uma piada, enquanto se aproxima do Coringa, que tem sua risada interrompida enquanto a câmera se abaixa e o silêncio reina (não temos, como no gibi, as sirenes da polícia).
A impressão que se tem é que o prólogo é arrastado demais, e a animação inconsistente – principalmente na cena de perseguição, na qual os carros modelados em 3D destoam do restante. É possível assistir ao filme pulando a primeira meia hora sem que nada no entendimento da trama principal seja prejudicado. As cenas do cotidiano de Barbara na biblioteca apresentam um “amigo gay” que nada mais é do que um estereótipo, cujo único objetivo é se fazer perguntar sobre a vida sexual da ruiva. Aliás, vida sexual que se resume a uma “rapidinha” no telhado, que serviria a princípio para criar um vínculo maior entre os personagens, mas que se perde ao não ser revisitada no desenrolar da trama principal. Mais uma vez, vemos o sofrimento de uma personagem feminina servindo de catapulta para uma história focada no protagonista homem. Gail Simone, roteirista de uma das melhores fases da Bárbara Gordon em Aves de Rapina, vem falando sobre isso há muito tempo em seu website Women in Refrigerator, e Azzarello parece não se importar nem um pouco com isso.
O filme tem alguns pontos muito positivos, como o excelente trabalho de Mark Hamill como Coringa. Cada frase é executada magistralmente e nem mesmo durante o número musical ele faz feio! Kevin Conroy nos entrega seu sempre excelente Batman, e a trilha sonora, mesmo nos momentos de silêncio, cria a atmosfera sombria necessária. Mas não chega a ser uma obra-prima, talvez por manter-se fiel demais à graphic novel, talvez por ousar em criar coisas novas em momentos errados. Não chega a ser uma bomba, mas também não tem o charme e elegância de Batman Contra o Capuz Vermelho, essa sim uma excelente adaptação de um arco de histórias do Morcegão!
*Agradecimentos especiais à leitora Monique Carniello pela consultoria
Destaque como uma narrativa universal situada na época natalina, Um Conto de Natal de Charles Dickens é uma dessas obras atemporais cujo alcance do público se tornou forte o para ser relembrada e recontada em outras mídias. O cinema, para citarmos somente uma das artes, já reverenciou a obra em clássicas adaptações e versões contemporâneas, sempre mantendo a mensagem-símbolo da narrativa.
Leitor de Dickens, Lee Bermejo presta uma homenagem explícita ao autor em Batman – Noel, ao inserir o conto do autor dentro de uma história de Batman, representado como Scrooge, como um homem sovina que recebe na noite de Natal três espíritos.. A história foi lançada pela Panini Comics em edição especial de capa dura de acessível preço que, provavelmente, atrairá muitos leitores devido à arte de Bermejo e ao custo-benefício de uma leitura com história fechada.
Com uma arte primorosa que se destaca desde a primeira página, o roteirista escolhe um narrador onisciente que dialoga com seu leitor, invocando a mesma intenção de Dickens em sua obra. Simultaneamente à narrativa, acompanhamos o Homem-Morcego em uma captura de um homem pertencente à gangue do Coringa, vilão que acaba de fugir do Arkham. Devido ao frio de Gotham, o herói pega um resfriado e, combalido, recebe a visita de três personagens. A Mulher-Gato representando o passado, o amigo Superman representando o presente e Coringa como o futuro. São estes três personagem que durante sua visita levaram o Morcego a uma jornada dentro de si e de seus medos.
A concepção do roteiro erra ao tentar se aproximar da narrativa original, correlacionando o velho Scrooge, do original, a Bruce Wayne. Mesmo que a personagem seja sombria e pouco transpareça suas emoções, é incoerente a descrição feita pela trama de Wayne como um homem sovina que ignora os festejos, paga mal funcionários e parece não reconhecer sua própria condição solitária. Uma descrição que nunca serviu à personagem, afinal, a moral e a luta a favor do bem em detrimento a sua jornada pessoal são a base da composição da personagem.
Não houve preocupação em criar uma história que utilizasse a mesma base sem parecer uma mera releitura superficial. Ao tentar colocar Um Conto de Natal no universo do morcego, Bermejo encaixou forçadamente personagens de ambos os universos, entregando um produto sem uma visão original além de incoerente, modificando conceitos-chave da personagem somente para que ela se encaixasse na história original.
Se o roteiro falha, a arte é grande sustentação que fornece o ambiente para a narrativa fraca. Como uma tela pintada que se destaca pelas cores em tons pasteis de Barbara Ciardo, a atmosfera de Gotham ganha uma poética urbana entre sua sujeira e corrupção. A escolha dos uniformes corrobora uma visão realista com cores sóbrias e uma roupa que se destaca por parecer mais próxima de um uniforme militar, com direito a coturno e outros acessórios demonstrando preparo para além da mera capa assustadora. Um retrato do Morcego que desmitifica uma figura noturna para dar vazão a um Batman tão urbano quanto a cidade que o criou.
Como desenhista, Bermejo trabalha como ninguém a composição das cenas, dando-lhes um diferencial em perspectiva e composição dos quadros, porém, ao se apoiar demais na obra de Dickens, não alcançou a metáfora da obra original, nem mesmo fez uma homenagem competente a uma história clássica devido à falta de equilíbrio entre o conto original e a mitologia existente do Homem-Morcego.
O resultado está distante da obra-prima mencionada pela capa e pelos elogios de Jim Lee, que assina o prefácio da edição. Uma história que se sustenta apenas pelo talento visual. Desequilibrado por um argumento mal costurado, mesmo que inspirado por um clássico.
Remetendo ao antiquíssimo selo Túnel do Tempo (ou Elseworld), John Byrne utiliza sua larga experiência e o trânsito livre que sempre teve nas duas principais editoras de quadrinhos mainstream para contar o recordatório que remete ao começo da carreira de dois ícones heroicos imortais, o Cruzado Encapuzado e o homem que lutou a Segunda Guerra Mundial ostentando em seus músculos a bandeira americana, também lembrando, claro, de seus parceiros mirins e seu maiores rivais.
Passada em janeiro de 1945, ainda com os ecos europeus da grande guerra contra Hitler e companhia, a história começa em Gotham, mostrando uma referência visual muito semelhante a dos primeiros capítulos de Bob Kane enquanto desenhista da DetectiveComics. O resgate a este momento específico é válido, causando no leitor um saudosismo agradabilíssimo e muito pontual, uma vez que, em meio aos anos 90, ocorria uma das maiores derrocadas do Batman – leia-se Queda do Morcego.
É curioso notar que a perseguição entre o Batmóvel e o carro do Coringa é feita por dois Fuscas, mostrando que quase nem era necessária a chancela em balões informando a época do confronto. O clima escapista é notado nas cores escolhidas por Byrne, que, apesar de manter um pouco do clima soturno das primeiras histórias, vê no excesso de cores nos uniformes dos personagens o retrato de uma época em que a docilidade pueril era de praxe.
Pelo lado europeu do globo, o Capitão América enfrenta a guerra que ainda domina o continente, num embate contra uma máquina assassina hitlerista, uma mistura de tanque de guerra com um robô mas que é facilmente subjugada pelo Sentinela da Liberdade, que, acompanhado do Sargento Rock e da Companhia Moleza, consegue derrubar a resistência nazista. Logo, o herói recebe uma ordem para se reapresentar e interceptar um avião sequestrado. Já no ar, ele decide deter a máquina voadora sem paraquedas ou qualquer outro artifício de segurança, logrando êxito, como era típico das primeiras histórias. Logo o Morcego se aproxima, também no ar, para ajudar o herói a combater seus oponentes, sem qualquer explicação prévia, mas em união bela e proveitosa.
Pelo dito nas linhas do roteiro, esta não seria a primeira cooperação entre os heróis, o que agrava ainda mais a missão dada a Steve Rogers, a de investigar uma possível conexão entre o milionário Bruce Wayne e o Coringa, que teria em mãos um plano expondo alguns segredos de Estado muito valiosos.
Em um embate físico entre as contrapartes sem uniforme, ambos, logo depois, decidem cooperar mutuamente, visando alcançar o palhaço vilão de Gotham. Detalhe importante e que colabora muito com a velha disputa entre marvetes e decenetes é que Bruce chega ao cúmulo de assumir sua inferioridade ao soldado americano, antes de eles fazerem as pazes e voltarem a ser amigos.
Logo se descobre que o ardil é orquestrado pelo Caveira Vermelho, que escapou da Alemanha e atacou Gotham, em um conchavo com o Coringa. O clima de união entre as editoras é tão grande que até os parceiros mirins são trocados, com o Capitão trabalhando com Robin e Bucky acompanhando o Cruzado dentro do veículo cheio de traquitanas internas.
O nostálgico caráter prossegue, com o plano megalomaníaco do Caveira revelado aos seus inimigos antes de ser plenamente executado. Toda a reconstrução pensada por Byrne é muito bem conduzida, mesmo que sua história não tenha qualquer compromisso com um subtexto mais profundo. Ao final, o encadernado ainda é capaz de demonstrar outras tantas pérolas, como a discussão ideológica entre Coringa e Caveira Vermelha; quando o segundo convida o Palhaço do Crime a se juntar ao terceiro Reich, logo ouve a resposta: “eu sou um insano criminoso americano” – numa referência clara a sua fidelidade à pátria, diferente e muito do que foi pensado por Jim Starlin em Morte em Família, cujo vilão torna-se embaixador do Irã. Claro, tudo isto é muito pautado na comédia.
Após uma explosão nuclear, os vilões chegam afinal ao seu tão esperado fim, o que prenuncia a nova exploração de conceito heroico que ocorreria lá pelos anos 60, com a evolução do atomic horror para o conceito de Stan Lee em fazer quadrinhos, com poderes de origens radioativas. Além deste conjunto de referências, ainda há um epílogo, sugerido por Roger Estern, em que o novo Batman (Dick Grayson) acha um esquife de gelo, que guarda o herói de guerra Steve Rogers, acordado após décadas de hibernação. O pensamento de Byrne em homenagear Jack Kirby, Bill Finger e Bob Kane é um exercício de singela beleza, além de ser uma homenagem extrema, e até inteligente, guardadas, é claro, as devidas proporções.
Após a mega mini-saga A Noite das Corujas, Scott Snyder prosseguiu no título principal do Homem-Morcego e consequentemente fez o esboço da saga posterior, que envolveria o arquirrival e gênese oficial do Cruzado Encapuzado além dos títulos acessórios de Batman. O Coringa, que estava um pouco apagado após a estreia de Detective Comics, voltaria em grande estilo ao crime e à vilania de Gotham.
A obra foi lançada após a edição número zero de Batman, cujas edições lançadas pela editora mostram histórias anteriores às apresentadas nos primeiros arcos do reboot, narrando os primeiros acontecimentos do retorno de Bruce Wayne à sua cidade natal quando infiltrado em meio à gangue do Capuz Vermelho. Ao final da edição, há uma reimaginação interessante da inspiração dos Robins Dick Grayson, Jason Todd e Tim Drake, mostrando um pouco a admiração que cada um teve pelo líder do Bat-Squad.
A ausência do Coringa é sentida por praticamente doze meses em todo o primeiro ano após o reboot, exceto pela já citada história de Tony Salvador Daniels. Não à toa, a retomada viria por meio da revista do personagem que ele aleijou anos antes. Morte da Família tem seu primeiro episódio em Batgirl 13 – com o lápis do brasileiro Ed Benes (especialista em desenhar mulheres de corpos esculturais) -, uma história curiosa por mexer com os brios da moça, já que Barbara Gordon sofreu o diabo com o Palhaço Infernal. O período em que Coringa estava em hiato era obviamente ligado à sua possível morte, uma vez que um vilão estava com o seu rosto, uma face dilacerada que depois é roubada por seu antigo dono.
O retorno triunfal do Bobo seria infectando toda a cidade, aterrorizando o Comissário Gordon, que, graças a esse fato, igualaria o seu comportamento ao de uma garotinha indefesa diante do maior apuro de sua vida inocente. A manipulação que o vilão exerce não influi somente nos cidadãos, mas também em alguns dos vilões de Gotham, especialmente nos estreitamente ligados ao bandido.
A tática consiste em atacar o Morcego em nível pessoal, com uma das primeiras ações consistindo no rapto de Alfred Pennyworth para desestabilizar Bruce Wayne e irritar “você sabe quem“. É curioso como Coringa mostra saber a identidade secreta de Batman, mas não se importa com isso, não de um modo expositivo que demonstre uma vontade de contar a novidade ao mundo. É como se o cargo estivesse vazio, sem a mesma importância que qualquer outro membro da galeria de vilões daria ao descobrir, de fato, a identidade do Cruzado Encapuzado. Mas a circunstância não o impede de atacar seu rival. O golpe é baixo: exibir qual a contraparte do herói é irrelevante; a volúpia é por humilhar o paladino.
Os ataques prosseguem. James Gordon cai, vítima de uma hemorragia causada pela intoxicação do Gás do Riso. O plano de minar as emoções do herói esbarram no sangue frio e na decisão de atacar o Coringa de modo planejado, mas ainda assim o bombardeio prossegue, e de modo sério. Dois momentos mostram o quão sério e assertivo é o modus operandi do insano palhaço. Primeiro, quando ele e o Pinguim são comparados, demonstrando a diferença do pensamento anárquico, em cometer delitos, e o do crime organizado, mostrando que o primeiro é muito mais exitoso do que o outro; o segundo momento é a disposição do vilão em atacar um a um dos membros da família do Morcego, já que, para ele, não são segredos as suas identidades e as suas rotinas pessoais.
É uma pena que não haja uma unicidade de traços entre os desenhistas das revistas, que têm no visual do Coringa o avatar da incompetência. Alguns artistas dão um maior foco ao rosto disforme do personagem, enquanto outros tratam a sua face como algo semelhante a uma máscara de látex, o que diminui, e muito, o impacto que teriam as atitudes loucas do idealizador daquele estratagema. Mas tal defeito não consegue encobrir a principal qualidade de Coringa enquanto vilão, que é a imprevisibilidade. O palhaço, que mostra uma nova loucura sempre que aparece, relembra os bons momentos de Grant Morrison à frente do número – mais uma vez Snyder bebe da fonte deixada pelo roteirista escocês.
Uma das histórias paralelas que mais atraem a atenção do leitor é o tie-in presente em Asa Noturna (Nightwing), com roteiro de Kyle Higgins e desenhos do brasileiro Eddie Barrows. Dick Grayson começa a namorar uma moça que mais tarde revela ser filha de Tony Zucco, o que reabre algumas feridas internas, escondidas após anos de vigilantismo, mas que ainda marcam a vida do primeiro parceiro-mirim do Morcego. O ataque do Coringa a ele é talvez o mais catastrófico das atitudes do vilão, pois ceifa as esperanças do ex-acrobata e prenuncia a sua mudança de atitude num futuro próximo.
Batman se sente acuado. O vilão conseguiu tocar a psiquê do Cruzado. O megalomaníaco plano visa desmoralizar o guardião de Gotham. A tensão presente nas histórias contém muito mais elementos interessantes que os momentos pregressos, talvez por Snyder estar um pouco mais à vontade à frente do título. Por incrível que pareça, seus méritos não são todos fundamentados no gigantesco carisma do Coringa. As ações registradas são justificadas pela óbvia loucura e fazem sentido dentro do microuniverso da Bat-família.
É notório que as decisões em relação ao Palhaço do Crime passem muito pelo estilo diferente do personagem, primeiro com a decisão da retirada do seu rosto, pondo-o numa posição mais grotesca de sua história, mas também exagerando nas características da loucura. O que não pode ser associado à repetição da fórmula é o modo como o vilão trata os personagens acessórios, tocando de modo pessoal na rotina dos aliados do Morcego, especialmente em relação a Bartgirl (Barbara Gordon) e Asa Noturna, abalando, direta e indiretamente, a confiança dos dois em Batman.
A conclusão da saga, presente em Batman 17, mostra toda a Bat-família capturada pelo Coringa, todos diante de uma mesa, em uma referência obscura à família de canibais de Massacre da Serra Elétrica, de Tobe Hooper. Todo o plano arquitetado e posto em prática vai bem, até esbarrar na decisão final, no modo como o Morcego resolve os mistérios e vence seu adversário, jogando com ele em um campo onde jamais gostaria de entrar.
O Batman blefa, usa as mesmas artimanhas que seu inimigo, e isto até poderia ser uma boa saída, mas o modo como ela é construída é bastante preguiçosa, tendo muitos casos semelhantes em toda a trajetória do personagem. Durante setenta e cinco anos, o Morcego já usou artifícios semelhantes de enganação. Até mesmo no final de Batman Eternamente o modo como o Bat-Val Kilmer vence o Duas Caras de Tommy Lee Jones é muito semelhante ao caderno que contém a malfadada “identidade real” do Palhaço. A questão poderia ter sido melhor pensada, até pela pompa que a saga ganhou com o passar do tempo. A explicação que Bruce dá por não ter assassinado seu nêmese chega a ser plausível, e, aliada à separação do Bat-Squad, quase fez com que as soluções fáceis de Snyder fossem toleráveis. Contudo, elas não apagam o gosto ruim que fica após saborear o desfecho de Morte da Família, apesar dessa história ser muito mais bem urdida que as sagas anteriores.
Em 1989, Tim Burton era um proeminente diretor. No currículo tinha alguns curtas e duas produções cinematográficas elogiadas: As Aventuras de Pee-Wee e Os Fantasmas Se Divertem. Bases que permitiram assumir a cadeira de diretor em Batman, filme de um dos grandes heróis dos quadrinhos que ansiava por uma versão nas telas.
Na época, heróis ainda eram um nicho restrito nos Estados Unidos. Tinham um mercado sólido, formavam personagens presentes no coletivo popular, mas estavam na periferia da arte. Não eram considerados um material bruto, rico e criativo para um filme-pipoca. E o sucesso de Superman – O Filme foi considerado um acerto que poderia não ser repetido em um futuro próximo.
Anterior ao mercado de filmes-pipoca quadrinescos, a aventura não contém a tradicional jornada de origem presente em um primeiro filme. A morte dos pais de Bruce Wayne é desenvolvida em um pequeno flashback durante a narrativa, dando maior dinamismo ao embate entre herói e vilão.
A abertura de Batman, de 1989, adentra de maneira eficiente o universo do Morcego e apresenta os recursos cênicos que tornariam Burton um grande diretor. Gotham City é um cenário escuro e esfumaçado, composto com leves referências góticas. Ambiente ideal para o surgimento do lendário morcego.
Na década de oitenta, a composição de uma produção cinematográfica voltada para o entretenimento era conduzida de maneira diferente da contemporânea. Visto em comparativo, o hiper-realismo dos filmes atuais, no qual a trilogia de Christopher Nolan está inserida, faz desta produção um reflexo menos realista da personagem.
Além da mudança natural da linguagem cinematográfica, os quadrinhos também estavam em um momento diferente. Na DC Comics, a Crise Das Infinitas Terras havia zerado a cronologia do estúdio cinco anos atrás, e Batman passava por uma transição lenta que o transformava cada vez mais em um herói soturno e indestrutível, um recurso que se potencializou após a Queda do Morcego na década seguinte.
Nos papéis centrais, Michael Keaton e Jack Nicholson foram escolhidos para representar Batman/Bruce Wayne e Coringa. Keaton havia participado do filme anterior de Burton e, mesmo com baixa estatura, parecia uma escolha certa pela parceria com o diretor. A interpretação seria razão para reclamação de fãs durante muito tempo mesmo que, devido à ausência de carga dramática da personagem – e, por consequência, sem um aprofundamento interpretativo – o comentário seja injustificado.
A grande estrela é Jack Nicholson, tanto pela responsabilidade de interpretar o vilão mais conhecido do personagem como pelo gordo salário que recebeu pelo papel. Uma visão do Coringa bem diferente da defendida por Heath Ledger anos depois, mas que é fiel com a personagem da época: um palhaço insano mas também apoiado na ironia cômica.
O ator produz veracidade na insanidade da personagem e, inevitavelmente, se destaca mais do que o raso herói. Em relação aos quadrinhos, a origem é a mesma, exceto que o vilão também é responsável pela morte dos pais de Bruce Wayne. Um dos poucos elementos que enfocam o drama nesta história aventureira.
Mesmo sem aprofundar-se na psicologia de Batman – outro conceito que se tornaria primordial a partir da década de noventa e na nova trilogia – a produção apresenta com eficiência a personagem e a luta contra a violência e o mal. No quesito das cenas de ação, as batalhas estão longe das bem elaboradas e sincrônicas coreografias atuais, mas resultam em bons momentos pelo clima cênico do Morcego. Como na cena do museu em que o Coringa, destruindo peças de arte de maneira iconoclasta, é interrompido por um herói que quebra a claraboia e adentra o local.
Mesmo com o embate primordial de Batman x Coringa, demais elementos da mitologia são utilizados brevemente. O promotor Harvey Dent e o Comissário Gordon mal aparecem em cena; a batcaverna, embora não seja exibida em nenhuma cena extensa, apresenta-se bem ambientada, como um local lúgubre e tecnológico, bem registrado pelos quadrinhos da época; assim como o arsenal do Cavaleiro das Trevas com tecnologia de ponta para a época; e um uniforme que, embora aparente imobilidade na luta corporal, assemelha-se a uma armadura rígida (sem nenhuma possibilidade de mamilos desenhados sobre o peito). Contornos definitivos que representam com adequação a figura tradicional do herói.
Vinte e cinco anos após sua realização, o filme continua vivaz e fiel à personagem. A produção, que foi supervisionada pelo criador Bob Kane, é uma das grandes referências culturais, com diversas representações visuais em mídias diferentes. Não se poderia prever que, anos depois, os heróis se tornariam presença obrigatória no verão americano e que Tim Burton pareceria tão esgotado em sua temática de árvores retorcidas, utilizando a participação da esposa, Helena Bonham Carter, e de Johnny Depp em quase todas as suas obras.
Neste mundo injusto, qualidade e sucesso comercial nem sempre coincidem. Após o triste anúncio do fechamento da Warner Premiere, divisão da empresa responsável por animações lançadas direto para o home vídeo, ficou a expectativa em relação à última produção do selo: nada menos do que a adaptação da obra máxima do Homem-Morcego, O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, que não só redefiniu o personagem como toda a indústria dos comics (ao lado de Watchmen) após sua publicação em 1986.
Somente os mais ingênuos esperariam uma transcrição cem por cento fiel de todo o estofo presente no material original, mesmo numa animação voltada a um público mais adulto. Afinal, são 200 páginas de uma narrativa extremamente densa, aprofundada não apenas na psicologia perturbada do herói, como também em ferrenhas críticas ao governo, à mídia e à própria sociedade norte-americana. Mesmo com a acertada decisão de dividir a história em duas partes, é preciso ter isso em mente e fazer certas concessões para poder apreciar este grande trabalho.
Na trama (que é um futuro alternativo a partir do que o Batman era nos anos 80), Bruce Wayne se aposentou da função de vigilante urbano após a morte do segundo Robin, Jason Todd. Na casa dos 50 anos, ele vive como uma fera enjaulada, esforçando-se pra ignorar seu interior enquanto assiste Gotham se afundar cada vez mais num caos social. A numerosa e sádica gangue dos Mutantes domina as ruas e, com o Comissário Gordon prestes a ser aposentado compulsoriamente, parece não haver esperança, visto a total incapacidade das autoridades. Até que o retorno de um velho inimigo motiva Bruce a vestir mais uma vez a capa e o capuz e voltar à ação mais violento do que nunca, com uma ajuda inesperada.
Batman: O Cavaleiro das Trevas – Parte 1 não foge da lei suprema de qualquer adaptação de uma obra fechada: parecer, aos olhos de quem conhece o material original, uma versão resumida e simplificada. Ainda assim, grande parte da força da história se mantém, como a construção de todo o cenário levando gradativamente ao retorno do Batman. Alguns elementos são bem datados, como as gangues com visual punk, mas o retrato de uma sociedade em frangalhos, praticamente entregue ao poder paralelo do crime, sem dúvida é atemporal.
Houve um exagero, porém, na forma por demais explícita como o poder constituído na figura do prefeito é retratado com um imbecil incapaz. Compreensível, pois um cuidado maior nisso levaria mais tempo e arriscaria prejudicar o ótimo ritmo que a animação conseguiu ter. Nessa linha, a opção por reduzir ao mínimo as inserções televisivas na história foi provavelmente a melhor coisa da animação. Parêntese pessoal aqui: por mais que isso sirva pra situar o impacto que o Batman tem sobre a cidade (e criticar o tendenciosismo e desinformação da mídia), preciso dizer que na graphic novel era maçante e cansativo todo o espaço dedicado aos telejornais. Se o objetivo é cumprido sem cair no tédio, ponto para a animação.
Mas nem tudo são flores. É preciso apontar a falha maior: a ausência das narrações em off dos pensamentos do herói. Marca registrada de Frank Miller, era através desse recurso que tínhamos noção do quão próximo da psicopatia estava Bruce Wayne. Da forma como ficou, isso pode até ter passado um tanto despercebido pra quem não conhece a HQ. Ainda que a violência exacerbada tenha permanecido, ao menos visualmente, algumas cenas perderam muito. Em especial, sem dúvida alguma, o momento em que o Batman é acuado por um inimigo armado e analisa suas opções, descartando as que desarmam com mínimo contato e optando pela que ALEIJA.
Apesar de tudo, há que se destacar que a animação trouxe excelentes cenas de ação: as lutas contra o líder mutante por si só já valeriam o filme. O visual ficou num válido meio termo entre o estilo oriental padrão nas produções animadas da DC e uma reprodução do traço “quadradão” característico de Miller, embora muito mais “limpo”.
Como se ainda precisasse, a Warner/DC mostrou mais uma vez que sua especialidade são as produções animadas, muito mais do que os filmes live action (polêmica mode on). Só nos resta lamentar o fim desse inspiradíssimo filão da empresa, enquanto aguardamos até o início de 2013 para conferir a segunda parte de Batman: O Cavaleiro das Trevas, com os aguardados confrontos contra o Coringa (dublado por Michael Emerson) e Superman.
Depois do impressionante primeiro ato, Christopher Nolan retorna à franquia de Batman para realizar uma produção épica. A consagração que romperia o gênero filme de super-herói para tornar-se um grande filme por excelência.
Introduzido como gancho na produção anterior, entra em cena a personagem antagônica do Cavaleiro das Trevas, o Coringa. Sua figura é representação máxima da potência de Batman e se popularizou até nas frases que se tornaram seculares entre os fãs.
A trama se aproxima novamente de histórias conhecidas do herói sem deixar de lado elementos inéditos. Trabalhando com diversos níveis narrativos, a composição de suas camadas é exemplar. Injusto afirmar que Coringa é a personagem central, sendo claro três polos distintos na narrativa: Harvey Dent como a manutenção da paz perante a lei, Batman como o vigilante que age no limiar desta, e a figura do palhaço como a não-regra, o caos.
Os enredos se apresentam de maneiras distintas e paralelas, culminando no ápice sem volta em Gotham City. Sob esse aspecto, o diálogo entre Batman e Gordon em Begins já inferia que o surgimento de um super-herói implicaria em uma escalada criminosa. E o que assistimos é justamente uma força impossível de ser sobrepujada.
Heath Ledger incorpora um Coringa crível e conveniente também com os quadrinhos. O espaço para a piada só se realiza por meio do grotesco, da figura abominável sem limites. Embora a personagem se encontre pouco com o seu rival, definitivas são as cenas em que estão juntos.
O interrogatório no quartel de Gordon é a chave central do significado entre herói e vilão, uma cena brilhante que, além de seu impacto, tem significado como análise do bem que necessita do mal para existir. A moeda que trafega nessas vias é o promotor Harvey Dent (Aaron Eckhart), que vai de um extremo a outro, conduzido por Coringa.
A consistência do elenco comprova que é possível realizar um filme com grandes astros sem a sensação de deslocamento, impressão que tenho assistindo aos diversos filmes da Marvel. Sendo possível trabalhar com um bom elenco sem a sensação de ele estar presente só como divulgação do filme.
Mesmo que o texto apaixonado não abrace todos os expectadores da produção, uma afirmação é correta: Batman – O Cavaleiro das Trevas tornou-se exemplo a ser copiado. Produziu um marco grandioso nas histórias em quadrinhos que tanto será comparado como tentará ser copiado. Exemplo parecido com o que aconteceu com Matrix, em 1999.
Mais do que o filme em si, sua força é medida quando, além de uma simples história, uma produção transforma-se em método a ser seguido. Some a isso o fato de que o elemento dramático fez milhões de nerds chorarem no final da trama, que você encontra um épico moderno com a elementar jornada de um herói.
É possível medir a relevância de uma obra pelo seu impacto em outras mídias. O filme Cavaleiro das Trevas, dirigido por Christopher Nolan, é um bom exemplo disto. A visão de Nolan, sobre o universo de Batman nos cinemas, influenciou o mundo dos quadrinhos. Brian Azzarello e Lee Bermejo trouxeram elementos visuais e de desenvolvimento de personagens que foram claramente inspirados no universo do Morcego de Nolan até mesmo pela atuação de Ledger como Coringa.
Nesta graphic novel, a história é contada sob a ótica de Johnny Frost, um bandido menor que acaba de entrar para o “bando” do Coringa. De alguma forma, que não é explicada muito bem (e que não interessa também), o Coringa consegue provar que está curado, e com isso consegue seu passe livre para fora do Arkham. Só que as coisas não saem como ele espera.
Ao chegar em Gotham, Coringa encontra seus negócios tomados e divididos entre seus antigos asseclas, desta forma, decide se aliar a algumas figuras conhecidas do universo do morcego. É o caso de Croc, aqui retratado praticamente como um soldado, o músculo da célula chefiada pelo Coringa; já o Pinguim dá as caras de forma mais tímida e ainda assim acertada. Retratado como um mafioso, responsável pelo comando de uma grande fatia do crime organizado de Gotham, e neste contexto, Azzarello mostra o quão sem controle é a personagem do Coringa, já que mesmo para o Pinguim, uma figura importante no submundo da cidade, não há outra alternativa senão a de ajudar o Coringa sendo o cérebro da organização. Arlequina também participa do enredo. Apesar de ser uma participação menor, chega a ser poética a instabilidade que sua personagem contém, algo que para quem conhece sua origem é também outra forma de expressão do caos do próprio Coringa, e de sua influência nefasta, capaz de apodrecer os que se aproximam dele.
O ponto forte é, sem dúvida, Johnny Frost. O narrador da história anseia por ser alguém, fica evidente a sua busca pelo respeito daqueles que nunca acreditavam nele, tudo isso através de uma via rápida. E eis que sua chance de ascensão se transfigura através do Coringa e por ele percebemos também que está traçada a sua rota para a queda. Você só não sabe bem quando. É uma sensação que remete ao clássico de Martin Scorsese, Os Bons Companheiros. Qualquer semelhança não pode ser mera coincidência, já que a temática “máfia” está muito presente nesta HQ.
A narrativa de Azzarello é perfeita para a trama apresentada aqui. Pra quem é leitor de suas obras, fica evidente que o autor se sente muito mais a vontade escrevendo histórias “sujas”, com uma estética de tonalidades noir retratando o submundo, a podridão da cidade e uma visão cínica das pessoas, como em 100 Balas, Batman: Cidade Castigada, do que escrevendo algo mais heroico e idealizado como em Superman: Pelo Amanhã. Em Coringa, nem mesmo a presença do Batman é muito evidente, sendo mais uma presença a ser mencionada e percebida como um ser mítico da cidade, quase uma lenda. O desenrolar da história se desenvolve pouco a pouco, o que nos remete a um conto policial escuro e doentio.
Outro ponto forte é o trabalho gráfico de Bermejo. O design das personagens, criadas pelo artista, é muito interessante. Sua arte mescla o estilo tradicional dos quadrinhos americanos com uma pintura mais realista, tudo isso sem perder o dinamismo, algo bastante comum nesse tipo de traço. A cidade nos remete a um filme noir, uma percepção de estética que deveria ter acontecido com a série noir da Marvel mas não aconteceu.
E nesta mistura de Martin Scorsese, Dashiel Hammett, Quentin Tarantino e Nolan que Coringa nos apresenta o antagonista do morcego em sua versão mais doentia e insana. Uma obra que tem tudo pra se tornar um clássico das histórias em quadrinhos.
Recentemente andei relendo algumas histórias voltadas ao arqui-inimigo do morcego, uma delas foi o Manicômio do Coringa, que eu conferi na época do seu lançamento, aproximadamente dois anos atrás e me decepcionei bastante. Relendo a hq dias atrás, minha opnião não foi muito diferente, o roteiro é um misto de altos e baixos durante toda a história.
A revista traz 5 contos, cada um deles protagonizada por uma personagem da galeria de vilões do Batman. O interessante é que em cada uma das histórias o Coringa surge como um apresentador e contador da história, uma clara referência aos quadrinhos de terror de antigamente e até mesmo aos programas onde eram transmitidos filmes de terror, onde tínhamos como apresentadores a clássica Vampira (nome da atriz), que teve seu visual chupinhado pela atriz que interpretou Elvira (Vai me dizer que você não se lembro dos peitos do filme dela?), nos anos 80. Outro apresentador que ficou muito conhecido apresentando esse tipo de programas é o cineasta José Mojica, ou simplesmente, Zé do Caixão. Enfim, o Coringa tem esse papel na hq, sempre tecendo comentários ácidos e de humor negro no início e fim de cada conto. Mas deixando as inutilidades de lado, vamos as histórias.
Nosso palhaço “querido” protagoniza a primeira delas, onde ele invade uma emissora de televisão e decide brincar um pouco com os telespectadores. Uma história interessante e traz uma crítica um tanto estranha para um personagem “anárquico” como o Coringa, pois ele mostra até que ponto os produtores das emissoras de tv podem chegar por audiência. Como eu disse, uma história interessante mas um pouco difícil de encaixar na personalidade do vilão, já que a violência pela violência sempre foi algo inerente ao personagem e ao usar um tom de denúncia, isso perde um pouco o sentido. Os desenhos dão um tom insano peculiar.
A próxima história é a melhor de todas elas. Protagonizada pelo Pinguim, nos deparamos com o passado da personagem, seus traumas de infância, seu declínio à loucura e sua ascensão ao crime. A trama tem um desenrolar fatídico onde o Pinguim encontra uma possibilidade de redenção ao se apaixonar, contudo, culmina em um triste fim. Ponto forte para o roteiro e desenho, que estão excelentes.
No terceiro conto temos Hera Venenosa como protagonista e sem muito acrescentar, uma história que não adiciona e nem subtrai nada do produto final. Ponto forte para o desenhista e colorista que conseguem expor toda a sensualidade da personagem com traços fortes e um trabalho de cor excepcional.
Espantalho chega com a penúltima história da hq e de longe é a pior de todas. Trama digna dos piores filmes de terror que você já assistiu. Clichê atrás de clichê. A arte é interessante, porém, não casa bem com um personagem que lida com o medo, como é o caso do Espantalho. A última delas é protagonizada pelo Duas-Caras e sua dualidade sempre presente. Os desenhos são de muito bom gosto e o roteiro redondinho.
Manicômio do Coringa cumpre sua proposta de divertir e o preço convidativo colabora com isso. Vale a pena uma conferida despretensiosa se encontrá-la por aí.
Batman Cacofonia é escrita pelo cineasta Kevin Smith – que me perdoem os fãs, mas verdade seja dita – nem com a presença do homem, a revista se torna grande coisa.
Lançada originalmente entre janeiro e março de 2009 em três edições com o título Cacophony. A HQ surgiu após a DC Comics ter a ideia de convocar Kevin Smith para escrever uma história do Batman com ‘liberdade total’. Smith, que já havia escrito algumas HQs chama seu parceiro Walter Flanagan para ficar a cargo dos desenhos de sua história. Contratos acertados, mãos à obra!
O Asilo Arkham dá mole novamente e o Coringa está às soltas nas ruas de Gotham de novo. Coringa decide se vingar de Maxie Zeus – Vilão de 5º escalão do Batman – que havia roubado sua fórmula do gás do riso e transformado ela em uma droga do momento, que era chamada de… risinho. Zeus tenta manter um acordo com o Coringa oferecendo metade dos seus lucros, mas o palhaço recusa, alegando que o objetivo do gás é apenas matar pessoas e não causar um “barato” nelas. Durante toda essa confusão, surge ainda, Onomatopeia – vilão criado por Smith quando escreveu algumas histórias do Arqueiro Verde – que usa o Coringa como isca para eliminar o Morcego.
A narrativa de Smith é excelente, traçando ótimos diálogos e colocando muita personalidade em todos os personagens que escreve, seu Demolidor é um bom exemplo disso. Tudo isso temos em Cacofonia já nas primeiras páginas. E já que estamos falando das personalidades de seus personagens, em Cacofonia temos caracterizações únicas, agora imagine isso tudo em uma história onde só tem malucos.
Coringa é sugerido como um homossexual em uma piada sensacional, o que convenhamos, se tratando da mente perturbada dele é bem possível que esteja disposto a fazer qualquer coisa. O mesmo vale para o Zsasz – Outro vilão de quinta do Batman, conhecido por marcar seu corpo com cicatrizes cada vez que comete um assassinato – Aqui ele se vê obrigado a marcar seu órgão sexual, pois já não encontra outro lugar no corpo para tal.
A sexualidade faz parte da revista, o Coringa protagoniza outro momento estranho, onde demonstra seu lado necrófilo ao dizer que adoraria matar Batman e abusar de seu cadáver. Mas todos esses detalhes servem apenas como background da história principal.
Esse é o grande problema da história, são esses detalhes que são os atrativos dele, porque a trama principal não é grande coisa. Os desenhos do Walter Flanagan ajudam bastante a desgostar da obra, já que o traço é péssimo e sem qualquer aspecto positivo para ser comentado, o que nos faz chegar a conclusão de que ele é MUITO amigo do Kevin Smith, do contrário, nunca teria conseguido esse trabalho.
Apesar do Onomatopeia ser bem utilizado, deixando o papel de principal vilão da história para o Coringa, ele serve para colocar uma dinâmica na eterna luta de Batman e Coringa, só que dessa vez com outra cara, mas nada que realmente torne a trama sensacional. O ponto forte é sem dúvida as tiradas bem-humoradas do roteirista e o diálogo final entre o Homem-Morcego e o palhaço do crime. Explorando toda a temática iniciada pelo Alan Moore em A Piada Mortal, invertendo completamente o rumo da história, propondo uma análise mais filosófica da mitologia do morcego.