Tag: Alan Moore

  • Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Sexto

    Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Sexto

    “A inspiração existe, mas ela precisa te encontrar trabalhando.” – Pablo Picasso

    O Monstro do Pântano não existe mais. Não na Terra: após ter sido exterminado a ferro e fogo, e em praça pública, ao quase destruir Gotham City em toda a sua cólera para resgatar a sua amada Abigail da prisão, a consciência do Verdão saiu de seu corpo queimado e vagou pelo espaço, uma energia livre feito ondas radiofônicas entre as estrelas, além de quaisquer limites para explorar outros mundos. Neste sexto volume das aventuras do Monstro do Pântano, o escritor Alan Moore (Watchmen) rompe a atmosfera e leva o guardião oficial da fauna e flora terrestres para fora de sua jurisdição, em ambientes cujos domínios já possuem outros guardiões que ele, tão acostumado a seu discreto e solitário pântano, nunca sonhou a conhecer fora da zona de conforto que tampouco lhe restou. Bem-vindo ao final desta saga, em oito histórias de pura fantasia espacial repletas de ação, drama e desenhos delirantes.

    Quando Moore decidiu trabalhar com um personagem esquecido desse, ainda em 1983, o desejo era tão simples quanto majestoso: remodelar essa criatura ao status de um semideus com falhas, coração e um pesado senso de humanidade. Em 64 histórias, o autor de V de Vingança e A Liga Extraordinária provou (dentro de um grande arco narrativo) ser capaz de aprofundar as raízes de um ícone das histórias em quadrinhos da DC que ninguém se importava na época, dando-lhe poderes, conceitos políticos, dilemas morais e uma carga dramática ainda sem precedentes a maioria dos outros ícones das HQ’s. Em O Mistério no Espaço, por exemplo, ao se deparar com um novo planeta para habitar, o assim chamado ‘Monstro’ devido a sua aparência metade homem, metade vegetal, encara uma xenofobia violenta dos nativos e a intolerância de outros heróis que enxergam nele uma ameaça assumida, apenas por sua imagem horripilante. Nunca o pântano lhe pareceu tão distante, e nunca a diplomacia se mostrou tão valiosa – mesmo ele sendo capaz de, ao controlar tudo o que é orgânico, rachar o planeta a dois.

    Já na belíssima Toda Carne é Erva, ilustrada com painéis coloridos de tirar o fôlego pelos traços de Rick Veitch e Alfredo Alcala, a mente do Monstro do Pântano se conecta desta vez no ecossistema do planeta J586, promovendo um caos entre os milhões de habitantes do planeta que, curiosamente, são feitos de vida vegetal. Mas é claro que o Lanterna Verde que cuida deste humilde mundo, o poderoso Medphyl, vai medir forças com a entidade que veio para causar o horror e que se impõe ao seu anel, feito um titã com os pés no solo e a cabeça na estratosfera. Aqui, a história traz à tona o poder da nossa vontade, da consciência e da coragem, coisas que não tem nada a ver com nosso tamanho ou qualquer outro empecilho pelo caminho. Abusando de uma narração em primeira pessoa, esse breve conto mostra-se ainda que simbólico mais simples que o normal, e assim seguem-se os próximos contos que marcaram a despedida de Alan Moore para com o personagem.

    Tanto em Exilados quanto em Amor Alienígena, esse Volume 6 já dá sinais claros de falta de inspiração, de cansaço criativo, algo nunca atestado nos Volumes anteriores. Ao brincar de Star Trek, levando essa figura superpoderosa onde nenhuma outra jamais pisou, Moore traçou suas últimas bem-sucedidas ambições para o Verdão de uma forma solene, ainda que sem conseguir esconder a sua exaustão imaginativa. Ao mesmo tempo, o mago inglês escrevia Watchmen, a HQ de super-heróis mais importante da história, e na introdução que abre este último volume publicado pela editora Panini, o desenhista Stephen Bissette admite que o autor estava sobrecarregado de trabalho, e por isso, o fascínio dos seus primeiros contos de terror, ficção científica e fantasia já estava se apagando. Mesmo assim, faz-se um desfecho satisfatório ao Monstro do Pântano assinado por Alan Moore, e que ainda encontra no romance e na filosofia temas que tornam o seu final quase tão memorável quanto ela conseguiu ser, em seus maiores momentos.

  • Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Quinto

    Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Quinto

    O mundo quase acabou, e a ressaca de ter sobrevivido ao apocalipse é forte nesse quinto volume d’O Monstro do Pântano, numa nova etapa da obra assinada por Alan Moore em sua magistral e profunda abordagem de fantasia e ficção científica para a lenda do personagem, nos anos 80 – pré-Watchmen. Após ter ajudado a salvar nossa realidade da sua literal destruição mística, o Monstrão agora tenta se acostumar com a volta para casa, escondido da civilização entre os jacarés e as árvores de seu solitário pântano, na Louisiana, sul dos Estados Unidos. Ele só não esperava que sua amada Abigail, enquanto o Verdão trabalhava onde céu e paraíso se chocam, estivesse presa por ter sido filmada escondida, beijando o monstro. Toda cidade a enoja, e presa, a sentença de Abigail por crimes contra a natureza é impiedosa, mas até parece que seu namorado vai deixar a (in)justiça dos homens recair sobre ela, tão fácil.

    Com todo o poder que tem, afinal o Monstro do Pântano é o arauto ambulante de toda a força natural da mãe Terra, quando a entidade descobre que Abigail foi detida como louca no hospício Asilo Arkham, em Gotham City, sua cólera é imensa, indo reverter a situação. Na breve história Consequências Naturais, vemos um ex-ser humano, transformado pelo destino em um Deus, dominar com suas raízes uma corte e uma metrópole inteira para que lhe devolvam a mulher que ama, desarmada sob a égide do estado americano. Diante da calúnia que Abigail foi trancafiada no Arkham pelo seu ato desumano e esquizofrênico de ter relações sexuais com uma criatura abominável, e asquerosa (o que, tecnicamente, é verdade, devido ao visual dele), vemos a ira irrefreável da natureza irromper dos bueiros, se edificar mais alto que qualquer arranha-céu, e dominar a paisagem urbana que aprisiona a “noiva do Frankenstein”. O monstro está na área pra reclamar o que é seu, sem lembrar que a área pertence ao Batman.

    Na divertida O Jardim das Delícias Terrenas, eis o famoso e tão esperado embate entre os dois personagens mais sombrios da DC (uma vez que o mago Constantine foi tirar umas férias depois do quase-apocalipse que rolou, já que assunto de marido e mulher não o interessa), numa Gotham que mais parece a floresta Amazônica e que dá inveja até a Hera Venenosa. Se vale tudo mesmo para resgatar Abigail, a Besta das Matas agora enfrenta o Cavaleiro das Trevas em casa, enquanto não move esforços para provar porque devemos temer quando a natureza se enfurece, e decide exibir sua soberania nesse mundo, convencida de sua óbvia vitória sobre os sistemas dos homens… mas sem saber que Lex Luthor, o gênio careca já acostumado em encarar o imbatível, foi recrutado em Gotham para bolar um plano e vencer essa ameaça onipotente. Alan Moore reitera, mais uma vez, sua exímia habilidade em balancear elementos clássicos da DC em suas histórias de mistério e ação, caprichando no suspense e nos fazendo duvidar se, de fato, o Monstro do Pântano é tão infalível, assim.

    Prestes a deixar a saga do Verdão para trás, após participar de uma colaboração de quase uma década que marcou época, nas HQ’s, revitalizando um personagem esquecido e dando-lhe novos encantos, e possibilidades, podemos notar entre as edições 51 e 56 que Alan Moore já deixou de lado os grandes arcos do Livro Três, e Livro Quatro, voltando-se a partir deste Livro Cinco a histórias menores, bem menos ambiciosas ou elaboradas, mas ainda assim surpreendentes devido a sua dinâmica, ótimos personagens e boas sacadas no roteiro. Um exemplo disso é a bela Meu Paraíso Azul, na qual nosso monstro (que de terrível, guarda só a aparência) viaja para dentro de sua consciência e imagina uma dimensão baseada em seu amor incomensurável por sua Abigail, dando a ela cabelos de margarida, e uma aura angelical. Falar de amor numa história do Monstro do Pântano nunca é cafona com Alan Moore, que ainda contava com desenhistas da magnitude de um Rick Veitch e John Totleben para ilustrar painéis de beleza avassaladora, nunca antes vistos com tanta paixão, e exuberância numa HQ, todas publicadas, com a devida pompa, pela editora Panini, no Brasil.

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  • Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Quatro

    Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Quatro

    Tem um mal inominável na nossa porta, e nada pode detê-lo. O único que poderia se prestar a salvação, perdeu a chance, e condenados, esperamos junto de anjos e demônios pelo iminente juízo final. O curioso é que, dificilmente nas histórias escritas por Alan Moore em O Monstro do Pântano, o horror gótico americano das coisas vem à tona em nível social, como se o leitor sempre fosse transportado para uma realidade paralela, uma extensão do pântano do “grande monstro” da Louisiana, nos Estados Unidos, aonde tudo pode acontecer – e nada ganha os noticiários. Sem limites para seus contos sombrios e filosóficos, Moore redefiniu o heroico personagem nos anos 1980 com uma profundidade moral e questões muito além do normal, o que nos faz questionar se outras figuras dos quadrinhos, como Hellboy e Motoqueiro Fantasma, em suas mãos, ganhariam contornos tão inesquecíveis, quanto. Felizmente tivemos o Coringa sendo laureado pelo talento do gênio, em A Piada Mortal, e neste quarto volume publicado no Brasil pela editora Panini, acompanhamos a continuação da saga que marcou época na cultura pop.

    Agora, um mal supremo ronda essa entidade altruísta, com sua assombrosa aparência verde musgo e olhos vermelhos, guardiã do meio-ambiente e dos que nele vivem, fadada a caminhar entre a tragédia e o amor recíproco de sua amada Abigail. Uma energia maligna, aquela, que faz o inferno e o paraíso temerem a sua ascensão. Nisso, o mago John Constantine recruta o Monstro do Pântano para este investigar o que está se aproximando, pois nem ele consegue decifrar tal enigma. A vibração da Terra se altera, as realidades paralelas a nossa compartilham desse desconforto, alguém precisa nos proteger, e a resposta para banir a escuridão suprema pode estar nos confins mais abissais, onde só a consciência do verdão pode acessar. Pela primeira vez desde sua criação, na edição nº37 da saga, Constantine parece realmente inseguro e com medo do desconhecido – sendo que, para o detetive do oculto, dialogar com entidades perigosas dos submundos espirituais é uma viagem de verão ao sul da Itália. O tempo de férias realmente acabou, e Moore é especialista em criar tensão com imagens e situações apavorantes, para todos os públicos.

    A quarta coletânea da Panini já começa na história nº43, E o Vento Trouxe, na qual um traficante de drogas hippie acha um fruto oriundo da “pele” do Monstro, deixado para trás em uma caminhada pela sua floresta, no sul dos Estados Unidos. Após levá-lo à sua casa, o homem distribui desse alimento misterioso a algumas pessoas, causando-lhes alucinações e transformando suas vidas num eterno pesadelo. Menos surreal e mais criminal na proposta de terror, na ótima Bichos Papões, vemos um assassino em série matando várias pessoas nos pântanos da Louisiana, até encontrar uma justiça sobrenatural em seu caminho. Mas é em Dança com Fantasmas que a inspiração no horror gótico vem realmente marcante, num conto sobre quatro adolescentes desavisados que entram numa mansão mal-assombrada, onde atrás de cada porta repousam criaturas sedentas a testar a fé dos mais religiosos. Com desenhistas da mais alta excelência ilustrando seus delírios, perversões e insanidades, Alan Moore em 1986 teve de se infiltrar no grande arco das Crise nas Infinitas Terras, da DC Comics, costurando o personagem ao espectro maior das histórias do Batman, e cia.

    Na convergência de realidades fantásticas, em um macro enredo que envolveu todos os personagens da DC, nos anos 80, a editora fez todo o seu multiverso desorganizado, cheio de Terras 1, 3 e 7, pertencer a apenas uma dimensão. Para isso, dentro da saga do Monstro do Pântano, Moore criou um evento destruidor que forçava a união dos altos escalões da luz, da sombra e dos seres humanos (lê-se: os super-heróis místicos da DC, como o Senhor Destino e Vingador Fantasma) em prol da sobrevivência de Tudo – absolutamente Tudo. Para isso, o próprio Monstro e seu parceiro de aventuras, o sádico Constantine, vêm juntos ao Brasil em O Parlamento das Árvores especular com entidades que enxergam o futuro a grande batalha apocalíptica que lhes aguarda – nota-se que, em região Tropical, pela primeira vez, é dado ao grandalhão cores vivas que, vivendo e germinando no sul dos Estados Unidos, nunca brotaram em sua pele de folhas e raízes escuras. A resposta não é dada facilmente pelos ancestrais, e muito antes do conflito da Vida com a Morte absoluta, o mal à espreita os abate de forma imprevisível, e coerente o bastante para fechar, com a precisão e o esforço criativo de um mestre, todo um arco de histórias poderosas. Eu queria ver esse tratamento dado ao Hellboy, Alan Moore. Eu realmente queria isso.

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  • VortCast 75 | Diários de Quarentena V

    VortCast 75 | Diários de Quarentena V

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe PereiraJackson Good (@jacksgood) e Rafael Moreira (@_rmc) retornam em mais uma edição para bater um papo sobre quadrinhos, cinema e muito mais.

    Duração: 115 min.
    Edição: Rafael Moreira e Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Rafael Moreira e Flávio Vieira
    Arte do Banner:
     Bruno Gaspar

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  • Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Três

    Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Três

    Dizem que os fins justificam os meios, e muita gente bota fé nisso – principalmente, hoje em dia. Seja como for, se Alan Moore não tivesse criado em 1985 uma ameaça forte o bastante para aniquilar o Monstro do Pântano, o poderoso e tempestuoso elemental capaz de tudo para proteger sua amada, e o pântano na Louisiana que ele faz de morada, nunca seriamos apresentados ao mago John Constantine, logo na edição nº 37 da clássica saga escrita por Moore, e desenhada nos traços icônicos de uma verdadeira gangue de ilustradores a serviço do maior roteirista de HQ’s da história. É curioso observar a forte expressividade de alguns quadros em função do impacto da narrativa, numa impecável fusão artística tão almejada entre a força do texto, e o brilho do visual. Temos, portanto, a trajetória e o destino esculpido de um herói sem rostinho bonito, cujo uniforme é asqueroso, e assim como o verde que resguarda, e incorpora em suas aventuras, faz de si o mais resistente de todos os seres vivos.

    E é justamente a queda dessa resistência por um vilão radioativo que a natureza, em toda a sua soberba, não consegue vencer, que assistimos assombrados em uma gama de imagens e painéis impressionantes em Notícias do Fuça Radioativa, história essa dividida em duas partes que abre o volume 3 da saga publicada com capricho pela editora Panini, no Brasil. Nesta clara alusão aos maus-tratos do ser humano ao meio-ambiente, a temível entidade de musgo e olhos vermelhos padece para, em seguida, virar um insignificante broto na mata, na esperança de germinar, de voltar a ser o que era: um biossistema ambulante em toda a sua glória. Um renascimento este que chama a atenção de Constantine, sempre antenado em tudo de bizarro que rola no mundo, como se este fosse seu quintal e nada escapasse de seus olhos de águia. Uma figura que surge para despertar a consciência do Monstro do Pântano sobre ele mesmo, seus poderes e a sua importância para eventos futuros que irão testar Terra e humanidade diante de perigos apocalípticos.

    Constantine faz sua primeira aparição como um anúncio de tempestade, um arauto dos males, sendo ele um dos melhores personagens da carreira de Alan Moore. Com seu cigarro e casaco inconfundível, logo ele e o Monstro do Pântano lutariam juntos na publicação da DC Liga da Justiça Sombria, sempre envoltos com demônios, magia e outras dimensões ao invés dos desafios mais mundanos que Batman e Superman geralmente enfrentam. A presença de Constantine serve para apresentar ao nosso anti-herói verdão ameaças que deixam Coringa e Lex Luthor no chinelo: em Águas Paradas, uma raça de vampiros subaquáticos (você leu certo) planeja dominar o plano terrestre a fim de nunca faltar alimento para sua força materna, a repousar no fundo de um lago enquanto espera por carne humana – de preferência, bem jovem. Ou ainda em A Maldição, na qual uma dona de casa carrega em si uma enorme força sobrenatural que vive a controlar, mas que após o seu marido Roy se tornar uma ameaça a ela, Phoebe decide inverter o jogo de poder em uma quente, e sangrenta noite de lua cheia.

    Contudo, talvez seja a história de conclusão deste terceiro volume a mais simbólica e memorável da coletânea, na qual espíritos e cadáveres de escravos decidem voltar à Terra, mais precisamente no sul dos Estados Unidos, e infernizar um grupo de atores de uma novela sobre os tempos da escravidão americana. Em Mudança Sulista e Estranhos Frutos, esses zumbis finalmente ganham a liberdade pela qual morreram lutando, e sua vingança coletiva será terrível, mesmo após tantas e tantas décadas sepultados. Em uma intensa e sublime alegoria do mais puro horror gótico, Alan Moore discute o papel da violência no passado de certas regiões marcadas pelo sofrimento, e como essa tensão sempre pode retornar no menor descuido das pessoas e autoridades diante do racismo, e de outras práticas monstruosas. O mal vive à espreita, e “O que foi enterrado não desapareceu.”. A mensagem é clara, e vire-e-mexe nos lembramos disso quando se faz necessário.

    Compre: A Saga do Monstro do Pântano – Livro Três.

  • Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Dois

    Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Dois

    O terror e o romance geralmente são dois gêneros tratados como opostos, na maioria das estórias que temos acesso e nos marcam, no decorrer dos tempos. Difícil lembrarmos de bons exemplos que, ao abordarem o lado sombrio e a face romântica da vida e das relações, equilibram de forma marcante o Terror, junto ao mais lenitivo dos amores e paixões; uma alegoria clara e direta a Dante, e seus famosos círculos do inferno. Neste segundo volume da clássica saga do Monstro do Pântano, Romeu desce até o reino da besta-fera para recuperar a sua amada flor Julieta das garras dos condenados, no centro do vale da escuridão (e não de fogo como muitos pregam, por ai), logo antes de apresentar o mundo selvagem dos pântanos da Terra para pequeninos e inocentes alienígenas que desembarcam em seu reino, sem saber dos perigos daqui.

    E quem melhor que Alan Moore para compor quadros e tramas de soberba magnitude criativa, enquanto que, ao longo de duzentas páginas de pura genialidade narrativa que tanto marcaram a nona-arte nos anos 1980, nos perguntamos de queixo-caído: como eu pude viver e pensar ser feliz sem nunca ter lido isso? Moore sempre escolheu seus desenhistas a dedo, talentos que pudessem traduzir em uma dinâmica visual perfeita todas as suas loucas e extasiantes ideias – e na sua melhor saga, para muitos, a necessidade segue imperial. Em dados momentos, O Monstro do Pântano nos brinda com painéis que tornam certas sensações inesquecíveis, tal como o sexo absurdo entre uma criatura asquerosa, de musgo e raízes, e a mulher que ama o homem por trás do monstro, sua alma, suas palavras, a sua bravura e sua perdição amorosa, tão recíproca entre eles. As cenas de extrema psicodelia que ilustram o tesão cabuloso entre planta e corpo de carne nos confundem, nos assombram, e nos fazem salivar em uma típica hipnose das mais luxuriosas, e acima de tudo, românticas que se tem notícia.

    O autor de V de Vingança e Watchmen cria demônios que entregam rosas e orgasmos porque gostam do gesto, e não para se redimirem ou negarem o que são. Ao combater um vilão que conseguiu escapar das trevas abissais, e agora possui a carne banal de um homem qualquer, o deus dos pântanos e do verde profundo da Terra presencia a morte de sua Abigail, aquela por quem sua alma ainda brilha, mesmo sob uma nova forma absolutamente horripilante. Indo contra o ódio de uma entidade que só pode ser combatida pelo amor, e não pela dor (uma vez que ela é a encarnação mais soberba das dores, e das angústias que um ser-humano é capaz de carregar), o Monstro do Pântano conta em seu destemido resgate com vários personagens famosos da DC, como o Etrigan, grande amigo do mago John Constantine, para caminharem aonde nenhuma luz chega, nenhum “socorro” é ouvido, e a salvação jamais poderá ser alcançada – exceto pelo desespero do mais louco dos Don Juans, já que o eterno repouso de sua rainha no colo de demônios é algo inconcebível.

    No triunfo editorial da Panini em lançar, em seis partes, a icônica saga de Alan Moore e companhia no Brasil, numa belíssima compilação gráfica e até com um prefácio impecável de ninguém menos que Neil Gaiman (Sandman, Coraline), num esforço de apresentar essas pérolas do passado a uma nova geração de leitores, as estórias (originalmente publicadas em gibis mensais sob o selo Vertigo, nos Estados Unidos) são distribuídas em seis breves e eletrizantes capítulos, com contos de puro horror gótico, sonhos perturbadores, e até um grupinho de extraterrestres que não conhecem a maldade que existe, e ao fazerem contato com nosso querido monstro esmeralda, descobrem que há coisas muito além do que parecem ser. Ao longo das tramas, verdadeiras aulas de tensão e espanto no mundo das HQ’s, Moore revela-se um autor muito mais íntimo de suas personagens, sua realidade, suas forças e fraquezas, à medida que enraíza o leitor, quadro a quadro, em experiências tão ímpares quanto imprevisíveis.

    Compre: A Saga do Monstro do Pântano – Livro Dois.

  • Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Um

    Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Um

    “Você está em contato. Em contato com o verde. E eu, em contato com você.”

    Muitos defendem, com certa razoabilidade, A Saga do Monstro do Pântano como uma das melhores obras do genial Alan Moore. Aos que apontam seus motivos, além de certo desejo de não serem a maioria óbvia e raivosa que logo cita Watchmen e V de Vingança como as principais magnum opus do misterioso autor britânico, um dos grandes responsáveis por elevar o status quo das histórias em quadrinhos, entre as décadas de 70 e 80, há de certo uma adoração justificável pela qualidade impressionante das histórias de terror gótico que tanto combinam com o estilo macabro e forte das ideias e tramas que Moore arquiteta como ninguém. Afinal, estamos falando do criador do mago John Constantine, e da melhor história do Coringa já feita (vamos ser sinceros): A Piada Mortal, em uma de suas mais célebres colaborações na carreira, junto do desenhista Brian Bolland.

    Se há um adjetivo que cai como uma luva a Alan Moore, desde os seus primórdios como contador de histórias de suspense, horror e aventura com e sem super-heróis, é ser impecável. Tanto na execução de seus arranjos narrativos, quanto na potência marcante que emprega a quase todos eles, em sua longa trajetória pela nona-arte. Não há melhor louro a um escritor que prestigiá-lo lendo-o, e sabendo disso, a editora Panini do Brasil lança em 2014 todas as edições roteirizadas por Moore do temível e humano Monstro do Pântano, em seis edições de inestimável apreço no mercado brasileiro de HQ’s. Exemplarmente traduzido por Edu Tanaka, o leitor torna-se íntimo das sensações de um Deus bizarro, representante da mãe-terra em uma forma asquerosa, cujo pântano onde reina, em um primeiro momento, é a casa assimétrica que lhe sobra para se esconder, proteger e amar a mulher que nunca esqueceu o homem antes do monstro, e que nutre por ele um amor puro, e recíproco.

    No início, era apenas Alec Holland, vítima de um acidente que torrou seu corpo feito folha atingida por raio, mas não o mais feroz: sua consciência imortal. Sua alma agora É o mundo verde, e tudo o que o alimenta e o faz ser tão resistente, quanto assombrosamente real, e poderoso. Alec não é mais homem, apenas, mas um super-homem. Um demônio de musgo de dois metros de altura que anda, fala e vibra, enquanto encarna o biossistema inteiro da Terra dos pés a cabeça, estendendo suas sensações aos rincões mais profundos do planeta quando preciso – ou quando assim o deseja. Neste primeiro volume, acompanhamos a autodescoberta de sua nova identidade, ao mesmo tempo que homens tentam matá-lo, queimar seu lar pantanoso, sua fé na humanidade. Para ligar a trama geral com a mitologia da editora DC Comics, vários ícones da Liga da Justiça e seus vilões entram em cena em várias histórias, seja para ter um apelo maior ao público, seja para engrandecer o personagem central sem, contudo, inferiorizá-lo.

    Aos poucos, com uma abordagem fantástica e filosófica servindo de base para o despertar de Alec Holland, em contos de vinte páginas cada, compostos por centenas de imagens delirantes ilustradas por mestres da linguagem visual, somos levados a reconhecer do que Holland é capaz, agora sendo o medonho “monstro” que se tornou. Aqui, um guardião do natural, dando cabo as vezes de ameaças que não encaram seus poderes como dons, mas maldições agonizantes, agindo em defesa da autodestruição e do mal mais puro que nem o coração mais perverso, pode imaginar. Tudo o que é exatamente oposto a essa entidade do verde e da vida que Alan Moore, entre 1983 e 1987, tratou de revolucionar seu conceito e seus valores nas páginas da DC, feito um verdadeiro rei Midas dos quadrinhos. Eis uma grande e arrebatadora metáfora sobre um mundo que nos devora, em todos os sentidos, e cabe a nós decidir o que fazer disso, sem botar na conta do acaso o peso dos nossos atos, ou aquilo que escolhemos nos tornar. Não há nada mais precioso que a nossa consciência, exceto, talvez, uma história de Alan Moore, e é aqui onde tudo começou.

  • Review | Swamp Thing (Episódio Piloto)

    Review | Swamp Thing (Episódio Piloto)

    A DC/Warner tem investido bastante em seus novos produtos para televisão. Com Titãs e Patrulha do Destina houve uma bela dedicação em produção, elenco e direção de arte. Por mais que ambas não sejam perfeitas, há méritos em ambas, e não poderia ser diferente com o Monstro do Pântano, em Swamp Thing, seriado de horror que adapta a criação de Len Wein, e posteriormente, imortalizada por Alan Moore.

    O piloto se inicia bastante sombrio, com pessoas sendo atacados num barco. Dirigido por Len Wiseman, diretor e criador de Underworld e realizador de Duro de Matar 4.0. Sua carreira recente é mais frequente em produções de TV, e apesar de seus longa-metragens não terem tanto sucesso, a condução aqui é bastante correta. O maior mérito certamente é o equilíbrio da fotografia com elementos digitais.

    Há um bocado de influências visuais de James Wan (diretor de Aquaman e um dos produtores da série), Tobe Hooper (Massacre da Serra Elétrica) e Wes Craven (Pânico) – esse último responsável pela péssima adaptação para os cinemas de 1982. O episódio é contemplativo em seu início e introduz paulatinamente os personagens, como Abigail Arcane (Crystal Reed) e Alec Holland (Andy Bean). A introdução de Holland mistura elementos de horror e gore que se espera nessa produção.

    No entanto, há uma “barriga” no roteiro. A parte “humanizada” é demasiado longa e pouco desenvolvida, soando forçada em muitos momentos, embora seja fundamental algum aprofundamento, ainda que as partes de horror compensem todo o restante. Mesmo as cenas escuras são muito bem trabalhadas e os efeitos não deixam nada a desejar às produções de cinema recentes.

    O pecado mora na trilha, bastante expositiva, antecipando quase todas as sensações dos personagens. A criatura é bem construída e funciona visualmente, ao menos nesse pequeno vislumbre. O texto é bastante óbvio dentro dessa construção, abrindo possibilidades para que absolutamente qualquer coisa possa ser exibida ao longo dos dez episódios que estarão nessa primeira temporada, podendo dar vazão a histórias mais genéricas ou clássicas, como já vem sendo feito em Patrulha do Destino. Há potencial para algo grandioso, mas a sensação primária é de que será algo mais genérico, com potencial para melhorar tal qual ocorreu com Preacher. É esperar para ver.

    https://www.youtube.com/watch?v=n9AkPtOxaws

  • Resenha | Um Pequeno Assassinato

    Resenha | Um Pequeno Assassinato

    Alan Moore é o Deus adulto das HQ’s. Pra muita gente essa é única verdade a se seguir desde que Watchmen saiu dos seus dedos e das unhas sujas de Dave Gibbons pra mudar o jogo na nona-arte, mostrando que quadrinhos também podem ser coisa pra poucos adultos, já que a maioria não estava preparada para uma dose letárgica de Moore. Aquelas que libertam nossa cabeça, e nos mergulham num nível sensorial abissal de experiências com a mídia que o escritor devotou sua vida inteira, elevando os patamares do seu campo de batalha, antes de poder voar com as suas próprias asas, e com Um Pequeno Assassinato ele finalmente consegue essa pretensão, ou melhor, essa necessidade, numa excelente parceria essencial com o também veterano desenhista Oscar Zárate.

    Temos aqui uma obra repleta de camadas que merecem ser descobertas e redescobertas ao longo de surpreendentes releituras. Quando Moore enfim se livrou dos super-heróis que lhes deram um prestígio nunca antes almejado por um escritor de quadrinhos, ele metaforizou, através da figura de Timothy Hole (um publicitário atormentado por seu passado relutante) o seu cansaço e sua própria repulsa por todo o mercado editorial norte-americano comandado pelas velhas DC e Marvel Comics. Assim, o mago britânico escolheu esta história e seu desenhista colaborador para poder respirar, ser um artista livre, fiel a si mesmo, tornando visível a partir de situações e imagens psicodélicas, e múltiplas associações entre realidade e ficção, um passado que o caça, e que ele (Timothy Hole) renega até o fim. Bem antes da sua conclusão, porém, a proposta de se produzir uma obra literária inquietante e maliciosa é nítida desde o início, como, é claro, não poderia deixar de ser.

    Ilustrando as andanças do recluso e misterioso Timothy, percebemos passo por passo que seu tormento não mora em encontrar soluções criativas para divulgar um produto em determinado local (rotina de todo publicitário), mas em ser perseguido pela figura “inconveniente” de um menino que, real ou não, é vivo e significativo demais para ser ignorado. Um Pequeno Assassinato não é icônico, ninguém fará spin-offs hollywoodianos sobre ele, mas é uma ode a todo homem comum cujo passado complicado e conflituoso merece ser visto pelo viés do extraordinário, e do encantamento que o cotidiano mata e não nos deixa observar, olhando pra trás. Juntando suas palavras com os traços e as ideias inconfundíveis de Zárate, tal encantamento torna-se irresistível ao traduzir em imagens repletas de cores e formas e enquadramentos impressionantes a pressão psicológica e emocional que o próprio Moore sentiu, tentando desvincular-se de uma indústria que queria comprar sua alma.

    Leitores não devem ser subestimados, receptor nenhum, a bem da verdade, uma vez que podemos sentir quando um artista atua para expurgar seus demônios através do que faz, e aqui não é diferente, com doses cavalares de uma inteligência e elegância a toda prova. A versão brasileira desta graphic novel, termo para quadrinhos encadernados que Alan Moore e seus desenhistas colaboradores tornaram mundialmente populares após tantas empreitadas históricas nos anos 80 e 90, não poderia ser de fato superior. A editora Pipoca e Nanquim realiza aqui um admirável trabalho de revitalização qualitativa da obra original, evidenciando os méritos e prestígios artísticos do livro num tratamento impecável, página por página, contando com a tradução eloquente de Marília Toledo em pequenos grandes momentos que refletem, com perfeição, a força dramática que a dupla empregou, no seu idioma autêntico. Nada mais respeitoso a uma das melhores crias (sem exageros) de um gênio literário dos nossos tempos.

    Compre: Um Pequeno Assassinato.

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  • Resenha |  A Vida Secreta de Londres

    Resenha | A Vida Secreta de Londres

    Em paralelo ao reconhecimento mundial, destacado pela tradição histórica, bem como em icônicas imagens como o relógio Big Ben e diversos outros monumentos, a cidade de Londres também possui uma faceta comum em que o simples e o prosaico se apresentam diariamente. Além do sucesso dos espaços turísticos e das aparições da Rainha, a capital da Inglaterra também possui suas entranhas, os vícios e a sujeira que complementam o esplendor. É essa observação natural sobre a cidade o tema central de A Vida Secreta de Londres lançado pela Editora Veneta.

    Organizado por Oscar Zarate, quadrinista argentino que reside na cidade há mais de 40 anos, a obra reúne grandes artistas contemporâneos explorando as particularidades de Londres em uma espécie de guia alternativo da cidade. Ao todo, 24 artistas – entre eles Alan Moore, Neil Gaiman, Dave McKean, Woodrow Phoenix e Iain Sinclair – produzem narrativas sobre bairros londrinos em uma compilação que reúne diversas formas artísticas como quadrinhos, poema e prosa.

    Mesmo compartilhando um tema em comum, é perceptível a diversidade narrativa. Além da composição exposta em diferentes formas artísticas, as abordagens narrativas se alinham com uma grande cidade, formada por seres distintos, cada um percebendo e observando o local que o cerca de maneira singular. Como a análise parte de moradores da cidade, a visão é mais crua e caótica do que se vê pelos batidos cartões-postais.

    Tramas policiais se destacam abordando uma cidade sem filtro em que o desenvolvimento aquebranta parte da alma de seus moradores. A beleza da cidade é vista a partir de seus estilhaços, da dor e do sangue de suas ruas. Em certas narrativas, a sanidade é definida pela própria arte. Em outras, a crueldade parece uma tônica constante do caos. Dentre os nomes mais graúdos da coletânea, Gaiman apresenta uma história que introduziria dois personagens do livro Coisas Frágeis. Moore demonstra talento em frontes diversas colaborando em HQ, prosa e poesia. Mesmo que tais nomes consagrem a edição e chamem o público, é interessante descobrir novos autores como Alexei Sayle, Chris Webster, Carl Flint e Carol Swain, autores das melhores histórias de acordo com a preferência desse crítico.

    A edição da Veneta segue o tamanho padrão de graphic-novels lançadas no mercado, ou seja, em um formato um pouco maior que os encadernados em formato americano. O escritor Rogério de Campos assina um excelente prefácio sobre a urbanização como forma de expressão artística, bem como a edição apresenta notas explicativas sobre algumas histórias, apontando locais e referências.

    A Vida Secreta de Londres desenvolve um mapeamento alternativo de Londres, sem nenhum filtro que esconda o sangue de suas entranhas. Talvez melhor do que a leitura seja se aventurar pelos locais descritos nas narrativas, reconhecendo cada espaço disforme que, mesmo oculto das fotos famosas, compõe uma das cidades mais famosas do mundo.

    Compre: A Vida Secreta de Londres.

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  • Resenha | Promethea: Edição Definitiva – Volume 1

    Resenha | Promethea: Edição Definitiva – Volume 1

    promethea-vol1Todas as resenhas que li sobre um quadrinho do Alan Moore tinham uma irritante mania de dizer sobre o autor e suas mais variadas obras e como ele mudou o mundo dos quadrinhos. Sinceramente, se alguém se interessou por ler uma resenha sobre um quadrinho chamado Promethea é que já tem a noção de quem é Moore e o que ele produziu, enfim, vamos parar de puxar o saco dele.

    Porém, não estamos aqui para ficarmos no lugar comum e falar do óbvio, mas sim de um gibi que justamente foge disso, e nos proporciona uma leitura sensacional e também complexa em determinados momentos. Promethea se trata de um quadrinho sobre as aventuras e descobertas de uma heroína que tem por principal característica a possibilidade de se manifestar de tempos em tempos e de diferentes maneiras, cada qual com a sua própria personalidade e peculiaridades próprias.

    Aliás, este se trata do primeiro ponto a ser tratado aqui, os poderes e a manifestação do personagem são muito interessantes. Imagine como uma lenda que é revisitada de tempos em tempos, como que redescoberta pelas pessoas, ou melhor, pense como nos quadrinhos de heróis e como eles se manifestam de acordo com aqueles que o estão interpretando. O Batman do Frank Miller é bastante diferente daquele apresentado pelo Neal Adams, ou mesmo do próprio Alan Moore, que já deu a sua contribuição para o personagem. Cada qual trabalha sobre uma essência comum, mas contribuindo com especificidades. E de acordo com a força crença da pessoa na lenda de Promethea, ela pode se tornar a própria encarnação da mesma. Porém, a partir de algum tipo de arte, poetas, desenhistas, estudiosos, enfim, todos estes artistas que contribuem para a construção da lenda e da sua personificação, podem vir a sê-la. Como um tipo de escolhido. Essa origem incomum já se trata de algo especial e muito interessante para a HQ, que busca trabalhar esse conceito e mostrar a adaptação do “novo hospedeiro” para a heroína, além de nos apresentar as outras Prometheas do passado.

    Mas não pensem que a HQ para por aqui, apenas na exploração de um interessante conceito, mas tem na diversificação de temas e abordagens outro ponto forte. Como, por exemplo, a mostra de outras culturas, apresentação de assuntos ligados ao ocultismo e até mesmo personagens ligados a magia (sim, o barbudinho não podia perder a oportunidade). É impressionante como o quadrinho trata a questão da simbologia e o significado de vários elementos místicos em toda a sua trajetória. Inclusive, aqui se deve destacar a primorosa arte de J.H. Williams III e também do colorista Mick Gray, que estão em estado de graça. Fundamental entender a sintonia com que os três trabalharam para proporcionar um produto final exemplar. O quadrinho perderia muito com uma arte menos requintada.

    Além disso, também se deve destacar outras questões bastante relevantes como o papel que as mulheres desempenham em toda a história. Em tempos de discussão sobre o feminismo e o papel da mulher na sociedade, Promethea nos apresenta uma série de mulheres de personalidade forte que são as protagonistas da trama. Não espere donzelas em perigo, pois não há esse tipo de situação aqui. Aliás, esse é um dos pontos fortes, uma vez que o tema e a presença feminina são feitas de forma natural, em outras palavras, não são mulheres artificiais, mas mulheres comuns que se tornam Promethea.

    Há que se levar em consideração também como Alan Moore estabelece uma crítica e faz uma viagem pela própria História dos quadrinhos neste primeiro volume, pois uma parte da narrativa é conduzida para a Era de Ouro, tanto em termos literais quanto figurativos, e a outra demonstra uma violência e atitude mais década de 1990, lembrando a Image daquele momento. E a pegada e ritmo da narrativa ficam parecidas com cada uma dessas temporalidades que ele aborda, o que faz com que fique muito curiosa e variada a forma de se perceber a construção e velocidade com que as coisas se desenvolvem na trama.

    E também é bastante interessante como Alan Moore quebra a quarta parede (confesso não gostar dessa expressão, mas na falta de algo melhor fica essa mesmo) e estabelece uma ligação com o leitor, pois ele faz isso de forma sutil e quase imperceptível, o que é bastante louvável. Em tempos que pessoas elogiam Deadpool por supostamente fazer isso, digo supostamente, pois é tão grosso, ruim e descarado que perde o sentido de diálogo e aparenta ser mais um monologo, seria fundamental que leitores conhecessem essa abordagem de forma mais elegante e decente. Trata-se de mais um ponto extremamente positivo.

    Enfim, confesso que há muito não era surpreendido por uma HQ que merece várias releituras e que apresenta uma enormidade de temas e possíveis abordagens, a leitura e aquisição é mais do que recomendada. E ansioso pelo segundo volume.

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    Compre: Promethea – Volume 1

    Texto de autoria de Douglas Biagio Puglia.

  • Crítica | Batman: A Piada Mortal

    Crítica | Batman: A Piada Mortal

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    A Piada Mortal é considerada uma das maiores histórias em quadrinhos já escritas com o Batman, e desde seu lançamento é envolta em polêmicas. Escrita por Alan Moore e ilustrada por Brian Bolland, a trama conta a origem mais aceita do Coringa até hoje (mesmo após tantos reboots e retcons) e marca o início de uma fase traumática para Barbara Gordon, a Batgirl. Inicialmente, teria sido apenas um especial ao estilo Elseworld (túnel do Tempo, no Brasil), mas por trazer questões tão cruciais à vida dos personagens, seus elementos mais importantes acabaram sendo inclusos no cânone das hqs do Homem-Morcego.

    Embora Alan Moore sempre tenha se mostrado avesso às adaptações de suas obras para outras mídias, a DC parece não se importar com isso nem um pouco e lançou A Piada Mortal como um filme animado. Muito barulho foi feito, principalmente porque o roteiro ficou a cargo de Brian Azzarello, que inseriu uma história da Batgirl no início do filme na qual ela tem um relacionamento com Batman. A justificativa seria levar um pouco mais de polêmica à obra. Desnecessária, por sinal.

    O filme começa mostrando ao público um pouco da vida de Barbara, e o quanto sua guerra ao crime em Gotham City se dá sempre à sombra do Batman. A justificativa de transformá-la em uma personagem mais forte perde-se no roteiro, já que em todas suas incursões no submundo do crime, Batgirl acaba dependendo muito do seu mentor para resgatá-la. A raiva que ela sente dos modos arrogantes de Batman acaba se confundindo com desejo sexual, em uma cena sem química, que serve apenas como pretensa polêmica e desconforto – tanto para a personagem, que tem que lidar com isso depois, quanto para o público. Barbara, ao final desse arco, decide aposentar sua carreira de combatente do crime.

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    Pior cena de sexo de todos os tempos!

    Após essa introdução, inicia-se o arco referente à história em quadrinhos propriamente dita. E aí vemos pura e simplesmente o texto de Alan Moore adaptado pra animação. O filme segue a mesma estrutura narrativa, inclusive a mesma paleta de cores usada por Brian Bolland na edição de luxo remasterizada. O design dos personagens lembra bastante a série animada – principalmente a Batgirl – exceto o Batman, que está idêntico ao visual de Bolland, sem a elipse amarela envolvendo o símbolo do morcego em seu peito, e com orelhas no capuz que mais parecem chifres. A tempestade anunciada por Babs no fim de seu arco dá o clima da chegada de Batman ao Asilo Arkham, tal qual na hq. Há uma explicação pra visita do Cruzado Encapuzado ao hospício, mas totalmente descartável e não se retorna mais ao assunto. Batman descobre que o Coringa mais uma vez escapou, e inicia uma investigação.

    O Coringa é mostrado negociando a compra de um parque de diversões abandonado e temos os primeiros flashbacks de sua origem mostrados, enquanto na bat-caverna vemos várias encarnações do vilão nos arquivos do bat-computador. Assim como Bolland reverenciou diferentes fases do Príncipe Palhaço do Crime nesse quadro da história original, vemos alguns easter-eggs de diferentes versões do Coringa em filmes e desenhos, com destaque para uma homenagem bastante clara a Heat Ledger. Em mais alguns flashbacks conhecemos o passado do criminoso como comediante fracassado enfrentando uma crise conjugal e entrando no mundo do crime para, talvez, remediar sua vida desgraçada. E então chegamos ao ponto crucial do filme: o ataque covarde e violento ao Comissário Gordon e sua filha Barbara.

    O filme retrata esse momento de forma bastante crua, e o impacto da cena não deve em nada à hq. Ver Barbara se contorcendo e chorando no chão, sobre os estilhaços de vidro da mesa de centro sobre a qual caiu, enquanto seu pai é espancado por capangas, é realmente uma cena bastante forte.

    gordon - vortex cultural

    Gordon é levado para o parque, onde é despido, torturado e obrigado a um passeio pelo trem-fantasma que deveria levá-lo à loucura, pois cenas de sua filha baleada, nua e sangrando, são exibidas enquanto o Coringa faz um número musical. O objetivo do Coringa é provar que qualquer um pode enlouquecer se tiver “um dia ruim”. Batman, enquanto isso, segue procurando alguma pista que o leve até o paradeiro do comissário. Ao chegar ao parque, encontra Gordon em sua deplorável condição fragilizada, mas que pede a ele para que não cruze a linha e capture o Coringa “nos termos da Lei”. Há uma luta com o elenco do circo de horrores do Coringa e sua captura ao final. Exatamente como nos quadrinhos.

    O fim do filme mantém a dúvida da hq se Batman teria ou não matado o Coringa. Exatamente como nos quadros finais, vemos o Batman rindo de uma piada, enquanto se aproxima do Coringa, que tem sua risada interrompida enquanto a câmera se abaixa e o silêncio reina (não temos, como no gibi, as sirenes da polícia).

    A impressão que se tem é que o prólogo é arrastado demais, e a animação inconsistente – principalmente na cena de perseguição, na qual os carros modelados em 3D destoam do restante. É possível assistir ao filme pulando a primeira meia hora sem que nada no entendimento da trama principal seja prejudicado. As cenas do cotidiano de Barbara na biblioteca apresentam um “amigo gay” que nada mais é do que um estereótipo, cujo único objetivo é se fazer perguntar sobre a vida sexual da ruiva. Aliás, vida sexual que se resume a uma “rapidinha” no telhado, que serviria a princípio para criar um vínculo maior entre os personagens, mas que se perde ao não ser revisitada no desenrolar da trama principal. Mais uma vez, vemos o sofrimento de uma personagem feminina servindo de catapulta para uma história focada no protagonista homem. Gail Simone, roteirista de uma das melhores fases da Bárbara Gordon em Aves de Rapina, vem falando sobre isso há muito tempo em seu website Women in Refrigerator, e Azzarello parece não se importar nem um pouco com isso.

    O filme tem alguns pontos muito positivos, como o excelente trabalho de Mark Hamill como Coringa. Cada frase é executada magistralmente e nem mesmo durante o número musical ele faz feio! Kevin Conroy nos entrega seu sempre excelente Batman, e a trilha sonora, mesmo nos momentos de silêncio, cria a atmosfera sombria necessária. Mas não chega a ser uma obra-prima, talvez por manter-se fiel demais à graphic novel, talvez por ousar em criar coisas novas em momentos errados. Não chega a ser uma bomba, mas também não tem o charme e elegância de Batman Contra o Capuz Vermelho, essa sim uma excelente adaptação de um arco de histórias do Morcegão!

    *Agradecimentos especiais à leitora Monique Carniello pela consultoria

    Compre: A Piada Mortal ( Dvd | Hq

  • Batman vs Superman é um verdadeiro “épico” das referências

    Batman vs Superman é um verdadeiro “épico” das referências

    Como todos sabem, a Marvel estabeleceu no cinema uma característica peculiar para suas produções: as cenas pós-créditos. Elas revelam curiosidades dos filmes e também indicam eventos futuros.

    Semelhantemente, a Warner também está estabelecendo uma característica própria para os filmes do universo DC, e isso está sendo feito através dos easter eggs. Nunca se viu em um filme de super-herói tamanha avalanche desse recurso como vimos em Batman v Superman, consagrando-o definitivamente como um “épico das referências” em filmes do gênero.

    O termo easter eggs significa “ovo de Páscoa” em inglês, e refere-se a qualquer coisa oculta que possa ser encontrada em músicas, jogos de vídeo-game, séries e filmes. Eles trazem alguma curiosidade sobre a produção em que aparecem, podem fazer referências a outros filmes e também apontar eventos futuros.

    Entender essas referências é  uma “arte” dominada por poucos. Por causa disso, eu assisti Batman vs Superman: A Origem da Justiça sete vezes,  e utilizando minha “visão de raio-x” (coisa que o Superman de Zack Snyder não é habituado a fazer), descobri alguns novos easter eggs e gostaria de compartilhá-lhos com vocês.

    Chega de papo e vamos às referências!

    WATCHMEN

    As referências à obra prima de Moore estão presentes no começo, meio e fim de Batman vs Superman.

    No inicio do filme há um outdoor pichado com a seguinte mensagem “o fim está próximo”. Essa mensagem escatológica, oriunda da bíblia sagrada (da Epístola de São Pedro, capítulo 4, versículo 7), é base da pregação feita por Walter Kovacs (Rorschach) que, em Watchmen, atuava como um “profeta do apocalipse”. Isso era devido ao clima de medo que pairava na população devido a iminência de uma guerra nuclear entre EUA e URSS.

    Semelhantemente, esse medo também estava presente em uma parcela da população no contexto social do filme Batman vs Superman, também vislumbrava um futuro apocalíptico para a raça humana por conta da presença na Terra de um alienígena dotado de um poder de destruição em   massa, como foi testemunhado por eles nos eventos mostrando de O Homem de Aço.

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    Na metade do longa, na cena que Batman carrega Superman no ombro, quando ele está inconsciente, percebe-se uma mensagem pichada em uma coluna, em latim, que diz: “Quis custodiet ipsos custodes?“. Essa frase é do poeta Juvenal – satírico de Roma do século I e II – e significa “Quem vigia os vigilantes?”, sendo adaptada por Alan Moore como premissa máxima de Watchmen, onde foi questionada pelas autoridades dos EUA, a falta de controle e supervisão da atividade de vigilantismo na sociedade, pois os heróis agiam acima da lei e do bem e do mal, o que resultou na sanção de uma Lei Federal – Lei Keene – determinando que todos os “heróis fantasiados” fossem registrados pelo Governo. Muitos se aposentaram, outros continuaram suas atividades sob a supervisão do Estado, e alguns não se submeteram a essa situação e recusavam tal registro – como era o caso de Rorschach, atuava na clandestinidade. Esse panorama é uma menção a situação de Batman e Superman que, assim como os vigilantes de Watchmen, atuam acima da lei, sem controle ou supervisão do Estado, através de uma “jurisdição” própria, sem se submeterem as leis locais e as autoridades constituídas, o que gera medo e  insegurança em uma parte da população, que vê os heróis como uma ameaça, assim como ocorreu na clássica obra de Moore.

    Screen Shot 07-07-16 at 10.17 PMPor fim, no final no filme, é possível observar no Planeta Diário, um quadro com a capa de edição antiga do jornal com a morte de John F. Kennedy em destaque. É uma alusão ao Comediante, pois, em Watchmen, foi ele quem matou  o Presidente dos Estados Unidos.

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    Ah, Essa eu notei de imediato na estreia do filme no cinema!

    Há uma clarividente referência ao filme 300 – baseado na HQ homônima de Frank Miller – no novo trabalho de Snyder. Falando precisamente, ele estabeleceu um paralelo no roteiro de ambos os filmes. Por isso podemos observar que tanto em 300 quanto em  Batman vs Superman, há:

    – uma lança;
    – um rosto ferido;
    – um “deus” que sangra.

    O objetivo e a motivação de Bruce era a mesma de Leônidas: provar que o inimigo que enfrentava não era uma “divindade” de fato, mas um “falso deus”, que  não era invencível, possuía fraquezas, podendo inclusive ser ferido, sangrar; de fato, nesse quesito, cada qual cumpriu sua missão de maneira muito semelhante.

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    A PRIMEIRA APARIÇÃO DE LEX LUTHOR NOS QUADRINHOS

    Na prisão o guarda chama Lex Luthor de “prisioneiro A-C- 23-19-40”.

    Essa foi uma referência a primeira aparição do maior vilão do Superman, nos quadrinhos, que ocorreu na revista “A-C 23 – 19-40” (Action Comics n° 23, de abril de 1940). Luthor foi criado por Jerry Siegel e Joe Shuster, já com o propósito de ser o principal inimigo do Homem de Aço.

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    No início ele era retratado com um cientista brilhante e ambicioso – como caracterizado em Batman vs Superman, mas como vários personagens dos quadrinhos, ele sofreu transformações e chegou até mesmo a ser representado, numa série de TV, como um homem relativamente bom e atormentado. Ele só assumiu o perfil “magnata imobiliário” após Crise nas Infinitas Terras, pelas mãos do grande mestre, John Byrne.  Em 2006, na edição de número 177, a  respeitada revista Wizard, organizou ranking dos 100 maiores Vilões das Histórias em Quadrinhos de Todos os Tempos, e Luthor ocupou a 8° posição;  no mesmo ranking elaborado pelo site IGN, ele ficou em 4° lugar.

    INDÚSTRIA ACE – O “BERÇO” DO CORINGA

    A indústria ACE Chemicals é o lugar onde o Capuz Vermelho caiu num tanque de produtos químicos e “nasceu” o Coringa. Isso pode ser visto na Piada Mortal de Moore, onde é contada a origem do vilão.

    Aparentemente, esse também deve ser o lugar onde “nascerá” a Arlequina, pois no filme do Esquadrão Suicida, também foi vista a logo da mesma industria, durante as filmagens do longa no Canadá.

    Pelo visto o Palhaço do Crime será o “criador” da Arlequina – a versão feminina dele mesmo – no filme do Esquadrão Suicida e a fará “nascer” da mesma forma que ele mesmo “nasceu”, que como já vimos no trailer. Ele a jogará num tanque de produtos químicos (provavelmente as mesmas substâncias com as que ele fora banhado) o que  muda, inclusive, a cor de sua pele, seus cabelos, deixando a Harley Quinn bastante semelhante ao Coringa. Esse processo de transformação é uma inversão do simbolismo do batismo cristão, no qual a imersão – o  ato de entrar nas  águas – simboliza a morte da “velha criatura”, com a sua natureza humana pecaminosa, e a emersão –  o ato de sair das águas – simboliza o nascimento de uma “nova criatura”, com uma vida santificada. No caso do Coringa e da Arlequina há um significado contrário: quando entraram nas ”águas” do ”tanque batismal” da ACE Chemicals, ali morreu tudo o que neles havia de ”humano”, e ao sair das ”águas”, renasceram com uma natureza “inumana”, maligna…

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     A CRUCIFICAÇÃO DE JESUS CRISTO 

    Religião foi um tema abundante no filme Batman v Superman. Há paralelos com o   messias Jesus Cristo, na origem e formação do mito Superman; não seria diferente na sua morte, pois foi claramente inspirada na morte de Cristo descrita nos Evangelhos. Podemos observar que a cena em que o corpo do Superman é descido cuidadosamente pelo Batman e a Mulher-Maravilha de um “monte”, é baseada na descrição da bíblia, quando Jesus é retirado da cruz. O ambiente na cena do filme é recriado de maneira a  assemelhar-se ao Calvário, local da crucificação de Cristo. Podemos observar figuras bíblicas aludidas na cena: Lois representa Maria, com o filho morto em seus braços; Diana representa Maria Madalena e Batman, o apóstolo João. Há, Inclusive,  a presença de duas cruzes no ambiente, fazendo alusão aos dois ladrões que morreram crucificados ao lado de Jesus. A cena, criada numa atmosfera de arte barroca, foi montada,  para enfatizar o aspecto messiânico e salvador do Superman, que a exemplo de Jesus, dá a sua vida em sacrifício para salvar a humanidade. O que corrobora ainda mais esse aspecto religioso do filme e paralelo da Morte do Superman com a Paixão de Cristo,  foi o fato do filme ter estreado nos cinemas em fim de semana de Páscoa.

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    DIRETOR DAS ANIMAÇÕES DA DC COMICS

    Após a  discussão entre Clark e Lois, no Planeta Diário, acerca da viagem investigava que ela faria, Lois vai embora; nesse ínterim é possível notar o nome “Jay Oliva” como um dos funcionários do jornal. O easter egg, ao meu ver, é muito significativo. Para quem não o conhece, Oliva é responsável pela direção de diversas animações da DC, entre elas Ponto de Ignição, na qual, por causa de um evento promovido pelo Flash, toda realidade DC é alterada. Quando participou do Hall of Justice Podcasts, Oliva afirmou sobre Batman vs Superman, que  o sonho de Bruce acerca do futuro apocalíptico, que findou com uma mensagem trazida pelo Flash,  não era apenas um sonho. Segundo o diretor: “Na DC, quando você volta no tempo, você cria um tipo de expansão temporal, onde muitas coisas mudam. Deixe-me dizer isso. Mais uma vez. Eu não sei qual o pensamento de Snyder, mas esse é o meu: e se isso não for uma sequência de sonho? E se isso for uma expansão temporal, uma memória latente do futuro de onde o Flash voltou? Se você observar a cena, ele [Bruce] não dorme. Ele espera pelos arquivos da Lexcorp, e de repente a cena acontece, e ele vê sua própria morte. E o que ele viu? Ele viu o Flash. E se você é um fã da DC, sabe o que está acontecendo. Você sabe que Flash está voltando no tempo, que   estas memórias estão voltando para ele.”

    Ou seja,  Jay Oliva está convencido de que a viagem no tempo promovida pelo Flash – para de alertar Bruce – resultaria em uma “expansão temporal”. Seria uma referencia a Injustice? veremos realmente no cinema o  ” Superman ditador”?

    Este mistério somente o tempo desvendará.

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    Batman vs Superman é um filme que possui um roteiro extremamente rico e, por isso tem gerado grandes debates entre os fãs, que são os verdadeiros especialistas no assunto. Não vejo nenhum outro filme que seja capaz de superá-lo nesse quesito, seja da Marvel ou da própria Warner/DC.

    Vou parar por aqui porque se eu citar todas as outras, poderei causar uma “overdose” de referências no leitor. E você, notou alguma referência no filme? Comente e compartilhe conosco. Achá-las é um exercício mental delicioso para os fãs do universo DC.

    Texto de autoria de Jamy Milano.

  • Resenha | The Spirit: As Novas Aventuras

    Resenha | The Spirit: As Novas Aventuras

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    Criado por Will Eisner, o pai das graphic novelsThe Spirit surgiu na década de 1940 como produto do novo filão em voga, as revistas de histórias em quadrinhos, que desde o final da década anterior, com a criação de Superman e Batman, passavam a ganhar status com personagens heroicos, munidos de honra e bravura para enfrentarem inimigos. Inovador para a época, mesmo não possuindo poderes extra-terrenos ou armas poderosas como os heróis da então Action Comics e Detective Comics, The Spirit logo alcançou seu próprio público nos jornais como um inconfundível combatente do crime.

    Publicada inicialmente nas edições de domingo, a trama apresenta o criminólogo Denny Colt – nome verdadeiro do herói mascarado -, que descobre os planos de um inimigo em uma investigação e é assassinado no local. Mas, com o desenrolar da narrativa, descobre-se que o agente da lei estava em animação suspensa, e em segredo passa a usar um codinome e a combater o crime que aterroriza a cidade fictícia de Central City, vivendo escondido no subsolo do cemitério onde fora enterrado.

    Tomadas por uma atmosfera noir, as histórias de Spirit revolucionaram o estilo e a linguagem dos quadrinhos. Influenciado pelos filmes da década de 1940, Eisner dava preferência para o preto e branco, aliados a ângulos e quadros incomuns para os desenhos da época. O contraste em duas cores destaca um ambiente propício manipulado por criminosos malucos e mulheres fatais, combatido por um sujeito inteligente, trapalhão, corajoso e hábil em artes marciais. Como um Cary Grant armado com os próprios punhos para rechaçar os criminosos da cidade grande.

    Durante a Segunda Guerra Mundial, e a consequente convocação de Eisner pelo exército americano, o personagem foi deixado a cargo de outros artistas, mas já sem a identidade com a qual ficou conhecido. No retorno aos desenhos após o conflito bélico, o artista passou quase 10 anos se dedicando à sua criação e a consolidando, mas após essa época voltou-se à produção de material governamental e ilustrações, e não mais aos quadrinhos, aposentando o universo de Denny Colt. Muitas foram as tentativas de republicar a obra, entre elas um curto fôlego no final da década de 1960 com relançamentos de antigas histórias, agora em formato de revista, e a publicação de uma trama escrita novamente pelo próprio Eisner. A partir das três décadas seguintes, o herói passou por diversas editoras, como Kitchen Sink Press e DC Comics, sendo esta posteriormente, em 2007, retomado o personagem no volume único Batman & The Spirit, que o introduzia no universo DC através do roteiro de Jeph Loeb e arte de J. Bone e Darwyn Cooke, e logo após com uma revista própria guiada pela dupla Cooke/Bone.

    Assim como O Sombra – Vol. 1: O Fogo da Criação, outros personagens acabam voltando como revival, e com o detetive mascarado não foi diferente. The Spirit – As Novas Aventuras é o primeiro de dois volumes compilando histórias de uma curta série publicada em 1998 que buscava, ao mesmo tempo, homenagear o herói e renová-lo para os dias atuais a fim de conquistar um novo público. Lançada em 2010 em edição capa dura pela Devir Livraria, a obra é dividida em quatro partes, com capas produzidas pelo próprio Eisner ilustrando o início de cada história. Com artistas e roteiristas consagrados, a edição possui 11 tramas que mostram desde o surgimento do Spirit, até o embate com seus maiores inimigos, como Cobra, Sand Saref e Octopus.

    São histórias curtas a médias que retratam o modo com que Spirit atua como vigilante em Central City com apoio do Comissário Dolan, o único que conhece sua verdadeira identidade, e de seu interesse amoroso, Ellen Dolan. Apesar de contar com os personagens coadjuvantes, a maioria das histórias coloca Spirit como o centro da ação, mas sem a ajuda de Ebony White, o estereotipado sidekick negro retirado da obra provavelmente devido às críticas que recebeu sob alegação de racismo. Nesta obra, Alan Moore retoma com Dave Gibbons a parceria interrompida desde o lançamento de Watchmen e divide quatro histórias com o artista. Destacam-se as duas primeiras: A Refeição Mais Importante, que reprisa a origem do personagem, e Força dos Braços, que faz um diálogo metalinguístico com o Spirit do passado, além de Ontem à Noite Eu Sonhei com o Doutor Cobra, uma história hermética que mostra o herói em um futuro apocalíptico lidando com os monstros do passado – e novamente autor e criatura dialogando com as memórias extratexto. Ressalta-se também O Retorno de Estola de Vison, escrita por Neil Gaiman e ilustrada por Eddie Campbell. Na trama, um roteirista se hospeda em um hotel, presencia o mascarado em uma missão à procura de uma criminosa femme fatale, e se espanta com a realidade, tão inacreditável quanto uma cena escrita para o cinema.

    A homenagem se estende a cada balão de diálogo e em cada traço da edição, supervisionada pelo próprio Eister, que deu à época toda a liberdade para os artistas recriarem o personagem ao seu modo. Todas desenhadas em cores, as tramas diferem das de Eisner por terem cada uma um olhar gráfico próprio do artista e roteirista responsável e, portanto, sem a visão cinematográfica – e única – dos traços de seu criador. Porém, todos os desenhos evocam a dualidade dos traços realísticos, e ao mesmo tempo atrapalhados, que fizeram de The Spirit uma obra ímpar na história dos quadrinhos.

    Como homenagem, The Spirit – As Novas Aventuras trouxe um novo alento para o personagem, que por tantos anos sofreu apenas relançamentos e reimpressões – no Brasil as histórias assinadas por Eisner necessitam de reedição. Com um time de peso, a obra consegue impor qualidade e nostalgia em uma bela edição, que deu a oportunidade para muitos fãs de quadrinhos conhecerem melhor este grande personagem.

    Texto de autoria de Karina Audi.

    The Spirit - Novas Aventuras - Devir

  • Watchmen e o Fim da Inocência

    Watchmen e o Fim da Inocência

    watchmen - smile

    Desde o mês passado, o Vortex Cultural iniciou uma parceria com o site LiteraturaPolicial.com com a produção de conteúdo inédito. Todos mês, Rogério Christofoletti e Ana Paula Laux sob o pseudônimo de Chris Lauxx participam do site e nosso crítico Thiago Augusto Corrêa ajuda-os em crimes de difícil solução.

    Neste mês de estreia, recebemos O Caso Dos Mais Vendidos, um artigo sobre o mercado editorial brasileiro voltado ao gênero policial e estreamos nossa coluna no LiteraturaPolicial.com com alta responsabilidade, analisando um dos clássicos dos quadrinhos: Watchmen de Alan Moore e Dave Gibbsons.

    Convidamos a todos os leitores a conhecer o site de nosso mais novo parceiro e ler nossa estréia: WATCHMEN: Fim da inocência para os detetives de quadrinhos. Afinal, quem vigia os vigilantes?

  • Agenda Cultural 58 | Whiplash, Birdman, Lionélson e Alan Moore

    Agenda Cultural 58 | Whiplash, Birdman, Lionélson e Alan Moore

    agenda58

    Bem vindos a bordoFlávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira, Carlos Brito e Wilker Medeiros (@willtage) se juntam para comentar sobre os principais filmes lançados em janeiro, além de alguns dos quadrinhos publicados nos últimos meses.

    Duração: 93 min.
    Edição: Wilker Medeiros
    Trilha Sonora: Wilker Medeiros
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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  • Resenha | Miracleman #1

    Resenha | Miracleman #1

    Miracleman 2

    Corrigindo um atraso no mercado editorial brasileiro – no início da edição, um relato feito pelo editor Fernando Lopes tem função de mea culpa –, finalmente é lançada a aventura de Alan Moore à frente do plágio voador Miracleman, de modo econômico, viável, bem distante dos patamares desejados por colecionadores. Um jeito interessante e bastante sábio de introduzir um personagem tão pouco conhecido no Brasil.

    A era nuclear, que inspirou Mick Anglo, e o arcaico conceito conservador de exibir uma família em ação em meio a um mundo heroico, seriam os ingredientes para tornar o alterego de Michal “Micky” Moran em uma boa figura de análise, a base perfeita para a piração que Alan Moore pensava, discutindo o mito do super-humano e elevando o conceito a patamares superlativos dos deuses e semideuses gregos. Chega a ser curioso que todo o arcabouço ideológico que o escritor produz seja baseado em uma figura que, a priori, é um plágio, criado somente para suprir a brecha legal que o Capitão Marvel deixou na Fawcett.

    Miracleman 5

    O prólogo exibe uma das escapistas histórias de Anglo, mostrando o jovem Johnny Bates tão inocente quanto o cunho moral da história, em que a simples menção a uma palavra, que remetia à nomenclatura do herói, era capaz de resolver qualquer situação inconveniente. A esdrúxula fórmula atômica pensada por Guntag Borghelm é capaz de transformar humanos simplórios em seres perfeitos, tanto fisicamente quanto espiritualmente, valorizando o conceito nietzscheano do Super-Homem, o qual inspiraria o bruxo, citando Zaratrusta ao fim da introdução. Ironicamente, o desfecho da história envolve o “abandono” do mentor, e figura valente, de seu pupilo, no caso Kid Miracleman, fato repaginado no primeiro plot.

    O serviço de contínuo, o mesmo que travava nos anos cinquenta, mostra a involução do personagem, que deixou há muito os tempos gloriosos, lembranças que atormentam a mente do sujeito de meia-idade na forma de pesadelos. Em 1982, a decadência física de Moran baila junto à paranoia atômica, ambos aspectos frutos da condição temerária da Guerra Fria, situações que tornavam os meros humanos reféns da inexorável condição de mortalidade anunciada.

    Levantando-se da apatia e depressão de sua contraparte, ressurge Miracleman, um homem sem limites, triunfante em postura, carne e ações. Até a figura matrimonial de Michael, Liz Sullivan Morgan, teria que sofrer mudanças. A postura da mulher encarando Miracleman começa com uma rejeição, mas se modifica ao analisar a bela figura que se exibe à sua frente. A ausência de atrito do humano ao exercer o tato é apenas a superfície de suas características, em uma fusão com o “Código Harmônico do Universo”. O diálogo que promete demonstrar uma interação entre um mortal e um ser quase divino na verdade revela um comentário metalinguístico que assume toda a frivolidade das histórias iniciais, na qual um poder magnânimo é usado para prender maltrapilhos e cientistas que não apresentam perigo real ante o cenário mundial.

    Após a historieta Sonho de Voar, há uma bela exibição de desenhos de esboço de Gary Leach, desde os experimentais arquétipos e pin-ups até figuras rejeitadas pela editora e revista Warrior. Capas variadas são mostradas, destacando a Warrior 2, onde Miracleman volta a ser destaque, fato que não ocorria desde 1963.

    Miracleman 6

    No espaço interno, foram publicados textos explicativos, que diferenciam a origem mística do Capitão Marvel com a científica gênese de Marvelman, e a distinção básica presente nas palavras de poder, do Shazam ao Kimota. O mergulho na intimidade se agrava com um entrevista que Joe Quesada, então editor da Marvel Comics, fez com o criador do herói, Mick Anglo, em 2010, contendo algumas peculiaridades de bastidores. O já idoso quadrinista fala a respeito de seu serviço no exército britânico durante a Segunda Guerra Mundial, e do pouco engajamento na época, modificado com o tempo, em que se destaca o conservadorismo do artista até sua morte, em 2011. As influências do hobby, que era o interesse de Anglo pela Primeira Guerra Mundial e a figura dos nazistas, teriam reflexos claros em sua arte com o passar do tempo.

    Antes do fechamento da edição, há a primeira história que o herói estrelou, em preto e branco, em uma intensa luta contra a Bomba Atômica. O traço do autor é cartunesco, e a história contém semelhanças curiosas com os antagonistas, os boromanianos, semelhantes aos primeiros vilões exploradores do proletariado vistos nas histórias de Siegel e Shuster do Superman, motivo que teria sido o catalisador da cassação de direitos do Capitão Marvel, anteriormente. Nos tempos simples das primeiras histórias, a simples menção a Era dos Milagres foi o suficiente para resolver quaisquer problemas, como é visto em Marvelman e o Radiosótopo Roubado, servindo especialmente para exibir os poderes e o ethos do paladino. Já em Marvelman e os Reflexos Roubados, terceiro e último enredo da revista, mostra-se um ingênuo embate entre o poderoso homem e uma cópia fajuta de si, pensada por uma figura genial e semelhante a Garzunga, seu arqui-inimigo.

    A revista lançada pela Panini não possui capa dura ou maiores luxos, o que justifica seu baixo preço. De negativo, há as poucas histórias do “Escritor Original” por publicação, o que faz a espera pelo periódico ser ainda maior, piorada pelo fácil acesso a scans traduzidos pela internet. A saga denominada Um Sonho de Voar ainda teria uma boa quantidade de questões filosóficas e ideológicas, cujo escopo é muito mais maduro que os espécimes originais.

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  • Resenha | Neonomicon

    Resenha | Neonomicon

    Neomicon - Alan MooreExplorando um filão em que Alan Moore (seu principal autor) é um verdadeiro especialista, Neonomicon traz uma história baseada em temas mágicos, mas sem a pasteurização comum dos produtos infanto-juvenis que invadiram as prateleiras das livrarias nos últimos dez anos. Uma série de assassinatos estranhos toma a atenção do FBI no decorrer das investigações, apresentando-se uma esquisitíssima série de coincidências.

    O lápis de Jacen Burrows é de uma fluidez pouco vista nos trabalhos com roteiros de Alan Moore. Seu traço é limpo e moderno, fazendo uma contraposição com o soturno e bizarro presentes na trama, uma dicotomia semelhante ao que o desenho clássico de Dave Gibbons fez com a desconstrução heroica em Watchmen, ainda que Burrows consiga passar mais do que a premissa semelhante de discussão, uma vez que seu trabalho é esmerado o suficiente para ser mencionado até a despeito do expediente de Moore.

    A dupla de detetives é formada por dois arquétipos muito diferentes, com um homem, negro, de meia-idade – Gordon Lamper – e uma mulher, branca, loira, – Merril Brears – num estereótipo muitíssimo ligado ao ideal de beleza. Em comum há o ceticismo inerente aos profissionais detetivescos, assinalado de modo a maximizar o sentimento, uma vez que eles se destacam da mediocridade da polícia local, ao menos aparentemente. Ao se designarem pelo primeiro nome de cada um, uma intimidade entre o par é demonstrada, porém com certa distância, cuidadosamente escolhida pelas partes.

    Curiosamente, eles se tratam de modo jocoso, usando palavras torpes para se referir ao parceiro sem qualquer cerimônia, o que denota que eles estão há um bom tempo juntos. Não há espaço para explicações. Talvez pelo fato da publicação se basear em um texto de prosa do mago britânico, a trama é conduzida como uma das mais sutis de sua carreira, especialmente quando se mergulha no background dos homens abordados. Os dois são encarregados de falar com um preso, visto que alguém parece estar copiando o seu método de matar. O nome do interrogado é Agente Sax, um encarcerado que usa uma pseudo-linguagem, apesar de aparentemente ter sido instruído em inglês. Além disso, o personagem carrega um signo visual inconfundível, que é uma suástica na testa. Mas eles não logram êxito, só conseguem informações em períodos espaçados e muito tempo depois da entrevista.

    É possível notar algumas referências bastante evidentes, e até óbvias, à obra máxima de Robert Chambers, O Rei de Amarelo, e um pouco da de Ambrose Pierce, porém com uma roupagem moderna. As investigações se elevam, mostrando a possibilidade de um culto de raízes ocultistas e uma série de assassinatos bizarros e sanguinolentos. A variação da arte garante um fôlego de comoção, tanto pelas vítimas quanto pelo mistério em si, instigando a curiosidade do leitor.

    Os crimes hediondos são ligados quase que obrigatoriamente a desvios morais de comportamento, especialmente os relacionados à sexualidade. A primeira vítima é uma mulher de alta idade, de compleição física “prejudicada” ao extremo, que possui uma cômoda com ao menos dois jogos de gavetas repletas de consolos e outros brinquedos sexuais. No decorrer da trama, o casal de policiais, disfarçados de fãs de literatura lovecraftiana, se embrenha em uma caçada e chega até o dono de uma loja de artigos culturais, e se alinha a ele, mergulhando em sua intimidade parental e se surpreendendo com tudo aquilo.

    A nudez dos “outros” é mostrada como algo decadente, diferente, e muito, do padrão estético visto em revistas pornográficas, o que revela uma crítica em muitos níveis, tanto ao comércio do sexo e do corpo quanto ao desnecessário julgamento com base nas aparências, especialmente em relação ao sentimento de subestimar o homem, tratando-o como ofensivo, seja por presunção ou por sua aparência física.

    Os elementos que ocorrem, ao final, reúnem horrores inimagináveis, que esmagam os protagonistas daquela jornada e os reduzem a nada. As pouco mais de 50 páginas da obra são nauseantes e asquerosas se analisadas sob uma ótica normativa e comum. Além de conter um elemento sobrenatural indistinguível e indescritível, o roteiro é uma ode ao trabalho de Lovecraft, Pierce e Chambers, inclusive no que se refere à incomplacência com o leitor.

  • Resenha | Antes de Watchmen: Ozymandias

    Resenha | Antes de Watchmen: Ozymandias

    Antes de Watchmen - Ozzymandias

    A birra entre Len Wein e Alan Moore, que ocorre desde a época de Monstro do Pântano ganha novos capítulos na parte que cabia a Wein em Before Watchmen. A escolha não foi por acaso, pois este título era o que tinha maior potencial para polêmica e para espinafração e dor de cabeça ao escritor barbudo, claro, se ela ainda se importasse com os tais “guaxinins que mexem no seu lixo”. Este volume tem a arte do excelente Jae Lee.

    A história é uma recordatória, datada de pouco antes do infalível plano impingido pelo homem mais inteligente do mundo. Redundante e proativo, Wein resolve visitar a infância do personagem, que até havia sido citada por alto na obra de Moore, utilizando os detalhes da história original e acrescentando outras nuances, destacando o fato dele esconder seu intelecto ainda na escola. É curioso como ele esconde sua inteligência, mas não teima em cair na mão com seus colegas, quase sendo expulso, sua impulsividade é insultante e mal construída, mesmo tratando-se de um infante. Ao menos tal coisa serviu para ele sair do armário e assumir sua genialidade.

    Após isto, começa a peregrinação do herói, a busca de repetir os passos de Alexandre o Grande, inclusive mostrando uma cena em que ele dorme com uma mulher, afim de afastar qualquer referência a sua suposta homossexualidade, e além de salvá-lo desta “condição”, tornou-se o catalisador para ele se tornar um herói mascarado, na busca por desvendar os motivos de sua morte. Apesar da história um tanto pobre, o lápis de Lee é absurdamente bom e dá a trama um ar de história pulp fantástico, que até a faz se diferenciar do resto dos volumes.

    Também é mostrado o início da rivalidade entre Veidt e o Comediante, graças a investigação de discípulo de Ramses atrás do paradeiro do Justiceiro Encapuzado. Logo até o protagonismo da história é deixado de lado, pois Wein se preocupa mais em recontar os eventos da obra original do que tentar contar uma história minimamente original, até o preenchimento das lacunas vagas – coisa que ele prometeu “corrigir” – não é feita de modo minimamente satisfatório.

    O herói decide exercer o poder semelhante ao do Grande Irmão, do romance de George Orwell, monitorando os principais atos da humanidade, praticando a vigia aos vigilantes. É vendo o Doutor Manhattan que ele se lança em outra nova aventura. A partir do ingresso do “Super-Homem” neste universo, tudo mudou, até as tomadas que incluem discursos políticos têm o mesmo tom azulado, como a pele do indestrutível personagem. Até se levanta uma possibilidade que poderia ser interessante, ligando o uso do azulão como arma por JFK, apontando este como um motivo para sua morte, mas a forma como foi conduzida, a coisa foi demasiada pretensiosa e muito incongruente.

    A mão de Len Wein é pesada ao mostrar as questões polemizantes da revista, é quase tão sutil quanto Zack Snyder, dado a falta de traquejo em conduzir a rivalidade Comediante x Ozymandias. Ao menos, os desenhos de Lee são ótimos, especialmente quando mostram as ações de Manhattan no Vietnã, dilacerando os inimigos dos americanos.

    A conclusão da biografia em áudio de Veidt mostra os momentos imediatamente anteriores a saga principal, obviamente explicitando a construção do plano sobre a “invasão” que seria realizada em Nova Iorque. A superioridade do intelectual é demonstrada visualmente, com ângulos que o engrandecem e o põem em perspectivas de maior tamanho que os seus iguais. O recrutamento dos participantes da teoria da conspiração a respeito da polêmica ao herói atômico é dos mais óbvios e completamente desnecessário. O grande problema da história certamente é a necessidade de Len Wein procurar pelo em ovo ao invés de tentar contar uma nova história num mundo já conhecido. Em alguns momentos, a HQ até parece um remake, mas dos piores já feitos, sem dúvida. A vontade de ser “mais real que o rei” e o revanchismo são os maiores pecados desta obra.

  • Resenha | John Constantine, Hellblazer – Infernal Vol. 1: Hábitos Perigosos

    Resenha | John Constantine, Hellblazer – Infernal Vol. 1: Hábitos Perigosos

    Hellblazer - Infernal - Vol. 1 - Habitos Perigosos

    Se a Warner fizer direito a lição de casa, é provável que John Constantine se torne um de seus personagens mais populares nos próximos anos. Isso porque está em produção uma série televisiva estrelando o mago, que a julgar pelos vídeos publicados até agora na internet, irá abocanhar uma grande fatia de fãs da já saturada série Supernatural. Soma-se a isso sua recém renovada popularidade nos quadrinhos mainstream da DC Comics, graças ao reboot do personagem e sua nova série mensal nos Novos 52 e – Bingo! – temos um novo personagem favorito dos fãs e dos cofres da Warner.

    John Constantine foi criado por ninguém menos que o aclamado autor de quadrinhos Alan Moore, em 1985, nas histórias do Monstro do Pântano. De lá pra cá, ganhou uma série duradoura em quadrinhos, Hellblazer, um longa metragem estrelado por Keanu Reeves em 2005 que divide opiniões entre os fãs e diversas aparições em revistas em quadrinhos, como na Liga da Justiça Dark, além da já citada série de TV. Mas suas melhores histórias estão, com certeza, no selo Vertigo – linha de quadrinhos da DC Comics com temática adulta.

    A Panini trouxe ao público brasileiro o arco de histórias escritas por Garth Ennis no encadernado John Constantine, Hellblazer: Infernal Vol. 1 – Hábitos perigosos. Aqui, vemos histórias de 1991 que serviram de inspiração para o filme, e que molda muito do que sabemos sobre o personagem. Logo na primeira parte da história, John recebe a notícia que está morrendo, graças a um câncer terminal no pulmão (resultado de um maço e meio de cigarro por dia desde os dezessete anos). Constantine sabe que sua morte resultará no castigo do inferno pela eternidade, e passa a pensar em um jeito de contornar a situação.

    A forma como Ennis desenvolve o roteiro nos faz acompanhar com empatia o sofrimento de John Constantine, que não pode simplesmente curar-se com magia. Constantine aproveita para despedir-se de seus entes queridos, de forma a causar nó na garganta do leitor mais durão. Da mesma forma, seu jeito trambiqueiro tira boas risadas, e o roteiro sabe equilibrar momentos tensos, divertidos e tristes, de forma a despertar as mais diversas emoções. A forma como John lida com demônios é fantástica, e demonstra uma esperteza sem tamanho.

    O arco de histórias que dá título ao volume se encerra, na verdade, na quinta história dentre as oito publicadas no volume, mais um epílogo na parte seis. Isso não significa que as outras duas histórias que encerram a edição sejam ruins. Infelizmente, a arte não segue o primor do roteiro, sendo que na última história ela chega a ser bastante inconsistente, de modo que não conseguimos sequer distinguir um mesmo personagem de um quadrinho pro outro na mesma página. Se nos anos 90 os quadrinhos foram marcados por artes arrebatadoras e roteiros fracos, aqui vemos exatamente o contrário. O esquema de colorização também é bastante datado, tendo páginas e páginas utilizando apenas uma ou duas cores. Talvez sirva para o propósito da narrativa, mas não deixa de ser estranho se comparado com a versão dos Novos 52 e com o atual modelo de colorização por computador. A arte de capa de cada edição é reproduzida entre os capítulos da história, e é algo que vale a pena gastar um tempo observando.

    O modo como a magia é retratada nessas histórias é bastante sutil. Nada de bolas de fogo lançadas pelas mãos ou feitiços de voo para facilitar o deslocamento dos personagens. Aqui, a magia é algo misterioso e deve ser evitada sempre que possível. Coisas mais corriqueiras, como alterar a percepção que o porteiro tem dos trajes de Constantine ou estourar o pneu do caminhão de um desconhecido babaca funcionam de forma coincidente, quase como se fosse algo natural. Já invocar demônios ou transformar água benta em cerveja requer rituais elaborados, que demandam tempo, velas acesas, pentagramas desenhados com giz e outros elementos do ocultismo. Não é a magia em si que faz Constantine ser um excelente personagem, mas a forma que ele a usa.

    Não é a primeira vez que Infernal é publicado no Brasil. Mas para quem está conhecendo o personagem agora, é uma excelente oportunidade de ter em mãos uma das melhores fases do mago, com um material de qualidade e preço bastante acessível. Embora a publicação comece pelo número 41 da série Hellblazer, não é necessário ler as outras edições para entender e apreciar a obra. Isso sem contar que é muito provável que mais volumes da saga sejam publicados. Assim, o leitor pode garantir alguns momentos de leitura bastante agradáveis num futuro próximo, com o que há de melhor nos quadrinhos adultos da DC, além da possibilidade de se preparar para assistir a série da Warner. Para o bem ou pra o Mal.

  • Resenha | Superdeuses: Era das Trevas – Grant Morrison (Parte 3)

    Resenha | Superdeuses: Era das Trevas – Grant Morrison (Parte 3)

    O alvorecer da nova era começou com duas peças fundamentais: o artista Neal Adams, que em suas gravuras priorizava desenhos bem mais realistas que os dos seus antecessores, e, claro, Dennis O’Neil, que buscava referências ao The New Journalism, como Tom Wolfe, Norman Mailer e Jimmy Breslon, tentando tirar os quadrinhos do mundo cartunesco para aproximá-los ao mundo palpável e urbano. A parceria O’Neil/Adams possibilitou a mescla competente de gêneros tão distintos, como ficção científica e jornalismo. A fase dos dois com o Batman mostra isso de forma clara: o retorno ao soturno, tornando o Morcego algo grandioso novamente, deixando de lado a caracterização espalhafatosa e reaproximando-o da figura dos anos 30; lembrando-se, é claro, da invenção de Ra’s Al Ghull, um misto de Moriarty e Fu Man Chu, que remete a duas referências do personagem de Bob Kane, mas imortal, ainda contemplando característica quadrinística fantasiosa. Adams foi um profundo ativista a favor dos direitos autorais da dupla Jerry Siegel e Joe Shuster.

    Nas histórias, o divisor de águas foram as aventuras do Lanterna e Arqueiro Verde em sua fase Easy Rider, feita por O’Neil e Adams. O caráter de Hal foi regredido ao de um novato piloto de testes — novamente — aliado a um repaginado Oliver Queen, politicamente engajado para a esquerda e cheio de “razão”. Um dos pontos altos é a inversão de papéis, em que sua função de pai é questionada como a de um sujeito ausente, ao ver seu parceiro-mirim injetando heroína nas próprias veias.

    Capítulos mais tarde, um sujeito negro indaga a Lanterna o motivo de ele não ajudar a comunidade negra, e, neste momento, surge nos quadrinhos uma das primeiras demonstrações de um negro falando como um negro, e não de um branco pintado cuspindo gírias — sem contar o diferencial traço de Adams. A resposta do herói poderia ter sido altiva, demonstrando que já salvou o universo diversas vezes, o que inclui o povo marginalizado, mas, ao invés disso, ele abaixou a cabeça, assumindo seu papel de colaborador do conformismo e mantenedor do status quo. A dupla ainda delongaria no assunto, apresentando John Stewart como substituto de Hal Jordan, um arquiteto negro de conjuntos habitacionais que abriu mão de sua máscara afirmando que não havia nada em sua vida para esconder. Depois disso, a Marvel apresentou alguns exemplares de Black Heroes:  Pantera Negra de Wakanda; a dupla do Capitão América em sua própria versão de Lanterna/Arqueiro, o Falcão; e o ideal blaxpoitation de cabelo blackpower e roupa de pimp: Luke Cage.

    Um autor mais cáustico que seus contemporâneos era Steve Gerber, que usava sua criação Howard, o Pato para fazer um contraponto aos quadrinhos heroicos. Howard era irônico e até concorreu à presidência, tamanha sua popularidade em meio aos jovens universitários. Gerber também foi responsável pelo supergrupo Os Defensores, formado pelos heróis isolados Hulk, Surfista Prateado, Doutor Estranho. Enquanto isso, o cinema desconstruía a ambiguidade pós-Vietnã e pós-Watergate com a saga Star Wars.

    O autor declara sua predileção pelo punk, ainda que tenha aderido ao movimento em 1978, após sua decadência. O modo de pensar dessa “geração” o influenciou nos escritos que viriam no futuro, e influenciaram também a forma como ele enxergava os mitos heroicos, usando Ali X Superman como figura simbólica do quanto aquele tipo de história tinha se tornado irrelevante para ele.

    Os heróis tradicionais perdiam cada vez mais espaço. O único resquício que ainda permitia era o gênero Space Opera, com seu Star Wars, misturando trama novelesco com ambientação sci-fi. Os X-men de Chris Claremont beberam muito dessa fonte. Len Wein, editor do título, permitiu liberdade a Claremont que enxergou na causa mutante algo muito popular: o apelo à minoria, ou a quem se achava minoria, em especial os adolescentes revoltadinhos. Em 1979, o traço de John Byrne ajudou a dar contornos definitivos e clássicos aos mutantes multi-étnicos e de bandeiras variadas.

    Morrison começa a narrar suas próprias aventuras das primeiras publicações num tom auto-biográfico. Sua vida vira um dos seus objetos de análise, como no capítulo anterior em que descreve sua predileção ao punk rock. O autor passou a escrever o número Capitão Clyde, que teve vida durante 3 anos e 150 aventuras em tiras de jornal, semanalmente.

    Para apimentar ainda mais a recente questão de Grant Morrison contra Alan Moore, o autor destaca os méritos do barbudo escritor à frente de Miracleman, ao mesmo tempo em que destaca a personalidade do sujeito:

    1) Moore usava a falsa modéstia para se promover, dizendo que não era o Messias, mas sua ostentosa barba e ar blasé diziam o contrário.
    2) Seu Marvelman era maravilhoso, pois invertia o mito de Mick Anglo, fazendo de Mike Moran um velho barrigudo decadente — como os fãs de HQ — tornando-se a figura imponente do herói atômico.
    3) O confronto Micracleman x Kid Miracleman  = demonstração de como seria uma luta real entre dois superseres, com direito à crueldade ultrarrealista por parte do vilão onipotente, com sodomias, empalamento e taxidermia às avessas.
    4) Por trás dos panos havia muita subversão, como a homossexualidade disfarçada de admiração de Miracleman Jr.
    5) Futuro utópico, movido por deuses de carne e osso. Criação do selo Vertigo, histórias adultas, com liberdade criativa e royalties para os autores.

    Após o sucesso de Demolidor e Ronin, em que juntava as influências do mangá com a mitologia super-heroica americana, Frank Miller reformula a lenda do Batman, com o seu Dark Knights Returns. O Batman deixou o perfil criado por Bob Kane para assumir um ar mais anti-herói marginal, aproximando-se de Don Corleone e dos cowboys de Eastwood. Sem deixar de mencionar, é claro, os maneirismos do autor, que resgatou formas de narrar pouco convencionais. Morrison destaca Watchmen como um arroubo de criatividade que se utiliza dos mais geniais recursos narrativos, tão únicos e bem urdidos que fazem de Moore uma divindade que desconstrói cada um dos ideais heroicos, inclusive traçando paralelos com os heróis genéricos da Charlton, mas igualando-os ao panteão do universo DC.

    Os quadrinhos europeus tomavam o rumo das graphic novels, com produtos vendidos diretamente nas livrarias, ao invés de lançados em bancas. Já no universo “enfadonho” dos super-heróis, acontecia a mega-saga Crise nas Infinitas Terras, de Wolfman e Perez, que anexava todo o multiverso numa única realidade. A última história do Superman da Era de Prata era a cargo de Alan Moore, criticado por ter feito o alienígena chorar nesta trama. Já em sua reformulação, executada por John Byrne, Clark era atlético e perfeito, de volta ao status de último filho de Krypton.

    O Justiceiro dos anos 1980 tornara-se o anti-herói da direita, implacável como o Batman de Miller, mas sem o “estofo” intelectual de suas histórias. Morrison fala um pouco de seus trabalhos em Homem Animal e a quebra da realidade ficcional, e de Patrulha do Destino, no qual agrupou muitas das influências pop que tanto adorava, inclusive o dialeto dos marginalizados, gays, negros, punks, muçulmanos, quase todos os grupos que sentiam necessidade de serem representados. E, claro, Asilo Arkham, com seu Coringa de salto alto, prenunciando o travesti de Ledger em O Cavaleiro das Trevas, de Chris Nolan. Watchmen foi um divisor de águas, transformando quase tudo que levava o tema “super-herói” em algo bobo. Uma nova forma de abordar os quadrinhos nascia, com Sandman, de Neil Gaiman, como um desses representantes.

    O selo Vertigo era inaugurado, com uma autonomia muito grande junto aos autores, tanto com royalties como com liberdades criativas. A ascensão de Liefeld e McFarlane veio para estourar a bolha dos roteiristas ingleses, que se sentiam os maiores responsáveis pelo sucesso dos quadrinhos. A fórmula de visual superestiloso em detrimento da história predominaria especialmente com a ascensão da Image Comics. O público da Image era a Geração X, que exigia anti-heróis bombados, amorais, com trabucos a tira colo e zero medo de cometer homicídio. Resumindo, o massavéio pelo massavéio, sem necessidade alguma de conteúdo. Spawn teve Gaiman, Moore e Morrison nos roteiros de suas primeiras edições.

    Moore saiu brevemente de sua aposentadoria para mostrar a Batgirl ser aleijada, enquanto Kyle Hayner, o novo Lanterna Verde, encontrava sua namorada esquartejada na geladeira — os comics tradicionais tentavam chocar pelo grotesco, em resposta à violência descerebrada da Image. O último capítulo é introspectivo, onde o autor conta a sua reinvenção como escritor de quadrinhos, e até fisicamente, já que seus cabelos caíam e ele assumia, finalmente, sua careca.

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