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  • Resenha | A Verdade é uma Caverna nas Montanhas Negras – Neil Gaiman

    Resenha | A Verdade é uma Caverna nas Montanhas Negras – Neil Gaiman

    Gaiman e os mitos populares

    A Verdade é uma Caverna nas Montanhas Negras, da editora Intrínseca, é um conto do escritor Neil Gaiman baseado em uma lenda popular da Escócia. Este, aliás, talvez seja o assunto principal na obra do autor: o resgate de mitos. Gaiman já declarou que uma função dos escritores modernos é a reconciliação com as histórias populares contadas ao redor do mundo. E ele faz isso com maestria.

    As Montanhas Negras, conforme nota do próprio Gaiman, são as Black Cuillins na Ilha de Skye, também conhecida como Ilha Alada ou Ilha das Brumas, onde, o autor ouviu, contam que há uma caverna cheia de ouro e que aqueles que a saqueiam se tornam um pouco mais malignos. Estes os motes principais do conto: a ganância e a maldade.

    O conto parte da simplicidade: um anão procura um guia que o conduza até as Montanhas Negras. Ele vai à casa do único homem que conhece o caminho, mas a princípio tem a aventura negada. Os homens não tem confiança um com o outro, clima que acompanha toda a história. Mas, por fim, o guia resolve conduzir o anão até as montanhas.

    A partir daí, Gaiman trabalha a informação sobre as montanhas e o passado dos dois homens às migalhas. Tanto a lenda sobre o ouro quanto o motivo deles se estranharem são explicados aos poucos, e sentimos a escalada do conto de forma análoga a um filme ou animação clássica. O autor tem essa sensibilidade para nos dar a informação precisa do momento, nunca mais, nem menos. Em paralelo, o autor desenvolve metáforas rurais para os humores das personagens e faz descrições belíssimas da natureza e da geografia que enfrentam. É um ritmo lento ao leitor mais apressado, mas é necessário para a absolvição de toda a potência da trama.

    As imagens ficam por conta do experiente Eddie Campbell e o que temos não é uma história em quadrinho nem um conto ilustrado, mas um híbrido ainda não catalogado. Motivo: as ilustrações por vezes sustentam a história, às vezes rasgam a mancha gráfica do texto e por vezes surgem entre o texto e novas imagens. Ou seja, apostaram em ferir a linha textual inserindo aquarelas para tornem cada página diferente da outra.

    Por fim temos uma história belíssima rica em forma e conteúdo. Livro mais do que recomendado.

    Texto de autoria de José Fontenele.

    Compre: A Verdade é uma Caverna nas Montanhas Negras.

  • Resenha | The Spirit: As Novas Aventuras

    Resenha | The Spirit: As Novas Aventuras

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    Criado por Will Eisner, o pai das graphic novelsThe Spirit surgiu na década de 1940 como produto do novo filão em voga, as revistas de histórias em quadrinhos, que desde o final da década anterior, com a criação de Superman e Batman, passavam a ganhar status com personagens heroicos, munidos de honra e bravura para enfrentarem inimigos. Inovador para a época, mesmo não possuindo poderes extra-terrenos ou armas poderosas como os heróis da então Action Comics e Detective Comics, The Spirit logo alcançou seu próprio público nos jornais como um inconfundível combatente do crime.

    Publicada inicialmente nas edições de domingo, a trama apresenta o criminólogo Denny Colt – nome verdadeiro do herói mascarado -, que descobre os planos de um inimigo em uma investigação e é assassinado no local. Mas, com o desenrolar da narrativa, descobre-se que o agente da lei estava em animação suspensa, e em segredo passa a usar um codinome e a combater o crime que aterroriza a cidade fictícia de Central City, vivendo escondido no subsolo do cemitério onde fora enterrado.

    Tomadas por uma atmosfera noir, as histórias de Spirit revolucionaram o estilo e a linguagem dos quadrinhos. Influenciado pelos filmes da década de 1940, Eisner dava preferência para o preto e branco, aliados a ângulos e quadros incomuns para os desenhos da época. O contraste em duas cores destaca um ambiente propício manipulado por criminosos malucos e mulheres fatais, combatido por um sujeito inteligente, trapalhão, corajoso e hábil em artes marciais. Como um Cary Grant armado com os próprios punhos para rechaçar os criminosos da cidade grande.

    Durante a Segunda Guerra Mundial, e a consequente convocação de Eisner pelo exército americano, o personagem foi deixado a cargo de outros artistas, mas já sem a identidade com a qual ficou conhecido. No retorno aos desenhos após o conflito bélico, o artista passou quase 10 anos se dedicando à sua criação e a consolidando, mas após essa época voltou-se à produção de material governamental e ilustrações, e não mais aos quadrinhos, aposentando o universo de Denny Colt. Muitas foram as tentativas de republicar a obra, entre elas um curto fôlego no final da década de 1960 com relançamentos de antigas histórias, agora em formato de revista, e a publicação de uma trama escrita novamente pelo próprio Eisner. A partir das três décadas seguintes, o herói passou por diversas editoras, como Kitchen Sink Press e DC Comics, sendo esta posteriormente, em 2007, retomado o personagem no volume único Batman & The Spirit, que o introduzia no universo DC através do roteiro de Jeph Loeb e arte de J. Bone e Darwyn Cooke, e logo após com uma revista própria guiada pela dupla Cooke/Bone.

    Assim como O Sombra – Vol. 1: O Fogo da Criação, outros personagens acabam voltando como revival, e com o detetive mascarado não foi diferente. The Spirit – As Novas Aventuras é o primeiro de dois volumes compilando histórias de uma curta série publicada em 1998 que buscava, ao mesmo tempo, homenagear o herói e renová-lo para os dias atuais a fim de conquistar um novo público. Lançada em 2010 em edição capa dura pela Devir Livraria, a obra é dividida em quatro partes, com capas produzidas pelo próprio Eisner ilustrando o início de cada história. Com artistas e roteiristas consagrados, a edição possui 11 tramas que mostram desde o surgimento do Spirit, até o embate com seus maiores inimigos, como Cobra, Sand Saref e Octopus.

    São histórias curtas a médias que retratam o modo com que Spirit atua como vigilante em Central City com apoio do Comissário Dolan, o único que conhece sua verdadeira identidade, e de seu interesse amoroso, Ellen Dolan. Apesar de contar com os personagens coadjuvantes, a maioria das histórias coloca Spirit como o centro da ação, mas sem a ajuda de Ebony White, o estereotipado sidekick negro retirado da obra provavelmente devido às críticas que recebeu sob alegação de racismo. Nesta obra, Alan Moore retoma com Dave Gibbons a parceria interrompida desde o lançamento de Watchmen e divide quatro histórias com o artista. Destacam-se as duas primeiras: A Refeição Mais Importante, que reprisa a origem do personagem, e Força dos Braços, que faz um diálogo metalinguístico com o Spirit do passado, além de Ontem à Noite Eu Sonhei com o Doutor Cobra, uma história hermética que mostra o herói em um futuro apocalíptico lidando com os monstros do passado – e novamente autor e criatura dialogando com as memórias extratexto. Ressalta-se também O Retorno de Estola de Vison, escrita por Neil Gaiman e ilustrada por Eddie Campbell. Na trama, um roteirista se hospeda em um hotel, presencia o mascarado em uma missão à procura de uma criminosa femme fatale, e se espanta com a realidade, tão inacreditável quanto uma cena escrita para o cinema.

    A homenagem se estende a cada balão de diálogo e em cada traço da edição, supervisionada pelo próprio Eister, que deu à época toda a liberdade para os artistas recriarem o personagem ao seu modo. Todas desenhadas em cores, as tramas diferem das de Eisner por terem cada uma um olhar gráfico próprio do artista e roteirista responsável e, portanto, sem a visão cinematográfica – e única – dos traços de seu criador. Porém, todos os desenhos evocam a dualidade dos traços realísticos, e ao mesmo tempo atrapalhados, que fizeram de The Spirit uma obra ímpar na história dos quadrinhos.

    Como homenagem, The Spirit – As Novas Aventuras trouxe um novo alento para o personagem, que por tantos anos sofreu apenas relançamentos e reimpressões – no Brasil as histórias assinadas por Eisner necessitam de reedição. Com um time de peso, a obra consegue impor qualidade e nostalgia em uma bela edição, que deu a oportunidade para muitos fãs de quadrinhos conhecerem melhor este grande personagem.

    Texto de autoria de Karina Audi.

    The Spirit - Novas Aventuras - Devir