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  • Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Quatro

    Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Quatro

    Tem um mal inominável na nossa porta, e nada pode detê-lo. O único que poderia se prestar a salvação, perdeu a chance, e condenados, esperamos junto de anjos e demônios pelo iminente juízo final. O curioso é que, dificilmente nas histórias escritas por Alan Moore em O Monstro do Pântano, o horror gótico americano das coisas vem à tona em nível social, como se o leitor sempre fosse transportado para uma realidade paralela, uma extensão do pântano do “grande monstro” da Louisiana, nos Estados Unidos, aonde tudo pode acontecer – e nada ganha os noticiários. Sem limites para seus contos sombrios e filosóficos, Moore redefiniu o heroico personagem nos anos 1980 com uma profundidade moral e questões muito além do normal, o que nos faz questionar se outras figuras dos quadrinhos, como Hellboy e Motoqueiro Fantasma, em suas mãos, ganhariam contornos tão inesquecíveis, quanto. Felizmente tivemos o Coringa sendo laureado pelo talento do gênio, em A Piada Mortal, e neste quarto volume publicado no Brasil pela editora Panini, acompanhamos a continuação da saga que marcou época na cultura pop.

    Agora, um mal supremo ronda essa entidade altruísta, com sua assombrosa aparência verde musgo e olhos vermelhos, guardiã do meio-ambiente e dos que nele vivem, fadada a caminhar entre a tragédia e o amor recíproco de sua amada Abigail. Uma energia maligna, aquela, que faz o inferno e o paraíso temerem a sua ascensão. Nisso, o mago John Constantine recruta o Monstro do Pântano para este investigar o que está se aproximando, pois nem ele consegue decifrar tal enigma. A vibração da Terra se altera, as realidades paralelas a nossa compartilham desse desconforto, alguém precisa nos proteger, e a resposta para banir a escuridão suprema pode estar nos confins mais abissais, onde só a consciência do verdão pode acessar. Pela primeira vez desde sua criação, na edição nº37 da saga, Constantine parece realmente inseguro e com medo do desconhecido – sendo que, para o detetive do oculto, dialogar com entidades perigosas dos submundos espirituais é uma viagem de verão ao sul da Itália. O tempo de férias realmente acabou, e Moore é especialista em criar tensão com imagens e situações apavorantes, para todos os públicos.

    A quarta coletânea da Panini já começa na história nº43, E o Vento Trouxe, na qual um traficante de drogas hippie acha um fruto oriundo da “pele” do Monstro, deixado para trás em uma caminhada pela sua floresta, no sul dos Estados Unidos. Após levá-lo à sua casa, o homem distribui desse alimento misterioso a algumas pessoas, causando-lhes alucinações e transformando suas vidas num eterno pesadelo. Menos surreal e mais criminal na proposta de terror, na ótima Bichos Papões, vemos um assassino em série matando várias pessoas nos pântanos da Louisiana, até encontrar uma justiça sobrenatural em seu caminho. Mas é em Dança com Fantasmas que a inspiração no horror gótico vem realmente marcante, num conto sobre quatro adolescentes desavisados que entram numa mansão mal-assombrada, onde atrás de cada porta repousam criaturas sedentas a testar a fé dos mais religiosos. Com desenhistas da mais alta excelência ilustrando seus delírios, perversões e insanidades, Alan Moore em 1986 teve de se infiltrar no grande arco das Crise nas Infinitas Terras, da DC Comics, costurando o personagem ao espectro maior das histórias do Batman, e cia.

    Na convergência de realidades fantásticas, em um macro enredo que envolveu todos os personagens da DC, nos anos 80, a editora fez todo o seu multiverso desorganizado, cheio de Terras 1, 3 e 7, pertencer a apenas uma dimensão. Para isso, dentro da saga do Monstro do Pântano, Moore criou um evento destruidor que forçava a união dos altos escalões da luz, da sombra e dos seres humanos (lê-se: os super-heróis místicos da DC, como o Senhor Destino e Vingador Fantasma) em prol da sobrevivência de Tudo – absolutamente Tudo. Para isso, o próprio Monstro e seu parceiro de aventuras, o sádico Constantine, vêm juntos ao Brasil em O Parlamento das Árvores especular com entidades que enxergam o futuro a grande batalha apocalíptica que lhes aguarda – nota-se que, em região Tropical, pela primeira vez, é dado ao grandalhão cores vivas que, vivendo e germinando no sul dos Estados Unidos, nunca brotaram em sua pele de folhas e raízes escuras. A resposta não é dada facilmente pelos ancestrais, e muito antes do conflito da Vida com a Morte absoluta, o mal à espreita os abate de forma imprevisível, e coerente o bastante para fechar, com a precisão e o esforço criativo de um mestre, todo um arco de histórias poderosas. Eu queria ver esse tratamento dado ao Hellboy, Alan Moore. Eu realmente queria isso.

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  • Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Três

    Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Três

    Dizem que os fins justificam os meios, e muita gente bota fé nisso – principalmente, hoje em dia. Seja como for, se Alan Moore não tivesse criado em 1985 uma ameaça forte o bastante para aniquilar o Monstro do Pântano, o poderoso e tempestuoso elemental capaz de tudo para proteger sua amada, e o pântano na Louisiana que ele faz de morada, nunca seriamos apresentados ao mago John Constantine, logo na edição nº 37 da clássica saga escrita por Moore, e desenhada nos traços icônicos de uma verdadeira gangue de ilustradores a serviço do maior roteirista de HQ’s da história. É curioso observar a forte expressividade de alguns quadros em função do impacto da narrativa, numa impecável fusão artística tão almejada entre a força do texto, e o brilho do visual. Temos, portanto, a trajetória e o destino esculpido de um herói sem rostinho bonito, cujo uniforme é asqueroso, e assim como o verde que resguarda, e incorpora em suas aventuras, faz de si o mais resistente de todos os seres vivos.

    E é justamente a queda dessa resistência por um vilão radioativo que a natureza, em toda a sua soberba, não consegue vencer, que assistimos assombrados em uma gama de imagens e painéis impressionantes em Notícias do Fuça Radioativa, história essa dividida em duas partes que abre o volume 3 da saga publicada com capricho pela editora Panini, no Brasil. Nesta clara alusão aos maus-tratos do ser humano ao meio-ambiente, a temível entidade de musgo e olhos vermelhos padece para, em seguida, virar um insignificante broto na mata, na esperança de germinar, de voltar a ser o que era: um biossistema ambulante em toda a sua glória. Um renascimento este que chama a atenção de Constantine, sempre antenado em tudo de bizarro que rola no mundo, como se este fosse seu quintal e nada escapasse de seus olhos de águia. Uma figura que surge para despertar a consciência do Monstro do Pântano sobre ele mesmo, seus poderes e a sua importância para eventos futuros que irão testar Terra e humanidade diante de perigos apocalípticos.

    Constantine faz sua primeira aparição como um anúncio de tempestade, um arauto dos males, sendo ele um dos melhores personagens da carreira de Alan Moore. Com seu cigarro e casaco inconfundível, logo ele e o Monstro do Pântano lutariam juntos na publicação da DC Liga da Justiça Sombria, sempre envoltos com demônios, magia e outras dimensões ao invés dos desafios mais mundanos que Batman e Superman geralmente enfrentam. A presença de Constantine serve para apresentar ao nosso anti-herói verdão ameaças que deixam Coringa e Lex Luthor no chinelo: em Águas Paradas, uma raça de vampiros subaquáticos (você leu certo) planeja dominar o plano terrestre a fim de nunca faltar alimento para sua força materna, a repousar no fundo de um lago enquanto espera por carne humana – de preferência, bem jovem. Ou ainda em A Maldição, na qual uma dona de casa carrega em si uma enorme força sobrenatural que vive a controlar, mas que após o seu marido Roy se tornar uma ameaça a ela, Phoebe decide inverter o jogo de poder em uma quente, e sangrenta noite de lua cheia.

    Contudo, talvez seja a história de conclusão deste terceiro volume a mais simbólica e memorável da coletânea, na qual espíritos e cadáveres de escravos decidem voltar à Terra, mais precisamente no sul dos Estados Unidos, e infernizar um grupo de atores de uma novela sobre os tempos da escravidão americana. Em Mudança Sulista e Estranhos Frutos, esses zumbis finalmente ganham a liberdade pela qual morreram lutando, e sua vingança coletiva será terrível, mesmo após tantas e tantas décadas sepultados. Em uma intensa e sublime alegoria do mais puro horror gótico, Alan Moore discute o papel da violência no passado de certas regiões marcadas pelo sofrimento, e como essa tensão sempre pode retornar no menor descuido das pessoas e autoridades diante do racismo, e de outras práticas monstruosas. O mal vive à espreita, e “O que foi enterrado não desapareceu.”. A mensagem é clara, e vire-e-mexe nos lembramos disso quando se faz necessário.

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  • Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Dois

    Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Dois

    O terror e o romance geralmente são dois gêneros tratados como opostos, na maioria das estórias que temos acesso e nos marcam, no decorrer dos tempos. Difícil lembrarmos de bons exemplos que, ao abordarem o lado sombrio e a face romântica da vida e das relações, equilibram de forma marcante o Terror, junto ao mais lenitivo dos amores e paixões; uma alegoria clara e direta a Dante, e seus famosos círculos do inferno. Neste segundo volume da clássica saga do Monstro do Pântano, Romeu desce até o reino da besta-fera para recuperar a sua amada flor Julieta das garras dos condenados, no centro do vale da escuridão (e não de fogo como muitos pregam, por ai), logo antes de apresentar o mundo selvagem dos pântanos da Terra para pequeninos e inocentes alienígenas que desembarcam em seu reino, sem saber dos perigos daqui.

    E quem melhor que Alan Moore para compor quadros e tramas de soberba magnitude criativa, enquanto que, ao longo de duzentas páginas de pura genialidade narrativa que tanto marcaram a nona-arte nos anos 1980, nos perguntamos de queixo-caído: como eu pude viver e pensar ser feliz sem nunca ter lido isso? Moore sempre escolheu seus desenhistas a dedo, talentos que pudessem traduzir em uma dinâmica visual perfeita todas as suas loucas e extasiantes ideias – e na sua melhor saga, para muitos, a necessidade segue imperial. Em dados momentos, O Monstro do Pântano nos brinda com painéis que tornam certas sensações inesquecíveis, tal como o sexo absurdo entre uma criatura asquerosa, de musgo e raízes, e a mulher que ama o homem por trás do monstro, sua alma, suas palavras, a sua bravura e sua perdição amorosa, tão recíproca entre eles. As cenas de extrema psicodelia que ilustram o tesão cabuloso entre planta e corpo de carne nos confundem, nos assombram, e nos fazem salivar em uma típica hipnose das mais luxuriosas, e acima de tudo, românticas que se tem notícia.

    O autor de V de Vingança e Watchmen cria demônios que entregam rosas e orgasmos porque gostam do gesto, e não para se redimirem ou negarem o que são. Ao combater um vilão que conseguiu escapar das trevas abissais, e agora possui a carne banal de um homem qualquer, o deus dos pântanos e do verde profundo da Terra presencia a morte de sua Abigail, aquela por quem sua alma ainda brilha, mesmo sob uma nova forma absolutamente horripilante. Indo contra o ódio de uma entidade que só pode ser combatida pelo amor, e não pela dor (uma vez que ela é a encarnação mais soberba das dores, e das angústias que um ser-humano é capaz de carregar), o Monstro do Pântano conta em seu destemido resgate com vários personagens famosos da DC, como o Etrigan, grande amigo do mago John Constantine, para caminharem aonde nenhuma luz chega, nenhum “socorro” é ouvido, e a salvação jamais poderá ser alcançada – exceto pelo desespero do mais louco dos Don Juans, já que o eterno repouso de sua rainha no colo de demônios é algo inconcebível.

    No triunfo editorial da Panini em lançar, em seis partes, a icônica saga de Alan Moore e companhia no Brasil, numa belíssima compilação gráfica e até com um prefácio impecável de ninguém menos que Neil Gaiman (Sandman, Coraline), num esforço de apresentar essas pérolas do passado a uma nova geração de leitores, as estórias (originalmente publicadas em gibis mensais sob o selo Vertigo, nos Estados Unidos) são distribuídas em seis breves e eletrizantes capítulos, com contos de puro horror gótico, sonhos perturbadores, e até um grupinho de extraterrestres que não conhecem a maldade que existe, e ao fazerem contato com nosso querido monstro esmeralda, descobrem que há coisas muito além do que parecem ser. Ao longo das tramas, verdadeiras aulas de tensão e espanto no mundo das HQ’s, Moore revela-se um autor muito mais íntimo de suas personagens, sua realidade, suas forças e fraquezas, à medida que enraíza o leitor, quadro a quadro, em experiências tão ímpares quanto imprevisíveis.

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  • Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Um

    Resenha | A Saga do Monstro do Pântano – Livro Um

    “Você está em contato. Em contato com o verde. E eu, em contato com você.”

    Muitos defendem, com certa razoabilidade, A Saga do Monstro do Pântano como uma das melhores obras do genial Alan Moore. Aos que apontam seus motivos, além de certo desejo de não serem a maioria óbvia e raivosa que logo cita Watchmen e V de Vingança como as principais magnum opus do misterioso autor britânico, um dos grandes responsáveis por elevar o status quo das histórias em quadrinhos, entre as décadas de 70 e 80, há de certo uma adoração justificável pela qualidade impressionante das histórias de terror gótico que tanto combinam com o estilo macabro e forte das ideias e tramas que Moore arquiteta como ninguém. Afinal, estamos falando do criador do mago John Constantine, e da melhor história do Coringa já feita (vamos ser sinceros): A Piada Mortal, em uma de suas mais célebres colaborações na carreira, junto do desenhista Brian Bolland.

    Se há um adjetivo que cai como uma luva a Alan Moore, desde os seus primórdios como contador de histórias de suspense, horror e aventura com e sem super-heróis, é ser impecável. Tanto na execução de seus arranjos narrativos, quanto na potência marcante que emprega a quase todos eles, em sua longa trajetória pela nona-arte. Não há melhor louro a um escritor que prestigiá-lo lendo-o, e sabendo disso, a editora Panini do Brasil lança em 2014 todas as edições roteirizadas por Moore do temível e humano Monstro do Pântano, em seis edições de inestimável apreço no mercado brasileiro de HQ’s. Exemplarmente traduzido por Edu Tanaka, o leitor torna-se íntimo das sensações de um Deus bizarro, representante da mãe-terra em uma forma asquerosa, cujo pântano onde reina, em um primeiro momento, é a casa assimétrica que lhe sobra para se esconder, proteger e amar a mulher que nunca esqueceu o homem antes do monstro, e que nutre por ele um amor puro, e recíproco.

    No início, era apenas Alec Holland, vítima de um acidente que torrou seu corpo feito folha atingida por raio, mas não o mais feroz: sua consciência imortal. Sua alma agora É o mundo verde, e tudo o que o alimenta e o faz ser tão resistente, quanto assombrosamente real, e poderoso. Alec não é mais homem, apenas, mas um super-homem. Um demônio de musgo de dois metros de altura que anda, fala e vibra, enquanto encarna o biossistema inteiro da Terra dos pés a cabeça, estendendo suas sensações aos rincões mais profundos do planeta quando preciso – ou quando assim o deseja. Neste primeiro volume, acompanhamos a autodescoberta de sua nova identidade, ao mesmo tempo que homens tentam matá-lo, queimar seu lar pantanoso, sua fé na humanidade. Para ligar a trama geral com a mitologia da editora DC Comics, vários ícones da Liga da Justiça e seus vilões entram em cena em várias histórias, seja para ter um apelo maior ao público, seja para engrandecer o personagem central sem, contudo, inferiorizá-lo.

    Aos poucos, com uma abordagem fantástica e filosófica servindo de base para o despertar de Alec Holland, em contos de vinte páginas cada, compostos por centenas de imagens delirantes ilustradas por mestres da linguagem visual, somos levados a reconhecer do que Holland é capaz, agora sendo o medonho “monstro” que se tornou. Aqui, um guardião do natural, dando cabo as vezes de ameaças que não encaram seus poderes como dons, mas maldições agonizantes, agindo em defesa da autodestruição e do mal mais puro que nem o coração mais perverso, pode imaginar. Tudo o que é exatamente oposto a essa entidade do verde e da vida que Alan Moore, entre 1983 e 1987, tratou de revolucionar seu conceito e seus valores nas páginas da DC, feito um verdadeiro rei Midas dos quadrinhos. Eis uma grande e arrebatadora metáfora sobre um mundo que nos devora, em todos os sentidos, e cabe a nós decidir o que fazer disso, sem botar na conta do acaso o peso dos nossos atos, ou aquilo que escolhemos nos tornar. Não há nada mais precioso que a nossa consciência, exceto, talvez, uma história de Alan Moore, e é aqui onde tudo começou.