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  • O Cavaleiro das Trevas – Dez Anos Depois: As Três Faces de um Conto do Batman

    O Cavaleiro das Trevas – Dez Anos Depois: As Três Faces de um Conto do Batman

    Em julho de 2008, o mundo veria um libelo da cultura pop mainstream nascer e se mostrar como uma obra capaz de ultrapassar as discussões sobre a influência de um personagem para além das questões de nicho nerd e dos aficionados por historias em quadrinhos, gerando muitas discussões inclusive entre estudiosos de filosofia e historia.

    Os seis palhaços que organizariam um assalto a um banco da Máfia de Gotham City fariam um movimento ousado e claramente impensado caso não fosse planejado por uma mente inventiva do crime. A genialidade do plano se iguala de certa forma a mentalidade por trás do roteiro de Jonathan Nolan e Christopher Nolan, pois tanto os ladrõesm  dentro da trama, vão se canibalizando, quanto este consegue de certa forma tornar a maioria dos filmes de heróis  obsoletos e meros comerciais para vender brinquedos, não só por não terem um pé na realidade mas também por ter quase todas as suas ações com ao menos um significado mais profundo. Mesmo quando a  movimentação em adaptar quadrinhos em tela grande deu certo no pós Cavaleiro das Trevas, se deu exatamente por não tentar replicar o que deu certo aqui, como na Marvel a partir de Homem de Ferro de 2008, sua continuação, O Incrível Hulk e por aí vai.

    O filme é tão garantido em si que não contém o nome do herói no original, tampouco há créditos iniciais, como foi em Batman Begins. Ele se passa nove meses após esse útilmo, e essa historia dura 9 e dias e noites. Nolan, durante os primeiros dias de filmagem parou com o elenco e passou uma série de filmes, para que o elenco e produção entendessem o que ele queria fazer nesta obra, foram eles: Fogo Contra Fogo (1995), Sangue de Pantera (1942), Cidadão Kane (1941), King Kong (1933), Batman Begins (2005), Domingo Negro (1977), Laranja Mecânica (1971), e O Inferno Nº 17 (1953).

    A tentativa deste artigo é falar um pouco sobre os bastidores e um pouco da gênese e construção dos três pilares de Cavaleiro das Trevas, o Coringa, Harvey Duas Caras e obviamente o Batman discorrendo um pouco sobre o que acontece no filme e tentando fazer paralelos com os quadrinhos e materiais que serviram de base para a construção da historia.  Tal qual havia ocorrido com Begins, esse também teve um nome fake em seu roteiro original, chamava-se Olivers Army. Christopher Nolan sempre quis filmar no formato IMAX e finalmente conseguiu isso neste, seis grandes sequências de ação, foram filmadas com estas câmeras e equipamentos e isso gerou uma grande dor de cabeça pois inúmeros problemas surgiram, por conta do barulho que o  equipamento produzia, obrigando a redublar boa parte das falas na pós produção e também pela inesperada demora para revelar o filme. Mas é fato que há uma diferença visual grotesca entre esta versão e a do filme de 2005.

    Enfim, a analise das figuras virá segmentada logo abaixo.

    O Duas Caras

    Uma das criticas frequentas a TDK é de que ele constrói tão bem seus vilões que passa então a ser um filme sobre os antagonistas. Isso não é inédito com o cruzado encapuzado, em Batman o Retorno essa acusação também ocorreu, mas no caso desta obra isso é uma falácia. Talvez essa acusação tenha ocorrido muito por conta da péssima construção de Duas Caras e Charada em Batman Eternamente e de Hera Venenosa, Senhor Frio (e Bane) em Batman e Robin, mas fato é que o Harvey Dent de Aaron Eckhart é bem construído de um jeito que seu destino trágico é realmente digno de lamento quando finalmente ocorre.

    O chamada Cavaleiro Branco de Gotham, é capaz de muito, tanto de conquista o amor da mulher que o Bruce Wayne sempre pleiteou, como é  capaz de revidar a violência que sofre ao desferir um soco no bandido que tentou matá-lo em pleno tribunal, numa clara alusão a um momento de O Longo dia Das Bruxas, onde Harvey era desfigurado com o ácido em seu rosto. Ao mesmo tempo, ele é idealista o suficiente para não entender o pragmatismo de James Gordon ao ter que lidar com policiais corruptos, já que se o tenente insistir em afastar todos os investigados, certamente não teria pelotão patrulhar, proteger a lei e servir o povo. Fato é que o desenrolar dos fatos não deixa Dent sem razão, mas ainda assim ele consegue ser tão idealista que soa até pueril.

    Quando Harvey discute a política de Gotham em uma mesa de restaurante, com sua amada, Wayne e uma bailarina russa, há uma boa discussão sobre o Império Romano. Rachel menciona Júlio César, o que leva Dent a dizer: Você morre um herói ou vive o suficiente para se tornar um vilão. Em Júlio César, de William Shakespeare, o personagem titular é retratado como um homem de notável ignorância, cuja surdez parcial implica que ele apenas ouve aquilo que julga relevante, em vez de ser um líder de mente aberta. O discurso de Dent já se aproxima do totalitarismo antes mesmo da provação do Coringa, antes da A Piada Mortal ser posta em prova, antes de perder o seu centro…ele só precisava de fato de um empurrão.

    Avançando um pouco no tempo, no rescaldo da transformação de Harvey Dent em sua persona Duas Caras, ele perde seu senso de razão, em vez de ser racional ele  apenas discute assuntos relacionados ao assassinato de Rachel e a”traição” que Gordon e o Batman teriam feito com ele. A loucura que se estabelece ali não permite qualquer argumento que não seja simplista. Quando Batman o “mata” por cruzar a linha invisivel e proibida aos benfeitores, quase se espelha a morte de César por Brutus, pois o golpe final é dado por um homem que era seu aliado, mas a analise de que o Morcego cometeu esse crime é igualmente simplista, e há de se lembrar que o antigo promotor já não mais servia povo da maneira que ele mesmo jurou. É nessa ruptura que Harvey deixa de ser o homem justo e bom que não estava nas historias em quadrinhos para se tornar um vigarista vil e vilão típico.

    Solução para a ferida de Harvey é muito criativa e emocional. A forma como é mostrada e a percepção , na cama do hospital de que realmente havia perdido sua amada é de uma catarse monstruosa, e o Grito silencioso  de Harvey é claramente a mostra visual de aquele era o começo da psicopatia, ou a evolução da mesma, já que o roteiro deixa em aberto se ele era ou não insano a esse ponto. O Coringa parece persuasivo, pois uma das partes de sua fala é verdade: o palhaço ele é louco, e não corrupto e isso une os dois personagens. Dent, mas o fato de não ser corrupto não faz dele um sujeito honesto. Quando o advogado recebe a visita de Gordon, ele  promete que o policial sentiria na pele a dor da perdaque ele sentiu,  isso antes de o palhaço aparecer no hospital, mais uma vez e como num dejavu a sensação do empurrão é estabelecida.

    Há um segmento nos extras dos DVDs da época, chamado Gotham Tonight, que era o programa jornalístico de televisão Mike Engel (Anthony Michael Hall) e que tem alguns momentos estendidos aqui. A maior parte do que se mostra aqui são momentos meio bobos, mas o desdobrar político de Gotham e as eleições de Dent são bem discutidas, assim como as impressões do Comissário Loeb (Colin McFarlane) e de Sal Maroni (Eric Roberts) que aparecem conversando com o jornalista da GCN. Além de repercutir a toxina do medo do Espantalho, Mike deixa claro o quanto acha Batman um mal para  a cidade, por ninguém saber sua origem, seu nome ou mesmo se é humano ou não. O jornalista sensacionalista bem ao estilo Datena e Marcelo Rezende revela seu gosto contrário ao Morcego e o coloca no mesmo balaio dos bandidos que ele caça e a surpresa dele é tamanha quando o promotor, ao ser entrevistado por ele (antes obviamente da morte de Rachel e dos acontecimentos do filme) declara que não há uma opinião formada sobre o vigilante. Dent não poderia em um programa de audiência grande se declarar favorável a um louco que se utiliza de teatralidades para fazer justiça, mas claramente ele tem uma predileção por esse comportamento, que em ultima analise nesse universo escapista mas ainda calcado na realidade que Nolan estabelece, é quase um abraçar a insanidade.

    No entanto, com o filme em andamento, isso muda. Em um estudo sobre o filme, o filosofo Slavo Zizek afirma que  o verdadeiro rival de Batman não é o Coringa, e sim Harvey Dent, o “cavaleiro branco”, que é um tipo de vigilante oficial com uma batalha fanática ás vezes inconsequente. Zizek acha que Dent é como uma resposta à ordem legal da ameaça de Batman com o sistema gerando seu próprio excesso ilegal, seu próprio vigilante e defensor, muito mais violento que Batman, violando diretamente a lei e é por isso que existe  uma justiça poética no fato Dent roubar a identidade secreta do Batman de Bruce, pois ele seria mais Batman que o próprio Batman, fato que fortifica ainda mais o final, onde Batman assume os crimes do homem da lei, retribuindo-lhe o favor, e retomando o protagonismo que muitos acusaram ele de perder, em um gesto simbólico. Zizek não poderia estar mais correto, sua visão sobre Harvey é certeira, e ele ainda voltaria seus olhos o outro vilão, o palhaço do crime.

    O Coringa

    A primeira participação do Coringa é enigmática, envolve o já citado assalto a um banco mas também um estranho sinal de obsessão com ônibus escolares, que aparecem não só na sequencia inicial, como na hora em que explode- um hospital de Gotham. Aliás, ambas ocorrem logo após ele praticas uma de suas sádicas piadas, sendo a primeira com uma bomba de gás na boca do gerente do banco e a segunda se travestindo ao falar com Dent. Não há confirmação oficial, até por conta de não se ter certeza sobre a origem do bandido, mas isso pode ser eco da infância do personagem.

    O número quase circense da sequencia inicial que o Coringa de Heath Ledger orquestrou seria só uma mostra de como a criminalidade de Gotham precisava mudar e mudar rápido, para se adaptar ao Batman, e nem o Espantalho e Ras All Ghull de Batman Begins chegam perto disso. Mesmo no encontro entre Checheno (Ritchie Coster) e Crane (Cillian Murphy) para comprar drogas se nota que até o vigilantismo mudou, e que o Morcego gerou uma reação na população que busca se armar e agir como milícia sem ter o preparo que Wayne se submeteu. Esse tipo de reflexão que Nolan propõe não é inédita, e pergunta se Batman é um lunático ou não é discutida ao longo dos 152 minutos de filmes, e vai além da simples sentença de usar ou não armas de fogo ou proteção de hockey, por mais que o vigilante tente simplificar a conversa nesse sentido.

    Heath Ledger passou vários meses trabalhando com um treinador vocal na voz do Coringa. Ele usou bonecos de ventríloquo como inspiração para a qualidade desconexa e zombeteira, além das (hoje obvias) referencias tão discutidas, como Sid Vicious do Sex Pistols e o protagonista de Laranja Mecânica, Alex DeLarge.

    O filosofo Slavo Zizek, ao analisar Batman : O Cavaleiro das Trevas Ressurge, ao comparar o Coringa e Bane diz que a imensa popularidade da figura do Coringa se dá pelo fato dele clamar por anarquia na sua mais pura manifestação, enfatizando a hipocrisia da civilização burguesa como ela existe, mas é impossível traduzir suas visões em uma ação de massa, enquanto Bane é uma ameaça existencial ao sistema de opressão e sua força não é apenas a psique, mas também sua capacidade de comandar as pessoas e mobilizá-las rumo a um objetivo político. O Bane de Nolan é mais profundo que o do quadrinhos, no entanto ele não tem o fascínio do Coringa de Heath Ledger, e isso não se explica obviamente só pelo carisma do ator, que era encarado como um sujeito mal quisto, pois seu passado com comédias românticas meio bobas.

    Evidente que as razões que Zizek apontam explicam os motivos ideológicos, mas na questão cinema, foi Ledger que ao ter liberdade para construir seu personagem que conseguiu tornar tudo isso mais crível. Ledger dirigiu as duas cenas que são filmadas pelo Coringa, e essa sugestão veio do realizador, Nolan acreditava tanto no ator que o deixou conduzir a cena, lembrando que em Begins e em TDK houve segunda unidade, em todos os momentos que a câmera estava ligada o cineasta estava presente.

    O personagem assassina/mata 34 pessoas no filme, aliás a perseguição que ele faz ao povo, matando pessoas para que Batman apareça faz referencia a primeira aparição do personagem nos quadrinhos dos anos quarenta, presente em Batman Crônicas, onde ele vai matando criminosos para acabar com a concorrência e para tomar posse do dinheiro dessas pessoas. Aqui evidentemente ele é anárquico e foge da necessidade do dinheiro, como disse Zizek e a referencia mais uma vez a O Longo Dia das Bruxas, também invertida, pois quem queima o dinheiro na revista é o Batman e Harvey.

    A música estridente de Hans Zimmer, nas descrição de Why So Serious amedronta e põe enigmas, refletindo um som de Anarquia. O ideal que Zimmer mirava em algo provocativo e odioso para as pessoas, e seu objetivo foi plenamente alcançado. Se ouvida sozinha, a canção gera naturalmente uma aversão aos tons altos estabelecidos ali, que vez por outra são quebrados pela presença do Coringa. O Coringa é o vilão de muitas faces diferente de Harvey. Se Duas Caras tem a duplicidade o conjunto de anomalias mentais e até parafilias é tão grande quanto a quantidade de cartas no baralho, o palhaço do crime é de certa forma a amálgama da galeria vasta de vilões do Morcego. Para Nolan a resposta lógica a um herói como Batman é  uma contra resposta violenta igual, o seu real oposto, a diferença básica entre eles mora nos lados da lei que os personagens abraçam.

    O Batman

    O herói e protagonista  do filme talvez seja resumida em uma das falas residente na conversa que Christian Bale e Michael Caine tem, onde Bruce afirma que não se dá ao luxo de conhecer os seus limites. A utilização de frases de efeito poderia soar como algo ruim, mas claramente é bem utilizado.

    O Batman deste tomo dois da saga que Nolan estabelece tem capacidade de vestir mais de uma máscara, seja a do herói que luta pela justiça e que é apoiada por parte da plebe e da burguesia de Gotham, assim como a do herói invasivo,  capaz de usar a tecnologia do Sonar que evoluiria para o re-percussor de ondas dos celulares, e que seria a versão de Nolan para o Oráculo. O conceito de transformar cada telefone como se fosse um rádio, invadindo a intimidade das pessoas, para encontrar o  antagonista, em uma invasão de privacidade que o dá vantagem e faz ele ser por um breve momento, onipotente e como diz o Lucius Fox de Mogan Freeman, isso é errado em muitos níveis, pois as pessoas não tem direito a escolher nada. Hoje toda essa celeuma perdeu o sentido, pois as redes sociais as pessoas expõem tudo o que querem e em alguns ponto até o que não querem e percebendo ou não a auto evasão de informação é voluntaria.

    A rivalidade entre Batman e Coringa sempre foi grande nos quadrinhos e a cena em que os dois finalmente se encontram é tardia passados aproximadamente 52 minutos. Mesmo no começo, quando Coringa faz piadas com o sumiço da caneta, onde enfrenta Gambol (Michael Jai White) e fala em matar o Batman, claramente isso é uma bravata, e ele nem precisa declarar isso, como faz depois. Os ataques constantes a moral do herói tem seu alvo acertado, por mais que Bruce/Batman finja-se de intransponível, como quando Gordon cai. A suposta morte do policial faz o Morcego largar seu estilo stealth, e invadir uma boate onde Maroni tatá, para liberar sua raiva em uma catarse violenta. Aliás, o Batman é mais agressivo com o mafioso italiano do que com o seu nêmesis, até para não ter a tentação de mata-lo, semelhante em muitos pontos a morte do Coringa em O Cavaleiro das Trevas.

    Há um bom material complementar, um documentário de pouco mais de quarenta minutos chamado Batman Unmasked, que trata da psicologia do Homem Morcego e que trata de alguns dos detalhes falados aqui. Evidentemente que em Batman Begins e TDKR há um aprofundamento maior e mais detalhado no Batman do que neste TDK, mas o desfecho, com Gordon fazendo um discurso ao seu filho de como o personagem é o Cavaleiro das Trevas e de como seu heroísmo não é o ideal, mas sim o necessário para que Gotham permaneça equilibrada.

    Por mais clichê que pareça, Batman retoma o poder quando age assumindo a culpa que não era dele, pois a característica básica do heroísmo é o sacrifício pessoal em prol da maioria, foi assim com Cristo, com Moisés, Davi e a maioria dos mitos cristãos, é assim com os heróis Teseu, Hercules, Orfeu na mitologia grega e é como sempre fez Homem Aranha e Super-Homem em tantas historias. O Batman de Bale não tem qualquer pudor em se entregar, pois a sua função maior é isso, fazer com que Gotham seja um lugar seguro, como era o sonho de Thomas Wayne, e evidentemente que esse preço seria cobrado, e só por isso já justifica a construção de Batman o Cavaleiro das Trevas Ressurge que repercute o erro de maturidade de Batman, que foi impulsivo e precisava ter sua historia fechada, finalmente.

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  • Crítica | Obrigado Por Fumar

    Crítica | Obrigado Por Fumar

    Obrigado por Fumar é um exercício de ironização e despersonalização de um grave problema que mata, em média, mais de 480 mil americanos por ano, segundo institutos de pesquisa dos EUA – no Brasil, o número é de 200 mil óbitos anuais, de acordo com o Inca. Tentando transmitir a mesma jocosidade de um anúncio de hospital que nos informa, com um cigarrinho falante e feliz: “Hoje você me acende, amanhã eu te apago”, Jason Reitman dialoga a contradição que habita um exemplar pai de família, que ama seu filho mais que a si próprio, e cuja vida consiste em persuadir todos ao seu redor às garras de um vício tabagista sem volta para muitos – ou melhor, a maioria.

    Um aproveitador capitalista nato e incorrigível como também são os grandes economistas e vendedores de hipotecas em tempos de crise, mas há algo de mais perverso ainda quando se vende uma dependência química em troca de sucesso profissional, ou bem-estar com o chefe ignorante. Para Reitman, o cineasta dos americanos comuns, sendo um diretor difícil de imaginar para comandar grandes projetos voltados ao mainstream universal que só dá de comer as bilheterias para ver grandes espetáculos, a ironia está na noção de que a América (e um mundo dominado pela cultura americana) é um grande shopping center, e essa é a única justificativa necessária para se vender de absolutamente tudo, etiquetando também o preço da alma das pessoas; qualquer uma.

    Não que a alma dum cara como Nick Taylor vale alguma coisa, ou já tenha valido, sendo ele o porta-voz de uma companhia que conta com sua lábia para administrar mais e mais dependentes bastante lucrativos – um ciclo de carência que só para de render moedas quando a mão no caixão fica imóvel. Para Nick, as pessoas são instrumentos de consumo, em todas as formas aliás, e a vitrine precisa ser sempre irresistível para atrair moscas à luz. O eterno Harvey Dent de O Cavaleiro das Trevas, o ator Aaron Eckhart, encarna com cinismo e hipocrisia propositalmente irritantes um homem que vende a morte, e sabe disso, e nem por isso parece querer alterar o seu caminho um centímetro sequer – na cena do restaurante com Katie Holmes, entendemos bem o porquê.

    Forjado em oportunismo e alimentado por uma auto-irreverência que conquista compradores durante o dia, e lindas jornalistas no final da noite, Nick é o típico executivo americano que sabe dos malefícios da Coca-Cola, e mesmo assim vende felicidade ao invés de um líquido preto borbulhante. Não obstante, Jason Reitman reconhece os malefícios que moram em seu país em um único homem branco, resumindo-os com diálogos fracos em uma figura limpa de terno e gravata e que jura ter um coração, mas que só bate por seu filho e olhe lá. Eis um filme então sobre uma grande mentira, mas que não consegue esconder ser outra – Reitman fez dois filmes realmente relevantes no currículo: Juno e Amor sem Escalas, e mesmo assim são títulos que dividem uma boa parte da crítica especializada, e com certa razão.

    Pouco expressivo na sua visão, e encenação das suas obras, lembro bem da cara do jovem diretor quando perdeu o Oscar em 2010, ficando à míngua (talvez porque a Academia lembrou dessa paródia boba de O Informante, filmaço de verdade sobre a indústria do tabagismo). Obrigado Por Fumar é vazio, qualificando-se com orgulho como uma comédia de humor negro enquanto se afasta do que realmente importa sobre o tema complicado que satiriza, tentando extrair graça da desgraça mas com pouquíssimo sinal de êxito legítimo. Paga e assume o preço pela seriedade do que tenta tornar divertido, e nada além disso.

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  • Crítica | Dominação

    Crítica | Dominação

    Nicho de mercado responsável pelas maiores bombas do cinema, os filmes de terror, ano após ano, ocupam espaço no mercado com uma saraivada de lançamentos absolutamente genéricos e com pouca ou nenhuma inovação nas tramas, linhas narrativas e, principalmente, relevância das histórias que contam.

    Dominação, que chega aos cinema essa semana é um excelente exemplar da falta de criatividade no terror cinematográfico. Na trama, Seth Ember, vivido por Aaron Eckhart, é um padre exorcista que nega tal denominação, pois acredita ter criado uma maneira alternativa de expulsar demônios de seus corpos hospedeiros. Entrar no subconsciente do “receptáculo” e plantar ali a ideia de que nada daquilo seria real. Sim, a semelhança com A Origem é real, mas se encerra aí, já que o quê se vê na tela é uma das piores histórias já filmadas.

    Basicamente sem roteiro para sustentar suas duas horas de duração, o filme apela para uma série de clichês de outras obras do gênero e apresenta como resultado uma espécie de filme Frankenstein, composto por pedaços de várias outras obras facilmente identificáveis ali. Algumas sequências são tão sofríveis que nem o talento do protagonista pode fazer algo em defesa do longa.

    A parte isso, temos ainda erros grotescos de direção de Brad Peyton. Desde a direção de atores até as áreas técnicas como iluminação, design de produção e etc. São enquadramentos que simplesmente não favorecem a história contada e que dificultam qualquer tentativa de simpatia pelo filme. Acrescente a esta equação erros de continuidade e o que temos é um péssimo começo de ano para o cinema de terror.

    Para não citar apenas comentários negativos sobre o filme, o trabalho de trilha sonora confere alguma maturidade para a trama. Sendo bastante modesto, porém assertivo em seus crescendo e silêncios que envolvem e pautam o andamento do filme.

    Aaron Eckhart aparentemente padece do mesmo mal que Nicolas Cage na escolha de seus trabalhos. Escrevendo uma curva descendente em sua filmografia que parece não ter previsão de voltar a apresentar possibilidade de melhoria.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Crítica | Sully: O Herói do Rio Hudson

    Crítica | Sully: O Herói do Rio Hudson

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    Após um filme de qualidade bastante discutível – Sniper Americano – o veterano Clint Eastwood volta a direção de outra cinebiografia de um americano famoso, dessa vez uma figura muito mais popular e de moral indiscutível, que é o piloto de aviões Chesley “Sully” Sullenberger, o mesmo que conseguiu pousar um avião após uma pane geral causado pela entrada de aves nas turbinas e que salvou a todos os passageiros. Sully: O Herói do Rio Hudson trata de toda a paranoia do personagem título, ao ser investigado pela corregedoria e pela empresa que pagaria o seguro a companhia de aviação.

    Como foi Gran Torino com o próprio Eastwood e em A Troca com Angelina Jolie, este é um longa dedicado a performance de Tom Hanks, que passou por um intenso trabalho de pesquisa para se parecer com o autor do livro homônimo (escrito pelo próprio Sulleberger e Zack Zaslow). A dedicação do ator ao papel é impressionante, em especial por no final aparecer um depoimento com o próprio falando, sendo extremamente parecido com o jeito de agir do ator vencedor do prêmio da Academia.

    A câmera de Clint não julga mal seu protagonista. A moral do sujeito é ilibada e a sensação é a de se ver um Elliot Ness de Os Intocáveis, em uma versão mais pragmática, uma vez que o ofício de transporte não tem nada de justiceiro, como era com o fiscal da receita de Chicago. A questão mais complicada do roteiro de Todd Kormanick mora na pecha de herói, que é repetida a exaustão, uma vez que é assim que a opinião pública vê a pessoa de Sully, independente claro dos acusadores que querem culpar o sujeito a fim de não pagar as indenizações, estabelecendo portanto o nome do profissional na lama.

    A insegurança do personagem em relação aos estudos que fazem sobre si e sobre seu voo tornam o sujeito em um exemplo maior de humanidade, uma vez que ele não é isento de privações e limites, e sim passível de errar como qualquer outro homem. Essa dúvida que o cerca é um fator básico para todo o drama do filme funcionar, soando austero e discreto, driblando qualquer possibilidade de cafonice e ufanismo, seguindo na mesma esteira de outra boa biografia, Loving, de Jeff Nichols.

    Sully: O Herói do Rio Hudson não chega nem perto do brilhantismo da filmografia clássica de Eastwood, como havia sido em Os Imperdoáveis e Cartas de Iwo Jima, mas também não se exacerba em melodrama como Menina de Ouro faz. Seu drama é discreto, carrega em suspense o seu desenrolar e possui atuações de grandes coadjuvantes, como Aaron Eckhart, sendo uma ótima escada para Hanks, que tem com quem dialogar em seu desempenho dramatúrgico, mesmo que não passe perto do brilho do protagonista. As cenas de avião conseguem mostrar o quão certeira está a direção de Clint Easwtood, que fora uma ou outra repetição desnecessária de cena e conceito, consegue fazer um filme enxuto, rápido e sentimental na medida certa e sem recair em finais problemáticos e excessivamente melodramáticos.

  • Crítica | Frankenstein: Entre Anjos e Demônios

    Crítica | Frankenstein: Entre Anjos e Demônios

    frankenstein

    Stuart Beattie, responsável pelos roteiro de Austrália e das franquias Piratas do Caribe, G.I. Joe, assume a direção desta versão moderna da história do monstro de Victor Frankenstein. A trama é baseada na HQ escrita por Kevin Grevioux, co-criador de Underworld: Anjos da Noite. Talvez por isso tem-se a impressão de que a história está ambientada num universo semelhante ao de Underworld. Ou seja, em vez de vampiros versus lobisomens, o embate é entre demônios e gárgulas.

    E, assim como na história de vampiros e lobos, a humanidade ignora totalmente a existência de tais criaturas e o confronto entre elas – apesar de ser difícil acreditar que sejam tão despercebidos a ponto de nenhum transeunte notar esses seres estranhos e assustadores com olhos vermelhos nos céus duma metrópole. Mas enfim, se é necessário ignorar esse fato para mergulhar no universo da história, que assim seja.

    Desse “mergulho” advém o principal problema do filme: a falta de profundidade tanto da história quanto dos personagens – não há “onde” mergulhar. A luta entre anjos e demônios é enfocada de modo tão superficial que o espectador sequer se sente compelido a tomar partido de um dos lados. Ambos são tão insossos em suas motivações que parece não fazer muita diferença quem leva a melhor na disputa. Soma-se a isso o fato de que temas centrais da história do monstro de Frankenstein – criatura versus criador, homens brincando de deus – são apenas ligeiramente pinceladas, sem nunca serem exploradas devidamente, o que enriqueceria bastante a trama.

    Nem a presença de alguns bons atores no elenco consegue prender o espectador. Bill Nighy não faz feio, como sempre, mas dá a impressão de ter atuado em modo automático. Miranda Otto, como líder dos gárgulas, dispara algumas das piores falas do filme. Aaron Eckhart até tenta dar mais peso a Adam, mas não há muito o que se fazer com um personagem mal construído.

    Ao menos, o filme não é longo – 93 minutos – e mantém o ritmo com sucessivas cenas de ação. Consegue entreter, se o público não for ao cinema esperando uma nova versão do personagem já que, do clássico personagem criado por Mary Shelley, sobrou apenas o nome no título.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Invasão à Casa Branca

    Crítica | Invasão à Casa Branca

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    Filmes com temas quase idênticos sendo lançados na mesma época. Uma tendência que Hollywood sempre repete, e o mais recente exemplo é a dobradinha que mostra a Casa Branca sendo invadida. Olympus Has Fallen, batizado por aqui como, hã, Invasão à Casa Branca, foi esperto e se antecipou a White House Down (O Ataque), que tem estreia prevista pra setembro. Neste longa dirigido por Antoine Fuqua, acompanhamos Mike Banning, agente do serviço secreto que chefia a equipe de proteção do presidente. Afastado do cargo quando falha em salvar a vida da primeira-dama, ele tem a chance de redenção meses depois: terroristas norte-coreanos (sempre eles, hoje em dia) conseguem dominar a residência oficial do líder norte-americano, tomando ele e boa parte de seu gabinete como reféns. Mike, o cara certo no lugar errado, é o único capaz de, literalmente, salvar a pátria.

    Com essa premissa, não precisa ser nenhum gênio pra perceber que teremos altas doses do velho patriotismo exacerbado, tipicamente estadunidense. Com direito inclusive a simbolismos nada discretos, por exemplo, câmera lenta e música dramática quando os vilões retiram do mastro a bandeira dos EUA e a jogam fora. Ainda mais sendo um filme de ação, Invasão à Casa Branca entrega esse e outros clichês (central de comando que serve só pra explicar a trama pro espectador, garotinho espertoetc.), perfeitamente esperados. Então não cabem reclamações comunistinhas de faculdade style quanto a isso. O que na verdade prejudica o filme é seu roteiro indeciso entre se levar a sério, como um thriller político, ou se assumir como diversão descerebrada.

    A tensão entre as Coreias do Sul e do Norte é usada como pano de fundo e estopim para a ação dos terroristas, mas nada além disso. Não são feitas críticas políticas a ninguém, muito menos ao papel dos Estados Unidos. Até aí, passável. Mas a indefinição de tom afeta também o protagonista. Inicialmente inseguro, duvidando de si mesmo, basta entrar em ação para ele imediatamente virar o herói clássico, infalível. Problema que vem se repetindo em várias produções do gênero: tenta-se humanizar o personagem, mas falta o senso de dificuldade naquilo por que ele está passando. Um direcionamento diferente, mais descompromissado, ajudaria inclusive o ator. Gerard Butler se mostra bem mais à vontade proferindo frases de efeito e posando de fodão.

    Apesar desses problemas, com boa vontade dá pra embarcar na história e curtir as boas cenas de ação (o ataque inicial, em plena luz do dia, é sensacional) e a tensão bem construída ao longo do filme. O plano dos invasores é razoavelmente aceitável, e as interações entre eles e os reféns mostram uma crueza muito bem vinda nestes tempos em que o PG-13 suaviza quase tudo. Há que se lamentar, porém, que o presidente vivido por Aaron Eckhart não tenha um grande momento, limitando-se a fazer cara de mau enquanto espera o resgate. E também que o embate entre o herói e o ameaçador vilão-chefe fique aquém do que poderia ter sido. De resto, diversos atores conhecidos (Morgan Freeman, Dylan McDermott, Angela Bassett, Melissa Leo, Radha Mitchell, Robert Foster e até Ashley Judd, direto do túnel do tempo) servindo apenas como acessórios pra movimentar a trama.

    Em essência um meio-termo entre Duro de Matar e 24 Horas, Invasão à Casa Branca poderia ter sido melhor caso escolhesse um desses lados. Mas, em tempos sem Jack Bauer e com John McClane decepcionando, Mike Banning é o que tem pra hoje.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas

    Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas

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    Depois do impressionante primeiro ato, Christopher Nolan retorna à franquia de Batman para realizar uma produção épica. A consagração que romperia o gênero filme de super-herói para tornar-se um grande filme por excelência.

    Introduzido como gancho na produção anterior, entra em cena a personagem antagônica do Cavaleiro das Trevas, o Coringa. Sua figura é representação máxima da potência de Batman e se popularizou até nas frases que se tornaram seculares entre os fãs.

    A trama se aproxima novamente de histórias conhecidas do herói sem deixar de lado elementos inéditos.  Trabalhando com diversos níveis narrativos, a composição de suas camadas é exemplar. Injusto afirmar que Coringa é a personagem central, sendo claro três polos distintos na narrativa: Harvey Dent como a manutenção da paz perante a lei, Batman como o vigilante que age no limiar desta, e a figura do palhaço como a não-regra, o caos.

    Os enredos se apresentam de maneiras distintas e paralelas, culminando no ápice sem volta em Gotham City. Sob esse aspecto, o diálogo entre Batman e Gordon em Begins já inferia que o surgimento de um super-herói implicaria em uma escalada criminosa. E o que assistimos é justamente uma força impossível de ser sobrepujada.

    Heath Ledger incorpora um Coringa crível e conveniente também com os quadrinhos. O espaço para a piada só se realiza por meio do grotesco, da figura abominável sem limites. Embora a personagem se encontre pouco com o seu rival, definitivas são as cenas em que estão juntos.

    O interrogatório no quartel de Gordon é a chave central do significado entre herói e vilão, uma cena brilhante que, além de seu impacto, tem significado como análise do bem que necessita do mal para existir.  A moeda que trafega nessas vias é o promotor Harvey Dent (Aaron Eckhart), que vai de um extremo a outro, conduzido por Coringa.

    A consistência do elenco comprova que é possível realizar um filme com grandes astros sem a sensação de deslocamento, impressão que tenho assistindo aos diversos filmes da Marvel. Sendo possível trabalhar com um bom elenco sem a sensação de ele estar presente só como divulgação do filme.

    Mesmo que o texto apaixonado não abrace todos os expectadores da produção, uma afirmação é correta: Batman – O Cavaleiro das Trevas tornou-se exemplo a ser copiado. Produziu um marco grandioso nas histórias em quadrinhos que tanto será comparado como tentará ser copiado. Exemplo parecido com o que aconteceu com Matrix, em 1999.

    Mais do que o filme em si, sua força é medida quando, além de uma simples história, uma produção transforma-se em método a ser seguido. Some a isso o fato de que o elemento dramático fez milhões de nerds chorarem no final da trama, que você encontra um épico moderno com a elementar jornada de um herói.