Tag: Gary Oldman

  • Crítica | Dupla Explosiva 2: E a Primeira-Dama do Crime

    Crítica | Dupla Explosiva 2: E a Primeira-Dama do Crime

    Era apenas uma questão de tempo para que Dupla Explosiva, a comédia de ação estrelada por Ryan Reynolds e Samuel L. Jackson que foi sucesso de bilheteria no ano de 2017, ganhasse uma continuação. Porém, enquanto o primeiro filme divertia bastante ainda que possuísse certos problemas, esse aqui erra em praticamente tudo o que tenta.

    Seguindo a cartilha de Hollywood que dita que as sequências devem ser maiores e mais barulhentas que o original, Dupla Explosiva 2 amplifica tudo o que havia no primeiro. Entretanto, a balança se inverte e aqui os defeitos superam as qualidades. Na trama, o guarda-costas Michael Bryce (Reynolds) abandona sua licença sabática para proteger Darius (Jackson) e Sonia (Salma Hayek) depois que ela revela estar sendo perseguida por Aristotle Papadopolous (Antonio Banderas), um louco bilionário que está em poder de uma arma que pode destruir o mundo.

    Chega a ser impressionante um filme com um orçamento de 70 milhões de dólares possuir uma produção tão pobre. O excesso de CGI mal feito chega a ser irritante e compromete demais. Existem cenas que nem são de ação, mas que deixam claro o péssimo uso da tela verde. Ainda no tópico da ação, o diretor Patrick Hughes já havia demonstrado competência na condução de cenas do tipo no primeiro Dupla Explosiva e no terceiro Os Mercenários. Entretanto, aqui não faz nada digno de nota, somente um amontoado de clichês prejudicados por uma edição fraca. O humor do filme é tão pobre quanto, e aposta na repetição de piadas de constrangimento e cunho sexual que parecem ter saído de um derivado ruim de American Pie.

    O trio de protagonistas é enervante. Parece que Jackson e Hayek estão competindo para saber quem grita mais alto. Reynolds, desde que fez sucesso em Deadpool, parece interpretar qualquer personagem de uma só maneira. Ele repete o que fez antes em Esquadrão 6 e o que faria em Alerta Vermelho, com o agravante de emular o personagem mutante e ficar o tempo todo fazendo piadas autorreferentes, além de narrar o que está sentindo e o que está acontecendo na tela para o espectador, numa tentativa velada de quebrar a quarta parede que aqui não funciona, deixando transparecer que o filme não confia na inteligência de quem está o assistindo. Banderas até se salva interpretando seu vilão como se ele fosse um antagonista de Roger Moore nos filmes mais caricatos do agente 007. Porém, a participação de Morgan Freeman é desperdiçada por uma condução ruim que estraga boas piadas em potencial.

    Enfim, Dupla Explosiva 2 é uma experiência cansativa e enervante para o espectador, o que é uma pena. Infelizmente, por melhores que sejam os atores, não dá para apoiar um filme inteiro em carisma. É preciso mais do que isso.

    https://www.youtube.com/watch?v=8I-7eEIWKEQ&ab_channel=Ingresso.com

  • Crítica | Mank

    Crítica | Mank

    Você já viu um artista trabalhando? Herman Mankiewicz não seria um bom exemplo. Escritor alcoólatra e incontrolável no sistema de estúdios de Hollywood, a Terra dos Sonhos aonde a política é encoberta por nuvens de algodão doce, através do jovem cineasta Orson Welles, lhe soltou um ultimato: escrever um filme nos anos 1930, isolado do mundo (e da bebida) em Victorville, na Califórnia (o que iria inspirá-lo para criar a mansão Xanadú, no clássico dos clássicos: Cidadão Kane). Mank ganhou a oportunidade da vida, bem quando sua vida já não valia muito para o sistema – enquanto Welles mandava seus assistentes ficarem de olho na produtividade do genial bebum. Mank bebeu para viver, para ganhar o Oscar, para suas amantes, para suportar a pressão, e a falta de amigos reais. Jack Fincher, pai do autor de Benjamin Button, Zodíaco, Millennium e A Rede Social, viu no drama dessa figura o retrato ambulante dos anos 30, em Hollywood. Anos da Grande Depressão, de problemas sociais tão grandes que só a fantasia poderia compensar a vida real do povo. Uma fantasia que pode ser muito cruel aos tolos, por trás dela. Mank foi um tolo.

    Essa bela cinebiografia da sua vida, um recorte super definido sobre a produção do roteiro de Cidadão Kane, e mais nada, é uma denúncia (um tanto anistórica) sobre o caos atemporal que é fazer parte do coração de Hollywood. Mank conhecia todo mundo, era de casa, e Jack Fincher escreveu a história mais cinematográfica que se teve notícia dele. Falecido em 2003, seu filho nunca teve o aval da Warner, Universal ou Paramount para rodar a história – que David Fincher sempre quis rodar em preto e branco, para reverenciar a época de 30. Diante da recusa generalizada, finalmente a Netflix abraçou o fardo herdado por quem nunca quis fazer um Star Wars da vida, preferindo ser um artista livre e rebelde em busca da sofisticação (nisso, Christopher Nolan é A exceção). Agora, com Gary Oldman (O Destino de uma Nação) dando vida ao complicado Mank, um elenco de elite e uma parte técnica impecável (remetendo, com orgulho, a muitos elementos visuais e sonoros revolucionários de Cidadão Kane), Jack Fincher teve enfim o seu roteiro honrado através da visão perfeccionista de David, e por uma plataforma de streaming que vem sendo apontada como o futuro do cinema – amplamente descentralizado.

    Mank foi um tolo, sim, mas de tolo Fincher não tem nada. Mesmo após alcançar o status de melhor cineasta americano dos anos 1990 (olá, Tarantino), David Fincher (igual outros tantos mestres) está desiludido com Hollywood. Este é o drama latente aqui, o que explica porque o autor de Clube da Luta fugiu para as séries desde 2014. E não é à toa: a indústria que Mank, Welles e tantos outros ajudaram a valorizar, a base de suor e muita dedicação histórica, dá cada vez mais espaço às franquias sem fim, e menos para as grandes ideias ousadas. O próprio público nos anos 2010 só pagou um ingresso caro de cinema para ver uma história inédita, se ela veio do próprio Christopher Nolan – e olhe lá! Com uma audiência sedada por remakes, adaptações de propriedades intelectuais já consolidadas, e eternas continuações (vamos para o nono Velozes e Furiosos), qual espaço que Fincher, um autor verdadeiro, possui nesta máquina? Mank reflete também suas mágoas a essa bilionária indústria, ao showbusiness cruel que demoliu inúmeras carreiras brilhantes, e o fez da noite para o dia.

    É justamente a respeito disso que fala a melhor cena de Mank: quando o fracassado e velho roteirista, após desferir um chilique homérico no palácio do chefão de Hollywood, William Randolph Hearst (interpretado pelo monstro Charles Dance, a grande atuação do filme), é posto com absoluto cinismo e delicadeza, para fora do castelo. Para sempre. O capitalismo não pode ser humanizado, e a pandemia de 2020 nos lembrou disso. Assim, Fincher ilustra através das peripécias de Mank e todos os seus colaboradores o que poderia, muito bem, ter acontecido com ele desde Alien 3, o problemático filme da trilogia que serviu de início de carreira. Com o escritor de Cidadão Kane, ocorreu o pior pesadelo de qualquer artista (lê-se: homem de negócios) em Hollywood: a exclusão. A difamação, não tanto em público, mas entre seus pares, a ponto do autor morrer de fome, ou escapar dos Estados Unidos, como se deu famosamente com Charles Chaplin – o maior artista que Hollywood já viu. O próprio Fincher já admitiu: “Clube da Luta foi um verdade milagre”. Está aí uma coisa que não parece exagero.

    Todavia, a não-obrigação de produzir lucro (apenas requinte para a Netflix, que quer Oscars para ganhar prestígio) deixa os autores livres para caírem numa armadilha: fazer seus filmes para eles mesmos. Como uma faca de dois gumes, isso pode tornar a obra inacessível para a maioria das pessoas, e Mank certamente sofre disso, tal qual Roma de Alfonso Cuarón, e O Irlandês de Martin Scorsese, em menor proporção. A Netflix simplesmente construiu um parque para eles, e a lei foi clara: “sejam vocês mesmos, vocês podem!” Eles foram com certeza, e os três construíram projetos belíssimos nesta autonomia, mas sem grande apelo para as massas se interessarem por um tipo de cinema mais sofisticado, e que não precisa ser assim, gelado. Distante. Algo sagrado, lá no alto do altar. O público fora da bolha de cinéfilos poderia se identificar mais, se interessar mais pelo luxuoso Mank, o novo possível clássico de Fincher, assim como se importa com as aventuras coloridas da Marvel, mas essa não é a vontade dos grandes mestres, ainda. Ser mais acessível, talvez, seja a última pedra que falta na manopla de Fincher.

  • Crítica | A Lavanderia

    Crítica | A Lavanderia

    Steven Soderbergh tem executado uma boa parceria com a Netflix. Seu longa anterior, High Flying Bird foi bem pouco falado, e é uma obra subestimada, pois trata bem sobre os sonhos e frustrações ligados ao basquete e aos esportes em alto rendimento como um todo. A Lavanderia, começa metalinguístico, com dois narradores estranhos, os personagens de Gary Oldman e Antonio Banderas, Jürgen Mossack e Ramón Fonseca, quebrando a quarta parede, elucubrando sobre dinheiro, bem ao estilo de A Grande Aposta, ainda que ao estilo de Soderbergh.

    A trama logo vai para Lake George, em Nova York, mostrando o casal Ellen e Joe Mart, de Meryl Streep e James Cromwell. Os dois sofrem um infortúnio e é nessa parte que se notam as fragilidades orçamentárias do filme. Quando a água toma a embarcação onde eles estão, vem um efeito digital da água que é bem artificial, graças obviamente ao baixo custo da produção. O diretor consegue convencer grandes astros a participar, mas todo o resto dos custos tem que ser bancado, mas aqui ao menos, funciona, dado o caráter satírico do roteiro e abordagem.

    O script mostra pessoas comuns, sendo ludibriadas por outras pessoas, essas bastante instruídas, gente malandreada que não tem qualquer receio em empregar seus golpes e maracutaias nos que pouco tem, e incrivelmente não há um julgamento ultra moralista, ao contrário, há leveza na condução das historias paralelas e assessórias na quantidade de esquemas e propinas mostrados, em especial nos casos de aliciamento, de uso de laranjas e de assassinatos.

    Como a trama não se leva a sério, Oldman, Banderas e Streep tem espaço para exercerem suas facetas mais caricatas e canastronas possíveis. Em boa parte do filme, o overaction funciona, mas em outros, mais parece um filme ruim de Eddie Murphy. O longa carece de equilíbrio em muitos pontos, e se perde um pouco em meio as muitas tramas paralelas, mas incrivelmente não deixa de ser divertido quase nunca, principalmente por não ter apenas uma historia de guia, e sim várias, indo e voltando ao arco de Ellen.

    A Lavanderia é baseada no livro de Jake Bernstein, Secrecy World: Inside the Panama Papers Investigation of Illicit Money Networks and the Global Elite, que obviamente não é uma obra ficcional, e a forma como o longa aborda as partes reais é um pouco atrapalhada e nada sutil. Toda a questão dos Panama Papers e da Odebrecht soa um pouco rasa, não há muito aprofundamento e o desfecho não é tão potente quanto todo o resto – nos momentos finais, chega a soar um bocado moralista –  mas dado que praticamente nada na obra é encarado com seriedade, faz pouco sentido dar vazão ao azedume ao analisar esta obra, que mesmo soando exagerada, é repleta de bom humor e jocosidade, onde o alvo principal, são os ricos e gananciosos da classe A estadunidense.

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  • Crítica | O Destino de uma Nação

    Crítica | O Destino de uma Nação

    O Destino de Uma Nação – cinebiografia que tem como foco a ascensão de Winston Churchill ao posto de Primeiro-ministro do Reino Unido – é o novo filme de Joe Wright (Desejo e Reparação, Peter Pan e Anna Karenina), que traz Gary Oldman muito bem enquadrado e inspirado em reproduzir a figura do controverso político.

    A trama toda se passa no mês de Maio de 1940, quando Churchill era uma alternativa para o cargo de Primeiro-ministro, principalmente por conta dos acontecidos envolvendo a Segunda Grande Guerra. O filme mostra a rotina diária, familiar e metódica do personagem, em um tentativa de humanizá-lo ao mostrar seus muitos defeitos de convivência.

    O filme de Wright se vale muito do lançamento de Dunkirk, de Christopher Nolan, já que que o roteiro de Anthony McCarten tem uma base forte na grande batalha de Dunkirk, inclusive com lamúrias e reclamações do personagem principal pelos motivos que fizeram a empreitada dar errado. O tema bélico faz parte das questões envolvendo a vida política do de Churchill, mas se gasta um tempo demasiado nesses desenvolvimentos, basicamente para esticar os momentos de tensão, onde invariavelmente Oldman vai bem, mas que em outros pontos, soa caricatural, tal qual Anthony Hopkins, em Hitchcock.

    O uso da contagem de dias no mês de Maio é extremamente enfadonha, tal qual algumas necessidades de tornar literal situações que o personagem tem de passar. Ao ser aconselhado pelo rei Rei George VI (Ben Mendelsohn), Churchill vai ao metrô para ouvir o povo, e decide então seguir seu instinto, ao contrário dos companheiros de partido, Viscound Hallifax (Stephen Dillane) e Neville Chamberlain (Ronald Pickup), decidindo seguir em guerra contra o Eixo. Apesar de emocional, a cena é piegas e desnecessária.

    O início de O Destino de Uma Nação é promissor, fazendo acreditar que seria emocional e econômico, e obviamente não chegando a um equilíbrio dessas duas condições, tendo um desfecho bastante melodramático e que remete a cinebiografias recentes como A Teoria de Tudo e O Jogo da Imitação, fato que surpreende, uma vez que o cinema do diretor costuma ser mais equilibrado nesse sentido.

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  • Crítica | Dupla Explosiva

    Crítica | Dupla Explosiva

    O nome Dupla Explosiva não é lá tão inédito nos cinemas. Aliás, tornou-se uma espécie de saída fácil para filmes de ação com dois protagonistas. Além desse, tivemos um Dupla Explosiva em 2010 estrelado por John Travolta e Jonathan Rhys-Meyers, um em 2002 estrelado por Antonio Banderas e Lucy Liu e um em 1974 com os ícones Terence Hill e Bud Spencer.

    Na trama encabeçada por Ryan “Deadpool” Reynolds e Samuel L. “Muthafucking Nick Fury” Jackson, Reynolds interpreta um ex-agente da CIA chamado Michael Bryce que possui um renomado serviço de segurança e escolta. Porém, durante um serviço, um contratante acaba sendo morto e Bryce acaba caindo em desgraça. Jackson interpreta Darius Kincaid, um assassino profissional que está sendo transportado pela agente Amelia Roussel, ex-namorada de Michael e operativa da Interpol vivida por Élodie Yung, para testemunhar contra um ex-ditador vivido por Gary Oldman, mas durante o transporte, o comboio é atacado, obrigando Darius e Amelia a fugirem e se esconderem. Desconfiada de uma traição dentro da agência, Amelia contrata Bryce pra que ele escolte Kincaid até o tribunal internacional em Amsterdam.

    Dupla Explosiva poderia dar muito certo. PODERIA, mas não deu. Não que o filme seja ruim, muito pelo contrário. É uma excelente diversão. Entretanto, é um filme extremamente irregular. A química entre os dois protagonistas é incrível, Reynolds e Sam Jackson combinam demais. Em algumas cenas, fica a impressão de que o diretor simplesmente os deixou improvisar durante o tempo todo, tamanho os absurdos proferidos de parte à parte. Existem diálogos impagáveis e a comicidade dos dois atores é muito bem explorada.

    O bicho pega quando se analisa o roteiro e direção. Tudo é muito genérico. Desde os personagens coadjuvantes à trama principal, passando por subplots e outros plot twists. As circunstâncias são genéricas e telegrafadas à milhas de distância. Outro problema é a forma do diretor Patrick Hughes filmar as cenas de ação. O seu trabalho aqui é um pouco superior ao de Os Mercenários 3, mas o diretor filma de forma pasteurizada a maioria das cenas de ação. Ainda que em certos momentos ele imprima uma estética quase cartunesca, durante a maior parte do tempo as cenas são sem graça e sem a menor inventividade. O filme teve classificação R nos Estados Unidos, o que equivale aqui no Brasil a uma classificação para maiores de 16 anos, e isso não foi aproveitado pras cenas de ação – com exceção de uma ótima cena feita quase em plano sequência já no final do filme. Infelizmente,  nada do que vem antes é digno de nota, seja por ser praticamente reprise de outros filmes ou por faltar algo mais anárquico e condizente com o humor do longa.

    No que tange às atuações, novamente tenho que elogiar Reynolds e Jackson. Os dois sabem arrancar risadas dos espectadores, seja se aproveitando dos diálogos escritos ou mesmo pela dinâmica da dupla. Com uma química maravilhosa, os dois sustentam todo o filme, uma vez que o elenco de coadjuvantes não é lá dos mais inspirados. Gary Oldman pouco aparece, mas atua em piloto automático (ainda que o piloto automático dele seja melhor que muitos atores trabalhando a sério) interpretando um ditador que vai a julgamento por crimes contra a humanidade; Élodie Yung se esforça e até defende bem seu papel em alguns momentos, mas no geral é um tanto sem sal; Joaquim de Almeida até tem um papel de destaque, mas que não lhe permite grande atuação (e parece que ele nem faz questão disso); e por fim, Salma Hayek é o ponto fraco do elenco com sua latina afetada e desbocada. Ela repete o que fez durante grande parte de sua carreira, mas de forma exagerada e forçada. Talvez o papel ficasse melhor com Sofia Vergara, atriz que encaixaria melhor na dinâmica e no tom de galhofa do filme.

    Enfim, como filme de comédia, Dupla Explosiva é bastante divertido. Já como filme de ação, é só mais um entre tantos que são lançados todos os anos, mas que mesmo assim vale ser conferido.

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  • Crítica | Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban

    Crítica | Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban

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    Terceiro episódio da franquia, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban representa uma evolução no conjunto de linguagens apresentadas na saga e na dramaticidade da trama que, agora, ganha contornos mais sombrios que preparam o espectador para passagens mais densas da história do menino bruxo. Nessa sequência, Sirius Black, um famoso bruxo, escapa da prisão de segurança máxima de Azkaban imbuído do desejo por terminar aquilo que Lorde Voldemort começou: assassinar Harry Potter.

    Após dirigir os dois primeiros filmes da octologia, o americano Chris Columbus cedeu a cadeira de diretor para o mexicano Alfonso Cuáron (Gravidade). É significativamente perceptível as diferenças de perspectiva da mesma obra por parte dos dois diretores. Cuáron aposta em uma proposta mais soturnas, com soluções que flertam com um universo mais adulto. Existe uma clara evolução nos enquadramentos, no jogo de câmera, na lente aberta, na fotografia e montagem do longa-metragem. Aliás, talvez sejam montagem e roteiro os principais diferencias aqui. A saga abandona um roteiro simples e linear e ganha uma time line mais flexível, que exige um pouco mais da percepção dos espectadores.

    Outra mudança interessante está no figurino que deixa para trás os tradicionais uniformes da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts e investe em trajes “trouxas”, o que facilita a avatarização do público na trama. A ambientação outdoor também ajuda a transmitir a ideia de que finalmente reconhecemos o terreno que pavimenta a saga e agora temos os detalhes em função da trama central e não oposto, como visto nos dois primeiros episódios.

    Pela primeira vez é possível vislumbrar os contornos de uma excelente atuação entregue por Emma Watson que, mais tarde, viria a se tornar uma estrela internacional. Aliás, a única do trio protagonista que conseguiu transcender sua personagem, Hermione Granger. Rupert Grint e Daniel Radcliffe também entregam boas atuações, mas são absolutamente ofuscados por um elenco que conta com nomes como Maggie Smith, Gary Oldman e a supracitada Emma Watson.

    Ainda falando sobre o elenco, temos Michael Gambon substituindo o falecido Richard Harris – falecido meses antes – no papel de Albus Dumbledore. Embora Harris tenha desempenhado uma excelente atuação, Michael dinamiza o famoso diretor de Hogwarts. Claramente mais jovem, o ator empresta esse frescor ao personagem que aqui parece mais acessível e mais complexo que outrora.

    Embora tenha basicamente a mesma duração que os seus antecessores, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban oferece ao espectador uma experiência bem mais agradável em função de toda mudança de rota promovida pelo diretor. Um dos episódios mais adorados pelo público – embora não seja muito fiel ao seu livro de origem – Azkaban é um interessante e bem executado ponto de ignição para a batalha entre o menino que sobreviveu e ‘aquele que não deve ser nomeado’.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Crítica | Crimes Ocultos

    Crítica | Crimes Ocultos

    Crimes Ocultos 2

    Película sob a direção de Daniel Espinosa – o mesmo de Protegendo o Inimigo – e produzido por Ridley Scott, Crimes Ocultos foi proibido na Rússia por ser considerado uma distorção da história, segundo o governo atual. O roteiro começa tratando do conhecido Holodomor, usado como arma (fascista) do governo stalinista impetrando fome aos ucranianos, fato que vai de encontro à questão atual da Rússia X Ucrânia, e “valida” – entre muitas aspas – o reclame censor do governo de Putin, conhecido por ser uma das viúvas da antiga URSS.

    Fato é que, desde o princípio, a bandeira soviética é achincalhada durante a exibição do filme, enquanto a maioria dos oficiais do exército, ao menos os de compleição semelhante a paladinos, é mostrada com expressões resignadas, movidas possivelmente pela culpa. Todas as expressões de amor ou outros sentimentos tipicamente humanos são apresentados de modo raso e clichê, sem qualquer meio-tom ou ancenúbio.

    Leo Demidov (Tom Hardy) é um dos poucos personagens complexos. Sua atuação enquanto militar é semelhante a de um Hans Landa socialista e sem carisma, sem piadas que evocam verborragia. A dura expressão esconde um caráter que não o impede de se importar com os seus companheiros, e que o faz não desistir de montar uma tropa de homens honrados, seja lá o que significar isto em sua distorcida noção de realidade. Logo de início, nota-se o seu fraco por infantes, considerados por ele como seres indefesos, independente dos pecados de seus pais.

    O ethos de Leo é desafiado com a designação de dar cabo a um irmão de farda. Contrariando a fala de que “assassinato é uma prece capitalista”, o personagem central beira a condenação daquilo que Stalin desaprovava. De modo tórrido, mostra-se que o importante era manter a versão oficial, não discutindo o regime. Uma ação típica das ditaduras, claro, mas duramente criticada neste roteiro. A atuação de Hardy salva o filme de ser um desprazer completo, já que consegue mostrar emoções conflitantes mesmo diante da rigidez tipicamente militar que lhe é imposta.

    Os relatos de um traidor formam o real chamado à aventura da trama, que põe frente a frente marido e mulher. Raisa (Noomi Rapace), antes mostrada como uma mulher indócil e frígida com seu cônjuge, tem sua fidelidade à pátria – e ao próprio esposo – discutida, passando a exibir a partir daí uma crueldade demasiada com os próprios soldados do Regime, e sua tortura é agravada devido a uma gravidez.

    É curiosíssimo como a escalada das patentes é mal construída, casando convenientemente com as necessidades da trama, ignorando sempre os plots anteriores em detrimento da proteção de uma figura controversa como a de Vasili, feito por um Joel Kinnaman mais uma vez equivocado em seu papel, algo que tem sido comum nos últimos tempos.

    O castigo pela fidelidade dupla, ao país e ao matrimônio, é o exílio. A comando do General Mikhail Nesterov (Gary Oldman), Leo tem de conviver com casos estranhos de tortura de crianças, um tormento agravado por sua possível e futura condição de pai. O atrapalhado script joga a verdade ao espectador de forma óbvia, produzindo mais um sem número de situações limite. De aspecto positivo há somente a realidade de ter uma relação calcada no medo, mostrada em detalhes sórdidos, pincelados de maneira ideológica para crucificar e demonizar o ideal dos personagens.

    O Jogo da Imitação mostra os pecados da Grã Bretanha no pós Segunda Guerra ao tornar a homossexualidade um crime grave. Crimes Ocultos faz o mesmo com a ditadura do leste, ainda que trate de maneira ainda mais sensacionalista, como se fosse exclusividade dos comunistas tal defeito. Nenhuma morte e preconceito deve ser banalizada ou relativizada, mas há de não se ignorar a história. Usá-la para condenar somente um segmento ou partido é um artifício covarde, sendo esta a base de toda a história de Child 44 versão cinema.

    O que deveria – ou poderia – ser um conto a la Dennis Lehane nos anos 50 torna-se uma estúpida propaganda anticomunista, sendo a ideologia vazia o principal mote da discussão do roteiro, evocando até a autotortura em nome de Stalin, absolutamente desnecessária. O argumento é raso e condizente com os fãs da direita ferina. Todos os assuntos se dobram diante da distorção do discurso político, o amor não correspondido, pedofilia, raptos, ataques de um assassino serial, praticamente tudo é subalterno em virtude da desconstrução da fala socialista. Até a possibilidade pragmática de fazer a justiça com as próprias mãos é validada somente para denunciar o quão falho é o sistema, como se toda forma de governo contrária fosse maravilhosa. A alternativa de culpar o nazismo e Hitler – mais um refutável lugar comum – é tardio, já que todas as conclusões a respeito da história podem já ser tiradas com menos de metade da duração.

    O mini golpe dentro da revolução, mostrado em tela, assemelha-se ao comportamento de  ratos  que tentam contra-atacar as ações de homens armados. O cúmulo se dá ao notar que os mesmos rebeldes que condenavam os opositores por táticas de assassinato, são também exímios em armas brancas e assassinatos. O pecado maior é mostrar até os últimos momentos o exacerbo caricatural dos poderosos, como se fossem czares, e não socialistas, trabalhando sempre em favor do retrocesso, forçando a maré contra a verdade.

    A  luta final travada em meio à natureza é emblemática por revelar grande parte dos defeitos do filme e de seu texto, igualando o lodo e a sujeira da briga com o asqueroso pressuposto. A escolha de partido é equivocada e passa longe de retratar a realidade mundial da época, usando o russos como vilões, apelando para o sensacionalismo mesmo quanto deveriam mostrar lados positivos daquelas figuras. Se os papéis do roteiro estivessem encharcados da lama da batalha final, este ainda assim seria menos tendencioso e sujo do que o resultado final de Crimes Ocultos, que mais se preocupa em ser uma contrapropaganda anacrônica situada em uma Guerra Fria já inexistente, do que em um retrato da época, banalizando até a boa direção, fotografia e direção de arte de Espinosa e sua equipe.

  • Crítica | Planeta dos Macacos: O Confronto

    Crítica | Planeta dos Macacos: O Confronto

    Planeta dos Macacos O Confronto

    Lançado em 2011, Planeta dos Macacos: A Origem conseguiu ser bem-sucedido de uma forma que poucos reboots são capazes. Isso porque o longa não se limitou a modernizar aspectos superficiais e recontar a mesma história, e sim dedicou-se a um ponto fundamental para que uma franquia sobre macacos humanoides falantes pudesse ser levada a sério nos dias de hoje: a transição do mundo, como nós o conhecemos, para o Planeta dos Macacos propriamente dito. O novo capítulo da saga, intitulado O Confronto, dá mais um passo nessa direção, felizmente ainda sem pressa.

    Apesar da mudança na direção (saiu Rupert Wyatt, entrou Matt Reeves), o filme manteve sua identidade, não apenas visual como também conceitual. A pegada de realismo/seriedade permaneceu e ganhou contornos mais dramáticos, pois o cenário agora é muito mais sombrio. Dez anos após o fim de A Origem, o vírus criado em laboratório praticamente dizimou a humanidade. Um grupo de sobreviventes localizado em São Francisco precisa reativar uma usina hidrelétrica situada numa floresta próxima. O problema é que neste território vive uma enorme comunidade de símios evoluídos, liderados por nosso velho conhecido Cesar (Andy Serkis, pra variar humilhando mais uma vez). Nem um pouco difícil adivinhar que o contato entre os dois grupos não vai acabar bem.

    Logo nos primeiros minutos da produção, o fato de um dos lados ser composto por macacos se torna irrelevante. Eles são organizados, caçam, se comunicam (principalmente por gestos, ainda), transmitem conhecimentos complexos para os mais jovens, e até andam a cavalo. Vemos, indiscutivelmente, uma civilização. A partir daí fica reconhecível um dos argumentos mais velhos do mundo, o contato entre dois povos cujo nível tecnológico é diferente. Ódio e medo do desconhecido, preconceito por parte dos “superiores”, bons e maus elementos em ambos os grupos, todos os elementos estão lá. Nesse sentido, o filme conquista seu lugar no hall das boas ficções científicas, que usam um contexto diferente para falar dos nossos problemas atuais e históricos.

    Grande parte do mérito da manutenção da identidade, que faz com que O Confronto se encaixe perfeitamente como a continuação natural de A Origem, cabe ao retorno dos roteiristas Rick Jaffa e Amanda Silver, agora com a adição de Mark Bomback. A jornada de Cesar continua, mostrando que governar é muito mais difícil do que liderar uma revolução. Agora mais velho e pai de família, tenta atuar como líder moderado, buscando preservar tanto seu povo quanto os humanos, dos quais conheceu o lado bom. A oposição surge na figura de Koba, cujo ódio pelos humanos (por ter sido cobaia de laboratório durante anos) o conduz a uma postura cada vez mais belicosa. Aliás, palmas para o ator Toby Kebbell, que faz um trabalho tão bom quanto o de Serkis.

    O elenco, aliás, conta com grandes nomes que fazem um trabalho discreto porém sólido, uma vez que o destaque sem dúvida é da galera da captura de movimentos. Gary Oldman, como o líder do grupo humano, começa gritando a plenos pulmões, mas seu personagem perde importância com o decorrer da trama. O casal vivido por Jason Clarke e Keri Russell representa os bonzinhos da vez, e tem ótimos momentos interagindo com Cesar. Quem também mostra competência é Matt Reeves, seguro tanto nos momentos mais intimistas quanto nas cenas de ação, nas quais sabe imprimir tensão e fazer o espectador se sentir no meio do caos – basta lembrar de seu principal trabalho, Cloverfield.

    Embora sobrem acertos, o filme não está isento de falhas. Incomoda o quanto os humanos parecem organizados, limpos, bem alimentados. Depois de dez anos em um cenário pós-apocalíptico, era de se esperar que eles estivessem em pior estado. A motivação para ativar a hidrelétrica, se analisada com calma, também não convence. Os personagens dizem estar cientes que a energia vai durar por tempo limitado, e o principal objetivo é conseguir contato com outros grupos de humanos, para assim “reconstruir a civilização”. A experiência não ensinou a eles o perigo de encontrar outras pessoas num mundo de recursos limitados?

    Contudo, os erros são perdoáveis por se tratar de uma história na qual o “o que” e o “como” são muito mais relevantes que o “por que”. O futuro onde macacos ainda mais evoluídos escravizam os humanos ainda parece distante, é difícil enxergar Cesar nessa equação, ainda que sua escolha final (consciente e de coração pesado) represente mais um pequeno passo nessa direção. Que a saga continue sendo contada sem pressa alguma, pois está claro que este é um dos casos em que a viagem é mais importante que o destino.

    Texto de autoria de Jackson Good.

    Ouça aqui nosso podcast sobre a saga “Planeta dos Macacos”.

  • Crítica | RoboCop (2014)

    Crítica | RoboCop (2014)

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    O cineasta holandês Paul Verhoeven marcou uma geração de jovens dos anos 90 com suas produções marcadas pela violência gráfica e distopias futuristas. Com três clássicos nas mãos (Robocop, Vingador do Futuro e Tropas Estelares), o diretor estabeleceu uma linguagem própria e uma base considerável de fãs mesmo dentro da crítica, mas não resistiu à modernização e ao crescimento da “caretice” de Hollywood no final da década. Tanto é que Verhoeven acabou voltando desiludido para a Holanda e lá produziu o excelente A Espiã e, o ainda não lançado no Brasil, Steekspel. Como já era de se esperar, a onda de remakes atingiu seu legado, e em 2012 foi refilmado O Vingador do Futuro, fracasso retumbante e totalmente esquecido pelo público.

    Agora é a vez de Robocop, considerado por muitos seu melhor filme nos EUA. A MGM já tentou refazer o filme algumas vezes, mas não encontrava a pessoa certa. Após ver o sucesso dos dois Tropa de Elite, acabaram-se as dúvidas. A visão política e social de José Padilha, combinada a intensas cenas de guerra urbana das autoridades contra os “inimigos”, assemelhava-se bastante à proposta de Verhoeven. Logo, o brasileiro foi chamado para dirigir o projeto.

    A história se passa em torno do incorruptível e incansável detetive Alex Murphy (Joel Kinnaman), que investiga, na cidade de Detroit, crimes que sobem cada vez mais na escala de poder. Após seu parceiro Jack Lewis (Michael K. Williams) ser baleado em uma operação, ele decide investigar sozinho a rede de corrupção da cidade, mas sofre um atentado que quase tira sua vida. Nisso entra a Omnicorp e o plano de trazer para o mercado doméstico a produção de soldados robôs com a função de proteger o país. O presidente da companhia, Raymond Sellars (Michael Keaton), empenha-se arduamente com a ajuda do apresentador de TV Pat Novak (Samuel L. Jackson). Assim, decidem transformar o moribundo Murphy em uma máquina, porém os planos da empresa não saem como planejados.

    As comparações com a obra original serão inevitáveis, mas ao contrário dos remakes/reboots lançados atualmente no mercado, o novo Robocop possui história própria a ser contada de forma singular. Esse mérito podemos dar a Padilha, que não caiu na tentativa de recriar o filme de Verhoeven, tampouco de inovar completamente retirando a essência política da história. Porém, faltam ao remake a originalidade e a anarquia criativa do original justamente como sátira de um universo policialesco e anestesiado, sofrendo com a violência endêmica sem conseguir reagir dentro dos moldes de uma sociedade democrática. Dessa forma, Robocop surge como a união dos traços marcantes da modernidade: a automatização robótica e o discurso policial como salvador da pátria. E, neste aspecto, Padilha flerta timidamente com esses temas, sem causar nenhum tipo de reação ao espectador.

    A Detroit do filme de 1987 era realmente suja, decadente e claramente violenta, em uma previsão profética do que se tornaria a cidade hoje. Porém, no remake ela é uma cidade moderna, com policiais honestos morando em bairros de classe média alta sem nenhuma preocupação. Nem de longe passa a imagem falada na história de que Detroit estava entregue à violência.

    As inserções televisivas, e satirizadas ao extremo pelo diretor do original, foram diminuídas em um único personagem, Pat Novak, apresentador de algo como um programa da Fox News, ou mesmo um Datena ou Cidade Alerta no Brasil. Reacionarismo e discurso da ordem através da violência contaminando o debate, mas que não causam nenhum efeito além de informar friamente o espectador. A TV possui esse único papel: o jornalismo-marrom. Não vemos nenhuma propaganda contra a radiação solar ou programas de humor com bordões ridículos que pareciam entreter a todos, elementos que marcaram o tom humorístico televisivo de 1987, ausência essa que transparece sisudez.

    Os acertos do filme se dão pela visão política interna e global, que provavelmente teve o dedo de Padilha. A questão não é somente a segurança interna de uma cidade dos EUA, e sim como o império já se alastrou pelo mundo e os robôs e drones são usados pela máquina militar a fim de estabelecer seu poder, como mostra a cena inicial em Teerã, na qual um ED-209 executa um garoto. Também é interessante o papel da China na história. Murphy é transformado no Robocop em uma linha de montagem na Ásia, e quando foge, sai em uma linha de produção tão automatizada quanto ele, lembrando as fábricas da Samsung, Apple e outras multinacionais. Definitivamente, os EUA deixaram de concentrar todo o poderio industrial do planeta. Porém, isso poderia ter uma contradição, já que o crescimento econômico da China é acompanhado de crescimento político, e nesse contexto talvez uma invasão ao Irã não aconteceria ali tão perto dos chineses.

    O papel da família de Murphy também se tornou muito maior no remake. Enquanto no original sua família era uma simples lembrança distante, agora sua esposa, Clara Murphy (Abbie Cornish), possui participação ativa, na tentativa de humanizar o personagem. O que faria sentido se seu papel não fosse cada vez mais diminuído conforme o filme avança, até chegar a uma cena final um tanto quanto embaraçosa no heliporto. Seu filho então é praticamente um poste. Até o ator mirim de Homem de Ferro 3 foi mais importante.

    Também é menos impactante a figura do vilão. Enquanto Kurtwood Smith dá vida ao impressionante e odiável Clarence Boddicker, em cuja cena da morte de Murphy traumatizou uma geração de crianças, Antoine Vallon (Patrick Garrow) não cativa em momento algum, servindo somente para ser morto no final em estéril cena de tiroteio que causou um pouco de vertigem, tamanha velocidade e quantidade de cortes. Toda a gangue de Boddicker era marcante, enquanto a gangue de Vallon é representada somente por dois policias corruptos, personagens também unidimensionais e sem graça. Também é difícil estabelecer uma violência tão grande em um filme PG-13, a praga do cinema moderno, em que todos os filmes precisam ser “para a família”.

    Como era de se esperar, as cenas de ação do Robocop moderno não suportariam mais aquela velocidade lenta da década de 80, e o protagonista consegue pular e saltar a fim de cumprir objetivos, em cenas bem realizadas e que não incomodam, como era o medo de muita gente. Apesar de ser boa, a estética de videogame e FPS incomoda um pouco não só pela filmagem, mas também pela falta de uma ameaça realmente importante ao espectador. A cena de luta com os ED-209 foi bem feita, e 9 entre 10 espectadores esperaram uma referência ao fato de ED não conseguir descer escadas, o que infelizmente não ocorreu. A referência maior ficou na aparência do protagonista, com traços que lembram a “armadura” original, inclusive seu tom de cinza, que a deixou muito bonita. Depois transformada em preta, perde um pouco esse charme, lembrando mais os soldados do BOPE e a temática de “policialização” do debate político.

    Como elemento em desarmonia, a trilha sonora original, composta por Basil Poledouris, foi repaginada e usada em alguns momentos estranhos, não encaixando neles muito bem. As músicas de cenas de ação e principalmente dos créditos finais tampouco soaram como complemento ao filme, parecendo mais com o restante da produção, dando uma sensação de “faz sentido, mas tem algo errado aqui”.

    A ciência também possui um papel maior no filme de 2014. Explicações técnicas do cientista responsável pelo projeto, Dennett Norton (Gary Oldman), estão sempre presentes, seja em cena, seja em narração, o que se torna algo desnecessário. Também há a boa e velha ciência hollywoodiana com seus termos do tipo “queimadura de 4º grau em 80% do corpo” e “ele está sobrescrevendo as prioridades do sistema”, sempre usadas para justificar uma guinada fácil no roteiro. Como quando Murphy, inexplicavelmente, passa a sentir emoções novamente mesmo quando essa capacidade foi biologicamente retirada. O detalhe da mão humana também é complicado: apesar de eficiente dramaticamente, pois deixa Murphy ainda com toque humano, torna todo o projeto do robô mais difícil, afinal, basta uma queda da moto em alta velocidade, um pisão de ED-209 ou simplesmente um tiro para incapacitar sua mão.

    Robocop (2014) é um bom filme, mas possui os defeitos clássicos do cinema moderno: excesso de explicação, violência sem peso dramático, resoluções fáceis e rápidas e personagens unidimensionais. A impressão presente no final da projeção é que vimos um filme inteiro como robôs “com 2% dopamina” no sangue. A produção tem seus méritos e consegue trazer novos debates, mas sem brilho e empatia. Não será esquecido como o remake de O Vingador do Futuro, mas tampouco figurará entre os clássicos do gênero. Que sirva ao menos para Padilha conseguir se estabelecer no mercado norte-americano e produzir obras melhores por lá.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Os Infratores

    Crítica | Os Infratores

    Poster de os infratores

    Os Infratores (Lawless, 2012), filme dirigido por John Hilcoat (A Estrada), com roteiro de Nick Cave adaptado de um livro escrito por Matt Bondurant, neto de um dos personagens principais do longa, que é baseado em fatos reais.

    O filme nos conta a história dos irmãos Bondurant, que vivem no Condado de Franklin, Virginia. Na década de 1930 durante a recessão americana e portanto, com o cenário da lei seca. Os irmãos são Jack (Shia Labeouf) o mais novo, que tem sempre de provar o seu valor aos outros. Forrest (Tom Hardy), o mais velho; chefe da família, e Howard (Jason Clarke), o mais temido dos três, muito por seu comportamento explosivo.

    A família toca uma espécie de restaurante, posto de gasolina e base de operações para outros negócios, que agora com a lei seca, se resumem a fazer um Whisky clandestino de boa qualidade. Atividade que apesar de ilegal, é amplamente aceita e difundida entre as pessoas da região. O problema se inicia com a chegada do corrupto agente federal de Chicago, Charley Rakes (Guy Pearce), que deseja organizar o comércio de bebidas daqueles caipiras. Fazendo valer a sua autoridade sobre um xerife, que também não concorda com seus métodos.

    Rakes é um personagem enjoado, que destoa de todo aquele universo em que está inserido. Com trejeitos afetados. Um penteado dividido que é mantido com obsessão e um exagero constante no uso de sua colônia. Guy Pearce faz um bom trabalho na construção desse papel, apesar da pouca exigência de um personagem linear, sem nuances e traços contraditórios. Que não deixa dúvidas, nem ao espectador mais desatento, que se trata do vilão da trama.

    Somos apresentados também, a duas personagens femininas, Maggie Beaford (Jessica Chastain), uma dançarina da cidade que vai para o interior em busca de uma vida mais calma e acaba se tornando uma espécie de faz-tudo dos negócios dos Bondurant: garçonete, contadora, além de namorada de Forrest. A outra mulher da história é Bertha Minnix (Mia Wasikowska), filha de um pregador, que se apaixona por Jack, e acabam mantendo um romance proibido. Ambas as personagens pouco movimentam a história ou tem uma real importância naquilo que somos apresentados. Elas servem mais como um artificio para humanizar os heróis do filme, e de certa forma, transformar aquela história de crimes e violência, em uma história de família.

    Apesar dos créditos iniciais de ‘Os Infratores’ nos dizer que se trata de uma história baseada em fatos reais, tudo no filme funciona como se fosse uma saga de um pescador e seu peixe de 100 quilos no lago, contado enquanto se passeia por algum reduto longe da cidade. Quase tudo tem um certo exagero, tanto na velocidade com que as coisas acontecem, a proporção que os fatos tomam, e principalmente, as cenas de ação e tiroteios, longe de qualquer veracidade do nosso mundo. Mas que nos deliciaria ao ser contada como um “causo” do interior, repleto de lendas e folclore em torno da misteriosa família Bonderant, tida como invencível por toda região.

    Com homens da lei que agem por maneiras escusas. E transgressores honrados e corajosos, que não causam nenhum mal para aqueles que são bons. ‘Os infratores’ define muito bem quem é vilão e quem é herói. A única ambiguidade que vemos se dá na forma dos personagens Jack e Forrest, que são uma espécie de reflexo invertido. Enquanto o primeiro sempre foi um tipo avesso a violência, beirando a covardia, Forrest era o primeiro a se apresentar a ela. Em contrapartida, quando o assunto eram os negócios, Forrest era conservador, preferia manter sua vida tranquila, sem incomodar ninguém, para também não ser incomodado. Já Jack, era ambicioso, disposto a quase tudo pelo sucesso, venerando inclusive, o mafioso Floyd Banner (Gary Oldman) – que infelizmente faz um papel bem pequeno no filme e acredito que poderia ser melhor explorado.

    Com uma bela fotografia de Benoît Delhomme; direção competente de Hilcoat, principalmente nas cenas de ação, sempre intercaladas com cenas cotidianas que aprofundam e nos fazem simpatizar por aqueles personagens. Além de retratar o espaço e o tempo que aquela história se passa. Somado também a uma leve mistura de gêneros como Western e Gangsters, ‘Os Infratores’ se mostra um bom filme sobre um “causo” passado adiante por vários contadores de história.

  • Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge

    Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge

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    Inestimável é a primeira palavra que se pode ter em mente ao falar de Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge. O terceiro filme da trilogia dirigida por Christopher Nolan dá fim a um projeto que mudou a forma como as pessoas enxergam e lidam com filmes de super heróis. Uma forma mais realista e sombria foi apresentada a um público que estava acostumado a um Batman mais “super-herói” e menos próximo à realidade. Nesta conclusão temos o melhor filme da trilogia e provavelmente um dos melhores – se não o melhor – filme de super herói já feito.

    Dark Knight Rises se passa 8 anos após os acontecimentos do filme que o antecede. Somos apresentados à uma Gotham City em paz, com um índice de criminalidade baixo, uma polícia acomodada à tranquilidade e um Batman aposentado (além de um Bruce Wayne recluso). Porém, surge Bane (Tom Hardy), um mercenário que resolve aproveitar esse momento de aparente tranquilidade e fragilidade para colocar em ação seu plano sombrio de destruir Gotham City.

    Primeiramente, é importante ressaltar que a escolha da palavra “Rise” no título – aqui sendo pensada no sentido de “ascender”, ao invés de “ressurgir” como na tradução realizada no Brasil – é muito importante pelas várias formas que ela assume ao longo do filme em diversos momentos. Isso é só um pequeno exemplo com o intuito de dizer que trata-se de uma obra com detalhes muito importantes e que se unem a um todo sem pontas soltas. O roteiro é sólido e extremamente meticuloso, fruto de um trabalho excepcional por parte de Christopher Nolan, Jonathan Nolan e David S. Goyer.

     A trama é forte, tensa e envolvente. Dessa vez, temos um Batman que passa por piores dificuldades, tem seu corpo e sua alma destroçados, mas que ressurge como o verdadeiro herói. Ao mesmo tempo, temos um Batman que se ausenta das cenas pra dar lugar a um personagem também muito importante: a cidade de Gotham. Não somente o protagonista é abalado, como também a cidade se vê obrigada a reagir a um ditador extremista que quer fazer com que o povo conquiste a liberdade através da violência. Em contraposição, temos Batman se tornando um símbolo para que a cidade busque sua própria liberdade e justiça.

    Nolan não só acertou em um bom roteiro como, novamente, acertou em todas suas escolhas de elenco. Christian Bale continua com sua excelente atuação do herói principal, que cativou pessoas do mundo inteiro ao longo dessa franquia. Anne Hathaway, interpretando a Mulher Gato, demonstrou profundidade na atuação de uma personagem que estava em conflito sobre os valores que deveria defender. Tom Hardy interpreta um vilão amedrontador e de personalidade forte e cativante. Seu olhar penetrante ajuda a construir um ar de poder ao personagem que o carrega e sustenta durante toda sua participação no filme. Joseph Gordon-Levitt, por sua vez,  faz o papel do braço direito do Comissário Gordon e esbanja uma impressionante atuação em um personagem de excelente desenvolvimento e de grande importância na trama.

    Toda a trilogia se completa com este final. Todas as pontas se unem e formam uma obra completa e fantástica. Christopher Nolan eternamente será lembrado como o homem que eternizou o Batman nos cinemas. Um verdadeiro presente para todos os fãs.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas

    Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas

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    Depois do impressionante primeiro ato, Christopher Nolan retorna à franquia de Batman para realizar uma produção épica. A consagração que romperia o gênero filme de super-herói para tornar-se um grande filme por excelência.

    Introduzido como gancho na produção anterior, entra em cena a personagem antagônica do Cavaleiro das Trevas, o Coringa. Sua figura é representação máxima da potência de Batman e se popularizou até nas frases que se tornaram seculares entre os fãs.

    A trama se aproxima novamente de histórias conhecidas do herói sem deixar de lado elementos inéditos.  Trabalhando com diversos níveis narrativos, a composição de suas camadas é exemplar. Injusto afirmar que Coringa é a personagem central, sendo claro três polos distintos na narrativa: Harvey Dent como a manutenção da paz perante a lei, Batman como o vigilante que age no limiar desta, e a figura do palhaço como a não-regra, o caos.

    Os enredos se apresentam de maneiras distintas e paralelas, culminando no ápice sem volta em Gotham City. Sob esse aspecto, o diálogo entre Batman e Gordon em Begins já inferia que o surgimento de um super-herói implicaria em uma escalada criminosa. E o que assistimos é justamente uma força impossível de ser sobrepujada.

    Heath Ledger incorpora um Coringa crível e conveniente também com os quadrinhos. O espaço para a piada só se realiza por meio do grotesco, da figura abominável sem limites. Embora a personagem se encontre pouco com o seu rival, definitivas são as cenas em que estão juntos.

    O interrogatório no quartel de Gordon é a chave central do significado entre herói e vilão, uma cena brilhante que, além de seu impacto, tem significado como análise do bem que necessita do mal para existir.  A moeda que trafega nessas vias é o promotor Harvey Dent (Aaron Eckhart), que vai de um extremo a outro, conduzido por Coringa.

    A consistência do elenco comprova que é possível realizar um filme com grandes astros sem a sensação de deslocamento, impressão que tenho assistindo aos diversos filmes da Marvel. Sendo possível trabalhar com um bom elenco sem a sensação de ele estar presente só como divulgação do filme.

    Mesmo que o texto apaixonado não abrace todos os expectadores da produção, uma afirmação é correta: Batman – O Cavaleiro das Trevas tornou-se exemplo a ser copiado. Produziu um marco grandioso nas histórias em quadrinhos que tanto será comparado como tentará ser copiado. Exemplo parecido com o que aconteceu com Matrix, em 1999.

    Mais do que o filme em si, sua força é medida quando, além de uma simples história, uma produção transforma-se em método a ser seguido. Some a isso o fato de que o elemento dramático fez milhões de nerds chorarem no final da trama, que você encontra um épico moderno com a elementar jornada de um herói.

  • Crítica | Batman Begins

    Crítica | Batman Begins

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    Demorou certo tempo para a Warner trazer o Cavaleiro das Trevas novamente às telas, após a destruição causada por Schumacher com Batman & Robin. Ao descobrir sobre o interesse da produtora, Christopher Nolan demonstrou sua vontade em realizar um longa-metragem e esboçou breves ideias iniciais a respeito do projeto.

    Antes mesmo de realizar longas reuniões com executivos, Nolan convidou o roteirista David S. Goyer para juntos trabalharem em uma versão do roteiro, ao mesmo tempo em que seu desenhista de produção concebia visualmente as ideias criadas por ambos.

    Quando os executivos puderam conhecer a história de Nolan / Goyer, também tinham em mãos diversos protótipos desenvolvidos a respeito do uniforme e carro da personagem, e também da cidade de Gotham City. Elementos que começaram como testes na garagem de Nolan e tornaram-se presentes no filme.

    Batman Begins não só narra a origem do herói como também é o primeiro marco da narrativa de Nolan. O filme explora a lacuna de sete anos em que Bruce Wayne ficou fora da cidade. Lacuna que, diz o diretor, nem mesmo foi explorada em gibis.

    A personagem dos quadrinhos aproxima-se daquela vista nas telas: um homem que realizou uma jornada interior e teve maciço treinamento com diversos mestres para tornar-se aquilo que ambicionava. Além da composição como um herói, conhecemos também o pequeno círculo de confiança de Bruce Wayne: Alfred, o paternal mordomo, Lucius Fox, mentor tecnológico do morcego e Jim Gordon, o policial que lhe inspira confiança.

    Antes de o personagem vestir o manto, a história apresenta a jornada de Bruce Wayne. Nela, é desenvolvida a psicologia desde sua infância, com seu medo pelos morcegos, e as maneiras necessárias para explorar o terror interno. Antes mesmo de o público ver o Homem Morcego, há confiança e credibilidade na jornada estabelecida por Wayne.

    As tramas apresentadas são costuradas com perfeição. Inicialmente, Batman desenvolve uma luta contra a máfia da cidade, tentando ajudar a promotora Rachel. Conforme adentra as investigações, descobre que o Dr. Jonathan Crane aproveita-se do contrabando para desenvolver uma droga própria que impele o medo. A jornada do morcego constitui-se em uma luta com elementos ainda desconhecidos por ele.

    Batman foi criado para ser um tanque de guerra em forma de homem. Tem o aparato necessário e conhece as lutas marciais mais definitivas. Nolan não queria transformar a violência em espetáculo, mas sim em um elemento que assustasse o público. Dessa forma, oferece-se credibilidade à composição da personagem.

    A produção foi rodada quase inteiramente em locações ou estúdio, utilizando muito pouco do CG. Boa parte da cidade de Gotham foi levantada em grandes estúdios; a cena da caverna possui, de fato, um lago submerso e até mesmo o batmóvel foi construído como um veículo funcional de verdade, com quatro metros e mais de duas toneladas.

    Os elementos constituem uma realidade crível para o espectador. É retirado da personagem seu conceito colorido dos filmes anteriores, compondo um ambiente sombrio e real. Por conseguinte, estabelece-se com eficiência a composição de Christian Bale entre Bruce Wayne e Batman. Dando vazão e justificativa a um homem que a noite vira um símbolo.

  • Crítica | O Espião que Sabia Demais

    Crítica | O Espião que Sabia Demais

    Vamos deixar bem claro, logo no início do texto, a informação mais importante sobre O Espião que Sabia Demais: trata-se de um filme absolutamente dedicado à espionagem.

    Já sei o que você pode estar pensando.

    “É óbvio que ‘O Espião que Sabia Demais’ é sobre espionagem! Todo mundo sabe disso!”.

    Sim, meu amigo. Mas é justamente aí que você pode se enganar.

    Quando se fala em espionagem no cinema, a associação mais comum é com filmes da série 007 ou, na última década e meia, com os episódios das franquias Missão Impossível e Bourne. Ou seja, filmes com algum – pouco – conteúdo relacionado à espionagem e imensas doses de ação.

    “O Espião que Sabia Demais” não poderia ser mais diferente dos exemplos citados acima.

    Gosta de tiroteios? “O Espião que Sabia Demais” não tem nenhum.

    É fascinado por perseguições de carros em alta velocidade? Em “O Espião que Sabia Demais”, não há uma sequer.

    Aprecia muita pancadaria e explosões? “O Espião que Sabia Demais” passa longe disso tudo.

    Agora que as ressalvas foram feitas e você está advertido, vamos direto ao ponto: “O Espião que Sabia Demais” é uma das melhores películas lançadas nos últimos tempos.

    O filme, como se sabe, é a adaptação do romance homônimo, escrito por John le Carré – um dos mais populares autores de romances de espionagem, responsável por títulos como O Espião que Veio do Frio, o Alfaiate do Panamá e O Jardineiro Fiel. Ele mesmo, ex-espião inglês.

    Na trama, ambientada em 1973 – portanto, durante a Guerra Fria –, logo de cara somos informados que um dos integrantes do Circus, o alto escalão do serviço secreto da Inglaterra, é, na verdade, um agente duplo que vende informações para a KGB, a agência de inteligência da falecida União Soviética.

    O personagem George Smiley (Gary Oldman), que curiosamente havia acabado de ser demitido do Circus, é contatado diretamente pelo gabinete do primeiro ministro e recebe uma missão: investigar o caso para descobrir quem é o traidor.

    E é a partir daqui que o diretor sueco Tomas Alfredson – da excelente versão original de Deixe Ela Entrar – imprime seu ritmo: toda a trama é construída lentamente. Passo a passo. Não há cortes bruscos, nem tempo narrativo acelerado. Pelo contrário. A história flui num ritmo caudaloso que muitos, certamente, poderão considerar arrastado.

    Mas não caia nessa.

    Alfredson sabe exatamente o que está fazendo. Ele dita um ritmo cadenciado e contínuo – com algumas idas e voltas no tempo – para construir um mistério que é impenetrável para quem está assistindo. Acredite: a menos que tenha lido o livro, você dificilmente descobrirá quem é o traidor antes do filme chegar ao fim.

    Por ter esse andamento, as cenas de maior violência – sim, elas existem – são impactantes quando surgem na tela.

    E aqui há um ponto muito importante: este filme é exigente com quem o assiste. Se o espectador resolver deixar a sala por dois minutos para ir ao banheiro ou comprar pipoca, corre o imenso risco de perder o fio da meada e ficar confuso em relação à trama. Logo, faça tudo isso antes do filme começar. “O Espião que Sabia Demais” pede atenção absoluta.

    Os planos são longos e, em boa parte das vezes, estáticos. Os movimentos de câmera, quando acontecem, são incisivos, mas ao mesmo tempo discretos: aproximações , afastamentos e deslocamentos laterias.

    A composição é primorosa. Cada cena é construída com grande cuidado. A fotografia é do suíço Hoyte Van Hoytema, que já havia trabalhado com Alfredson em “Deixe Ela Entrar” e também cuidou da imagem de O Vencedor. Perceba como o trabalho dele, associado ao figurino e à cenografia, remetem imediatamente ao visual europeu da década de 1970.

    Em alguns momentos, a impressão que se tem é que estamos assistindo – pelo menos em termos estéticos – imagens de O Dia do Chacal, de Fred Zinnemann – não por acaso, adaptação de outro clássico da literatura de espionagem, este de Frederick Forsyth.

    Atenção especial à sede do então MI6 – atual SIS, sigla que designa a inteligência britânica. O marrom e seus matizes, além das prateleiras, mesas e arquivos de pastas dominam o ambiente, dando ao local uma inevitável cara de repartição pública. O estoicismo de alguns planos é reflexo da imensa burocracia que aquele local deixa transparecer.

    E no meio de um time espetacular de atores – John Hurt, Colin Firth, Mark Strong, entre outros – Gary Oldman rouba praticamente todas as cenas. É impressionante a postura de contenção que ele imprime ao espião George Smiley. O personagem, mesmo nos momentos de solidão em casa, parece viver num mundo de autocontrole e ordem. Em apenas um ou dois momentos do filme ele ameaça ceder para, logo em seguida, recuperar o controle absoluto que tem sobre si mesmo.

    E se você acha impossível associar Julio Iglesias – ele mesmo. Aquele cantor espanhol brega que sua avó provavelmente adorava – à espionagem, espere até o fim do filme. Você vai se surpreender.

    E aqui, ao fim do texto, vale relembrar a explicação do início: “O Espião que Sabia Demais” é um filme de espionagem.

    Não de ação.

    Acredite: neste caso, isso faz toda a diferença.

    Texto de autoria de Carlos Brito.