Tag: Kristin Scott Thomas

  • Crítica | A Festa

    Crítica | A Festa

    E no começo, tudo é festa. Eles e elas chegam em casa com flores, sorrisos, comida no forno, drinks pra lá e pra cá na iniciação de uma tarde amistosa que tem tudo pra dar certo, afinal, entre amigos está tudo bem. A gente já viu esse filme, essa estória um milhão de vezes (ou mais), principalmente em belas casas inglesas onde quase tudo rola por trás da serenidade aparente. Mesmo assim, A Festa não parece ter vontade alguma de reciclar conceitos narrativos e de aproveitamento da mise-en-scène criativa tão antigos quanto o próprio Cinema, quanto a própria arte de reunir meia dúzia de pessoas naturalmente diferentes em uma mesa sala, sob o mesmo teto, e ver o circo pegar fogo devido a própria natureza conflituosa que surge entre um, e outro.

    Para comemorar a nomeação como Ministra da Saúde, Janet chama os amigos mais próximos a sua casa, afinal é uma data especial que não rola todo dia, só que a cineasta Sally Potter não tem O roteiro em mãos para ao menos conseguir brincar, decentemente, de Mike Nichols e Roman Polanksi. Até mesmo a escolha da imagem gratinada em preto e branco, nos dando o deleite de ver todas as matizes de prata que surgem dessa escolha estética, nos remetem ao desejo de recriar parte do clima, do charme e da força acachapante de um Quem Tem Medo da Virgínia Woolf?, conseguindo, no máximo, comparações honestas e mais humildes com Deus da Carnificina, o bom e “contido” filme esquecido de Polanski.

    Duas características que francamente tem muito a ver com A Festa, uma vez que revelações começam a surgir entre suas personagens que parecem pertencer com suas raízes aos cômodos e aquela mobília, por onde dançam suas paranoias, seus vícios e o cansaço que começa a tomar conta dessa tarde coletiva, tal um demônio sorrateiro embaixo da cama fazendo um casal brigar ao invés de transar a noite. O filme é um verdadeiro show de atuações, da calmaria a flor-da-pele, e merece a alcunha de ser um palco dramático para um grande elenco, em especial o velho mestre Timothy Spall, impressionantemente magro, em fascinante e silenciosa presença em cena.

    Ele é o velho sol no qual todos gravitam em volta, e quando anuncia ter prazo de vida, o filme de Potter, um elegante turista pela terra do banal e do lugar-comum, vira uma catarse semi esquizofrênica onde ninguém sabe o que fazer, e muito menos o que há para se perder. Assistir a adultos e idosos convidados por Janet agindo de forma cada vez mais inconsequente, voltando a essência da adolescência que cabe em suas ações, é divertido por demais, e apenas por isso a sessão aqui vale a pena – Potter tem um ótimo ritmo narrativo. A ironia e o absurdo de certas situações casa-se perfeitamente bem com o julgamento do personagem de Spall, sempre em sua poltrona e que começa a ser interrogado por suas ações que começa a confessar; um Dionísio arrependido a caminho da cova, fazendo sua esposa se revirar e se morder no túmulo antes dele.

    Contudo, com os préstimos devidos, porque o banal A Festa não decola a ponto de extravasar o ótimo filme que existe, em todo o seu potencial embrionário? Talvez haja uma categoria cinematográfica (e que certamente pode se estender para outras formas de arte) de certas obras que não precisam ser monumentais; nascem e veem a luz de um projeto para serem miniaturas, não grandes estátuas. Não há erro algum nisso, numa bela catarse simplista e produzida para ser assim, por mais que aqui fique na boca um gosto forte de quero mais, e uma sensação suspeita que Potter não soube extrair do seu projeto, sucesso no Festival de Berlim de 2017, nada de fato marcante para se destacar entre tantos outros murais sobre as relações humanas que nos guiam, rumo ao céu, rumo ao inferno que está nos outros. Não só nos outros.

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  • Crítica | O Destino de uma Nação

    Crítica | O Destino de uma Nação

    O Destino de Uma Nação – cinebiografia que tem como foco a ascensão de Winston Churchill ao posto de Primeiro-ministro do Reino Unido – é o novo filme de Joe Wright (Desejo e Reparação, Peter Pan e Anna Karenina), que traz Gary Oldman muito bem enquadrado e inspirado em reproduzir a figura do controverso político.

    A trama toda se passa no mês de Maio de 1940, quando Churchill era uma alternativa para o cargo de Primeiro-ministro, principalmente por conta dos acontecidos envolvendo a Segunda Grande Guerra. O filme mostra a rotina diária, familiar e metódica do personagem, em um tentativa de humanizá-lo ao mostrar seus muitos defeitos de convivência.

    O filme de Wright se vale muito do lançamento de Dunkirk, de Christopher Nolan, já que que o roteiro de Anthony McCarten tem uma base forte na grande batalha de Dunkirk, inclusive com lamúrias e reclamações do personagem principal pelos motivos que fizeram a empreitada dar errado. O tema bélico faz parte das questões envolvendo a vida política do de Churchill, mas se gasta um tempo demasiado nesses desenvolvimentos, basicamente para esticar os momentos de tensão, onde invariavelmente Oldman vai bem, mas que em outros pontos, soa caricatural, tal qual Anthony Hopkins, em Hitchcock.

    O uso da contagem de dias no mês de Maio é extremamente enfadonha, tal qual algumas necessidades de tornar literal situações que o personagem tem de passar. Ao ser aconselhado pelo rei Rei George VI (Ben Mendelsohn), Churchill vai ao metrô para ouvir o povo, e decide então seguir seu instinto, ao contrário dos companheiros de partido, Viscound Hallifax (Stephen Dillane) e Neville Chamberlain (Ronald Pickup), decidindo seguir em guerra contra o Eixo. Apesar de emocional, a cena é piegas e desnecessária.

    O início de O Destino de Uma Nação é promissor, fazendo acreditar que seria emocional e econômico, e obviamente não chegando a um equilíbrio dessas duas condições, tendo um desfecho bastante melodramático e que remete a cinebiografias recentes como A Teoria de Tudo e O Jogo da Imitação, fato que surpreende, uma vez que o cinema do diretor costuma ser mais equilibrado nesse sentido.

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  • Crítica | Suíte Francesa

    Crítica | Suíte Francesa

    Suite Francesa - poster

    O que esperar de mais um filme sobre a Segunda Guerra? É, sem dúvida, um dos temas mais reutilizados na história do cinema. Mas o que acabamos de descobrir é que muitas vezes ele se renova antes mesmo negarmos esse conceito.

    Em Suíte Francesa, Lucille (Michelle Williams), uma recém-casada nos arredores de Bussy no centro da França, ajuda sua sogra (Kristin Scott Thomas), incrédula sobre a derrota francesa contra os alemães, a administrar os negócios de aluguel de propriedades em plena Segunda Guerra Mundial. Seu marido Gaston não dá noticias há semanas e isso passa a preocupá-la gravemente. Eis que, durante uma coleta de aluguel, as duas avistam um grupo enorme de pessoas fugindo de Paris e presenciam um ataque aéreo das forças alemãs. Após a ocupação de Bussy, a casa de Lucille e sua sogra se transforma em um alojamento para o oficial Bruno Von Falk (Mathias Schoenaerts), assim como muitas das outras casas da cidade, e ela passa a desenvolver um pequeno romance com o oficial. O filme ainda possui uma sub-trama com Bennoit (Sam Riley), um dos clientes da sogra de Lucille que não foi à guerra devido a sua perna quebrada.

    Apesar da trama simples em desenvolvimento, todas as cenas em que a tensão da invasão e ocupação alemã são dirigidas conseguem expor bem o medo e a inquietude dos moradores da cidade. Planos médios e closes em plano sequência são muito bem enquadrados para descrever uma narrativa quase que em primeira pessoa, recurso que ultimamente tem sido recorrente tanto no cinema como em produções para a televisão. Como o filme se baseia em um livro best-seller, e, portanto, uma obra que necessariamente sofre cortes e adaptações, a forma como a trama discorre deixa a entender que só alguns pontos foram destacados em detrimento da conclusão final. Se tudo ao início parece uma rígida dualidade, pequenos pedaços de tons de cinza são colocados aos poucos, encaixados progressivamente na trama a ponto de tornar o romance semelhante a uma encenação.

    Essa ambivalência de sentimentos é o trunfo da película como um todo: não chega a ser rigorosamente um clichê, mesmo sendo um filme sobre a Segunda Guerra, mas se destaca por uma trama bem escrita. O que de fato fere a perspectiva até os momentos finais do filme é saber o contexto original em que a obra foi escrita, levando-nos a crer que tudo aquilo pode de fato ser mais autêntico que muitas das que foram criadas após o período. Não se trata de uma trama simplesmente, mas de um relato de uma testemunha presente sem perspectiva naquele momento difícil, o que torna o final completamente amargo, mas justo.

    Seria possível dizer que, como em Amor Profundo, o pano de fundo em que a trama se apresenta não apresenta tanto uma mensagem como no desenvolvimento das personagens, tornando essa história congruente em qualquer período. Porém, é exatamente o contexto em que ela se encontra que faz de Suíte Francesa um filme que merece ser visto. Ele poderia ser um Charlotte Gray – Paixão Sem Fronteira, mas é bem mais crível e atraente como narrativa.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Minha Querida Dama

    Crítica | Minha Querida Dama

    Minha Querida Dama - poster

    Baseado na peça do renomado dramaturgo Israel Horovitz, em produção adaptada para o cinema e dirigida pelo autor, Minha Querida Dama promove um genuíno drama com uma roupagem leve que adquire coesão graças aos seus três grandes atores.

    Na trama, Mathias Gold (Kevin Kline) é um homem beirando os 60 anos que herda do pai uma casa em Paris. Ao visitar o local, descobre que na casa mora Mathilde (Maggie Smith), uma senhora de 90 anos de idade vivendo em um tipo de contrato, tradicional no país, em que o inquilino deixa o apartamento somente após a morte. Sem pretensões de sair da casa, surgem os conflitos iniciais e um laço de amizade devido ao passado.

    A narrativa trabalha uma situação pontual para desenvolver sua história. Inicialmente, de maneira leve e bem humorada, humor destacado pela trilha sonora, a personagem de Kline procura maneira de como retirar a velha e sua filha do imóvel. Convidado a permanecer no local, a história cresce deixado o cômico de situação de lado para enfatizar um apelo dramático, uma transição coerente que não retira a leveza da história pela ausência de qualquer elemento trágico. A presença de Mathilde na casa revela mais do que uma simples moradora, trazendo à tona um passado de seu pai ainda não conhecido por Mathias.

    Grande parte do equilíbrio cênico se deve ao elenco maduro composto por Kevin Kline, Kristin Scott Thomas e a sempre sensacional Maggie Smith. Em cena, os atores transitam entre as nuances de sensações representando personagens maduros que sentem um manancial de sentimentos sem extravasar ao todo o tempo de maneira enérgica, sendo capaz de rir mesmo em momentos ruins. A história se revela uma análise sobre a trajetória de pais e filhos e de como filhos podem carregar culpas e responsabilidades dos pais devido a sua criação como se o acaso ou os momentos vividos em conjunto refletissem nos filhos além da inspiração, como um fardo.

    No papel da velha Mathilde, Smith é a única representante viva da geração dos pais, testemunha de acontecimentos foram definitivos em sua vida e refletidos na trajetória de sua filha Chloe e na de Mathias. Mesmo consciente de sua história e dos conflitos gerados por suas escolhas, a matriarca permanece com uma visão otimista da vida, de sabedoria madura que não nega o passado e as decisões equilibradas no dualismo da razão e emoção.

    Apesar de um desenlace um pouco incoerente com a proposta da obra, um tanto apoiado em um final feliz em que tudo se resolve na medida do possível, Minha Querida Dama é um filme maduro que narra um conflito pontual para redimensionar uma reflexão universal sobre trajetória, escolhas e maturidade, e destaca três grandes atores que, para o público que se concentra somente no cinema hollywoodiano, são raramente destacados mas que sempre brilham em produções menores com muito talento.

  • Crítica | Antes do Inverno

    Crítica | Antes do Inverno

    antes do invernoO inverno como metáfora é um símbolo do final da vida. Um senso de derrocada que, se não representa a própria morte, é um anúncio de algo significando um novo estágio.

    Evocando tal imagem simbólica, Antes do Inverno situa-se em um momento anterior ao da terceira idade como instante de decadência. Foca a estabilidade tranquila e tediosa de Paul (Daniel Auteuil), um neurocirurgião de 60 anos, bem-sucedido, casado, residente em uma bonita casa luxuosa. A realidade costumeira é quebrada quando flores começam a ser entregues no hospital em que trabalha e, posteriormente, em seu consultório particular e na sua própria casa.

    Através da presença de um elemento carregado de novidade e mistério, o personagem coloca-se em alerta, com medo de uma ameaça, mas curioso em saber quem é o remetente das flores. No café onde é freguês, descobre que a garçonete, Lou (Leïla Bekhti), foi operada por ele quando criança. Assim, começam um diálogo e estabelecem uma relação.

    A garçonete e as flores representam o elemento de renovação que corrompe seu cotidiano estável. Aos poucos, Paul se envolve na procura de descobrir se a garota é a remetente das flores, ao mesmo tempo em que se sente atraído pelo novo.

    O roteiro evita cair no abismo da atração sensual em que uma garota jovem se apaixona por um personagem mais velho. Mesmo que o elemento seja sugerido em cena, o neurocirurgião reconhece a própria velhice e o senso de completude da vida, demonstrando que o que sente em relação ao desconhecido não é uma atração explícita, mas um tipo de curiosidade em conhecer a garçonete com mais profundidade.

    A realidade plástica e estável de Paul entra em choque com a vida de Lou, marcada por uma espécie de sobrevivência diária. Cada movimento que o médico faz para descobri-la acaba por afastá-lo da esposa (Kristin Scott Thomas), que nota a mudança de atitude dele e do único companheiro que restou, um psicólogo (Richard Berry) apaixonado pela mulher do amigo.

    De maneira lenta, o drama é conduzido por cada investida do personagem rumo ao desconhecido, como últimos impulsos de descoberta e curiosidade antes de assumir a derrocada da velhice. Em nenhum momento o médico aparenta buscar uma aventura. Pelo contrário, mais parece à procura de um acontecimento que lhe retire da repetição diária da rotina. Atos que demonstram uma personagem resignada, mas não necessariamente almejando uma nova vida que modifique suas estruturas.

    Não bastando a intensidade do drama interior, há uma pequena reviravolta que faz com que o personagem encontre o elemento de reflexão. Um impacto agressivo revelando-se além do conflito interno. Afora o envelhecimento cotidiano, o inverno futuro é mais agressivo e cru do que o provável entardecer bem-sucedido e estável.