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  • Crítica | Negócio das Arábias

    Crítica | Negócio das Arábias

    Negocio das Arabias - poster

    Tom Tykwer é um diretor interessante, mas pouco efetivo em seus projetos. Tendo em sua filmografia Corra, Lola, Corra como seu filme mais reconhecido, bem como Cloud Atlas, o qual dividiu a direção com as irmãs Wachowski, não é possível prever sua assinatura nos filmes, mas é possível dizer que ele carrega uma certa estranheza estrangeira na forma com que filma o mundo, e agora o faz voltando seu olhar para a crise da meia-idade e moagem do passado.

    Em Um Negócio das Arábias (Um Holograma para o Rei), ele se une com um Tom muito mais popular e artisticamente efetivo, mas que também não escapa da crise da meia-idade: Tom Hanks. Baseado no livro de David Eggers, o filme se inicia com o impacto que Alan Clay (Hanks) parece suportar diariamente em sua vida, fazendo-se de adaptável e confortável, mas que, de tanto acumular tensões, acaba por sentir-se como uma vidraça que precisa ser quebrada. Sua missão é vender uma tecnologia de conferência holográfica para o Rei saudita, o qual nunca está disponível, e assim pagar a faculdade de sua filha. Sua participação no negócio ocorre por uma coincidência antiga na qual conheceu o príncipe saudita em uma festa ao contar uma piada. Buscando retomar a satisfação pessoal, busca reprisar esta mesma forma simpática de conquistar as pessoas, mas suas piadas já não têm tanta graça, nem mesmo para si.

    Optando por ser um filme de construção de personagem, podemos ver o grandioso e indiferente Reino da Arábia Saudita sob a ótica de alguém que precisa se reencontrar, e o faz em um país em que a temática frequente é a desertificação do ser. Não à toa as religiões abraâmicas nasceram no deserto e são monoteístas, pois se trata de um ambiente onde a solidão e silêncio incitam o contato consigo mesmo e a necessidade de buscar relações causais entre você e o mundo. A paisagem, sempre tão semelhante a ponto de parecer que se está indo sempre para o mesmo lugar, incita a busca de algum sentido para as coisas. Em última instância, você precisa de algo para culpar.

    Durante seu passeio pequenos flashbacks vêm à sua mente em formas de sonhos incômodos e crises de ansiedade, que surgem quase como intervenções surrealistas da realidade.

    A interpretação de Tom Hanks é sempre brilhante e esbanja sua capacidade de burlar qualquer descrença que alguém possa ter sobre as ações de seus personagens. É possível senti-lo ao caminhar por aquele país tão diferente ao lado de seu sábio e divertido motorista Yousef, vivido por Alexander Black. É possível ver a dificuldade enfrentada ao viver numa monarquia tão rigorosa e constrangedoramente retrógrada, mas que faz tudo com a aparência de quem segue em frente. “Eles estão varrendo a areia do deserto” diz Yousef em determinado momento. Sim, a opulência é mostrada e suas consequências, como as situações de escravidão em que trabalhadores filipinos se encontram, e nestes momentos o filme ganha um contorno soturno, assim como ocorre ao relatar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres no país.

    Fica difícil imaginar um fim feliz em um país tão difícil, e esta dificuldade é sentida quando a ligação entre seu encontro e a necessidade de estar naquele país para fazê-lo melhor é feita com um pequeno diálogo minutos antes de seu final, o que é pouco para dizer que o personagem de Hanks não está apenas novamente se alienando no lugar de encontrar um caminho ou propósito. Desta forma, as imagens de denúncia das pesadas condições que enfrenta ao habitar aquele país se torna um novo comercial. O que sobra é fazer do filme sua própria jornada no deserto, e buscar nele as lições clichês que sempre ouvimos, mas nunca aprendemos, e que por isso não fazem mal em serem repetidas.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Suíte Francesa

    Crítica | Suíte Francesa

    Suite Francesa - poster

    O que esperar de mais um filme sobre a Segunda Guerra? É, sem dúvida, um dos temas mais reutilizados na história do cinema. Mas o que acabamos de descobrir é que muitas vezes ele se renova antes mesmo negarmos esse conceito.

    Em Suíte Francesa, Lucille (Michelle Williams), uma recém-casada nos arredores de Bussy no centro da França, ajuda sua sogra (Kristin Scott Thomas), incrédula sobre a derrota francesa contra os alemães, a administrar os negócios de aluguel de propriedades em plena Segunda Guerra Mundial. Seu marido Gaston não dá noticias há semanas e isso passa a preocupá-la gravemente. Eis que, durante uma coleta de aluguel, as duas avistam um grupo enorme de pessoas fugindo de Paris e presenciam um ataque aéreo das forças alemãs. Após a ocupação de Bussy, a casa de Lucille e sua sogra se transforma em um alojamento para o oficial Bruno Von Falk (Mathias Schoenaerts), assim como muitas das outras casas da cidade, e ela passa a desenvolver um pequeno romance com o oficial. O filme ainda possui uma sub-trama com Bennoit (Sam Riley), um dos clientes da sogra de Lucille que não foi à guerra devido a sua perna quebrada.

    Apesar da trama simples em desenvolvimento, todas as cenas em que a tensão da invasão e ocupação alemã são dirigidas conseguem expor bem o medo e a inquietude dos moradores da cidade. Planos médios e closes em plano sequência são muito bem enquadrados para descrever uma narrativa quase que em primeira pessoa, recurso que ultimamente tem sido recorrente tanto no cinema como em produções para a televisão. Como o filme se baseia em um livro best-seller, e, portanto, uma obra que necessariamente sofre cortes e adaptações, a forma como a trama discorre deixa a entender que só alguns pontos foram destacados em detrimento da conclusão final. Se tudo ao início parece uma rígida dualidade, pequenos pedaços de tons de cinza são colocados aos poucos, encaixados progressivamente na trama a ponto de tornar o romance semelhante a uma encenação.

    Essa ambivalência de sentimentos é o trunfo da película como um todo: não chega a ser rigorosamente um clichê, mesmo sendo um filme sobre a Segunda Guerra, mas se destaca por uma trama bem escrita. O que de fato fere a perspectiva até os momentos finais do filme é saber o contexto original em que a obra foi escrita, levando-nos a crer que tudo aquilo pode de fato ser mais autêntico que muitas das que foram criadas após o período. Não se trata de uma trama simplesmente, mas de um relato de uma testemunha presente sem perspectiva naquele momento difícil, o que torna o final completamente amargo, mas justo.

    Seria possível dizer que, como em Amor Profundo, o pano de fundo em que a trama se apresenta não apresenta tanto uma mensagem como no desenvolvimento das personagens, tornando essa história congruente em qualquer período. Porém, é exatamente o contexto em que ela se encontra que faz de Suíte Francesa um filme que merece ser visto. Ele poderia ser um Charlotte Gray – Paixão Sem Fronteira, mas é bem mais crível e atraente como narrativa.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Conspiração e Poder

    Crítica | Conspiração e Poder

    Conspiração e Poder

    Os meios de comunicação se modificaram na década anterior com a rede virtual, possibilitando que qualquer pessoa em potencial noticiasse sobre um acontecimento presente. Mesmo que a divulgação de uma notícia esteja ao alcance de todos, o jornalismo como profissão permanece como veículo de denúncia, registrando fatos e apresentando reportagens eficientes para gerar opinião pública. Um bom corpo editorial ainda é capaz de trazer à tona assuntos polêmicos, ainda que seja notável um interesse empresarial além da divulgação de uma notícia, fator que mantém seus profissionais entre idealistas e desencantados.

    Em tempos em que o espaço editorial e opinativo se torna restrito, com grandes redes apenas noticiando fatos e sendo replicadas por periódicos de menor circulação, o jornalista e sua equipe são protagonistas para fundamentarem uma notícia, apurando fontes e criando uma estrutura coesa e coerente para um furo de reportagem.

    Conspiração e Poder configura a estreia na direção do produtor e roteirista James Vanderbilt, responsável por filmes medianos como O Espetacular Homem-Aranha, Bem Vindo à Selva e O Ataque, e de uma grande obra, Zodíaco. A trama acompanha a produtora Mary Papes da CBS em uma suspeita contra o presidente George. W Bush, que teria utilizado sua influência para não combater na Guerra do Vietnã.

    A trama se desenvolve a partir da composição da reportagem exclusiva para o 60 Minutos com cópias de documentos que comprovavam a denúncia. Conforme as fontes negam a veracidade das informações, a história se aprofunda na destruição da reputação da produtora e de seu parceiro profissional, o âncora Dan Rather. O que deveria se tornar uma reportagem de impacto, potencializando uma queda de popularidade do presidente, que na época concorria à reeleição, adquire maior carga dramática quando os envolvidos são atacados e suas credibilidades discutidas.

    Dois interesses em conflito permanecem em oposição. A prova em si, apoiada pela legalidade ou não, e seu significado intrínseco. Além dos relatórios, há fontes que inicialmente confirmaram a ausência de Bush nas Forças Armadas, evidenciando um interesse político em esconder tal fato, ainda mais considerando a campanha eleitoral (em tempo, o tema também foi destacado no documentário de Michael Moore, Fahrenheit: 11 de Setembro).

    As provas são delicadas. Remetem a documentos antigos e opiniões que devem ser confiados para estruturar um caso e, assim, uma reportagem. Mesmo que consideremos que faltou maior apuro à procura de fontes, a equipe de Papes se transforma em um alvo ao lado da CBS. A empresa decide apurar os fatos e a reportagem, que é apresentada no filme como tendenciosa, para evitar grandes revelações sobre o presidente em comando.

    Se o jornalismo sempre é apresentado em cena com certo idealismo, o roteiro é eficiente em equilibrar a ambição e ética pessoal de uma equipe, em contraposição com uma corporação midiática, esta sim com interesses além da divulgação de notícias como verdade absoluta. A visão é desencantada e abala a editora e seu âncora, cujas reputações foram destruídas no caso, registrando demissão de todos os funcionários envolvidos. Em cena, Cate Blanchett mantém seu alto nível interpretativo, transitando entre a confiante editora para uma vacilante profissional que perde o prazer pela profissão ao reconhecer que a estratégia de sua empresa foi altamente defensiva e não favorável aos seus trabalhadores.

    Em meio a este desequilíbrio, Conspiração e Poder é eficiente em demonstrar as facetas que compõem a profissão, um jogo entre a necessidade da elaboração de notícias, e de certo idealismo, perante a luta de poder que vai além de um mero exercício informativo no qual a política é equação primordial.