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  • Crítica | Conspiração e Poder

    Crítica | Conspiração e Poder

    Conspiração e Poder

    Os meios de comunicação se modificaram na década anterior com a rede virtual, possibilitando que qualquer pessoa em potencial noticiasse sobre um acontecimento presente. Mesmo que a divulgação de uma notícia esteja ao alcance de todos, o jornalismo como profissão permanece como veículo de denúncia, registrando fatos e apresentando reportagens eficientes para gerar opinião pública. Um bom corpo editorial ainda é capaz de trazer à tona assuntos polêmicos, ainda que seja notável um interesse empresarial além da divulgação de uma notícia, fator que mantém seus profissionais entre idealistas e desencantados.

    Em tempos em que o espaço editorial e opinativo se torna restrito, com grandes redes apenas noticiando fatos e sendo replicadas por periódicos de menor circulação, o jornalista e sua equipe são protagonistas para fundamentarem uma notícia, apurando fontes e criando uma estrutura coesa e coerente para um furo de reportagem.

    Conspiração e Poder configura a estreia na direção do produtor e roteirista James Vanderbilt, responsável por filmes medianos como O Espetacular Homem-Aranha, Bem Vindo à Selva e O Ataque, e de uma grande obra, Zodíaco. A trama acompanha a produtora Mary Papes da CBS em uma suspeita contra o presidente George. W Bush, que teria utilizado sua influência para não combater na Guerra do Vietnã.

    A trama se desenvolve a partir da composição da reportagem exclusiva para o 60 Minutos com cópias de documentos que comprovavam a denúncia. Conforme as fontes negam a veracidade das informações, a história se aprofunda na destruição da reputação da produtora e de seu parceiro profissional, o âncora Dan Rather. O que deveria se tornar uma reportagem de impacto, potencializando uma queda de popularidade do presidente, que na época concorria à reeleição, adquire maior carga dramática quando os envolvidos são atacados e suas credibilidades discutidas.

    Dois interesses em conflito permanecem em oposição. A prova em si, apoiada pela legalidade ou não, e seu significado intrínseco. Além dos relatórios, há fontes que inicialmente confirmaram a ausência de Bush nas Forças Armadas, evidenciando um interesse político em esconder tal fato, ainda mais considerando a campanha eleitoral (em tempo, o tema também foi destacado no documentário de Michael Moore, Fahrenheit: 11 de Setembro).

    As provas são delicadas. Remetem a documentos antigos e opiniões que devem ser confiados para estruturar um caso e, assim, uma reportagem. Mesmo que consideremos que faltou maior apuro à procura de fontes, a equipe de Papes se transforma em um alvo ao lado da CBS. A empresa decide apurar os fatos e a reportagem, que é apresentada no filme como tendenciosa, para evitar grandes revelações sobre o presidente em comando.

    Se o jornalismo sempre é apresentado em cena com certo idealismo, o roteiro é eficiente em equilibrar a ambição e ética pessoal de uma equipe, em contraposição com uma corporação midiática, esta sim com interesses além da divulgação de notícias como verdade absoluta. A visão é desencantada e abala a editora e seu âncora, cujas reputações foram destruídas no caso, registrando demissão de todos os funcionários envolvidos. Em cena, Cate Blanchett mantém seu alto nível interpretativo, transitando entre a confiante editora para uma vacilante profissional que perde o prazer pela profissão ao reconhecer que a estratégia de sua empresa foi altamente defensiva e não favorável aos seus trabalhadores.

    Em meio a este desequilíbrio, Conspiração e Poder é eficiente em demonstrar as facetas que compõem a profissão, um jogo entre a necessidade da elaboração de notícias, e de certo idealismo, perante a luta de poder que vai além de um mero exercício informativo no qual a política é equação primordial.

  • Crítica | Zodíaco

    Crítica | Zodíaco

    Zodiaco - poster

    Assassinos seriais na história dos EUA existem aos montes. Cada um mais complexo do que o outro. O século XX, por ter sido o século da massificação (inclusive da mídia), trouxe para a população a espetacularização de eventos que antes eram confinados a círculos restritos. Se antes uma série de assassinatos em uma comunidade rural (como retratado no excelente A Fita Branca) ficava restrita a ela, no país da classe média e da informação, a produção de notícias e a reprodução de assassinos, que tinham vontade de aparecer e passar uma mensagem, também cresceram exponencialmente. Junto a esses casos, cresceram também os filmes do gênero, que tentavam reconstruir o passo a passo da investigação policial no percalço do assassino, às vezes tentando compreender o que havia por trás de pessoas tão perturbadas a ponto de cometerem tais atos.

    Dentro desse contexto, um dos casos mais curiosos foi do assassino que se auto intitulou “Zodíaco” e que cometeu seus crimes nos EUA entre as décadas de 60 e 70. O que torna seu caso tão emblemático é, além do assassino usar códigos publicados em jornais para chamar a atenção e ver se alguém conseguiria capturá-lo através deles, o fato de ele nunca ter sido pego. Dentro desse frenesi de teorias a respeito de quem fora esse assassino e as razões por trás de seus atos, David Fincher adaptou o livro de Robert Graysmith, cartunista, jornalista e escritor que investigou a fundo o caso e que no filme é interpretado por Jake Gyllenhaal. Também no  San Francisco Chronicle trabalhou com Graysmith o jornalista Paul Avery (Robert Downey Jr.). No comando da investigação policial estavam os policiais locais David Toschi (Mark Ruffalo) e William Armstrong (Anthony Edwards), que são chamados após um assassinato de um taxista, mas cujas evidências apontam para algo mais complexo do que parece.

    Com aproximadamente três horas de duração, Zodíaco consegue entreter o espectador, que é preso nessa cadeia de acontecimentos e descobertas que vão se desdobrando, ao mesmo tempo que contradições aparecem, criando-se dúvidas enquanto surgem certezas. A história possui três atos distintos, onde os dois primeiros focalizam a evolução de Zodíaco como assassino e instigando as autoridades a investigá-lo, à medida que a dupla de policiais Toschi e Armstrong segue em sua busca, lidando com toda a dificuldade do sistema legal para isso. O terceiro ato volta-se para a jornada pessoal de Graysmith e sua obsessão em descobrir a identidade do assassino, o que terá um alto custo em sua vida pessoal.

    Robert Graysmith é um tímido e introvertido cartunista do San Francisco Chronicle e que adora quebra-cabeças. Quando as primeiras cartas de Zodíaco são recebidas pelos principais jornais da Califórnia, ele tenta compreender as pistas e o fenômeno por trás do assassino, mas é tratado com desdém por seus colegas. A novidade e complexidade do caso são tantas que os órgãos policiais, a imprensa e grande parte da sociedade não conseguem compreender o que está acontecendo, o que irá contribuir para o assassino permanecer solto por todo este tempo. A falta de diálogo entre as divisões, a intensa burocracia e a guerra de egos são fatores determinantes dentro da investigação e acabam por todo o instante a atrapalhá-la.

    Após, atrair a curiosidade de Avery, Graysmith começa a investigar, em companhia dele, algumas das pistas deixadas pelo assassino, tentando encontrar um padrão e, assim, tornar mais fácil sua identificação. Porém, nada se encaixa. Suas vítimas mudam, assim como a hora, o dia e o tipo dos assassinatos cometidos, para o desespero do metódico desenhista. Tamanha dificuldade acabará por levar Avery à exaustão mental, e, após ser ameaçado de morte por Zodíaco, o personagem acaba por se retrair completamente da sociedade, tornando-se jornalista de publicações pequenas.

    Passam-se anos e a dupla de policiais, Toschi e Armstrong, também toma rumos diferentes. Enquanto Toschi permanece obcecado com o caso e sofrendo pressões internas, Armstrong decide deixar tudo de lado e pede transferência para executar trabalhos internos, para a decepção do parceiro. Passada quase uma década após o aparecimento de Zodíaco, Toschi e Graysmith se unem extraoficialmente para tentar aparar arestas e dar um fechamento à investigação de forma definitiva, causando a quase completa exaustão mental de ambos, especialmente de Graysmith.

    Apesar de o final do filme não se resolver por completo, ao deixar o espectador com a mesma sensação que o público tivera ao acompanhar o caso (já que ele nunca foi resolvido), toda a trajetória de investigação é feita de forma meticulosa, característica marcante do cinema de Fincher. A reconstituição material da época, desde os carros, as posições dos corpos, os penteados e roupas das vítimas, as notícias de jornal e TV, além de todo o frenesi causado por Zodíaco na época, contribuem para dar ao filme uma aura quase documental, a ponto de fazer com que o espectador se sinta na pele de Graysmith, querendo saber cada vez mais sobre Zodíaco. Após ver o filme, uma busca no Google pela história do assassino e dos personagens se torna irresistível. Também se torna quase que necessário assistir à obra mais de uma vez, pois, a cada revisão, conseguimos perceber uma nova camada dentro daquele mundo e da investigação. Sentimo-nos mais próximos de saber a verdade, lado a lado dos personagens e suas teorias.

    Mais do que um filme sobre um serial-killer, Zodíaco mexe fundo no imaginário coletivo de uma humanidade que havia acabado de entrar em uma sociedade de consumo e informação de massa. A avalanche de assassinos seriais que os EUA enfrentariam nesse período não é mera coincidência, pois todos nós somos atraídos pelo que há de mais sombrio na nossa natureza. O comportamento coletivo em cima desse fenômeno raramente é racional; a mídia o usou largamente e ainda o usa para lucrar em cima de acontecimentos como esses. A sociedade dos EUA, com sua obsessão por armas, violência e a retidão moral, consegue produzir fenômenos únicos que suscitam diversas análises e entendimentos. O serial-killer se torna, então, um desses fenômenos dentro da cultura pop. Filmes como Zodíaco, ao invés de sensacionalizar o evento, nos ajudam a compreendê-lo de maneira sóbria e séria. Em uma época de tamanha passionalidade, tais obras são sempre bem-vindas.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.