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  • Crítica | Amor & Amizade

    Crítica | Amor & Amizade

    Aparentemente leve e fácil, Amor & Amizade (Love & Friendship) é um filme bem diferente do que estamos acostumados a ver por aí, tanto pelo seu cinismo quanto pela impressão que ele pode causar após os créditos finais. Não é uma produção que é fácil rotular como boa ou ruim, vai bem além disso, e ir além é a principal característica desse longa escrito e dirigido por Whit Stillman.

    A história é baseada no livro Lady Susan, de Jane Austen, no qual acompanhamos Lady Susan Vernon (Kate Beckinsale), uma recém viúva que enquanto é alvo de fofocas sobre seu comportamento duvidoso decide passar um tempo na casa de conhecidos para conseguir um marido para sua filha e talvez para si mesma. Kate finalmente deixa de lado a já desgastada imagem causada pela franquia Anjos da Noite e o remake de O Vingador do Futuro, e abraça maravilhosamente bem sua personagem Lady Susan que carrega o filme nas costas com seus diálogos rápidos, diretos e carregados de um cinismo tão requintado que a atriz parece um anjo, mesmo soltando os piores venenos.

    Longe de ser igual as personagens femininas do cinema retratadas no século XVIII, Susan é tridimensional e carregada de personalidade, tanto é que se pode tentar enxergá-la como vilã, mas não impedirá de também vê-la como heroína desta história que usufrui da “amizade” do título de forma tão particular. Numa trama calma e de diálogos afiados, Amor & Amizade brinca muito bem com as duas palavras que o nomeiam, ainda mais na época retratada, onde os casamentos eram arranjados e as amizades eram escolhidas por interesses; enquanto a personagem principal desperta o puro amor, ela consegue demasiadas coisas pela amizade social. É genial.

    E além de ser principal do longa e aparentemente desta crítica, a personagem de Beckinsale dita o tom de todos os 90 minutos do filme, uma leveza em cenários, figurinos e maquiagem que reflete em seus plots e casa de maneira brilhante com a comédia bem dosada presente no roteiro e principalmente no segundo destaque, a personagem de Tom Bennett, Sir James Martin, uma das mais engraçadas de 2016 e que quando está em cena com Beckinsale leva o filme para um patamar ainda maior.

    Indo além de ser apenas mais um filme de época, Amor & Amizade se destaca com o bom trabalho feito com o pouco orçamento e com a melhor dosagem de humor vista nos últimos tempos, sem deixar de ser elegante e fiel ao tempo em que retrata. O filme, porém, seria perfeito em sua proposta se não tivesse uma montagem problemática, no mínimo duas vezes durante a produção o espectador pode ficar confuso com alguns saltos pequenos no tempo e que oculta cenas importantes que ao decorrer do filme são citadas mas infelizmente nunca mostradas, dando uma incomodante impressão de trabalho mal feito.

    Tendo a melhor performance de Kate Beckinsale e provando que Jane Austen ainda pode render muito nas telonas, Whit Stillman entrega uma pérola que todos deviam assistir e até refletir, principalmente sobre o papel da mulher no século XVIII.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | Zodíaco

    Crítica | Zodíaco

    Zodiaco - poster

    Assassinos seriais na história dos EUA existem aos montes. Cada um mais complexo do que o outro. O século XX, por ter sido o século da massificação (inclusive da mídia), trouxe para a população a espetacularização de eventos que antes eram confinados a círculos restritos. Se antes uma série de assassinatos em uma comunidade rural (como retratado no excelente A Fita Branca) ficava restrita a ela, no país da classe média e da informação, a produção de notícias e a reprodução de assassinos, que tinham vontade de aparecer e passar uma mensagem, também cresceram exponencialmente. Junto a esses casos, cresceram também os filmes do gênero, que tentavam reconstruir o passo a passo da investigação policial no percalço do assassino, às vezes tentando compreender o que havia por trás de pessoas tão perturbadas a ponto de cometerem tais atos.

    Dentro desse contexto, um dos casos mais curiosos foi do assassino que se auto intitulou “Zodíaco” e que cometeu seus crimes nos EUA entre as décadas de 60 e 70. O que torna seu caso tão emblemático é, além do assassino usar códigos publicados em jornais para chamar a atenção e ver se alguém conseguiria capturá-lo através deles, o fato de ele nunca ter sido pego. Dentro desse frenesi de teorias a respeito de quem fora esse assassino e as razões por trás de seus atos, David Fincher adaptou o livro de Robert Graysmith, cartunista, jornalista e escritor que investigou a fundo o caso e que no filme é interpretado por Jake Gyllenhaal. Também no  San Francisco Chronicle trabalhou com Graysmith o jornalista Paul Avery (Robert Downey Jr.). No comando da investigação policial estavam os policiais locais David Toschi (Mark Ruffalo) e William Armstrong (Anthony Edwards), que são chamados após um assassinato de um taxista, mas cujas evidências apontam para algo mais complexo do que parece.

    Com aproximadamente três horas de duração, Zodíaco consegue entreter o espectador, que é preso nessa cadeia de acontecimentos e descobertas que vão se desdobrando, ao mesmo tempo que contradições aparecem, criando-se dúvidas enquanto surgem certezas. A história possui três atos distintos, onde os dois primeiros focalizam a evolução de Zodíaco como assassino e instigando as autoridades a investigá-lo, à medida que a dupla de policiais Toschi e Armstrong segue em sua busca, lidando com toda a dificuldade do sistema legal para isso. O terceiro ato volta-se para a jornada pessoal de Graysmith e sua obsessão em descobrir a identidade do assassino, o que terá um alto custo em sua vida pessoal.

    Robert Graysmith é um tímido e introvertido cartunista do San Francisco Chronicle e que adora quebra-cabeças. Quando as primeiras cartas de Zodíaco são recebidas pelos principais jornais da Califórnia, ele tenta compreender as pistas e o fenômeno por trás do assassino, mas é tratado com desdém por seus colegas. A novidade e complexidade do caso são tantas que os órgãos policiais, a imprensa e grande parte da sociedade não conseguem compreender o que está acontecendo, o que irá contribuir para o assassino permanecer solto por todo este tempo. A falta de diálogo entre as divisões, a intensa burocracia e a guerra de egos são fatores determinantes dentro da investigação e acabam por todo o instante a atrapalhá-la.

    Após, atrair a curiosidade de Avery, Graysmith começa a investigar, em companhia dele, algumas das pistas deixadas pelo assassino, tentando encontrar um padrão e, assim, tornar mais fácil sua identificação. Porém, nada se encaixa. Suas vítimas mudam, assim como a hora, o dia e o tipo dos assassinatos cometidos, para o desespero do metódico desenhista. Tamanha dificuldade acabará por levar Avery à exaustão mental, e, após ser ameaçado de morte por Zodíaco, o personagem acaba por se retrair completamente da sociedade, tornando-se jornalista de publicações pequenas.

    Passam-se anos e a dupla de policiais, Toschi e Armstrong, também toma rumos diferentes. Enquanto Toschi permanece obcecado com o caso e sofrendo pressões internas, Armstrong decide deixar tudo de lado e pede transferência para executar trabalhos internos, para a decepção do parceiro. Passada quase uma década após o aparecimento de Zodíaco, Toschi e Graysmith se unem extraoficialmente para tentar aparar arestas e dar um fechamento à investigação de forma definitiva, causando a quase completa exaustão mental de ambos, especialmente de Graysmith.

    Apesar de o final do filme não se resolver por completo, ao deixar o espectador com a mesma sensação que o público tivera ao acompanhar o caso (já que ele nunca foi resolvido), toda a trajetória de investigação é feita de forma meticulosa, característica marcante do cinema de Fincher. A reconstituição material da época, desde os carros, as posições dos corpos, os penteados e roupas das vítimas, as notícias de jornal e TV, além de todo o frenesi causado por Zodíaco na época, contribuem para dar ao filme uma aura quase documental, a ponto de fazer com que o espectador se sinta na pele de Graysmith, querendo saber cada vez mais sobre Zodíaco. Após ver o filme, uma busca no Google pela história do assassino e dos personagens se torna irresistível. Também se torna quase que necessário assistir à obra mais de uma vez, pois, a cada revisão, conseguimos perceber uma nova camada dentro daquele mundo e da investigação. Sentimo-nos mais próximos de saber a verdade, lado a lado dos personagens e suas teorias.

    Mais do que um filme sobre um serial-killer, Zodíaco mexe fundo no imaginário coletivo de uma humanidade que havia acabado de entrar em uma sociedade de consumo e informação de massa. A avalanche de assassinos seriais que os EUA enfrentariam nesse período não é mera coincidência, pois todos nós somos atraídos pelo que há de mais sombrio na nossa natureza. O comportamento coletivo em cima desse fenômeno raramente é racional; a mídia o usou largamente e ainda o usa para lucrar em cima de acontecimentos como esses. A sociedade dos EUA, com sua obsessão por armas, violência e a retidão moral, consegue produzir fenômenos únicos que suscitam diversas análises e entendimentos. O serial-killer se torna, então, um desses fenômenos dentro da cultura pop. Filmes como Zodíaco, ao invés de sensacionalizar o evento, nos ajudam a compreendê-lo de maneira sóbria e séria. Em uma época de tamanha passionalidade, tais obras são sempre bem-vindas.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Psicopata Americano

    Crítica | Psicopata Americano

    Psicopata Americano não foi um sucesso notável de bilheteria, mas acabou se firmando como um dos filmes mais cultuados do cinema contemporâneo. O misto de violência, cultura pop e a atuação memorável de Christian Bale tornaram o filme uma espécie de clássico cult e referência para o cinema independente.

    Psicopata Americano conta a história de Patrick Bateman, um jovem executivo de Nova York que esconde fortes tendências assassinas. De dia, Bateman senta em seu escritório, almoça no clube e compara cartões de visita, durante a noite ele tortura e esquarteja prostitutas e rivais.

    O personagem de Bateman é apresentado enquanto realiza sua rotina cosmética diária. A precisão com que ele cita cada passo e principalmente cada produto, e a luz dourada que enquadra Bale como uma espécie de quadro ou deus grego deixam claro o que é Patrick Bateman: uma imagem. E no plano final da sequência, ao simbolicamente retirar uma máscara do seu rosto, o personagem confessa que sabe disso.

    Patrick Bateman é uma imagem, uma casca cuidadosamente construída, mas sem nada do lado de dentro. Nada, exceto a obsessão com essa imagem. A cena em que diversos executivos comparam seus cartões de visita é didática: eles são todos iguais, ainda assim cada um precisa ser o melhor.

    O filme é extremamente irônico e o distanciamento de Bateman é tratado de forma precisa e sutil, com destaque para os momentos em que ele discorre longa e academicamente sobre bandas da época, enquanto assassina alguém, assiste duas prostitutas transando ou se prepara para torturá-las. Mary Harron, a diretora do filme, acerta ao contar a história pelo ponto de vista de Bateman sem avisar o espectador disso, o que permite a surpresa e ambiguidade finais.

    A ironia confere ainda um ar absurdo a coisa toda: a violência de Bateman se torna extremamente caricata e no final até improvável; a forma como ele nunca faz nada em seu escritório, exceto palavras cruzadas; a noiva, interpretada por Reese Whiterspoon, que podia facilmente ser a “barbie anos 80”. O filme é uma crítica ácida, mas irônica, que equilibra violência e humor e talvez por isso tenha se tornado tão comentado.

    A direção de arte, os enquadramentos e a trilham reforçam a caricatura. Os figurinos são exatamente aquilo que diz o estereótipo dos anos 80, a direção usa planos e recursos datados, como o zoom e efeitos de transição na montagem e a trilha parece algum tipo de compilação de “top hits” da época. Tudo é extremamente anos 80, os yuppies, a cocaína, as roupas.

    Psicopata Americano critica fortemente o capitalismo e uma sociedade obsessivamente voltada para a imagem. Mas o faz de forma sarcástica e quase auto-acusatória (afinal, o cuidado da direção de arte do filme ecoa o de Bateman com seu corpo), ao contrário do que David Cronenberg fez em Cosmópolis, Psicopata Americano não se apoia em discursos, mas na imagem. Isso tudo, quando aliado ao final duvidoso do filme, parece querer falar de uma loucura que não é só de Bateman, mas própria do sistema.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

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