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  • Crítica | O Aviador

    Crítica | O Aviador

    “Quando eu crescer, vou voar nos aviões mais rápidos, fazer os maiores filmes de todos, e ser o homem mais rico do mundo.”

    Howard Hughes pagou caro por ousar transformar esses seus sonhos infantis em realidade. Pagou caro duas vezes, ou mais, porque a história nos mostra que, em Hollywood, o preço nunca é convencional. O gênio criativo que só queria voar, literal e cinematograficamente, é o perfeito mito de Ícaro, mas num contexto americano de celebridades, e muito showbusiness. Hughes foi um dos primeiros grandes gênios da história do Cinema, um dos seus cidadãos Kane num período ainda jurássico do ‘fazer filmes’, mas ele não teve a sorte de um Orson Welles de, logo de cara, dar certo. Fez história, também, mas lutou muito para isso, pois quem não tem sorte, caça com o que tem. E, no caso de Hughes, toda a coragem e ousadia que um homem pode reunir em si.

    O Aviador é um projeto que combina com Martin Scorsese, pois fala de ambição, violência do destino contra um homem que tenta agir pelos métodos certos para atingir seus meios, desilusões ao longo do caminho, e a ironia natural das coisas. Vemos aqui a parceria entre mestre e o ator Leonardo DiCaprio funcionando em grande sintonia, como se DiCaprio fosse o porta-voz perfeito dos maneirismos e intenções fundamentais de Scorsese, logo após o bem-sucedido Gangues de Nova York. Em sua melhor colaboração até hoje com o galã de Titanic, ainda em 2004 procurando papéis que exigissem mais de um rostinho bonito, Scorsese faz o que mais gosta: barriga. O cineasta não conta uma história, e sim a esparrama, seja por vaidade, seja por amor ao Cinema, e desenvolve o show quase antes de bater nas três horas de duração.

    Exagero, claro, mas não tanto como em outras vezes na carreira – Kundun é o pior exemplo. Quem viu Hugo e acha que aquela foi a melhor representação de época de um Scorsese, pense de novo: é um deleite extremo ao cinéfilo, ou ao mero espectador casual de filmes, passear pela Los Angeles dos anos 20, e 30, com suas cores, seu glamour quase faraônico, assombrosamente recriado para o filme. Era o nascimento da sociedade do espetáculo, quase um século antes do Instagram, e muito antes dos Beatles e de Elvis Presley. Tudo ainda era novidade, e para Hughes também, inocente ainda. Pássaro livre num céu novinho em folha e que só queria esquecer de andar; voar ainda era gostoso nos anos 20, e não tanto nos anos 30.

    A realidade chega ao sonhador, e O Aviador evidencia os efeitos desse impacto ao pássaro desacostumado a gravidade. Entre acusações em tribunais envolvendo-o a escândalos de corrupção na Força Aérea dos EUA, e uma crescente instabilidade psicológica devido a uma severa desordem obsessivo-compulsiva, Hughes viu seu sonho de menino sofrer grandes colapsos que poderiam ter tornado sua trajetória uma longa novela-mexicana, se não fosse o tamanho dos seus sonhos impedindo-o de afundar no chão, sob seus pés. Tão incapaz de tecer relacionamentos sólidos com as mulheres de sua vida, quanto de abandonar suas motivações mais básicas, Hughes tem sua vida e obra contada por um Scorsese mais preocupado com o espetáculo visual, que com o drama em si, o que torna o ritmo e o saldo geral de O Aviador mais leve, e divertido, mas também menos reflexivo e amplamente marcante do que poderia ser.

    Katharine Hepburn, diva da Era de Ouro e aqui interpretada divinamente por uma Cate Blanchett a todo vapor (seu primeiro Oscar de dois, e um dos vários que deveria ter ganho), já declara após conhecer mais a fundo o homem incontrolável por quem se apaixonou: “Tem muito Howard Hughes no Howard Hughes; esse é o problema.” Ela não estava errada. Ao cair por encostar demais no sol, o garoto que cresceu não se livrou de suas asas ao desabar no chão. Continuou a reforçá-las, em forma de avião, em forma de imaginação. Eis a bela e tortuosa cinebiografia de um magnata da aviação e de Hollywood, que conheceu os dois lados da mesma moeda, e não se deixou abalar pela visão epifânica (e assustadora) de como a vida pode ser injusta, principalmente aos que a encaram como um céu sem limites durante a vida adulta.

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  • Crítica | Amor & Amizade

    Crítica | Amor & Amizade

    Aparentemente leve e fácil, Amor & Amizade (Love & Friendship) é um filme bem diferente do que estamos acostumados a ver por aí, tanto pelo seu cinismo quanto pela impressão que ele pode causar após os créditos finais. Não é uma produção que é fácil rotular como boa ou ruim, vai bem além disso, e ir além é a principal característica desse longa escrito e dirigido por Whit Stillman.

    A história é baseada no livro Lady Susan, de Jane Austen, no qual acompanhamos Lady Susan Vernon (Kate Beckinsale), uma recém viúva que enquanto é alvo de fofocas sobre seu comportamento duvidoso decide passar um tempo na casa de conhecidos para conseguir um marido para sua filha e talvez para si mesma. Kate finalmente deixa de lado a já desgastada imagem causada pela franquia Anjos da Noite e o remake de O Vingador do Futuro, e abraça maravilhosamente bem sua personagem Lady Susan que carrega o filme nas costas com seus diálogos rápidos, diretos e carregados de um cinismo tão requintado que a atriz parece um anjo, mesmo soltando os piores venenos.

    Longe de ser igual as personagens femininas do cinema retratadas no século XVIII, Susan é tridimensional e carregada de personalidade, tanto é que se pode tentar enxergá-la como vilã, mas não impedirá de também vê-la como heroína desta história que usufrui da “amizade” do título de forma tão particular. Numa trama calma e de diálogos afiados, Amor & Amizade brinca muito bem com as duas palavras que o nomeiam, ainda mais na época retratada, onde os casamentos eram arranjados e as amizades eram escolhidas por interesses; enquanto a personagem principal desperta o puro amor, ela consegue demasiadas coisas pela amizade social. É genial.

    E além de ser principal do longa e aparentemente desta crítica, a personagem de Beckinsale dita o tom de todos os 90 minutos do filme, uma leveza em cenários, figurinos e maquiagem que reflete em seus plots e casa de maneira brilhante com a comédia bem dosada presente no roteiro e principalmente no segundo destaque, a personagem de Tom Bennett, Sir James Martin, uma das mais engraçadas de 2016 e que quando está em cena com Beckinsale leva o filme para um patamar ainda maior.

    Indo além de ser apenas mais um filme de época, Amor & Amizade se destaca com o bom trabalho feito com o pouco orçamento e com a melhor dosagem de humor vista nos últimos tempos, sem deixar de ser elegante e fiel ao tempo em que retrata. O filme, porém, seria perfeito em sua proposta se não tivesse uma montagem problemática, no mínimo duas vezes durante a produção o espectador pode ficar confuso com alguns saltos pequenos no tempo e que oculta cenas importantes que ao decorrer do filme são citadas mas infelizmente nunca mostradas, dando uma incomodante impressão de trabalho mal feito.

    Tendo a melhor performance de Kate Beckinsale e provando que Jane Austen ainda pode render muito nas telonas, Whit Stillman entrega uma pérola que todos deviam assistir e até refletir, principalmente sobre o papel da mulher no século XVIII.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | O Vingador Do Futuro

    Crítica | O Vingador Do Futuro

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    Na onda interminável dos remakes hollywoodianos, chegou a vez de uma das maiores pérolas das traduções brasileiras, O Vingador do Futuro (tudo a ver com o nome original, Total Recall). Não vou entrar em comparações com o clássico de 1990 dirigido por Paul Verhoeven, pelo simples motivo de que não o vi, shame on me. Mas não precisa ser nenhum gênio pra deduzir que a nova versão já sai perdendo ao colocar Colin Farrell no papel que foi de Arnold Schwarzenegger.

    Num futuro não tão distante, uma guerra química tornou inabitável a maior parte do planeta. Os dois únicos locais povoados são a Federação Unida da Bretanha e a Colônia (Oceania). Superpopulação é apelido, e na segunda área há um movimento de resistência contra o Estado opressor da primeira, exigindo direitos iguais para os explorados trabalhadores. Nesse cenário, Quaid é um operário atormentado por uma rotina maçante e sonhos recorrentes nos quais é alguém importante. Buscando um escape, ele vai até um local chamado Total Recall, que implantará em sua mente memórias falsas a título de “férias”. Porém, antes que o procedimento comece, ele é atacado por agentes do governo e a correria começa.

    Correria, aliás, é a definição do filme. Apesar de bem executadas, as cenas de ação são inúmeras, permeadas por breves momentos de respiro. Meio na linha Michael Bay de ser, o que inevitavelmente acaba cansando lá pelo meio da história. O diretor aqui é Len Wiseman (da franquia Anjos da Noite e Duro de Matar 4.0), na melhor das hipóteses apenas competente na parte visual, mas sem qualquer brilho. E isso se reflete nesse novo O Vingador do Futuro, que sugere potencial para ter um algo a mais, algum conteúdo, mas de cara já opta por se dedicar inteiramente à ação desenfreada.

    A crítica social é de um capitalismo tão agressivo que evolui pra um novo imperialismo, mas isso fica apenas como um raso pano de fundo. Os aspectos de sci fi são mais dignos de nota, apesar de estarem presentes somente na ambientação. Os cenários urbanos são muito interessantes, uma extrapolação da nossa própria realidade em termos de moradia, trânsito e cidades cosmopolitas. Nada original, porém: é fácil encontrar elementos de Blade Runner Minority Report. Não por acaso, todos inspirados em contos de Philip K. Dick. Outra possibilidade do filme seria uma discussão sobre identidade, realidade e ilusão, subconsciente e o diabo a quatro nesse viés psicológico. Os próprios trailers e pôsteres sugerem isso – que é incrivelmente mal trabalhado! Em momento algum surgem dúvidas sobre a veracidade da situação do protagonista, e tudo se resume a algumas frases soltas dignas de filosofia de biscoitos da sorte.

    Dentre os atores, Farrell se esforça, mas a seriedade do papel o impediu de usar sua melhor faceta, a de canalha irônico canastrão. Jessica Biel está apagadíssima, Bill Nighy faz pouco mais que figuração, e o vilão vivido por Bryan Cranston ficou muito abaixo do potencial do ator. O destaque vai mesmo para a esposa do diretor, a linda e maravilhosa Kate Beckinsale. Como uma vilã incansável, cachorrona e determinada a ferrar o herói, ela rouba a cena ao definir o que é uma “ex-mulher”. Antes que me acusem de machista ou coisa parecida, é o filme que sugere isso, gerando um humor que não decidi se foi ou não involuntário.

    No fim das contas, O Vingador do Futuro versão 2012 serve apenas como uma boa distração entre Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge e Os Mercenários 2, e dificilmente será lembrado como um destaque dos gêneros ação ou ficção científica.

    Texto de autoria de Jackson Good.