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  • Crítica | Diário de um Adolescente

    Crítica | Diário de um Adolescente

    Jim Carroll é um garoto comum, que em meio a puberdade, tem de conviver com uma vida simples em uma cidade grande que o obriga a morar em lugares pequenos. A história, baseada no início da vida do escritor homônimo, dirigida por Scott Kalvert conduz Leonardo DiCaprio ainda jovem. O filme registra os dias do protagonista por meio de seu diário, que serve de rascunho para um livro confessional.

    Os personagens que cercam Jim são diferentes entre si, desde a vizinha religiosa que mistura orações com xingamentos, padres que acreditam que a violência é o remédio certo para a adolescência, além de amigos que fazem uso de entorpecentes.

    Seus dias se dividem entre se exercitar jogando basquete, onde ele tem uma das poucas pessoas que pode chamar de figura paterna – no caso o treinador Swift (Bruno Kirby) – além de fazer arruaças com os amigos. Os pouco mais de cem minutos de exibição mostram um elenco repleto de atores que viriam a ganhar os holofotes anos depois, como Mark Whalberg, Juliette Lewis e Vicent Pastore. Além dos citados, Ernie Hudson faz um dos mentores do rapaz, um homem negro de meia idade que se identifica com Jim. A maioria dessas personagens têm espaço para acrescentar algo na longa história que a câmera de Kalvert narra, cada um acrescentando detalhes primordiais na vida do protagonista. Para o bem e para o mal.

    Jim se frustra não só por perceber que seus desejos e sonhos de grandeza não se cumprirão, mas principalmente porque o pouco que tem pode ser tirado, como a vida do seu amigo, Bobby (Michael Imperioli, irreconhecível), o antigo astro do time de basquete. A escrita o ajuda a exorcizar seus demônios, seja profetizando sua dor ou simplesmente exteriorizando seus sentimentos.

    Em alguns momentos as cenas acompanham esse tom poético, sendo um dos mais emblemáticos (e cafona) com os garotos andando na chuva, de terno e gravata afrouxada, após um funeral. Ali são mostrados homens nada talhados para as privações da vida, mas que tentavam seguir ao seu modo, confusos e suscetíveis à toda sorte de desvios. Outro momento interessante se dá nas cenas de basquete em quadras de rua, momento que o diretor está especialmente inspirado. As disputas parecem um balé, dado a leveza estética e o apuro técnico em cena, e por mais irreais, há um certo lirismo em sua condução.

    O problema maior se dá no terço final, que registra a derrocada de Jim e seus parceiros, sem qualquer sutileza e repleto de sensacionalismo por parte do registro do direto e do roteiro de Bryan Goluboff. A gravidade dos atos e acontecimentos perde força exatamente pelo exagero de retratar o grupo de meninos como zumbis em busca de prazeres efêmeros. A maquiagem cinza sob a pele e o batom cor de prata deveria ajudar a compor um quadro de melancolia, mas o que se vê é um mero pastiche.

    DiCaprio está impecável, a entrega dele e de Lorraine Bracco impressiona bastante. A cena dos dois buscando algum tipo de relação entre mãe e filho, próximo do desfecho é dura, quase dá para sentir o suor, lágrimas e dor dos personagem. Caso não fosse tão maniqueísta e apressado em soar como uma cartilha antidrogas, Diário de um Adolescente poderia ter alguma dubiedade nessa relação parental ou na questão da relação de mentor e pupilo entre o protagonista e Reggie. A gravidade com que todos os defeitos são tratados faz a história inspiradora de Carroll se diluir, e numa época em que Kids e Trainspotting e Réquiem Para um Sonho ocorrem, uma abordagem tão focada no sensacionalismo faz tudo parecer bobo e primário, algo conservador demais para uma cinebiografia de um artista marginal.

  • Crítica | Era Uma Vez Em… Hollywood

    Crítica | Era Uma Vez Em… Hollywood

    A filmografia de Quentin Tarantino é um objeto que merece estudo, dentro e fora das telas por inúmeros motivos, inclusive alguns que mal tocam a figura que o realizador tem para o cinema mundial. Odiado por cinéfilos mais alternativos (e chatos) e adulado por muita gente que conhece superficialmente a história de Hollywood (posers), ele costuma inflamar paixões demais com seus filmes, e a expectativa para que feche logo o décimo, e possivelmente, último filme seu causa frisson em muitos – talvez ele jamais cumpra a promessa de parar em dez, mas vá lá. Pois bem, Era Uma Vez em… Hollywood é sua nova obra, que prometia refletir sobre  a historia da Familia Manson e o assassinato brutal de Sharon Tate.

    Ao menos, essa era a promessa. O diretor e roteirista jamais escondeu que Alfred Hitchcock é uma de suas principais influências, tendo inclusive reproduzido um trecho de um filme dele em Bastardos Inglórios, e essa obra, usa muitos elementos do cinema hitchcokiano. No início do filme, são mostrados trailers fakes, de seriados e filmes, bem ao estilo Grindouse/Planeta Terror/À Prova de Morte, e logo, é mostrado a dupla de protagonista, a estrela decadente de seriados western Rick Dalton, e seu dublê Cliff Booth, feitos respectivamente por Leonardo DiCaprio e Brad Pitt.

    No início, o filme traz boa parte das marcas do diretor, há um foco especial nos pés das belas mulheres do elenco, cenas de dentro de carros, com a câmera registrando o ângulo de quem está sentado no banco de trás, no centro, além disso, há muitos diálogos que ajudam o espectador a entender o estado de espírito dos personagens, em especial a melancolia de Rick, que se sente mal sobre sua carreira, que aparentemente, não alcançou o que seu talento teria.

    Da parte de Cliff, a rotina do sujeito é bem diferente da que seu parceiro e camarada tem. Ele não tem dinheiro, ou luxos, vive em um humilde trailer, e faz todo tipo de serviço para sobreviver, sendo um faz tudo do ator de TV, além de obviamente fazer as cenas perigosas  em seus filmes e episódios. É engraçado que o longa seja um filme de outsiders e excluídos, e esse aspecto obviamente se vê mais na jornada de Booth do que de Dalton, mas ambos são páreas em suas funções, não tem trabalhos glamourosos, e o máximo de fama que tem, ocorre basicamente pelo fato de o mais abastado dos dois ser vizinho de Roman Polanski e Tate.

    O rooteiro é bastante linear dessa vez, até tem alguns flashbacks, e se permite fazer muitas pausas para mostrar o nível dos trabalhos dos personagens, com micro episódios hilários (ou não) da vida de Cliff, Rick e até de Sharon, que é magistralmente feita por Margot Robbie. É engraçado até como Tarantino não utiliza tanto a figura de Robbie como sexy simbol, pondo-a em momentos breves, dentro de festinhas comportadas. Mesmo quando estão em festas nas mansões da Playboy, as cenas são bem comportadas, as mulheres mais sexualizadas, são as que envolvem as membras do culto conhecido como a Família Manson.

    Tarantino faz uma ode ao cinema que sempre amou, mas especificamente o sub-gênero western spaghetti, inclusive desdenhando de quem desdenhava desses filmes italianos de ação, inclusive citando Sergio Corbucci (Django e Vamos Matar Companheiros), e além disso, ele brinca com mitos hollywoodianos, inclusive com ícones dos  filmes de artes marciais – em uma cena hilária, diga-se de passagem, envolvendo orgulho, vaidade e o sub mundo dos dublês – mas também humaniza demais os entes desse universo, pois os homens e mulheres que trabalham e vivem no backstage, mostrando esses como personagens mesquinhos, vaidosos, cujos passados são sombrios e cheios de boatos sujos.

    O texto brinca demais com a humanidade não só dos que estão sob as luzes da ribalta, mas sim com o todo envolvendo a indústria, o que de certa forma, conversa bastante com a montanha de polêmicas e crimes cometidos por Harvey Weinstein, antigo amigo de Tarantino e produtor da maioria esmagadora de seus filmes, evidentemente sem condenar por completo essas pessoas, mas também não suavizando a gravidade dos crimes cometidos.

    Era Uma Vez em.. Hollywood tem um humor negro muito forte, se utiliza bastante do gore no seu terço final, perverte fatos e biografias mais uma vez, em prol é claro de uma historia que Tarantino quer contar e consegue fazer isso louvando e debochando de inúmeros estereótipos do cinema norte-americano. O cineasta não tem receio de ofender qualquer grupo de fãs e só o fato de não ligar para possíveis reclames por parte de fãs mais intolerantes e xiitas já é um indício de tática ousada, e para variar ele revisiona a história, é reverencial com as vítimas da família Manson e desdenha dos membros desse culto, como também faz uma crítica fina às crenças religiosas da maioria das celebridades.

    A maior poesia desse texto reside em mostrar o quão frágil é o ego e psique de quem movimenta os sonhos de cinema do mundo, e faz isso com maestria e zero sutileza, apresentando um conto pervertido, pesado, com zero personagens inspiradores e ainda assim bem mais leve do que a realidade suja e tangível que Hollywood apresenta. O verniz que o cineasta apresenta aqui é sensacional e sensacionalista, eleva as estrelas ao seu devido lugar e não romantiza nada, desconstrói e reergue os pilares do cinema mais pomposo do mundo não conseguindo replicar ainda toda a podridão que reside ali na realidade, uma vez que nem toda ficção faz jus a realidade, e além disso, o filme ainda se vale pouco dos péssimos defeitos dos últimos produtos de Tarantino – em especial Django Livre e Os Oito Odiados – e mesmo tendo uma duração extensa, funciona de forma dinâmica, em especial na criação de toda atmosfera de estranheza e naturalidade necessária para que todo esse drama soe crível.

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  • Crítica | O Aviador

    Crítica | O Aviador

    “Quando eu crescer, vou voar nos aviões mais rápidos, fazer os maiores filmes de todos, e ser o homem mais rico do mundo.”

    Howard Hughes pagou caro por ousar transformar esses seus sonhos infantis em realidade. Pagou caro duas vezes, ou mais, porque a história nos mostra que, em Hollywood, o preço nunca é convencional. O gênio criativo que só queria voar, literal e cinematograficamente, é o perfeito mito de Ícaro, mas num contexto americano de celebridades, e muito showbusiness. Hughes foi um dos primeiros grandes gênios da história do Cinema, um dos seus cidadãos Kane num período ainda jurássico do ‘fazer filmes’, mas ele não teve a sorte de um Orson Welles de, logo de cara, dar certo. Fez história, também, mas lutou muito para isso, pois quem não tem sorte, caça com o que tem. E, no caso de Hughes, toda a coragem e ousadia que um homem pode reunir em si.

    O Aviador é um projeto que combina com Martin Scorsese, pois fala de ambição, violência do destino contra um homem que tenta agir pelos métodos certos para atingir seus meios, desilusões ao longo do caminho, e a ironia natural das coisas. Vemos aqui a parceria entre mestre e o ator Leonardo DiCaprio funcionando em grande sintonia, como se DiCaprio fosse o porta-voz perfeito dos maneirismos e intenções fundamentais de Scorsese, logo após o bem-sucedido Gangues de Nova York. Em sua melhor colaboração até hoje com o galã de Titanic, ainda em 2004 procurando papéis que exigissem mais de um rostinho bonito, Scorsese faz o que mais gosta: barriga. O cineasta não conta uma história, e sim a esparrama, seja por vaidade, seja por amor ao Cinema, e desenvolve o show quase antes de bater nas três horas de duração.

    Exagero, claro, mas não tanto como em outras vezes na carreira – Kundun é o pior exemplo. Quem viu Hugo e acha que aquela foi a melhor representação de época de um Scorsese, pense de novo: é um deleite extremo ao cinéfilo, ou ao mero espectador casual de filmes, passear pela Los Angeles dos anos 20, e 30, com suas cores, seu glamour quase faraônico, assombrosamente recriado para o filme. Era o nascimento da sociedade do espetáculo, quase um século antes do Instagram, e muito antes dos Beatles e de Elvis Presley. Tudo ainda era novidade, e para Hughes também, inocente ainda. Pássaro livre num céu novinho em folha e que só queria esquecer de andar; voar ainda era gostoso nos anos 20, e não tanto nos anos 30.

    A realidade chega ao sonhador, e O Aviador evidencia os efeitos desse impacto ao pássaro desacostumado a gravidade. Entre acusações em tribunais envolvendo-o a escândalos de corrupção na Força Aérea dos EUA, e uma crescente instabilidade psicológica devido a uma severa desordem obsessivo-compulsiva, Hughes viu seu sonho de menino sofrer grandes colapsos que poderiam ter tornado sua trajetória uma longa novela-mexicana, se não fosse o tamanho dos seus sonhos impedindo-o de afundar no chão, sob seus pés. Tão incapaz de tecer relacionamentos sólidos com as mulheres de sua vida, quanto de abandonar suas motivações mais básicas, Hughes tem sua vida e obra contada por um Scorsese mais preocupado com o espetáculo visual, que com o drama em si, o que torna o ritmo e o saldo geral de O Aviador mais leve, e divertido, mas também menos reflexivo e amplamente marcante do que poderia ser.

    Katharine Hepburn, diva da Era de Ouro e aqui interpretada divinamente por uma Cate Blanchett a todo vapor (seu primeiro Oscar de dois, e um dos vários que deveria ter ganho), já declara após conhecer mais a fundo o homem incontrolável por quem se apaixonou: “Tem muito Howard Hughes no Howard Hughes; esse é o problema.” Ela não estava errada. Ao cair por encostar demais no sol, o garoto que cresceu não se livrou de suas asas ao desabar no chão. Continuou a reforçá-las, em forma de avião, em forma de imaginação. Eis a bela e tortuosa cinebiografia de um magnata da aviação e de Hollywood, que conheceu os dois lados da mesma moeda, e não se deixou abalar pela visão epifânica (e assustadora) de como a vida pode ser injusta, principalmente aos que a encaram como um céu sem limites durante a vida adulta.

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  • Crítica | Gangues de Nova York

    Crítica | Gangues de Nova York

    “Não era uma cidade. Estava mais para uma fornalha.”

    Costuma-se dizer que só dois cineastas conseguiriam fazer o filme definitivo sobre Nova York, e esses filhos da Big Apple com certeza já tentaram fazê-lo, uma porção de vezes: Woody Allen e Martin Scorsese. O primeiro só com Manhattan e Annie Hall já resumiria com todo humor e irreverência possíveis os conflitos que seres-humanos, adoravelmente imperfeitos, conseguem enfrentar em suas estripulias e pequenas aventuras cômicas num caos urbano sempre ironizado nas paranoias de Allen. Já o caos de Scorsese é visto pelos olhos da noite dos becos e ruas perigosas onde o bom-humor nem sempre dá o tom. Conhecido pela sua violência e realismo dramáticos, a Nova York de Scorsese só pode ser embalada pelo jazz (como de fato é, mas só em Nova York, Nova York) quando se propõe a tirar os pés do chão, e viver seus sonhos que só acontecem mesmo na Broadway.

    E nós já sabemos disso. Gangues de Nova York é o resultado frenético da progressão de Scorsese sobre os olhares da megalópole em que nasceu. Se essa ótica começou com grande propriedade em Caminhos Perigosos, evoluiu ao longo de décadas de filmes sempre a mostrar uma cidade ou no auge dos seus problemas, ou que merece ser homenageada por uma época que já virou um passado recente. No caso do épico de 2002, filme rodado na Itália e dependente, em absoluto, da sua ambiciosa e grandiloquente ambientação, uma iconografia decadente e ao mesmo tempo atraente, como se a Nova York do filme fosse um cenário primitivo ainda a ser explorado, Scorsese quis mostrar as raízes da sua cidade e seus habitantes pra aqueles que rejeitam ideais romantizados.

    Para isso, faz questão de lavar nos primeiros minutos seu chão de sangue, e é nele que as pessoas vão se banhar, e os prédios irão se erguer – com o povo já “civilizado” de Se Meu Apartamento Falasse substituindo a barbárie do séc. XIX. Logo em seguida, após o massacre que iria mudar para sempre a vida de Amsterdan Vallon, o garoto volta para NY, já homem, e antes de pisar na cidade, joga fora a bíblia que levava consigo. Não há mais lugar para o divino. Numa trama de vingança de Amsterdan com Bill – o Açougueiro, homem poderoso e influente que assassinou seu pai a sangue frio naquela tarde em que a neve das ruas ficou vermelha, o filme acaba sendo mais longo do que poderia ser, uma questão (e muitas vezes um problema) recorrente dos filmes de Scorsese, um eterno apaixonado por Cinema e pela arte e as artimanhas de fazê-lo.

    E é nessa duração excessiva que o cara por trás de Touro Indomável deita e rola, agora com Leonardo DiCaprio sendo seu novo pupilo e não mais Robert de Niro, nos entregando uma versão ainda inédita sobre uma cidade sem glamour algum. Suja, nojenta, e que só não nos lembra uma Londres vitoriana no auge da peste negra devido os tons mais quentes do visual, e a falta de sotaque britânico nos personagens. Gangues de Nova York evidencia a promessa amaldiçoada que a cidade foi, por muito tempo, muito por causa da violência do seu povo. A violência mora na alma predadora dos americanos, diz Scorsese em cenas chocantes como a do teatro, em que Bill percebe o plano de Amsterdan e combate sua vingança com grande fúria, mostrando em público o motivo de ser respeitado, e chamado de O Açougueiro.

    A edição brilha, os cenários mais ainda, mas os atores ainda mais. Daniel Day-Lewis é um titã, mestre irrefreável que desaparece nos seus personagens de forma assombrosa, sujando e chupando o sangue do rosto do seu Açougueiro como se ambos tomassem banho nele toda noite – e não duvidamos disso. Se Lewis é um monstro, tendo aprendido a usar facas e machados igual sua nova persona agressiva, DiCaprio e Cameron Diaz não deixam o nível da atuação ser inferior. Um apenas quer vingança, e a outra alguém a quem confiar para ganhar a vida em meio a uma selvageria masculina e uma brutalidade sem fim. Scorsese sempre extrai o melhor das atrizes e atores sob sua demanda, e Gangues de Nova York é mais um ótimo exemplo disso. A adaptação do livro de Herbert Asbury ganhou as telas pelas mãos certas, porém de forma um tanto excessiva, refletindo a cobiça do cineasta que tomou conta da história. Um tratado inconsistente, ainda que absurdamente expressivo sobre as raízes da América.

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  • Crítica | Titanic

    Crítica | Titanic

    Em 1997, James Cameron dava um passo adiante em sua carreira como cineasta, comandando um projeto grandioso, enorme como sua figura de estudo. Titanic é uma versão sobre o naufrágio histórico de um navio supostamente intransponível. O começo de seu drama foca nas explorações sub-aquáticas de uma equipe de exploradores, que mergulham no fundo do oceano atrás do navio. Nesse meio tempo, Rose (Gloria Stuart), uma carismática e simpática velhinha surge como uma das figuras responsáveis pelo reconhecimento do naufrágio

    O filme tem cerca de três horas de duração, e é dedicado um  tempo curto a mostrar a expedição de Brock Lovett (Bill Paxton), um caçador de tesouros, que encontra um cofre dentro dos escombros. Ao ir a bordo da embarcação de reconhecimento, Rose começa a contar uma história de seu passado, quando seria interpretada pela musa – no auge de sua beleza – Kate Winslet. Uma moça de alta classe, que estava noiva de Cal Hockley (Billy Zane), um sujeito egoísta e inoportuno.

    Na época, Rose Dawson era uma moça entediada e pressionada a ser a galinha dos ovos de ouro de sua família, já que estavam falidos e seu casamento com Hockley resolveria os problemas financeiros de todos. Se percebe de plano um senso crítico da parte de Cameron quanto ao conservadorismo, o dinheiro a qualquer custo e a mentalidade tacanha por parte de uma parcela da sociedade, não só dos anos 1920, mas de nossos tempos.

    A conexão que a moça passa a ter com o artista pobretão Jack Dawson (Leonardo DiCaprio) é a prova cabal da tentativa dela de fugir do mundo em que vive. A alcunha de pobre garota rica é muitas vezes lembrada dentro do longa, mas o roteiro de Cameron demonstra chances reais dela se desvencilhar desse mundo, já que se mostra bastante diferente de seus pares. Jack aparece com vinte e dois minutos de exibição como um rapaz sonhador e que desbrava o mundo, viajando e vendendo sua arte pelos portos. A partida da Europa em retorno para América não era uma novidade para si, mas o embarque no suntuoso barco é uma chance de estar em lugar de alto estilo, mesmo que esteja na terceira classe.

    Os caminhos dos dois personagens se cruzam após uma tentativa de suicídio, e esse ato também é simbólico. O Titanic parece mexer com a cabeça de todos que estão a bordo, uma vez que as sensações e sonhos se tornam grandiosos. Mesmo os exageros são de certa forma justificados.

    Rose e Jack dão vazão a um amor proibido, e nos momentos de maior tensão e união, ambos tremem. A primeira sequência dessa é a bordo de um carro, no estacionamento do navio quando finalmente fazem sexo, e a outra é ao final, na despedida dos dois. O amor proibido e que tem vida curta segue repleto de emoções, e conversa diretamente com o infortúnio do naufrágio, pois ambas cenas ocorrem ao lado dos momentos chaves para o dito fim do Titanic, sendo a primeira imediatamente anterior ao choque com o iceberg e a segunda posterior ao total afundamento do navio.

    O iceberg só aparece de fato com mais de noventa minutos passados, um pouco menos da metade da obra. A partir daí, a história de amor ainda preenche alguns dos momentos, mas a maior parte do conteúdo dramático se dedica a mostrar a luta dos futuros naufragados na tentativa de subir nos poucos botes disponíveis. A partir daí, uma luta de classes se estabelece, normalmente favorecendo os mais abastados, pondo fim a vida de quase todos os que cercavam Jack.

    As provas de amor que Rose e Jack praticam entre si tem um caráter lúdico e irreal na maior parte das vezes. É como uma fábula dos séculos anteriores, com personagens arquetípicos, com a donzela rica em perigo, o lindo rapaz pobre e o ciumento sujeito abastado. Não se desenvolve muito além disso, fato que faz toda a história soar um pouco repetitiva, mas ainda assim há bastante universalidade na obra.

    Depois de toda a tragédia, nos últimos do navio ainda em pé se mostram alguns momentos de esperança na raça humana, seja a dos músicos, tocando canções religiosas em suas cordas, para tentar suplicar pelas almas dos que perecerão, ou na abnegação do capitão Smith (Bernard Hill) e Thomas Andrew (Victor Garber), criador do transatlântico, que escolhem morrer lá, tendo o oceano como seu túmulo. Depois de dedicar um tempo debochando da burguesia, Cameron faz um juízo sobre os poucos membros da classe que apresentavam algum rastro de humanidade, deixando-os se redimirem.

    Titanic além de ser um resgate à memória afetiva de uma época em que só se podia sonhar com os avanços humanos, é também produto de uma nova fase do cinema, um exemplar magnânimo do poderio que a era digital do cinema poderia fazer. O orçamento gigantesco é completamente justificado diante da perfeita reconstrução de época.

    https://www.youtube.com/watch?v=zCy5WQ9S4c0

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  • Crítica | O Regresso

    Crítica | O Regresso

    O Regresso - poster

    Há, na tarefa desgraçada de todo crítico, os momentos de não saber o que apontar diante de um filme que, por melhor que seja a dialética prescrita, sempre estará acima de meras palavras. Grandes obras produzem o silêncio crítico do vocabulário fiel, e de repente o escrever resulta em traição, como se o pensar também não, enquanto tentamos arrumar nosso juízo em relação a obras, digamos: transcendentais. Por onde começar? Lembro de sair do cinema após A Árvore da Vida sem saber o que o filme de Malick me fez sentir – uma explosão de sensações livres de censura ou licença, criando toda uma brisa que não cabia nem na sala de exibição, quanto mais em mim! E se todo filme nos fizesse tremer ou chorar, já pensou o quão difícil seria ao crítico criticar o incriticável? Palavras são pequeninas, às vezes mera bijuterias, réplicas de uma joia sem peso em paralelo ao quilate original; quiçá, o seu valor. Crítica é trampolim, mera catapulta a algo maior: A gema que ousa examinar, julgar e até moldar, feito ourives com uma pepita entre os dedos. Mas O Regresso não é ouro, tampouco biju: É diamante em estado bruto, com forma e peso de Cinema da mais alta qualidade. Lapidá-lo é o que nos resta a seguir.

    Antes, uma listinha cheia de ambição: quem seriam os melhores cineastas em atividade? Vejamos… Kiarostami, de Cópia FielWim Wenders, de O Sal da Terra; o velho Herzog, de Fitzcarraldo; (e talvez o melhor nome da lista), Scorsese, de Taxi Driver; o mestre da animação Miyazaki, de Chihiro e Totoro; e, a partir de 2015, um novo integrante ao hall das lendas: Alejandro Iñarrítu. Um ninja, em caráter inegável na manipulação quase que espontânea das emoções mais profundas de quem se deixa levar, sem pudor ou camisinha, nas experiências e conjeturas que o mexicano propõe. Em O Regresso, o diretor parte do princípio de narrar um conto para estudar os fundamentos da história ocidental, seu povo e seus costumes, numa trama que nega seus heróis e vilões. A história americana se estrutura em sangue e munição, então é isso que teremos: John Wayne está morto, e com ele cada vez mais Hollywood sepulta a hipocrisia histórica que a Wikipédia denuncia, numa rápida busca na web. Se a América ainda é massacre, é a trajetória de quem sobrevive a eles que interessa o diretor de Birdman Ou (A Inesperada Virtude da Ignorância. Encontra em Leonardo DiCaprio e Tom Hardy seus algozes, e os expõe a uma realidade aumentada pela lupa de seu Cinema passivamente agressivo de sempre.

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    Há muito nos filhos de Iñarrítu. Em Biutiful, não se pode calcular o desespero de Javier Bardem, e em Babel nota-se não haver oceano grande o bastante para afogar a culpa daquela gente, diante dos desafios da vida. Seus personagens são ricos e incorporam o mundo, ao redor. É assim que são compostos cenários onde tudo pode acontecer, e de fato não acontece, mas irrompe e explode muito antes, ou depois de DiCaprio fazer por merecer ter a sua atuação, aqui, posta entre os cânones de quem brilha nas telas do século XXI. Dos pés à cabeça, o Jack de Titanic cresceu. Estamos vivos para vê-lo entrar, com mérito, ao tal do hall das lendas vivas e tendo neste status o seu custoso Oscar, finalmente, na pele de um caçador de peles que prova de seu próprio sangue nas garras de um urso bestial, a dizer o mínimo. É no animal que convém resumir, no seu comportamento primitivo (a fúria dos índios sobre a ousadia dos brancos), toda a filmografia de Iñarrítu, cada vez mais um mestre. Um manipulador com orgulho, no topo da cadeia que habita – e com a soberania de quem domina o campo de batalhas.

    Um campo escrachado de humanidade e desumanidades, digno de nossa especulação e a mais sincera admiração. Toda a simbologia de largos planos-sequências, melhores que na jornada teatral de 2014, e os conflitos familiares comuns nos filmes do diretor encontram espaço, com Iñarrítu novamente fiel a si mesmo, culminando afinal nas impressões digitais autênticas de um diretor sempre muito bem-sucedido em proposta, e realização. Não à toa, como nada vem fácil, o filme encontrou inúmeras dificuldades na produção, com um orçamento de 135 milhões de dólares quando o original era de 60, e locações complicadas onde as condições climáticas nunca sopravam a favor da filmagem. Pra completar, o filme é acessível a maiores de 17 anos, devido ao mergulho furioso num realismo provocante, sugado por uma fotografia sobrenatural, estilo Malick e Cuarón. Impossível não admirar um visual que também nos engole (sem dó), e sobretudo o que dele se manifesta, nas mais variadas formas e vibrações complexamente oriundas.

    Um legítimo faroeste, calcado em contemporaneidade pelos símbolos e signos que tornam a experiência que é, captado por uma câmera suja e nervosa em prol de uma insaciável vontade de fazer a arte do Cinema, de verdade, e no melhor sentido da palavra. Na verdade, é a narrativa visual que deflagra a percepção, e assombra, num caminho sem volta na nossa relação com a história. Não é um filme que se vê todo dia, aprecia ou se estuda normalmente: Sabemos assistir a algo especial desde os primeiros planos, os primeiros enxertos que avisam: sobreviver à sessão de O Regresso nunca será um veículo fácil de lidar. A mixagem de som e a exímia continuidade dão o tom da releitura de Dead Man, com ecos de Leone e Tarkovsky, claras inspirações de uma obra que, já avisando, não conhece a piedade de quem a assiste. Um tipo de Cinema imersivo, imbatível, e que, lapidado pelo tempo, terá em seu brilho a resistência do que nos torna cúmplices do primor estampado em movimento por seus quadros, sons e testemunho.

     

  • Estilos e Estilistas: construindo pontes entre a sétima arte e a vida

    Estilos e Estilistas: construindo pontes entre a sétima arte e a vida

    Estilos e Estilistas - suit & tie

    O Cinema sempre foi e sempre será um agente instigador de suas plateias, despertando reflexões, criando tendências e inspirando comportamentos!

    Você diria que o cinema dita a moda?

    Eu penso que os personagens expõem padrões de comportamento com os quais nos identificamos, porque realmente temos semelhanças, ou porque eles refletem nosso alter-ego, aquilo que gostaríamos de ser e passar para os outros através de uma imagem, a qual se constrói, entre outras coisas, na forma como nos vestimos.

    Não se trata de julgar pelas aparências… aliás, trata-se de partir da aparência para identificar signos que se constituem em linguagem visual, porque temos cinco sentidos e nossas referências se formam através do que estes captam. Então, nossos primeiros códigos são transmitidos e decifrados pelo primeiro sentido a entrar em ação, o da visão. Não analisamos exatamente a roupa, mas o que ela diz sobre quem a veste!

    Portanto, não vou falar de moda, mas de estilo! Como disse Yves Saint Laurent: “A moda passa, o estilo é eterno”!

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    A narrativa no cinema é construída por vários elementos, entre eles o figurino, pelo qual se expõem duas dimensões, do espaço (geográfico) e do tempo (época), e se estabelecem sugestões sobre a personalidade ou o estado emocional do personagem. O figurino cinematográfico pode ter um papel objetivo, na verossimilhança histórica, cênico, dando foco à harmonia de cenários e fotografia, ou simbólico, quando atua em parceria com a linguagem dramática.

    Quando penso em estilo masculino, as imagens se misturam, porque há uma profusão de homens elegantes, na telona, retratando várias épocas e comportamentos. Mas aquele que se sobrepõe, talvez porque ao longo de décadas mantém a mesma linha de postura, (ainda que seus trajes sofram variações de peças em destaque, modelagem e paleta de cores), é o famoso protagonista da série 007.

    Imediatamente penso em Tom Ford, o estilista que assina os ternos de James Bond (Daniel Graig), desde 2008 em Quantum of Solace. Em 007 – Operação Skyfall (2012), Bond exibe nada mais nada menos que um relógio Omega Seamaster Planet Oean, e sapatos Crockett & Jones Alex, além de abotoaduras e óculos escuros do estilista já citado. A paleta de cores resume-se ao preto, azul, cinza e branco, em composições totalmente clean.

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    Mas nem sempre esta modelagem mais ajustada ao corpo representou o estilo clássico e sedutor do agente, numa linha fashion. Na verdade, esse fashionismo começa a se desenvolver a partir de 007 – A Serviço Secreto de Sua Majestade (1969), com George Lazenby substituindo Sean Connery.

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    Com uma cromática mais diversificada e peças esportivas alternando-se aos ternos, o figurino começava a abandonar o terno acinturado e com dois botões que costumavam vestir Connery, desde sua primeira interpretação em 007 Contra o Satânico Dr. No (1962), num visual de padrão britânico.

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    Já quando representado por Roger Moore, entre 1973 e 1985, 007 usava menos o terno, dando preferência a blazers e jaquetas, e em seu look seguia uma paleta com predominância dos tons verdes e castanhos.

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    Após a aparência mais discreta com Timothy Dalton, voltando aos ternos (e blazers) mas dispensando frequentemente a gravata, para adotar o desabotoar dos dois primeiros botões a camisa, a figurinista Lindy Hemming adota para Pierce Brosnan, em 007 – Contra Golden Eye, o clássico corte italiano de Brioni.

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    E já que falamos em Tom Ford vestindo o agente dos mais recentes episódios da série, como não lembrar do figurino da década de 1960, sob a responsabilidade de Arianne Phillips (indicação ao BAFTA, nesta categoria), em Direito de Amar (2009), dirigido pelo próprio?

    Embora nos créditos apareça o nome de Phillips, e não haja como negar seu trabalho incrível, é impossível não reconhecer o “traço” de Ford nos impecáveis ternos do introspectivo personagem George (Colin Firth), de modelagem ajustada, com suas gravatas slim.

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    Ainda na onda de grifes famosas e seus estilistas, Giorgio Armani fez de George Clonney sua ferramenta de propaganda, com o personagem Danny Ocean, no filme Treze Homens e Um Segredo (2007), com Louise Frogley assinando os figurinos, o que repetiu com competência em Quantum of Solance, e Homem de Ferro 3 (2013) seguindo a mesma linha de ternos impecáveis para Dr. Aldricks Killian (Guy Pearce).

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    Em 1983, na obra de Brian de PalmaOs Intocáveis, Armani já vestira Al Capone (Robert de Niro), e Marilyn Vance recebeu uma nomeação ao Oscar de Melhor Figurino.

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    Três anos antes, em Gigolô Americano, Armani recorrera ao linho italiano para os ternos desestruturados, numa combinação de tons com grande diversidade, para vestir Julian Kaye (Richard Gere). Ainda que este corte marcasse mais de três décadas passadas, e se opusesse à ajustada modelagem dos conceitos contemporâneos (continuam a lapelas e gravata finas), permanece como opção de estilo para alguns homens, sem que se perca a elegância.

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    Se o foco é a elegância masculina no cinema, e a justa menção aos estilistas e figurinistas responsáveis por isso, torna-se impossível deixar de citar a premiada e nomeadíssima Sandy Powell, que arrebatou um dos Oscar vestindo os personagens de O Aviador (2004), ambientados entre as décadas de 1920 e 1940, onde a imagem e Howard Hughes (Leonardo DiCaprio) com ternos, smokings e jaquetas de primeira linha, desfila com extrema elegância.

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    Entre as nomeações de Powell está Sra. Henderson Apresenta (2005), no qual ela segue a mesma época, ainda que com menos glamour.

    Sua constante parceria com Martin Scorsese já a incumbira antes, de vestir Gangues de Nova York (2002) (mais uma nomeação), com trajes do século XIX.

    Uma das características das gangues, seja na arte cinematográfica ou na vida real, é a identificação simbólica através da forma de se vestir, funcionando como evidência de coesão do grupo e como legenda de suas “filosofias”.

    Em Amor, Sublime Amor (1961), filme riquíssimo por sua trilha sonora, fotografia e coreografia, Irene Sharaff assina o new look que veste os Jets e os Sharks, com um padrão harmônico e colorido.

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    O Oscar de Melhor Figurino (entre os 10 que o filme recebeu), não foi o primeiro de Sharaff, pois ela já havia conquistado outro em 1951, com Sinfonia de Paris. Além da excelente verossimilhança com a época retratada, a harmonização com os cenários é simplesmente incrível! O que se pode admirar com mais precisão na longa sequência final, protagonizada por Gene Kelly e Leslie Caron, e observar que Gene começa e termina com calças mais soltas , mas camiseta colada ao tronco, além da uniformidade do peto cortada pelo branco das meias. Décadas depois, Michael Jackson viria a repetir esta combinação.

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    A propósito de gangues, quem não lembra dos excêntricos figurinos vestidos pelos Drugues em Laranja Mecânica (1971)? Claro que iria além da ousadia copiá-lo na íntegra e desfilar pelos espaços urbanos, mas elementos de referência, como a bengala, os suspensórios e o chapéu de coco, cabem perfeitamente ao estilo mais irreverente.

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    Milena Canonero começa aqui sua colaboração com Stanley Kubrick, voltando a trabalhar com ele (em parceria com Ulla-Britt Soderlund) em 1975, no filme Barry Lyndon, quando ganha seu primeiro Oscar, seguindo-se O Iluminado (1980) e o brilhante trabalho em Maria Antonieta (2006). Entre estes dois, Carruagens de Fogo (1981) mostra-nos com autenticidade os uniformes usados pelos atletas, naquela época (Jogos Olímpicos de 1924, em Paris), mas tem também os blazers em tons escuros, as gravatas finas e os cardigãs bem ao estilo britânico. Vale ressaltar que Canonero em 2014 levo o Oscar por O Grande Hotel Budapeste.

    Quando se fala em parceria direção/figurino, estabelece-se quase obrigatório lembrar de um look com formas simples e cores neutras, numa linha minimalista, como aquele que Betsy Heimann nos apresenta em Cães de Aluguel (1992) e Pulp Fiction – Tempos de Violência (1994), do diretor Quentin Tarantino.

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    Recentemente você deve ter ouvido por aí a palavra “hipster”, e talvez tenha se perguntado que moda é essa. Então… hipster não é moda! Hipster é um estilo que foge da moda! É um resgate de alguma peças retrô, numa composição quase certinha mas não alinhada.

    Ela (Her, 2013) sob a direção de Spike Jonze nos traz um mundo de tecnologia futurista, através da qual se cria a existência de um OS (sistema operacional) com inteligência e personalidade, pelo qual (neste caso com a voz feminina de Scarlett Johansson, no papel e Samantha) Theodore (Joaquin Phoenix) se apaixona.

    Theodore é o típico hipster! Como pontos fundamentais deste estilo, ele apresenta o bigode não aparado, os óculos de armação grossa, as camisas xadrez… as calças de alfaiataria, de cintura alta lançam uma nova tendência e até Brioni já aderiu a esta modelagem… outros pontos marcantes são as gravatas borboleta, os sueters e os blazers.

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    Claro que há muitos outros filmes em que os figurinos exaltam a narrativa, de forma a tornarem-se objeto de desejo de sua plateia, mas espero ter acertado naqueles que selecionei, já que questões de espaço e tempo me obrigam a reduzir a lista!

    No entanto, para finalizar, não posso deixar de visitar a década de 1950, que lançou a moda de uma peça que é uma das mais consumidas no mundo. Estou falando do jeans!

    Por ser uma lona resistente e de baixo custo, seu uso (em calças) foi adotado para a lida nas minas e nas fazendas, como criação de Levi Strauss, ainda no século XIX. Esta peça desfilou pela primeira vez nas passarelas, por volta dos anos 1970, através do estilista Calvin Klein.

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    Eu disse 1970?

    Calma! Estou me referindo às passarelas!

    No cinema, o jeans já havia representado um símbolo de revolução no comportamento masculino, quando Marlon Brando James Dean levaram às telas a rebeldia de seus personagens, quebrando padrões que inspiravam os homens e provocavam suspiros ao universo feminino.

    Stanley Kowalski (Brando) em Uma Rua Chamada Pecado (1951), transpira sua sensualidade (ainda que sob um comportamento um tanto grosseiro) na camiseta justa acompanhada pela calça jeans.

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    Em Juventude Transviada (1955), dirigido por Nicholas Ray e com figurino de Moss Marby, Dean (Jim) encorpora um jovem descolado e lança, definitivamente a febre da t-shirt, o blue-jeans, e a jaqueta de couro, peças que, até hoje, são imprescindíveis em qualquer guarda-roupa!

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    Texto de Autoria de Cristina Ribeiro.

  • Crítica | O Lobo de Wall Street

    Crítica | O Lobo de Wall Street

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    Em algum lugar entre o humor negro, fino e cáustico e o sonho de total prosperidade presente no American Dream está o discurso de Jordan Belfort, na quinta paragem envolvendo Leonardo DiCaprio nos filmes de Martin Scorsese. O ator amadureceu e cada vez mais mostra-se digno das películas de seu mentor, e prova disso é a completa ausência de temor que o artista mostra ao falar de forma fluída e direta com a câmera.

    O que Scorsese faz ao montar uma história baseada numa narração chega a ser transgressor dada sua qualidade. A abordagem usa de imagens lúdicas e justapostas para exemplificar o total desapego moral do panteão de personagens e a evolução de malcaratismo que o homem pode (e deve) experimentar. A afeição do realizador por ramos marginais de comércio faz dele o sujeito certo para explorar todas as “traquinagens” do profissional especulativo dos agentes da bolsa de valores, as nuances, os enganos, os blefes e, claro, os excessos de quem tem muito dinheiro e o que o uso desmedido dele pode fazer de “bom e ruim” com o sujeito. Em alguns momentos chega a passar uma mensagem voltada para o moralismo, até para desdenhar desse pensamento e mostrar o quanto ele se torna diminuto diante dos abissais excessos comportamentais de quem passa a vida brincando com um alto patrimônio econômico de terceiros.

    A falta de escrúpulos de Jordan é um diferencial, o que o torna um vencedor entre os perdedores que prosseguem na profissão e os que não se submetem a tentar novas coisas e a buscar desafios. Esta ousadia é muito bem registrada pela lente de Rodrigo Prieto e pontuado pelo texto interpretado magistralmente por DiCaprio. As fontes de renda que seu personagem vai arrecadando ultrapassam a barreira da criminalidade. O objetivo de atingir a riqueza absoluta também não conhece limites dentro do aceitável. O auge da charlatanice é a invenção da Straton Oakment por Belfort, que já começa como uma enorme rede de mentiras, obviamente criada por um sujeito que parece ter nascido com um talento único de trapacear.

    O modus operandi da companhia é regrado a orgias e práticas sexuais necessariamente infiéis a qualquer matrimônio possível. Estar chapado por entorpecentes durante o processo criativo era prática comum, assim como toda sorte de pecados provenientes do ser de cromossomo Y. O mundo é tão machista e chauvinista que é quase clássico, ignorando toda e qualquer regra politicamente correta atual. O cinismo de Jordan é passado para seus empregados como um bom aprendizado proveniente da relação entre mestre e pupilos.

    Ainda que Jonah Hill tenha recebido um sem número de indicações por sua performance – plenamente justificável em referência à cena em que demonstra os efeitos dos barbitúricos – o coadjuvante que merece menção por roubar a atenção do público é Max Belfort, o Mad Max, interpretado por Rob Reiner, com suas tiradas sensacionais e acessos de raiva contínuos e sua calma estabelecida de modo instantâneo.

    O glamour da vida bandida de Belfort ajuda a aumentar a simplicidade no entendimento do público, mesmo no espectador menos afeito ao vocabulário do mercado econômico. Sem falar que Jordan é um personagem que angaria a simpatia do público muito facilmente como o anti-herói cheio de fanfarronices que faz mesmo o espectador mais conservador torcer contra a lei e a ordem. O pecado mortal do bando passa pelo preciosismo e a completa falta de cuidado em conduzir as ações marginais, fazendo as transações de forma tresloucada e sob efeito das drogas mais pesadas que estes poderiam lançar mão. A inteligência no tratamento profissional deles era inversamente proporcional à maturidade em realizar as transações de modo ordeiro. A batalha pelo telefone da mansão dos Jordan entre Donnie e Jordan mostra do modo mais degradante e engraçado possível o quanto as relações entre os membros do grupo são loucas, inclusive estabelecendo uma comparação entre o espinafre do Marinheiro Popeye e a cocaína do protagonista. A situação faz o chefe de operações se precaver mais, o que evidencia sua evolução. Incrível como, mesmo com toda a sua hipocrisia, ele permanece amado e inspirador para todos ao seu redor.

    Como em Os Bons Companheiros e Cassino, os minutos finais sintetizam a decadência do criminoso e sua queda após todos os seus atos indignos. O cinismo chega ao auge quando ele tem de romper com o seu ethos ao ter de “entregar seus antigos companheiros”, mas o infrator ainda sofre algumas reviravoltas antes de ter sua sentença decretada. Não só a queda que coincide com o desfecho de Goodfellas, as reações dos protagonistas são semelhantes. O “Lobo” acerta no todo: a trilha sonora variando entre o nostálgico e o atual, o roteiro impecável, o clima odisseico/épico da trama, as atuações impecáveis, e, é claro, a lente ainda afiada e pontual de Martin Scorsese, que se mostra o sujeito de sua geração mais competente na contemporaneidade.

  • Crítica | A Origem

    Crítica | A Origem

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    É fácil olhar hoje para a carreira de Christopher Nolan e ver nele um exemplo de cineasta de grandes feitos e em quem os estúdios confiam, seja pela franquia de super-heróis da Warner que deu certo (vide o insucesso de O Homem de Aço e Lanterna Verde, só para citar os mais recentes), assim como em produções caríssimas, como O Grande Truque. A Origem é um projeto bastante antigo de Christopher Nolan, engavetado na época graças à escassez de efeitos especiais adequados ao roteiro apresentado. Mas também relegado ao limbo por ter em sua concepção um preço absurdamente alto para os padrões de um cineasta iniciante. Foram precisos seis longa-metragens no currículo para confiarem a ele o orçamento estimado em 160 milhões de dólares.

    O visual do filme impressiona, a fotografia, edição, tudo é belíssimo. A escolha por narrar a trajetória de Cobb (Leonardo DiCaprio) por meio de flashbacks é uma opção muito inteligente. A história, contada de forma linear, não teria metade do impacto que teve como produto final. Além disso, a estratégia de usar a máscara de filme de assalto para abordar uma coisa tão complexa como o funcionamento da psiquê e seus segredos dentro do ambiente misterioso do sonho é brilhante, e, aliada à estética noir, fazem da fórmula do filme algo único. O didatismo de Nolan, tão criticado nos filmes do Morcego, é muitíssimo necessário neste evento em particular.

    A cartilha de Joseph Campbell é cumprida à risca: todos os arquétipos são desenhados e representados de forma bastante óbvia. O intuito é de não deixar qualquer dúvida acometer o público, a não ser em relação à realidade tangível. O grave problema de Inception é a motivação dos personagens. Cobb é um herói falido típico, que não consegue ter controle sequer sobre o destino de suas ações. Toda a gigantesca trama, os roubos de informações, os sequestros e outras tantas atitudes fora da lei protagonizadas por ele só acontecem graças à sua reticência. A humanidade não é um problema, mas a contradição de seus atos o são. Para alguém que lidera uma operação tão complexa, é simplesmente inaceitável a sua falta de pulso, mesmo levando-se em conta o seu trauma. Outra questão que influi na percepção do público quanto à atuação do ator principal foi a proximidade entre o lançamento de A Origem e Ilha do Medo, de Scorsese, cujas premissas dos personagens centrais são bastante parecidas.

    O segundo erro capital é a personagem que deveria ser a orelha, a inserção do espectador dentro da experiência como um todo. Ariadne, de mesmo nome da libertadora de Teseu do labirinto do Minotauro, deveria ser uma promissora arquiteta que, ao ser desafiada, mostra-se muito competente no que faz, mas ainda assim é neófita e inexperiente. Uma vez que o papel de Ellen Page sabe perverter as regras do mundo dos sonhos, ela se torna uma deusa, que desliza sem dificuldades pelos segredos da mente e que molda a estrutura das construções compartilhadas entre os aventureiros. Sua evolução é rápida e até admirável, mas passa muito do ponto, pois instantaneamente se torna presunçosa e moralista, pondo o dedo em riste, acusando o seu contratante, como se ela fosse onipotente. Tais pecados podem ser explicados pela inexperiência, mas não são tão bem justificados quanto facilmente poderiam. Mais uma vez a omissão de Cobb é demonstrada, e assim como a vilã, Ariadne se usa disso para se achar maior do que realmente é, ignorando a possibilidade de, uma vez no subconsciente, perder a noção do que é verdade e do que é sonho. Ela carrega tanta arrogância sem causa que não consegue amadurecer ao tomar conhecimento das experiências alheias, algo que claramente faz falta ao perceber que a mente de Fischer era treinada, desmoralizando Cobb por cultivar tais pensamentos.

    A ideia de Nolan é discutir filosoficamente os limites do tecido da realidade. Antes de completar 60 minutos de exibição, um simples funcionário de um “dormitório” indaga Cobb sobre a veracidade da dimensão sonhada e qual destas é a mais verídica de fato. Primeiro ele desmistifica a questão da “elitização da verdade”, pondo um mestiço comumente ignorado e fadado a ser taxado como simplório como o detentor da informação primordial e do questionamento fundamental. Depois ele joga no colo do herói a interpretação do seu maior anseio, fazendo ele confrontar seus próprios demônios. Viver no passado é sedutor, e o avatar curvilíneo e as belas feições de Mal (Marion Cotillard) representam toda essa volúpia de forma ímpar. Cobb deseja tanto sua beleza quanto anseia se encontrar com os seus filhos novamente. Toda a sua reticência é voltada para a dificuldade de escolha da realidade que terá de fazer.

    A escolha de Mallory em ignorar a verdade é parte da utopia do mundo ideal, onde somente ela e seu amado vivem, alienando-se totalmente ao que acontece na vida real. A projeção de um conto de fadas é maximizada e elevada a níveis altíssimos, numa alegoria clara à fuga da inconveniente verdade do fruto proibido. A personagem Mal é como uma louca Eva, que, ao provar da árvore do Bem e do Mal, não consegue mais viver sua antiga rotina. O cotidiano é démodé demais para os seus gostos, e sua tentativa de voltar ao ideal condena o seu amado a uma vida sem realizações que lhe são prazerosas e necessárias.

    A utilização dos elementos externos a quem dorme dentro da camada inferior de sonho é uma ótima forma de representar o nonsense e descompromisso com as regras físicas dentro desta alternativa efetivamente verdadeira. A perseguição frenética e apressada em relação até mesmo ao tempo acrescido se dá graças ao mergulho dentro das camadas de transe. A contradição ajuda a aumentar o suspense da história.

    O limbo que é a prisão de Mallory representa uma amostra decadente de como o mundo idílico era e de como ele se tornou assustador com o decorrer do tempo. O passado é amedrontador e contém muitos dos medos de Cobb. A simples chance de olhar no rosto de suas crianças dentro de sua fantasia causa asco no herói. Sua incessante busca é pelo real: poder tocar seus herdeiros, aqueles a quem ele abandonou, primeiro ao se isolar e depois por motivos de força maior. A ideia, implantada em Mal, de que tudo muda parecia ser a maldição de sua própria vida. Enfrentar a sua própria verdade inconveniente e ter de assumir a sua parcela de culpa o consome e só não dói mais do que a distância de seus filhos, Sam e Phillipa. A dificuldade em liberar sua alma do sentimento de Mal é intenso, e a despedida é emotiva, especialmente para a projeção da mulher. Já Cobb parece, pela primeira vez, seguro de si e do que quer. A questão da dualidade no final é agravada pelos olhares do protagonista e cada um dos seus companheiros de jornada, dos cenários e cenas idênticos aos que se propagam em seu imaginário.

    A Origem é o momento mais autoral de Christopher Nolan, e a prova do quão prolífico é o seu cinema. Uma promessa para filmes ainda melhores do realizador britânico.

    Ouça nosso podcast sobre Christopher Nolan.

  • Crítica | O Lobo de Wall Street

    Crítica | O Lobo de Wall Street

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    O cinema, como todo tipo de arte, é influenciado pelo contexto político de sua época. No auge da depressão pós-1929, tivemos vários filmes de monstro onde a urgência era o homem comum vencê-lo. Na paranoia da guerra fria, filmes de ficção científica com mutações genéticas causadas por radiação nuclear até invasões alienígenas onde ninguém sabia dizer quem era quem e o inimigo poderia ser qualquer um. Na Guerra do Vietnã, a espetaculização e a brutalidade ao vivo da guerra trouxe uma nova geração de cineastas tanto trazendo a realidade depressiva quanto buscando escapes dela.

    Atualmente, a história se repete no contexto pós 2008, com filmes e documentários a respeito da ganância de Wall Street e as origens e consequências da crise especulativa se proliferam no mercado. Apesar de já termos sintomas em produções anteriores como Wall Street – Poder e Cobiça (Oliver Stone, 1987), Loucuras de Dick e Jane (Dean Parisot, 2005) e Enron – Os Mais Espertos da Sala (Alex Gibney, 2005), somente a partir de 2008 vemos uma produção em massa nesse sentido, tanto condenando quanto imergindo no universo especulativo para compreender seu funcionamento, e é nessa categoria que o novo filme de Martin Scorsese, O Lobo de Wall Street se encaixa.

    Baseado no livro homônimo de Jordan Belfort e com roteiro de Terence Winter (Boardwalk Empire e Família Soprano), o filme conta a história de um corretor de ações fraudulento que ganhou milhões explorando brechas no sistema, além de enganar milhares de pessoas a investirem em ações sem valor e assim lucrar nas comissões. Contando com um elenco afiado, Scorsese imprime uma narrativa aliada a velocidade e a loucura da cocaína tão usada no filme e faz com que os 180 minutos de exibição passem voando, tamanho seu controle da história e dos personagens.

    Interpretando Belfort está Leonardo Dicaprio, em uma atuação que renderá muitos elogios. Também está o excelente Jonah Hill (que aguardamos por um filme onde seja mais do que o coadjuvante engraçado) como seu amigo e braço direito Donnie Azoff, além de pequenas participações de Matthew McConaughey como Mark Hannah, um corretor experiente que dá dicas ao jovem Belfort, Jon Favreau como Manny Riskin, seu advogado, e Jean Dujardin como o banqueiro suíço Jean Jacques Saurel. Também participa do filme Kyle Chandler como o Agente do FBI Patrick Denham, incansável e incorruptível funcionário público dedicado a caçar criminosos financeiros como Belfort.

    O que difere o tom de Scorsese dos filmes anteriores, em especial a Stone e ao cinema político de Costa-Gavras é a clara compreensão de que antes de serem bandidos desalmados e predadores do sistema, os corretores de Wall Street são seres humanos com pai, mãe, filhos e que precisam justificar seu comportamento para si mesmo e para os outros a todo instante a fim de evitar uma possível crise existencial e dar sentido aquilo tudo. Eles precisam se convencer de que estão fazendo algo normal, e que todos ali fariam o mesmo. Ao também usar da narração como metalinguagem e brincar a todo instante com o fato de o próprio Belfort contar sua própria história, o filme ganha uma leveza essencial para manter a atenção do público. Também é um mérito o fato de não se perder tempo em explicar os tortuosos caminhos e práticas financeiras de Wall Street, porque ali não interessa e nem cabe.

    Partindo dessa premissa, Scorsese consegue produzir uma história com conteúdo ao mesmo tempo explanatório sem ser piegas, e crítico sem ser panfletário. A mensagem ali é clara: o sistema está quebrado, e quanto mais antiético e desprovido de qualquer senso de moralidade a pessoa for, melhor ela se dará no mercado financeiro. Mas ao retratar isso de forma frenética como as festas e o consumo de drogas (no que lembra o também excelente Os Bons Companheiros), além de dar um toque de comédia na medida certa, o filme consegue produzir uma narrativa que não emperra e flui naturalmente, conduzindo o espectador a compreender e fenômeno ocorrido e a indagar como, em uma sociedade considerada democrática, pessoas podem jogar com o dinheiro dos outros, ganhar com isso, e ainda saírem impunes. Também é mostrado a todo instante como Belfort é ovacionado por seus pares, pois nenhum ser humano sozinho é capaz de tal feito. Ou seja, toda a sociedade é cúmplice de seus atos.

    Quando Belfort diz que o sonho de começar do nada e vencer na vida é o sonho americano, dizendo isso em uma empresa corrupta, que se utiliza dos vícios do sistema e da desregulamentação do mercado financeiro iniciada por Nixon e aprofundada por Reagan e Clinton, para enriquecer às custas do trabalhador honesto, mas que acredita na mensagem desse sonho, não é pura coincidência. É o que embala o desenvolvimento do país. Mas quando esse desenvolvimento sai das ferrovias e da metalurgia e passa para os escritórios regados a cocaína, a lógica funciona, mas o sonho continua permanecendo um sonho, e os Rockefeller de ontem se tornam os Belfort de hoje, embalando o povo americano em uma cantiga enquanto puxa sua carteira por trás.

    No final, sem abusar do panfletarismo tão batido nos nossos dias, o filme termina com a simples mensagem de que o sistema está pronto e foi feito para enriquecer apenas alguns com o trabalho de outros. O trabalhador honesto não consegue mais uma vida digna enquanto os “1% de cima” fazem exatamente o inverso. O corretor fraudulento tem quadra de tênis na prisão enquanto a população carcerária americana, composta majoritariamente por negros, explode junto ao desemprego e a violência. Mas nada disso é mostrado em tela, porque é desnecessária a superexposição de elementos políticos que fora do filme já são debatidos. Aqui, o que interessa é a face de Jordan Belfort e como ele personificou o sonho americano, enganou e enriqueceu milhões, usou quilos de drogas, foi condenado, preso, e hoje está solto dando palestras motivacionais. Pouco consegue personificar mais o atual estado de decadência moral de uma civilização.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | O Grande Gatsby (2013)

    Crítica | O Grande Gatsby (2013)

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    Baz Luhrmann é um cineasta conhecido por seus filmes exuberantes: cenários barrocos, trilha sonora rica e cenas apoteóticas. Romeu + Julieta e Moulin Rouge, seus melhores filmes, são belos exercícios visuais onde a estética característica de Luhrmann reforça e ambienta a história contada. O Grande Gatsby é o oposto disso.

    O romance de Fitzgerald fornece uma história sutil, construída em detalhes e subtexto e cuja força está justamente naquilo que não é contado.  A trama é contada por Nick Carraway, jovem recém-saído de Yale com um emprego no mercado financeiro de Manhattan e um pequeno chalé em West Egg, região de Long Island onde vivem os novos ricos. Nick é vizinho de Jay Gatsby, o homem misterioso que dá festas homéricas, mas de quem ninguém sabe nada. Gatsby se aproxima de Nick para chegar em sua prima Daisy Buchanan, que vive com o marido em East Egg, o lado do dinheiro tradicional, e com quem Gatsby, anos antes, teve uma história.

    A história é simples, mas as relações entre os personagens, a relação deles com o dinheiro e o poder e a função desse dinheiro na identidade de um indivíduo são o que está realmente em questão Tudo isso presente apenas por baixo de diálogos ácidos e ações frívolas.

    No filme de Luhrmann não há nada por baixo. Ele constroi maravilhosamente a estética e o espírito dos anos loucos, seu filme não é apenas visualmente impressionante, é frenético e excessivo como foram os anos 20 e nisso o diretor acerta muito mais do que Jack Clayton, responsável pela morna adaptação de 1974.  A essa estética se alia a trilha sonora carregada de hip hop organizada por Jay Z: a estética de opulência do hip hop é quase a versão atual das festas desproporcionais do “novo rico” Jay Gatsby, é um paralelo interessante e uma ironia fina.

    Mas essa ironia é o único sinal de acidez, crítica ou descontrução em todo o filme. Luhrmann toma uma história sobre a podridão do sonho americano e as falsas promessas feita por ele e a transforma em ode à esperança. Gatsby não ama Daisy, ele a confunde com a identidade que deseja para si mesmo e o filme chega mesmo a explicar isso, de forma bastante didática, apenas para logo em seguida voltar a ser uma história de amor.

    O didatismo, aliás, é um dos maiores problemas do filme, comprovando mais uma vez o pouco talento de Baz Luhrmann para sutilezas. A narração em off é excessivamente presente e explica em detalhes o que os personagens pensam e sentem mesmo que os bons atores pudessem muito tem demonstrar isso de forma mais cinematográfica.  Essa necessidade de ser explícito e literal gera inclusive soluções feias e absurdamente clichês, como palavras surgindo na tela quando um personagem escreve uma carta.

    Por outro lado, enquanto o diretor retira toda sutileza e subtexto do filme, os atores injetam nuances em suas interpretações. A Daisy de Carey Mulligan é ao mesmo tempo frágil, vulnerável e sedutora, a sua consciência de si mesmo, exaustão e frivolidade convivem de forma ambígua e encantadora. Leonardo DiCaprio é um Gatsby artificial, duro, ansioso e pouco confiante e deixa o espectador vislumbrar todo o vazio de um personagem que tem muitas histórias.

    Há sem dúvida bons momentos em O Grande Gatsby, principalmente quando Luhrmann se afasta um pouco, dá tempo de respiro e deixa seus atores e o universo de Fitzgerald trabalharem. Entretanto, na maior parte do tempo tudo que vemos são milhões de planos muito curtos, uma montagem muito rápida e infinitos elementos em cena. É um videoclipe muito bonito, mas em que as cenas se sucedem tão rapidamente e há tantos elementos em tela que é impossível identificar, e mais ainda digerir, qualquer coisa.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | J. Edgar

    Crítica | J. Edgar

    Lançando quase um filme por ano, Clint Eastwood não demonstra sinais de desgaste. Nada mal para um senhor de 81 anos. Em 2011, Clint retorna com seu novo longa,  J. Edgar, uma cinebiografia que conta a história de uma das figuras mais importante dos Estados Unidos. O controverso diretor do FBI, John Edgar Hoover.

    Hoover foi uma das figuras mais importantes dentro do governo norte-americano por anos. Serviu a oito presidentes americanos, totalizando a incrível marca de 48 anos de trabalho. Hoover também ficou conhecido por ter revolucionado o estudo da criminologia, quando transformou o Bureau de Investigação, uma pequena instituição de investigação no FBI, uma organização federal conhecida mundialmente. Além disso, a forma como modernizou a polícia americana, introduzindo peritos criminais e métodos científicos revolucionou a criminologia.

    O diretor do FBI ainda foi importantíssimo na prisão de grandes gangsteres nos anos 30 e figura fundamental na captura do sequestrador do filho do aviador Charles Lindberg, um crime brutal que ficou conhecido no mundo todo e só foi possível ser solucionado graças a essas inovações que ele trouxe para a investigação criminal.

    Contudo, Hoover ficou marcado como a figura que perseguiu comunistas, expulsou estrangeiros do solo americano durante a Segunda Guerra, caçou os direitos civis dos negros, controlou a mídia e subornou diversos congressistas com escutas ilegais para beneficiá-lo em seus problemas pessoais.

    O meu principal problema com o filme é ser superficial nesse ponto tão importante. Ora, não é novidade pra ninguém que Clint Eastwood é um republicano conservador, mas isso nunca o impediu de fazer críticas severas em seus filmes com uma abordagem mais política, seja o partido democrata ou republicano. Não é o caso de J. Edgar.

    O filme lida com diversas questões, mas os bastidores políticos são deixados de lado para entrar em um tema bem diferente do esperado. A homossexualidade de Hoover. Para isso, Clint trouxe para junto de si o roteirista Dustin Lance Black (Milk – A Voz da Igualdade). Dustin usa um conceito de narrativa bastante interessante, o biografado narrando sua própria trajetória. O próprio Hoover dita sua história  para seus agentes que servem de datilógrafos para transcreverem sua vida. Essa narrativa justifica o ponto de vista dado ao filme, que parece promover o FBI e o próprio personagem, e maquia alguns acontecimentos não tão heroicos para a figura de Hoover.

    Clint sabe como ninguém que heróis são definidos pelos seus atos e não pela sua imagem (vide sua filmografia), porém, aqui ele brinca com esses clichês, mostrando como Hoover cria um personagem que ele não é. Isso traça um paralelo com sua vida pessoal. Como de costume, o cineasta sai do caminho mais fácil e demonstra sutileza e sensibilidade comovente ao tratar assuntos polêmicos como homossexualidade.

    A direção é impressionante, seguro do que quer, o diretor dá destaque à todos atores, respeitando os trejeitos de cada personagem, e assim, proporciona uma das melhores atuações da carreira de Leonardo DiCaprio, intensa e sutil, de um homem doentio e paradoxal. Apesar da maquiagem pesada que procura caracterizar o passar dos anos – pra ser bem sincero, mais atrapalha do que ajuda – DiCaprio está seguro em sua atuação, e em minutos você esquece esse detalhe estético.

    A fotografia – tão criticada por algumas pessoas – utiliza um jogo de sombras que quase parece um personagem com vida própria, como um traço do próprio Hoover que parece represar todos os seus reais sentimentos longe de todos, o que acaba sendo importante para compreender essas emoções. O mesmo não pode ser dito quanto à trilha sonora, composta pelo próprio diretor, que se mostra ausente musicalmente, faltando “gordura” em algumas composições, salvo exceções. O roteiro de Dustin Lance Black mantém um certo distanciamento do espectador, o personagem foco e a história que está sendo contado.

    O resultado final é positivo. Grandes atuações, a direção segura de Eastwood e sua visão como um contador de histórias nato, tudo isso somado a coragem e singeleza com as quais o roteiro aborda certos assuntos são os pontos fortes do filme. Como nem tudo são flores, J. Edgar têm seus problemas, e muitos deles parecem ocorrer em sua montagem, talvez pelos saltos temporais frequentes do filme. Outro ponto é o já comentado não aprofundamento em várias questões que envolvem a iconografia de Hoover e esse distanciamento do protagonista com o espectador, mas como dito, o resultado final é bem satisfatório.

    Ao terminar o longa, acabei comparando a trajetória do personagem com a de outro filme de tema parecido, Tudo Pelo Poder de George Clooney. Assim como o personagem de Ryan Gosling, Hoover é repleto de boas intenções, mas assim que começa a ganhar poder passa a ser corrompido se mostrando um homem egoísta, arrogante e paranoico. Um estudo interessante sobre a ambivalência do mundo da política.

  • Crítica | Ilha do Medo

    Crítica | Ilha do Medo

    ilha do medo

    Ilha do Medo é diferente de tudo que Martin Scorsese já fez, talvez por isso tenha sido alvo de tanta polêmica e divergência quando a questão é o resultado final do filme para os expectadores. O diretor é conhecido por grandes obras do universo da máfia, mas aqui ele traz um suspense que flerta bastante com o cinema de Hitchcock, um universo relativamente novo para ele.

    Scorsese reafirma sua parceria com Leonardo DiCaprio, filmando o quarto filme protagonizado pelo ator. Essa parceria tem feito muito bem para o ator, haja visto sua filmografia, é notável sua evolução. Vivendo o federal Teddy Daniels, que é enviado até a suposta “Ilha do Medo” (Shutter Island), um hospital psiquiátrico que funciona como prisão para pacientes que representam alta periculosidade à sociedade. Sendo designado a investigar o desaparecimento de uma assassina acusada de matar os próprios filhos. Já em sua primeira cena, logo após avistarmos a embarcação envolta em névoa que está se aproximando da misteriosa ilha, é possível notar a fragilidade do personagem interpretado por DiCaprio e premonizar a grande tempestade (até mesmo literal) que ele viria enfrentar.

    O diretor consegue mesclar suas belíssimas tomadas com o uso da trilha sonora para criar clímax em cenas, ao melhor estilo Hitchcock, aliás, esse é um ponto que merece ser citado, pois em todos os seus filmes a trilha sonora parece ter sido escolhida a dedo para cada cena, o mesmo ocorre aqui. O trabalho de figurino retrata os anos 50 perfeitamente com seus chapéus, sobretudos e demais vestuário. Os personagens de DiCaprio e Mark Ruffalo fazem o típico personagem de filme noir. Scorsese faz uma grande homenagem aos filmes B, em um estilo que ainda não tinha experimentado, e sua excitação é notável em seus cortes e enquadramentos, ao brincar com a câmera em cada ângulo aplicado, utilizando tudo que aprendeu em todos esses anos e colocando nesse suspense, aliás, as referências a grandes diretores são inúmeras.

    A história em si talvez não impressione nos dias atuais, inclusive com seu final que tenta ser algo revelador mas que hoje em dia já está batido, porém, essa não é a proposta de Scorsese. O filme se passa em 1954, em pleno auge da Guerra Fria, pós Segunda Guerra, o horror causado pelos campos de extermínio ainda estava na mente de todos, inclusive tem de se ressaltar as poucas cenas onde o personagem central de DiCaprio tem flashback’s de sua passagem por um desses campos, que consegue ser uma cena mais forte do que muitos filmes tentaram fazer com foco apenas nisso e não conseguiram.

    Todas essas memórias estavam na cabeça de cada um e tudo isso foi muito bem retratado no cinema da época, a impotência da humanidade frente ao horror causado por essa própria humanidade, tudo isso nada mais que a impotência de Teddy Daniels à realidade, onde a única coisa que pode fazer é carregar a culpa e o trauma ocorridos em seu passado. Isso fica claro até mesmo no figurino do personagem, que se veste com cores neutras, exceto pela sua gravata verde, que era um presente de sua mulher, seu único elo com o passado e que até mesmo isso ele perde com o decorrer do tempo.

    Ilha do Medo é um longa genial e uma grande homenagem a tudo que  já o influenciou. Scorsese mescla um thriller noir com todos típicos personagens clássicos dos anos 50, e reinventa tudo isso transformando-o em um terror psicológico sensacional.

    O roteiro foi adaptado do livro de Dennis Lehane (Shutter Island), que foi lançado inicialmente com o nome de Paciente 67, mas com o lançamento do filme, tiveram o bom senso de alterar o título para Ilha do Medo em seu relançamento. Tive a oportunidade de ler o livro, e realmente a adaptação foi extremamente bem feita, inclusive com a parte visual, que foi muito bem resolvida em momentos em que se tornava complicado, devido a forte narrativa do personagem. Mais um ponto para Scorsese.