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  • Crítica | A Pé Ele Não Vai Longe

    Crítica | A Pé Ele Não Vai Longe

    É curioso como o cineasta francês Gus Van Sant, indicado ao Oscar em 2009 por Milk: A Voz da Igualdade, é curioso como ele tem um projeto de cinema que consegue se sustentar em torno da pura abstração de significados. Enquanto que Wim Wenders, o grande cineasta alemão de Paris/Texas, extrai o sentido do abstrato, do nada, e dá novas possibilidades para que o vazio e o silêncio revelem o que eles escondem, Sant faz exatamente o contrário. O cara reforça o vazio com mais vazio, emudece ainda mais o silêncio, em histórias que, mesmo tão humanas, parecem distantes e com uma comunicação mínima com o espectador que não se sente animado, o bastante, para investir sua atenção a elas.

    Talvez o exemplo mais gritante e bem-sucedido disso, em sua filmografia, seja Gerry, de 2002. Drama bastante desconhecido, e que merece muito mais atenção, justamente pelo interessante exercício narrativo a essa abstração generalizada em torno da história de dois amigos, ambos chamados Gerry, perdidos num deserto do Novo México, em meio a um cenário sufocante, árido e infinito. Mas é claro que, implícito a isso, está a sutil crise existencial presente em todos, repito, todos os filmes do diretor de Elefante, o polêmico vencedor de Cannes em 2003, um conceito pertinente a Gus Van Sant e que é bem trabalhado, em tom jocoso e metafórico, neste bom A Pé Ele Não Vai Longe, o simpático filme de 2018.

    Simpático pode ser sua principal qualidade, já que aqui, pela primeira vez na carreira, Sant escolheu o projeto perfeito para entreter seu espectador, acima de tudo, com a história mais agradável, sorridente e esperançosa possível. A principal importância do filme está na adoração, em todos os sentidos, do capital humano e dos sentimentos de pessoas comuns em situações de conflito pessoal, e coletivo. Após um fatídico acidente de carro, o músico John Callaham, agora de carreira de rodas, precisa se superar. Sozinho não dá, e então, decide entrar para um clube onde a superação é o objetivo a ser alcançado, em várias áreas fraturadas da vida de um ser humano. Tal em A Teoria de Tudo, a questão aqui é simples como uma teoria quântica para muitos: como seguir em frente, após encarar a sua própria morte?

    Nesse clube, Callaham ganha o ar fresco e as inspirações que precisava para descobrir um novo Eldorado que todos nós devemos ter para acordar, sair da cama e andar por ai – no caso dele, desenhos, e um mais divertido que o outro. Lá, ao se deparar com outros dramas e problemas reais, percebemos também como é fácil superestimar nosso sofrimento acima do de outras pessoas, e o peso desse equívoco na nossa consciência. Com o espírito de Callaham sendo cicatrizado muito além do seu corpo semi paralítico, sua produção gráfica passa a ser o principal motivo para que sua alma artística possa respirar, novamente, com novos amigos e novas esperanças fazendo-o sorrir, nessa que parece ser uma nova vida para ele – talvez até com um novo amor a caminho, ou isso seria pedir demais do destino traiçoeiro?

    Baseado na própria história de Callaham (e muitas vezes ilustrada na tela pelos próprios desenhos do artista, que aparecem entre uma cena e outra dando o tom das cenas mais irreverentes do filme), A Pé Ele Não Vai Longe é inesperadamente espirituoso, e cômico, em muitos momentos que poderiam ser dramaticamente pesados, em especial para Gus Van Sant, acostumado a se aprofundar quase que sem limites na problemática dos seus personagens. A crise de Callaham é como uma noite, densa por natureza, mas iluminada pela lua e as estrelas que funcionam como uma luz, no fim do túnel. Alcoólatra, calado, carente e dependente da ajuda dos outros para um simples banho, o corpo se reconstitui a partir e só a partir do próximo, uma vez que somos animais sociais sem um pingo de autonomia desde o nosso nascimento.

    Joaquin Phoenix é um monstro vivo, um dos melhores camaleões de Hollywood, e é ele o responsável pelo naturalismo de seu personagem transitando entre duas vidas diferentes: a desregrada e inconsequente do começo, e a pós-acidente que produz um Callaham 100% ciente dos seus limites, e do valor de uma amizade verdadeira. Phoenix na verdade se sobrepõe, então, a narrativa não-linear que vai e volta nos detalhes mais sutis da vida do artista, e constrói um retrato sensível e emocionante da trajetória tortuosa de um homem amadurecido e reconfigurado pelo destino – a atuação física do ator é apenas uma consequência disso, num trabalho impecável e que poderia ter sido mais celebrado pela temporada de prêmio em 2018, se houvesse justiça nesse mundo.

    Como se não bastasse, o longa ainda tem coragem de zoar Bob Dylan, nos emocionar pra valer com Jonah Hill (sim, o gordinho de Superbad), apresentar um sexo oral hospitalar melhor que muita coisa por ai, e promover o ato nobre de reconstruir um homem a partir do que poderia ter sido seu funeral, no meio de uma estrada noturna suja de sangue, cacos de vidro e um corpo paralítico atirado no chão. Como levantá-lo e fazê-lo ir mais longe, a ponto de brincar com skatistas adolescentes em uma rua ensolarada, é a questão aqui. Um belo filme.

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  • Crítica | Tinha Que Ser Ele?

    Crítica | Tinha Que Ser Ele?

    A nova comedia que James Franco protagoniza se foca em um assunto clichê, que é o choque entre gerações muito diferentes. Seu personagem, Laird Mayhew é um sujeito moderno, terrivelmente rico e tão excêntrico e afável quanto o saldo de conta bancária. Por sua vez, ele namora Stephanie Fleming (Zoey Deutch), filha do quadrado dono de uma empresa de cartões, Ned (Bryan Cranston), um sujeito tão correto que não permite sequer que seu filho Scotty (Griffin Gluck) fale palavrões.

    O chamado à aventura ocorre após a festa de aniversario do patriarca, onde ele acidentalmente conhece o par de sua herdeira, tendo então aceito o convite para ir para a casa do rapaz, onde descobrem não só a fortuna do sujeito como a vocação dele para o ramo de videogames.

    Laird é um sujeito carente e que precisa de constante aprovação, semelhante demais com o visto no filme anterior do diretor John Hamburg, Eu Te Amo Cara, mostrando que o cineasta tem uma verdadeira vocação para tocar nesse assunto tão comum as preocupações do homem adulto moderno. Nas pouco menos de duas horas subsequentes o que se vê é um montante de situações constrangedoras que põem a prova o discurso e os ideais do homem velho, mostrando a si toda a espontaneidade e visceralidade que perdeu ao longo dos anos, deixando de ser um homem impulsivo para se tornar um sujeito excessivamente seguro.

    O fato é que, apesar de reunir em si muitos clichês do humor moderno, Tinha Que Ser Ele? não trata seu espectador como bobo, apesar de ter uma comédia que se baseia bastante no que é popular entre o público teenager, com uma dose de pimenta do que as vistas em Superbad e demais sub produtos.

    Como se não bastasse o filme ser histericamente cômico, ainda há um personagem que serve basicamente para fazer troça com tudo e todos, que é Gustav (Keegan Michael Key), que serve como auxiliar nos cuidados da casa tanto para seu patrão quanto para os convidados. Seu ponto alto consiste nas interações que tem com Ned, em especial na invasão de intimidade ocorrida quando o segundo está se aliviando de suas necessidades biológicas, além de ser ele o catalisador da percepção do racismo vigente no cotidiano do sujeito careta.

    Se existe alguma inteligência no roteiro de Hamburg, Ian Helfer e Jonah Hill é no deboche que ele faz tanto ao americano médio que se orgulha por ser o suburbano bem sucedido, ao desconstruir a figura de homem perfeito normalmente sustentada por si, assim como também critica os pseudo conhecedores de culturas alternativas, em especial os que acham que são sommeliers culinários, unicamente porque se alimentam do que a maioria não consome. Há também um comentário bem ácido ao ambiente corporativo dos aficionados por tecnologias, apelando até para a questão da mansão em que reside o protagonista ser um lugar sem papéis, fato que faz a rotina de todos ser muito estranha.

    Os momentos antes do final são épicos, com algumas participações especiais que vinham sendo anunciadas ao longo da duração do filme, e apesar de conter um final conciliador e pueril, Tinha Que Ser Ele consegue apresentar com vigor uma comédia descompromissada com grandes discussões, mas que faz um bom papel no sentido de colidir universos díspares.

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  • Crítica | Cães de Guerra

    Crítica | Cães de Guerra

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    Cães de Guerra é aquele filme que chama a atenção. Temos Todd Phillips, o diretor da franquia de comédia adulta mais lucrativa de todos os tempos (ainda que as partes 2 e 3 não sejam tão boas, o primeiro Se Beber, Não Case é sensacional), Miles Teller – o novo garoto prodígio de Hollywood que tem se destacado bastante desde Whiplash – e Jonah Hill, que há muito deixou de ser um simples comediante para se tornar um dos mais talentosos atores de sua geração, tendo sido inclusive indicado duas vezes ao Oscar. Olhando tudo isso, você pensa: “Isso não tem como dar errado!”. Errado não deu. Porém, não é um grande acerto.

    Grande parte do problema de Cães de Guerra vem do seu roteiro. O script cunhado por Stephen Chin, Jason Smilovic e pelo próprio diretor Todd Phillips a partir de um livro escrito por Guy Lawson e chamado Arms and The Dudes é convencional demais. O que poderia ser um forte conto moral acaba diluído em uma diversão fugaz devido à falta de ousadia do roteiro. Temos ali o ponto de partida quando o homem que largou tudo pra tentar se fazer sozinho e está fracassando encontra com o antigo melhor amigo que se deu bem na vida com negócios obscuros e hoje procura um novo sócio, a escalada rápida ao sucesso, conflitos familiares devido à mentiras sobre os negócios, o momento que a ambição gera consequências terríveis para a amizade dos protagonistas… todos os elementos da fórmula estão presentes no filme. Até uma narração expositiva do personagem de Miles Teller se faz presente, sendo desnecessária em alguns momentos. A divisão em “capítulos” também não ajuda, uma vez que as frases que os nomeiam acabam diminuindo a surpresa dos eventos narrados a seguir.

    O diretor Todd Phillips trabalha bem com esses clichês, mas falta a ele a anarquia que imprimiu na trilogia Se Beber, Não Case e em outras comédias de sua filmografia. Porém, o diretor filma ótimas sequências e a melhor delas é a que retrata quando os protagonistas atravessam a Jordânia para chegar ao Iraque para entregar um carregamento de Berettas encomendado pelo exército americano. Nessa cena em especial, o diretor equilibra tensão e humor com maestria. Outro ponto positivo é o fato dele conseguir ótimas atuações da dupla Miles Teller e Jonah Hill. O primeiro demonstra a competência usual, imprimindo até uma certa ingenuidade em seu personagem. Porém, quem domina a tela é Hill. O ator constrói um tipo que é ao mesmo tempo odioso e adorável e tem momentos impagáveis ao longo do filme, principalmente quando precisa demonstrar suas habilidades como negociador. A linda Ana de Armas tem poucos minutos em tela, mas defende seu papel com competência e Bradley Cooper está ameaçador como o maior traficante de armas do mundo.

    Cães de Guerra tinha tudo para ser um conto moral dos mais interessantes, pois conta com um bom diretor e uma ótima dupla de protagonistas. Entretanto, o seu roteiro formulaico acaba por engessar uma boa história e o que poderia ser um filme para levantar questionamentos e produzir discussões, termina como uma fugaz diversão.

  • Crítica | Anjos da Lei 2

    Crítica | Anjos da Lei 2

    Na atual era dos remakes e reboots, o receio de tantas produções serem lançadas apenas como caça-niqueis acaba afastando uma parte do público das salas de cinema. Porém, o grande público parece não se importar muito com isso e acaba consumindo vorazmente essas produções, o que incentiva os estúdios a investirem nesse caminho. Em sua grande maioria, essas produções são feitas a toque de caixa, sem muita preocupação estética ou com roteiro e personagens, gerando cópias e mais cópias cada vez mais genéricas e descaracterizadas.

    “Anjos da Lei 2” vem dentro deste contexto. É uma sequência de uma adaptação de uma série de TV dos anos 80, onde jovens policiais se infiltravam na escola como estudantes para investigar o tráfico de drogas. Dando sequência ao bom filme de estreia em 2011, os diretores Phil Lord e Chris Miller mantêm na segunda parte toda a fórmula que se consagrou na primeira: a relação atrapalhada, mas sempre amorosa, entre os amigos Schmidt (Jonah Hill) e Jenko (Channing Tatum), os conflitos com o chefe, Cap. Dickinson (Ice Cube), a dificuldade de Schmidt ao se relacionar com pessoas enquanto Jenko tira isso de letra, e por aí vai.

    O filme conta a história de Schmidt e Jenko sendo novamente direcionados à unidade de infiltrados para investigar a distribuição de uma nova droga antes que ela se espalhe pelo país, mas dessa vez na universidade, já que se provaram incapazes de fazer o trabalho policial convencional. Após várias tentativas frustradas de identificar a origem da nova droga e de brigarem entre si por conta das novas amizades que aparecem em suas vidas, Schmidt e Jenko precisam deixar de lado todas as suas diferenças para solucionar esse caso.

    Se a proposta do filme soa genérica e um tanto quanto inverossímil, o grande mérito de “Anjos da Lei 2” vem justamente de não se levar a sério. Ao saber que se trata de uma comédia com sátiras de vários filmes e seriados do gênero (além do próprio fato de ser uma continuação), as piadas auto-referenciais não são economizadas, especialmente nos créditos finais. As situações embaraçosas em que os protagonistas se metem durante a investigação também são muito mais exageradas do que no filme anterior, o que arranca gargalhadas do público devido, principalmente, a química entre a dupla de atores.

    Tatum não é dos melhores atores, mas ao encarnar justamente um jovem forte fisicamente, com habilidades sociais, mas não muito inteligente (características inclusive reforçadas na continuação), e com a ajuda de Hill, consegue criar um personagem carismático, interessante e engraçado. Quem também cresce no filme é o capitão Dickinson, que ganha mais espaço ao aparecer como o pai de uma aluna da mesma universidade onde os protagonistas estão infiltrados, mas que acaba dormindo com Schmidt, para aumentar ainda mais a tensão entre eles.

    Dentro disso tudo, o desfecho da história principal é o menos importante, e todos os outros personagens inseridos, como os traficantes, servem apenas de trampolim para as crescentes situações absurdas surgidas entre Schmidt e Jenko. Podemos destacar também como é positivo o fato de um filme, teoricamente de comédia, em momento algum desliza para o humor baixo, recurso tão fácil e sempre muito usado. Em momento algum as mulheres, gays ou qualquer outro grupo minoritário é tratado com desdém, muito pelo contrário. Schmidt fica uma noite com uma mulher, que logo o manda embora. Jenko começa a ter aulas sobre sexualidade e logo se posiciona a respeito dos gays, corrigindo termos ofensivos como “faggot” com um discurso politicamente correto, mas sem parecer caricato ao ponto de desvalorizar o próprio discurso.

    Anjos da Lei 2, então, repete as mesmas fórmulas consagradas do primeiro filme, mas sem se repetir como uma cópia descarada. Há evoluções na história que são interessantes de acompanhar, além das piadas e situações engraçadas que acontecem durante o longa. Quem gostou do primeiro, certamente irá se divertir também com este.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Como Treinar o Seu Dragão 2

    Crítica | Como Treinar o Seu Dragão 2

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    Quando Como Treinar o Seu Dragão chegou aos cinemas em 2010, não se imaginava que a nova animação da DreamWorks fizesse tanto sucesso. O estúdio apostou alto adaptando uma série de livros escrita por Cressida Crowell. Com um orçamento gordo de 165 milhões de dólares, o longa – dirigido por Dean DeBlois (Lilo & Stitch) e pelo roteirista de clássicos como O Rei Leão, Chris Sanders – chegou aos 500 milhões de dólares no mundo inteiro, garantindo financiamento para que mais dois filmes fossem encomendados. Como Treinar o Seu Dragão 2 chegou às telas quatro anos após seu antecessor, quase respeitando o tempo da ordem cronológica da história, que é de cinco anos.

    Soluço (voz de Jay Baruchel), o simpático protagonista, agora tem 20 anos de idade, o suficiente para que seu pai, Stoico (Gerard Butler), o coloque no trono, substituindo-o como líder da cidade de Berk. Porém, Soluço não quer nem um pouco assumir as responsabilidade de governar, ainda mais depois dos adventos do primeiro filme, quando a paz entre vikings e dragões passou a reinar. Nesses cinco anos, podemos perceber que a aliança entre dragões e o povo viking trouxe muitos benefícios à cidade, principalmente numa cena completamente inspirada em Os Flintstones, quando animais ajudam os humanos nas tarefas diárias. Vale destacar que Soluço possui vários aparatos “tecnológicos” muito legais, dispondo, inclusive, de uma wing suit, a popular asa de morcego, aparato bastante conhecido entre os paraquedistas.

    O filme começa numa festa em Berk, onde acontece uma corrida de dragões disputada pelos velhos amigos de Soluço: a namorada Astrid (voz de America Ferrera), Melequento (Jonah Hill), Perna de Peixe (Christopher Mintz-Plasse), Cabeça Dura (T.J. Miller), Bocão (Craig Ferguson) e a feia e revoltada, porém irresistível, Cabeça Quente (na voz de Kristen Wiig). Percebe-se que o protagonista deveria estar disputando a prova, porém ele está explorando o mundo com o seu dragão, Banguela, que ainda não consegue voar sozinho. Enquanto Soluço e Banguela voam, nota-se que, na verdade, eles estão mapeando o local, o que faz com que o jovem tenha consigo um enorme mapa da região, descoberta por Soluço e seu amigo.

    Mas a trama, de fato, começa quando, numa dessas explorações junto a Astrid e seu dragão Tempestade, Soluço e Banguela são atacados pelo simpático e divertido viking Eret (voz de Kit Harrington, o Jon Snow, de Game Of Thrones), que deixa escapar que está capturando dragões a mando do temido Drago Sangue Bravo (voz de Djimon Hounsou). E esse contato com Eret muda para sempre a vida de Soluço, interferindo, inclusive, em seu passado, onde algumas coisas são reveladas, como, por exemplo, a verdade sobre sua mãe, desaparecida desde um ataque de dragões a Berk, quando Soluço ainda era um bebê.

    O filme é bastante leve, passa rápido e não erra em nenhum aspecto. É engraçado e triste quando precisa ser e é tenso e suave quando também precisa ser. A história e o visual são mais ricos e abrangentes, dada a facilidade de se viajar por aí com um dragão. Simples assim. Pode-se dizer que os acontecimentos do primeiro filme, além de contribuírem com a trama, colaboram com os aspectos técnicos do segundo. Desta forma, a facilidade que Soluço tem de explorar a região o coloca em contato com a misteriosa guardiã de dragões, Valka (voz de Cate Blanchett), que sabe muito mais sobre os dragões do que qualquer outra pessoa no mundo, além de esconder um grande segredo. Para se ter uma ideia, Soluço é apresentado ao Dragão Alfa, um dragão colossal, talvez maior que o Godzilla, que controla todos os outros dragões.

    Um dos destaques fica por conta da diversidade de dragões que este filme possui. Cada raça possui características bem distintas, o que, infelizmente, deixa Banguela totalmente em segundo plano, ganhando mais importância somente no início do terceiro ato, quando Drago Sangue Bravo se torna, de fato, uma ameaça. Cabe destacar que ele também possui um Dragão Alfa, que resulta no maior combate de dragões já visto no cinema, mesmo que em uma animação. Um elemento grandioso não só pelos dragões alfa, mas porque Drago, assim como Valka, possui uma horda de dragões controlados por seus líderes, resultando numa épica batalha.

    Felizmente, o saldo é bem positivo, e o filme é com certeza uma ótima diversão para as crianças nas férias. Mas, por outro lado, talvez Chris Sanders tenha errado um pouco o tom ao escrever uma cena daquelas em que o herói pega a dama pela cintura e tasca-lhe um beijo, como acontece entre Soluço e Astrid, cena que resulta em um monte de “eca”, “credo” e “blergh” entre as crianças no cinema, causando risos nos adultos pela situação constrangedora e divertida.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | O Lobo de Wall Street

    Crítica | O Lobo de Wall Street

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    Em algum lugar entre o humor negro, fino e cáustico e o sonho de total prosperidade presente no American Dream está o discurso de Jordan Belfort, na quinta paragem envolvendo Leonardo DiCaprio nos filmes de Martin Scorsese. O ator amadureceu e cada vez mais mostra-se digno das películas de seu mentor, e prova disso é a completa ausência de temor que o artista mostra ao falar de forma fluída e direta com a câmera.

    O que Scorsese faz ao montar uma história baseada numa narração chega a ser transgressor dada sua qualidade. A abordagem usa de imagens lúdicas e justapostas para exemplificar o total desapego moral do panteão de personagens e a evolução de malcaratismo que o homem pode (e deve) experimentar. A afeição do realizador por ramos marginais de comércio faz dele o sujeito certo para explorar todas as “traquinagens” do profissional especulativo dos agentes da bolsa de valores, as nuances, os enganos, os blefes e, claro, os excessos de quem tem muito dinheiro e o que o uso desmedido dele pode fazer de “bom e ruim” com o sujeito. Em alguns momentos chega a passar uma mensagem voltada para o moralismo, até para desdenhar desse pensamento e mostrar o quanto ele se torna diminuto diante dos abissais excessos comportamentais de quem passa a vida brincando com um alto patrimônio econômico de terceiros.

    A falta de escrúpulos de Jordan é um diferencial, o que o torna um vencedor entre os perdedores que prosseguem na profissão e os que não se submetem a tentar novas coisas e a buscar desafios. Esta ousadia é muito bem registrada pela lente de Rodrigo Prieto e pontuado pelo texto interpretado magistralmente por DiCaprio. As fontes de renda que seu personagem vai arrecadando ultrapassam a barreira da criminalidade. O objetivo de atingir a riqueza absoluta também não conhece limites dentro do aceitável. O auge da charlatanice é a invenção da Straton Oakment por Belfort, que já começa como uma enorme rede de mentiras, obviamente criada por um sujeito que parece ter nascido com um talento único de trapacear.

    O modus operandi da companhia é regrado a orgias e práticas sexuais necessariamente infiéis a qualquer matrimônio possível. Estar chapado por entorpecentes durante o processo criativo era prática comum, assim como toda sorte de pecados provenientes do ser de cromossomo Y. O mundo é tão machista e chauvinista que é quase clássico, ignorando toda e qualquer regra politicamente correta atual. O cinismo de Jordan é passado para seus empregados como um bom aprendizado proveniente da relação entre mestre e pupilos.

    Ainda que Jonah Hill tenha recebido um sem número de indicações por sua performance – plenamente justificável em referência à cena em que demonstra os efeitos dos barbitúricos – o coadjuvante que merece menção por roubar a atenção do público é Max Belfort, o Mad Max, interpretado por Rob Reiner, com suas tiradas sensacionais e acessos de raiva contínuos e sua calma estabelecida de modo instantâneo.

    O glamour da vida bandida de Belfort ajuda a aumentar a simplicidade no entendimento do público, mesmo no espectador menos afeito ao vocabulário do mercado econômico. Sem falar que Jordan é um personagem que angaria a simpatia do público muito facilmente como o anti-herói cheio de fanfarronices que faz mesmo o espectador mais conservador torcer contra a lei e a ordem. O pecado mortal do bando passa pelo preciosismo e a completa falta de cuidado em conduzir as ações marginais, fazendo as transações de forma tresloucada e sob efeito das drogas mais pesadas que estes poderiam lançar mão. A inteligência no tratamento profissional deles era inversamente proporcional à maturidade em realizar as transações de modo ordeiro. A batalha pelo telefone da mansão dos Jordan entre Donnie e Jordan mostra do modo mais degradante e engraçado possível o quanto as relações entre os membros do grupo são loucas, inclusive estabelecendo uma comparação entre o espinafre do Marinheiro Popeye e a cocaína do protagonista. A situação faz o chefe de operações se precaver mais, o que evidencia sua evolução. Incrível como, mesmo com toda a sua hipocrisia, ele permanece amado e inspirador para todos ao seu redor.

    Como em Os Bons Companheiros e Cassino, os minutos finais sintetizam a decadência do criminoso e sua queda após todos os seus atos indignos. O cinismo chega ao auge quando ele tem de romper com o seu ethos ao ter de “entregar seus antigos companheiros”, mas o infrator ainda sofre algumas reviravoltas antes de ter sua sentença decretada. Não só a queda que coincide com o desfecho de Goodfellas, as reações dos protagonistas são semelhantes. O “Lobo” acerta no todo: a trilha sonora variando entre o nostálgico e o atual, o roteiro impecável, o clima odisseico/épico da trama, as atuações impecáveis, e, é claro, a lente ainda afiada e pontual de Martin Scorsese, que se mostra o sujeito de sua geração mais competente na contemporaneidade.

  • Crítica | O Lobo de Wall Street

    Crítica | O Lobo de Wall Street

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    O cinema, como todo tipo de arte, é influenciado pelo contexto político de sua época. No auge da depressão pós-1929, tivemos vários filmes de monstro onde a urgência era o homem comum vencê-lo. Na paranoia da guerra fria, filmes de ficção científica com mutações genéticas causadas por radiação nuclear até invasões alienígenas onde ninguém sabia dizer quem era quem e o inimigo poderia ser qualquer um. Na Guerra do Vietnã, a espetaculização e a brutalidade ao vivo da guerra trouxe uma nova geração de cineastas tanto trazendo a realidade depressiva quanto buscando escapes dela.

    Atualmente, a história se repete no contexto pós 2008, com filmes e documentários a respeito da ganância de Wall Street e as origens e consequências da crise especulativa se proliferam no mercado. Apesar de já termos sintomas em produções anteriores como Wall Street – Poder e Cobiça (Oliver Stone, 1987), Loucuras de Dick e Jane (Dean Parisot, 2005) e Enron – Os Mais Espertos da Sala (Alex Gibney, 2005), somente a partir de 2008 vemos uma produção em massa nesse sentido, tanto condenando quanto imergindo no universo especulativo para compreender seu funcionamento, e é nessa categoria que o novo filme de Martin Scorsese, O Lobo de Wall Street se encaixa.

    Baseado no livro homônimo de Jordan Belfort e com roteiro de Terence Winter (Boardwalk Empire e Família Soprano), o filme conta a história de um corretor de ações fraudulento que ganhou milhões explorando brechas no sistema, além de enganar milhares de pessoas a investirem em ações sem valor e assim lucrar nas comissões. Contando com um elenco afiado, Scorsese imprime uma narrativa aliada a velocidade e a loucura da cocaína tão usada no filme e faz com que os 180 minutos de exibição passem voando, tamanho seu controle da história e dos personagens.

    Interpretando Belfort está Leonardo Dicaprio, em uma atuação que renderá muitos elogios. Também está o excelente Jonah Hill (que aguardamos por um filme onde seja mais do que o coadjuvante engraçado) como seu amigo e braço direito Donnie Azoff, além de pequenas participações de Matthew McConaughey como Mark Hannah, um corretor experiente que dá dicas ao jovem Belfort, Jon Favreau como Manny Riskin, seu advogado, e Jean Dujardin como o banqueiro suíço Jean Jacques Saurel. Também participa do filme Kyle Chandler como o Agente do FBI Patrick Denham, incansável e incorruptível funcionário público dedicado a caçar criminosos financeiros como Belfort.

    O que difere o tom de Scorsese dos filmes anteriores, em especial a Stone e ao cinema político de Costa-Gavras é a clara compreensão de que antes de serem bandidos desalmados e predadores do sistema, os corretores de Wall Street são seres humanos com pai, mãe, filhos e que precisam justificar seu comportamento para si mesmo e para os outros a todo instante a fim de evitar uma possível crise existencial e dar sentido aquilo tudo. Eles precisam se convencer de que estão fazendo algo normal, e que todos ali fariam o mesmo. Ao também usar da narração como metalinguagem e brincar a todo instante com o fato de o próprio Belfort contar sua própria história, o filme ganha uma leveza essencial para manter a atenção do público. Também é um mérito o fato de não se perder tempo em explicar os tortuosos caminhos e práticas financeiras de Wall Street, porque ali não interessa e nem cabe.

    Partindo dessa premissa, Scorsese consegue produzir uma história com conteúdo ao mesmo tempo explanatório sem ser piegas, e crítico sem ser panfletário. A mensagem ali é clara: o sistema está quebrado, e quanto mais antiético e desprovido de qualquer senso de moralidade a pessoa for, melhor ela se dará no mercado financeiro. Mas ao retratar isso de forma frenética como as festas e o consumo de drogas (no que lembra o também excelente Os Bons Companheiros), além de dar um toque de comédia na medida certa, o filme consegue produzir uma narrativa que não emperra e flui naturalmente, conduzindo o espectador a compreender e fenômeno ocorrido e a indagar como, em uma sociedade considerada democrática, pessoas podem jogar com o dinheiro dos outros, ganhar com isso, e ainda saírem impunes. Também é mostrado a todo instante como Belfort é ovacionado por seus pares, pois nenhum ser humano sozinho é capaz de tal feito. Ou seja, toda a sociedade é cúmplice de seus atos.

    Quando Belfort diz que o sonho de começar do nada e vencer na vida é o sonho americano, dizendo isso em uma empresa corrupta, que se utiliza dos vícios do sistema e da desregulamentação do mercado financeiro iniciada por Nixon e aprofundada por Reagan e Clinton, para enriquecer às custas do trabalhador honesto, mas que acredita na mensagem desse sonho, não é pura coincidência. É o que embala o desenvolvimento do país. Mas quando esse desenvolvimento sai das ferrovias e da metalurgia e passa para os escritórios regados a cocaína, a lógica funciona, mas o sonho continua permanecendo um sonho, e os Rockefeller de ontem se tornam os Belfort de hoje, embalando o povo americano em uma cantiga enquanto puxa sua carteira por trás.

    No final, sem abusar do panfletarismo tão batido nos nossos dias, o filme termina com a simples mensagem de que o sistema está pronto e foi feito para enriquecer apenas alguns com o trabalho de outros. O trabalhador honesto não consegue mais uma vida digna enquanto os “1% de cima” fazem exatamente o inverso. O corretor fraudulento tem quadra de tênis na prisão enquanto a população carcerária americana, composta majoritariamente por negros, explode junto ao desemprego e a violência. Mas nada disso é mostrado em tela, porque é desnecessária a superexposição de elementos políticos que fora do filme já são debatidos. Aqui, o que interessa é a face de Jordan Belfort e como ele personificou o sonho americano, enganou e enriqueceu milhões, usou quilos de drogas, foi condenado, preso, e hoje está solto dando palestras motivacionais. Pouco consegue personificar mais o atual estado de decadência moral de uma civilização.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | É o Fim

    Crítica | É o Fim

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    É muito difícil falar de É o Fim sem entregar um grande e vital spoiler sobre o filme. Talvez você diga: “Ah, mas filmes sobre o fim do mundo têm aos milhares por aí ultimamente”. Mas pode acreditar, nenhum deles é igual a esse. No meio de um mar de filmes com a temática “fim do mundo”, É o Fim consegue ser bem original (dentro dos filmes hollywodianos do gênero), por mais paradoxal que isso possa parecer.

    A história se passa num dia normal onde Jay Baruchel (interpretado por ele mesmo) chega a Los Angeles pra visitar seu amigo Seth Rogen (também interpretado por ele mesmo). Seth então convida Jay para ir a festa de inauguração da casa de James Franco (é, como você imaginou ele é interpretado por James Franco) ao qual Jay aceita relutantemente. E é quando eles estão lá, que o dito Fim do mundo começa a acontecer, deixando o trio preso ao local, junto com Danny Mcbride, o “senhor bom demais pra ser verdade”, Jonah Hill e Craig Robinson.

    E o mais legal é justamente ver os atores interpretando uma versão caricatural de si mesmos, sem medo de se mostrar como um bando de drogados, covardes e egoístas entre outras características mundanas. O filme inclusive lembra muito a pegada de Segurando as Pontas, filme do próprio Rogen, que inclusive é citado seguidas vezes no filme. Vale destacar as hilariantes pontas de outras estrelas de Hollywood como Emma Watson, Rihanna, e o doidão Michael Cera (no melhor papel de sua carreira, provavelmente).

    Obviamente está presente aquele humor escrachado, comumente imoral dos filmes de Rogen, além, é claro, de girar em torno de amizades masculinas (os chamados browmances) outra característica marcante nos filmes roteirizados por ele. Mas o humor nonsense é o principal atributo desse filme. E sim, é o fim do mundo, então vai ter sangue, membros amputados entre outras tiradas que apesar de darem um susto inicialmente, acabam te fazendo morrer de rir do humor negro bem aplicado no roteiro.

    Com sinceridade, no final me encontrei num clima total de incredulidade tentando acreditar no que esses caras foram capazes de fazer, sem saber o que esperar na próxima cena. E a cena final… A cena final só pode ser definida como “What the F#@$…???” Simplesmente a cereja do bolo de loucuras que o filme se propõe.

    É o Fim, dentro de um gênero que se repete exaustivamente com o mesmo tipo de situações e piadas repetitivas, é uma comedia com um plot diferenciado. Se você é menor de 18 anos e meio sensível a sangue, vai assistir qualquer outra coisa, esse filme não é pra você.

    Mas se você tem um humor afiado, sem frescuras e com uma pitada caprichada (bota caprichada nisso) de humor negro, assista, pois é de rachar o crânio (talvez literalmente).

    Texto de autoria de Diogo G.

  • Crítica | É o Fim

    Crítica | É o Fim

    77 - This is the End (É o Fim)

    Qualquer pessoa que se identifique com os valores padrões da classe média branca tradicional do século XXI, com toda certeza irá se identificar com esse novo filme de Seth Rogen e Evan Goldberg, responsáveis por outros filmes de sua turma como Superbad, Pineapple Express e Besouro Verde. Com um grande elenco de amigos (Seth Rogen, Jonah Hill, James Franco, Jay Baruchel, Jason Segel, Craig Robinson, Paul Rudd, Michael Cera, Rihanna, David Krumholtz, Mindy Kaling, Aziz Ansari, Danny McBride, Emma Watson, Kevin Hart entre outros), o filme é uma grande piada interna que não faz questão alguma de situar o espectador não familiarizado com as outras obras do grupo, pois é cheio de autorreferências e situações tipicamente vividas por atores ricos de Hollywood, também um grande foco do filme.

    A base do humor do filme é essa. Apesar de divertir e garantir boas risadas ao longo da projeção, This is the End (É o Fim), quem esperar algo a mais do que uma diversão adolescente com piadas de masturbação feitas por trintões poderá sair um pouco incomodado. Usando e abusando das referências tanto a seus próprios filmes, (principalmente Pineapple Express, que é recomendado ter visto antes para entender algumas piadas) quanto a clássicos de Hollywood, como O Exorcista e Mad Max, cada ator usa e abusa dos estereótipos que os consagraram em filmes anteriores, como Seth Rogen sendo o empolgado contido que grita sussurrando, Jay Baruchel e sua crítica a tudo e a todos travestido de um grito de solidão (o que rende um ótimo diálogo no início do filme, com Craig Robertson e Emma Watson), James Franco como o rico excêntrico, Jonah Hill como o gordinho tímido, afetado e orgulhoso pela indicação ao Oscar, Craig Robertson como o side-kick de sempre e por último o sempre desprezível e dispensável Danny McBride, antagonizando da forma mais baixa possível.

     A trama que começa com um clássico filme de desastre, vai se aprofundando até ganhar contornos bíblicos e um simbolismo religioso infantil, mas que nunca se leva a sério, então conseguimos comprar todas aquelas situações ridículas sem nenhuma sensação de culpa, até mesmo quando todos conseguem chegar ao céu e dançam junto com os Backstreet Boys (!!!). Porém, a maior qualidade do filme é também seu maior defeito. A despretensão com que é feito, na base do amadorismo e da “brincadeira”, faz com que falte a ele uma seriedade mínima na hora de considerá-lo uma produção, então o espectador o assiste da mesma forma que ele foi feito, sem dar muito valor. Mas só se sentirá ofendido com This is the End (É o Fim) aquele espectador extremamente desavisado e que estiver procurando um filme desastre clássico, como está na moda em Hollywood atualmente. Este não chega nem a ser uma sátira desse gênero clássico, mas apenas uma brincadeira entre amigos. Claro, uma brincadeira milionária, que todos sonhamos em fazer com os amigos de escola, mas nunca tivemos a chance.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | O Homem que Mudou o Jogo

    Crítica | O Homem que Mudou o Jogo

    Billy Beane (Brad Pitt) odeia perder. Mais que tudo. Mesmo a sensação de vitória fica em segundo plano quando comparada à fúria provocada por uma derrota. Ele mesmo admite isso num dos vários bons momentos de O Homem que Mudou o Jogo, novo longa do diretor Bennett Miller (Capote).

    A primeira frase deste texto resume totalmente o gancho temático da produção. Muita gente poderá olhá-la sobre uma perspectiva equivocada e acreditar que “O Homem que Mudou o Jogo” é um filme sobre baseball.

    Nada poderia estar mais equivocado.

    O baseball é apenas um instrumento utilizado pelo diretor para contar a história de um homem consumido por duas obsessões: impor suas ideias e nunca, em hipótese alguma, perder.

    O esporte usado poderia ser futebol, vôlei, basquete, ou qualquer outro. Não faria a menor diferença. O foco não é a modalidade, mas o posicionamento do protagonista: a derrota não é, de forma alguma, uma opção.

    Em “O Homem que Mudou o Jogo”, Billy Beane é o gerente do time Oakland Athletic’s – os Oakland A’s. Uma equipe de resultados apenas modestos dentro da Major League Baseball (MLB), a principal liga de baseball norte-americana. Posicionamento pequeno demais para ser aceito peloo personagem interpretado por Pitt.

    Logo no início do filme, ele é visto num estádio vazio, acompanhando por rádio a derrota de sua equipe diante do poderoso New York Yankees. Nesse momento, ele dará sua primeira demonstração física dos efeitos que a derrota lhe provoca. Ao longo do filme, ele será visto em outros momentos como este – vai socar painéis de carros e arremessar cadeiras sempre que perder. Vai se matar na sala de musculação como uma espécie de punição por cada derrota, lembrando muito rituais de auto-punição adotados em determinadas religiões.

    Beane quer mudar o jogo. Quer transformar sua equipe num time campeão.
    No entanto, está cercado de assistentes que possuem uma visão antiga e ultrapassada do esporte. Ele precisa de alguém novo. Que tenha um posicionamento racional e embasado em análises frias sobre o baseball.

    Ele precisa de Peter Brand (Jonah Hill). O jovem formado em Economia por Yale. Que baseia sua visão dos jogadores e do próprio jogo em estatísticas, em números. Na ciência. Não em “tempo de estrada”. Fascinado por ele, Beane o contrata. A partir daí, enfrentando todo tipo de obstáculo e resistência, os dois vão revolucionar o esporte.

    A postura intransigente de Beane – que é um personagem verdadeiro – é fruto de uma vida anterior como atleta. Quando jovem, foi considerado um gênio pelos olheiros do New York Mets. Nesse momenteo, teve de fazer uma escolha entre o baseball e uma bolsa integral na Universidade de Stanford.

    O esporte versus os estudos.

    Optou pelo primeiro. Os resultados, entretanto, não foram dos melhores. A frustração foi inevitável.

    A partir daí, para se proteger de novas decepções, Beane decidiu criar uma espécie de “couraça emocional”, cortando vínculos afetivos até com as pessoas mais próximas. A única exceção é sua filha, com quem ainda se permite demonstrar sua fragilidade.

    Nesse ímpeto para impor sua visão e conseguir os resultados que deseja, é capaz de tudo. Percebam como ele troca e negocia jogadores como quem lida apenas com mercadorias. Para ele, aproximações sentimentais não podem entrar no caminho da vitória. Se um jogador ameaça o futuro dotime, deve ser extirpado.

    Esse posicionamento fica ainda mais claro quando ele ensina o assistente a fazer uma demissão. Rápida, direta e seca. Não há espaço para emoções ou apelos sentimentiais ali.

    Ao contrário do que vem se falando, a interpretação de Brad Pitt não é brilhante. Mas é eficiente. Muito eficiente, na verdade. Os olhares focados, arroubos físicos intempestivos e fala arrogante construídos por ele traduzem a postura de Billy Beane e a forma resoluta de impor sua vontade. Atenção especial à forma comedida e fisicamente tímida criada por Jonah Hill para dar vida à Peter Brand. Vale menção, também, a participação de Philip Seymour Hoffman, que interpreta o treinador Art Howe. Barrigudo, lento e cabeça dura. É a manifestação física do velho baseball – o oposto da abordagem proposta por por Brand.

    A narrativa é direta, com algumas intervenções em flashback da vida de Beane. A compreensão da trama, portanto, é bem simples. E esse é um pnto positivo.

    Billy Beane é um revolucionário. Um rebelde que impõe suas convicções. Ele luta contra um um mundo antigo e ultrapassado. O velho embate entre o indivíduo e o sistema. Tema que foi muito abordado pela banda inglesa de punk The Clash.

    Não por acaso – e os mais atentos irão perceber isso – Beane é fã do grupo: perceba dois posteres da banda em seu escritório: um deles, o anúncio de um show. O outro, uma foto de Joe Strummer, vocalista do Clash.

    Ambos, cada um a seu modo, tentaram mudar o status quo no qual viviam. Ambos sofreram as consequências dessa postura. Como diz um personagem importante que aparece quase ao fim do filme: “O primeiro a atravessar uma grande parede sempre deixa seu sangue pelo caminho”.

    É a mais pura verdade.

    Texto de autoria de Carlos Brito.