Tag: Seth Rogen

  • Crítica | Casal Improvável

    Crítica | Casal Improvável

    A comedia de Jonathan Levine começa subvertendo expectativas, em uma reunião de supremacistas brancos, onde Fred Flarsky (Seth Rogen) é apresentado como novato do grupo, ainda que isso soe estranho, pois o seu interprete tem origem judaica e ele próprio também é. Fred é na verdade um jornalista,que se infiltra para conseguir uma matéria, que poderia lhe render uma boa repercussão. Ele é idealista e pede demissão ao perceber que seu novo empregador é um sujeito sujo, ao menos, ao seu ver.

    A outra face de Casal Improvável é Charlotte Field, a mais nova secretária de Estado da historia, que é conhecida por ser tão bonita e competente, que as pessoas a chamam de gostosa sem cerimônia e sem ter receio em soar sexistas. A personagem de Charlize Theron busca apoio do Presidente Chambers (Bob Odenkirk) para uma possível candidatura a presidência. O que não se sabe, é que ambos já se conhecem, desde a infância, e inesperadamente se reencontram, em uma festa, e ela  o chama para trabalhar na área de comunicação.

    Os acontecimentos posteriores a contratação de Fred são hilários. O homem é contratado por ser engraçado, por ter um senso de justiça grande e coragem para falar o que pensa custe o que custar, mas também não sabe se vestir ou se portar em eventos profissionais e formais, e é obvio que isso causa rebuliços. A maneira como a comédia romântica lida com as diferenças entre os dois personagens principais é bem graciosa, assim como o choque de realidades pelos quais eles passam, e por mais que pareça  improvável, eles tem química juntos, mesmo sendo pessoas distintas e bem diferentes.

    Não há muita ambição no filme, o sub-texto é bem óbvio, lamenta o quanto a política dos Estados Unidos é movida por hipocrisia e por grandes conglomerados, mostra críticas ao modo como os poderosos movem as cartas marcadas e como as autoridades são alienadas e não se importam com os desejos e anseios do povo, ao mesmo tempo que mostra os protagonistas como pessoas bem humanizadas, que utilizam drogas, que vivem suas vidas com ambições pequenas como poder se divertir ou dar vazão a um amor novo. Não há nada muito grandioso, ou que fuja do trivial, por mais que o pano de fundo seja uma possível disputa presidencial, e envolva incidentes internacionais.

    Toda a discussão sobre maturidade, sucesso, fracasso e sobre ceder é bem fraca, rasa e maniqueísta, e é uma pena que Casal Improvável termine tão convencional, com um discurso conveniente e bem fácil, mas que não consegue tornar o humor escrachado do começo do filme.

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  • Crítica | O Virgem de 40 Anos

    Crítica | O Virgem de 40 Anos

    Judd Apatow ficou conhecido nos anos  90 por fazer parte de uma geração de humoristas que dava muita vazão  ao improviso. Depois de participar da produção de  séries como Freaks and Geeks e Undeclared, ele se tornou diretor de cinema focado em comédias de costumes, e O Virgem de 40 Anos talvez seja a mais conhecida entre suas obras, que fala a respeito de Andy, um quarentão que tem a vida tranquila e cheia de hobbys, e que percebe que sua condição de celibatário nesta idade o faz ser completamente diferente dos demais colegas de trabalho lojistas.

    A rotina de Andy consiste nele acordando sempre sozinho com uma ereção monstra, que não cessa sequer depois urinar. Sua casa é repleta de bonecos e action figures de séries e filmes nerds  e até seus vizinhos o enxergam como um sujeito que precisa transar, mas a realidade que até o próprio protagonista é que sua vida não tem muito sentido além de ir trabalhar na loja Smarth Tech. Nesse cenário tudo é enfadonho e tende a se repetir, o show de Michael MacDonald que toca televisões grandes da loja, a convivência com o elenco de humoristas que hoje seria praticamente impossível de reunir – há Jane Lynch, Seth Rogen, Elizabeth Banks, Paul Rudd – e basicamente todos os seus colegas de trabalho tem só um sentimento por ele, que é o de ou desprezar ou ignorar ele, por ser tímido e diferente dos demais.

    Há todo tipo de dementes sexuais em volta de Stitzer, David (Rudd) não consegue superar sua ex, Cal (Rogen) se enfia em qualquer relação amorosa escatológica e Jay (Romani Malco) trai sua parceira a todo tempo, e o trio o julga, achando que pode dar dicas de vida para ele, doutrinando o sujeito na estrada que seria a vida de um homem sexualmente ativo, e esses momentos garantem momentos bem engraçados, como o sentimento de epifania que cada um tem ao perceber o óbvio, mas também revela o quão infantil é o homem heterossexual, que medem sua masculinidade pela quantidade de mulheres com que transaram na vida.

    É engraçado como o roteiro de Apatow e Steve Carrell perverte suas próprias regras, utilizando a masculinidade frágil, seus clichês e defeitos para desconstruir a visão das pessoas sobre os nerds (o ano era 2004, bem longe da alcunha soar cool como soa hoje), assim como mostra um sujeito tão sensível e respeitador que não consegue se aproximar do belo sexo. Todos os outros homens são mostrados como mesquinhos e escrotos, e os próprios verbalizam que Andy ter guardado sua essência pode ter sido algo bom.

    A comédia serve bem a Carrell desenvolver seu humor físico. Aquela altura, ele estava terminando a primeira temporada de The Office, e seu papel aqui é bem diferente de Michael Scott, embora ele também tenha um sem número de inseguranças, e lide muito mal com as mulheres. Incrivelmente ela não culpa as moças, tal qual a maioria dos celibatários fazem, isso já o faz distinguir da maioria do comportamento agressivo dos Incels, mas ele claramente tem problemas sérios.

    Mesmo sendo arisco e pouco afeito a relações, dois fatores sobressaem no modo de pensar do protagonista, sendo o primeiro o fato de apesar dele fugir da normalidade a condição de homem normal o enoja,em especial no fato da maioria dos caras tratarem as mulheres  como meros objetos, ele é diferente dos machões trogloditas que se divertem quebrando lâmpadas fosforescentes por prazer. Ele não exalar barbarismo, e isso inflige o segundo fator, ele não sente pena de si mesmo, e isso é inédito entre praticamente todos os homens em tela. Os momentos que ele se vê como o errado, são induzidos por seus novos amigos.

    A necessidade de aceitação que Andy sofre o faz cair em momentos absurdos, como quando ele vai se depilar em uma casa coreana, onde ele pragueja contra todos, ou ele agindo como um robô xavecador que faz a personagem de Elizabeth Banks se interessar por ele, onde ele não  fala e não age como um ser humano de carne e osso, tal qual a própria Beth, que também é uma caricatura de mulher. Ao mesmo tempo que isso ocorre, ele consegue ser patético e romântico ao ponto de encher o quarto de velas, virar os bonecos e retratos ao ligar uma fita de filme pornográfico, ao som de Hello de Lionel Ritchie.

    Aos poucos se percebe que a vida dos amigos supostamente mais maduros de Andy é triste, um é stalker, outro mente descaradamente para todos os conhecidos, outro não sabe lidar com sua orientação sexual, que é bissexual, aliás, todos os três funcionários da Smart Tech tem problemas em lidar com homossexualidade, e ficam fazendo piada com isso o tempo todo, mostrando que a base da sua sexualidade era insegura, Andy provoca nas pessoas uma memória, sobre suas primeiras experiências sexuais, elas são sinceras até demais consigo, mas ele não consegue ser com Trish (Catherine Keener).

    Os momentos mais ricos, irônicos e engraçados moram nas piadas de situações de suposto cotidiano, como quando Trish e Marla (Kat Dennings) discutem asperamente sobre sexo, uma vez que a filha mais nova quer fazer sexo, mas é impedida por ela. Toda a sequencia na casa da mulher e depois numa clínica de controle de natalidade é absurdamente engraçada, e mostra que a maioria absoluta dos homens mede sua força e poder pela extensão de seus pênis, e como e quando são usados.

    A única vez que Andy age como um sujeito ruim ocorre quando se sente confrontado por sua parceira, que vê o celibato como algo ruim e sente necessidade de tornar física a relação. Por mais clichê que isso seja e por mais que se apele para algo básico das comédias sexuais, sua reação é esperada, ele sem ter experiência age como se estivessem tentando extinguir o seu estilo de vida, agindo de maneira preciosista e desnecessária ao extremo. O homem volta a estágio mais básico, imaturo e irracional de sua existência.

    Evidente que ele dá vazão no final a mais piadas adolescentes, como transas de apenas um minuto, e o homem deixando a mulher estafada por ter muita energia retida enquanto ela é uma pessoa comum de meia idade. O Virgem de 40 Anos assume todo seu caráter satírico, ao mostrar os personagens cantando Age of Aquarius, como em um musical da Broadway como parte de um rito de passagem para os homens e mulheres, e por mais que seja uma comédia boba, há muito conteúdo de discussão, sem soar panfletaria ou ligada a movimentações de justice warriors, e esse é um filme muito mais aclamado por parecer um besteirol, ainda que seja uma total desconstrução disso tudo.

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  • Crítica | O Rei Leão (2019)

    Crítica | O Rei Leão (2019)

    Em meio a crise criativa dos estúdios Disney, que só permite fazer continuações ou refilmagens de clássicos e franquias famosas, e a vontade desenfreada e crescente de superar a bilheteria dos filmes em mais de um bilhão, O Rei Leão de Jon Favreau chega finalmente aos cinemas, cercado de expectativas por se tratar de um dos símbolos da renascença da Disney, e um dos mais lembrados filmes de animação recentes. O início do filme não surpreende, até pelo marketing que desnecessariamente elucida todos os pontos positivos (e alguns negativos) dos blockbusters, para não deixar o público em duvida sobre ver ou não o filme.

    Há um esforço hercúleo da produção em refilmar as cenas da antiga encarnação mas em um novo estilo, que por vezes soa só como engodo de tão boba que a imitação fica, com diferenças que tocam meramente a tentativa de parecer mais realistas. Os live action (ou remakes, no caso) recentes da Disney tem por regra uma exigência um bocado mesquinha e futil do público, que é a necessidade de ser igual ao original, e Favreau teve de lidar com isso, dada a reclamação por parte do fandom quando um rumor de que a música Be Prepared não estaria no filme – ela está, mas foi pasteurizada para não ofender plateias sensíveis a referencias ao nazismo – foi assim com A Bela e a Fera de Bill Condon, um filme bem inferior a sua contra parte animada mas que fez muito dinheiro, e foi assim com Aladdin de Guy Ritchie em seus erros e acertos, sendo bem fracassado na hora de emular o Aladdin clássico e mais original ao abordar as ideias de seu diretor.

    O estranho é que Favreau ja havia adaptado outro conto Disney, seu Mogli – O Menino Lobo tem diferenças enormes para animação, mas agora, se trata da refilmagem de sucesso com pouco mais de 20 anos de idade, e a escolha que funcionou um pouco no Livro da Selva, causa estranheza nesse. Quando os animais falam, há um estranhamento natural, não à toa foi esperta a escolha por manter a entrada como um número musical onde não há falas além do vocal de Circle of Life.

    Os animais menores não são tão bizarros, ate porque a maioria deles é engraçado, sobretudo Zazu (John Oliver), Timão (Billy Eichner) e Pumba (Seth Rogen), mas os leões dentro dessa estética ultra realista não convencem muito dramaticamente, nem nas partes faladas e nem nas cantadas. James Earl Jones e Chiwetel Ejiofor não comprometem, mas também não encantam, ainda mais na comparação com Jones no passado e Jeremy Irons. O dublador do Simba jovem, JD McCrary , convence menos ainda, e a quantidade de informação em tela faz os primeiros números musicais parecerem estranhos e não fantásticos, como no original.

    O quadro muda drasticamente quando o protagonista fica adulto, a emoção que falta nas partes iniciais e nas artimanhas de Scar sobram em graça e leveza quando entram em ação o Suricato e o Javali que adotam Simba, e quando o mesmo evolui e passa a ser dublado por Donald Glover há também um belo acréscimo. É no exilio que moram as maiores diferenças entre os filmes, há riqueza no oásis em que vivem, a fauna e flora são diversificadas e tudo faz mais sentido aqui, aliás, o panorama político do filme, por mais pueril que seja em essência faz mais sentido nesta versão do que na animação dos anos 90. Há mais preocupação em explicar a união de Scar e das hienas, há uma melhor ambientação do lugar que Timão e Pumba habitam, assim como é melhor explanado a forma de governo dos leões apesar da cadeia alimentar gritar que existe tirania ali, mas é na derrocada moral do reinado de Scar que mora a maior  riqueza de roteiro de Jeff Nathanson . O fato de evitar o argumento deus ex machina de “a natureza não gosta do rei” como transparece no desenho antigo é uma escolha sábia.

    A extensão de algumas músicas fazem resgatar um bocado da mágica típica dos filmes 2d da Disney, em especial as de Timão e Pumba e ao menos nesses trechos, o universo também se estende e  faz sentido, pois no restante se percebe que Favreau é um cineasta preso a uma coleira, como um felino domado, em uma péssima analogia com o herói de seu filme. O Rei Leão é comum demais para ser um épico, esbarra em suas próprias fragilidades e na vontade de ser um hit repetitivo, acaba se preocupando tanto em não desagradar ninguém que soa mediano, um filme que não incomoda e tampouco inspira, seus números musicais são meras imitações dos originais de Elton John e Tim Rice, e outras transposições do clássico já foram feitas, como o musical da Broadway, que aliás, é muito mais repleto de vida que esta versão. Ao menos, há uma piscadela para o espectador e fã da saga de Simba, com He Lives In You, tocando ao subir dos créditos, música essa que abriu O Rei Leão 2: O Reino de Simba. Ao menos os membros da produção mostraram que se importam com as obras originais, tentando não soar ofensivos, mas também se mostrando como um belo modo da Disney engordar os bolsos de seus executivos, pura e simplesmente.

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  • Review | Arrested Development – 4ª Temporada

    Review | Arrested Development – 4ª Temporada

    Após sete anos sem as aventuras dos Bluth, a Netflix assume a responsabilidade de tentar contar a história da família de desequilibrados, com um formato ainda menos usual do que o mockumentary apresentando a partir de 2003, a desunião familiar que sempre se anunciava como recurso narrativo para driblar a dificuldade de juntar o elenco, cuja agenda geral quase nunca batia entre si. O drama de Michael (Jason Bateman) começa por não ter mais capacidade de se manter financeiramente, colhendo os frutos dos desmandos de seu pai a frente da Bluth Company.

    Recentemente, o criador da série Mitchell Hurwitz remixou a quarta temporada, então há duas versões do mesmo programa, e ambas serão analisadas aqui. Essa postura inclusive sofreu com algumas polêmicas, já que o elenco não gostou de ter recebido apenas por quinze episódios, quando a versão nova tem vinte e dois.

    Temporada Quatro Original.

    Antes de mais nada, é mostrado um flashback mostrando Lucille e George Sênior novos, não interpretados por Jessica Walter e Jeffrey Tambor, e sim por Kristen Wiig e Seth Rogen (com uma peruca horrorosa). Boa parte dos famosos que fizeram participações especiais no seriado voltam aqui, inclusive, Liza Minelli, que faz Lucille 2 (ou Lucille Austero).  A situação do “protagonista” – essa condição sempre foi discutível, uma vez que cada Bluth tem um bom tempo de tela na série, dividindo assim os holofotes – é muito dificultada ao se deparar com a rejeição por parte do seu filho, que quer se mantar longe do pai, para não repetir os erros dele em não cortar a excessiva intimidade com a própria parentela.

    O formato da retomada se passa inteiro no primeiro episódio, que conta a tentativa de Michael em fundar a própria companhia, cujo fracasso ocorre pelo azar tradicional dele, talvez uma expiação pelos pecados familiares, visto no decorrer dos outros anos. Um dos pontos altos é a participação de Ron Howard, produtor-executivo e narrador do seriado, que se insere na trama como uma visão em meio a realidade, fazendo um papel auto-caricatural que desafia até os limites metalinguísticos da série. O motivo seria a feitoria de um filme sobre os Bluth, o que iria de encontro a realidade, já que a ideia de Hurwitz seria fazer um longa, que acabou transformando-se no seriado da Netflix.

    Em paralelo, George Sr. e Lucille resolvem se divorciar, forçando o último bastião familiar, fato que se torna ainda mais evidente ante a situação legal da matriarca, que será julgada segundo as esdrúxulas leis marítimas. Para variar, o momento mais constrangedor do  programa envolve Tobias, que mistura suas duas profissões, de terapeuta e ator para tentar ajudar Brie (Maria Bamford), uma ex-atriz falida que havia trabalhado em uma produção barata do Quarteto Fantástico, e que o conheceu por acaso. Para tentar ajudá-la a ganhar dinheiro, ele começou a posar como os personagens da Marvel, e foi impedido pelos advogados de Stan Lee, essa trama evolui com ele sendo preso, e depois trabalhando em um musical, na clínica de reabilitação de Lucille Austero, fato que ajuda a mostrar o quão degradante é a vida de Brie e o quão vergonhoso pode ser a de Tobias e dos demais Bluth.

    Os últimos dez episódios acontecem sob um mergulho profundo na melancolia, seja na versão tosca de Entourage que Gob (Will Arnett) vive, assim como sua reaproximação inoportuna de Steve Holt (Justin Grant Wade). É nesse pedaço também que Lindsay (Portia de Rossi) lida com o candidato Love (Terry Crews) um político direitista que quer erguer um muro para deixar os mexicanos longe do território americano, se envolvendo como prostituta de fato. Nessa parte, a personagem confronta sua hipocrisia, e motivação política torpe, se assumindo como uma patricinha que jamais trabalhou para conquistar nenhuma das posses que tem, mas obviamente que o roteiro não seria moralista, e trataria isso de maneira engraçada, como o é.

    Ainda assim, essa versão parece diferente demais da fase clássica. Há muita repetição de cenário e situações, e o fato das agendas dos atores não baterem fez com que a sensação de que esse ano foi feito unicamente por obrigação seja ainda mais grafado, tanto que boa parte das cenas foi feita com fundo verde, e isso faz perder demais a interação e química que fez de Arrested Development um objeto raro.

    Remix – The Fateful Consequences

    Pouco se mudou nas participações dos atores principais, que inclusive reclamaram por terem suas imagens exibidas em mais episódios – que curiosamente tem menos tempo de exibição que a quarta temporada original – e ainda estariam em regime de sindicato, que é um modo de exibição muito particular dos Estados Unidos. Quem teve que realmente trabalhar mais foi o narrador Ron Howard, que praticamente redublou tudo.

    Essa versão chama-se Fateful Consequences e tem 22 episódios, com um pouco mais de vinte minutos cada. Há cenas inéditas, e já no primeiro episódio dessa versão se estabelece um novo misterio, envolvendo uma morte inesperada. Seu formato lembra o vai e vem típico das temporadas anteriores, ainda que hajam diferenças drásticas na história, é como se fosse um gigantesco retcon (continuidade retroativa, em tradução livre), implantado

    As cenas inéditas certamente foram retiradas do material cortado da versão original, e esses acréscimos ajudam a amplificar a sensação de irregularidade do show, uma vez que em alguns momentos ele se torna mais confuso que a quarta temporada comum e em outros, explicita mais os fatos, com explicações bastante expositivas.

    Neste recorte, a questão da festa do Cinco de Quatro é ainda mais grafada. A vingança de Lucille Bluth sobre o feriado mexicano não serve apenas para sustentar a questão de segregação do muro que Love queria levantar, mas também a propagação do aplicativo antissocial Fakeblock, de George Michael, e claro, o terrível destino de Lucille Austero.

    E desse jeito, parecido demais com a terceira temporada, termina Fateful Consequences. Mais irregular que a outra, envolta na tentativa de emular o formato dos episódios antigos, pavimentando também o futuro da saga, mas seu resultado é discutível, apesar de ligeiramente mais positivo que a versão falada por cada personagem. A sensação de comida requentada não sai do paladar do espectador, o que é uma pena, pois qualquer que seja a versão desta quarta temporada, soa melancólica.

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  • Crítica | Artista do Desastre

    Crítica | Artista do Desastre

    Era uma vez Tommy Wiseau, um sujeito bem peculiar, sotaque diferente e fortuna de origem desconhecida. Fazia aulas de atuação nos Estados Unidos, e foi aí que sua vida se cruzou com outro aspirante a ator: Greg Sestero. Os dois cultivaram uma amizade forte, porém estranha, visto que Tommy se negava a conversar sobre sua própria vida (origem, idade etc). O tempo foi passando, os dois tentaram a sorte em Los Angeles mas sem grandes resultados. Desta forma, obstinado por seu grande sonho, Tommy resolve fazer ele mesmo um filme. O resultado foi o bizarro The Room, considerado um dos piores filmes já feitos.

    Os bastidores de The Room e a relação entre Wiseau e Sestero foram relatados por este no livro The Disaster Artist. A falta de talento e noção do realizador, aliado a diversos outros fatores, resultaram na atrocidade cinematográfica chamada The Room, mas rendeu belas histórias. A partir do livro, temos o filme Artista do Desastre, onde James Franco é o diretor e interpreta Wiseau.

    Logo de cara, temos que destacar a atuação de Franco. Ele conseguiu, de forma surpreendente, incorporar os trejeitos, sotaque, personalidade e o timbre da voz do realizador. Até a aparência física se aproxima com o ser humano original. O resultado é uma atuação excelente e muito divertida.

    Vários atores estão bem parecidos com os reais. Além do próprio Franco, podemos destacar Dave Franco, que interpretou Sestero, e Zac Efron, que viveu o traficante Chris-R, personagem do filme. Outros nomes conhecidos interpretaram personagens, como Alison Brie, Seth Rogen e Judd Apatow, enquanto outros aparecem sendo eles mesmos: Bryan Cranston, Kevin Smith, J. J. Abrams e Kristen Bell.

    O filme se apoiou bastante nos relatos do livro, mas também adicionou outros elementos. Houve uma tentativa maior de humanizar o diretor, só que acabou fazendo com que ele duvidasse dele próprio em alguns momentos, algo que destoa bastante do que é mostrado em grande parte do filme. Wiseau é megalomaníaco e tem uma autoconfiança extrema, beirando ao ridículo, e esses momentos de “Será que eu consigo? Será que sou capaz?” não faz jus à personalidade dele.

    O roteiro consegue mostrar bem as decisões erradas do realizador, que vão desde a compra de duas câmeras até a decisão de filmar em sets toscos ao invés de locações externas reais. O ponto mais interessante de Artista do Desastre é o fato de que ele trouxe ao grande público a existência de The Room, sendo que este voltou aos cinemas catorze anos após seu lançamento. Demorou, mas Wiseau finalmente realizou seu grande sonho de ver seu filme sendo passado além daquela única sala em 2003.

    Artista do Desastre é divertido, bem feito e certamente fará com que muitas pessoas corram atrás de The Room. Aliás, o filme será muito melhor aproveitado se você assisti-lo antes. Eles refilmaram diversas cenas, e se você conhecer o filme original, as coisas ficam bem mais interessantes. Não importa em qual ordem você assistirá, confira ambos que vale muito a pena. E por favor, assista à cena pós-créditos.

    https://www.youtube.com/watch?v=UtzsorjuK-o

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  • Crítica | Sexo, Drogas e Jingle Bells

    Crítica | Sexo, Drogas e Jingle Bells

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    Apontando para a enorme tradição norte americana de produzir filmes comemorativos próximos aos dias de festas, Sexo, Drogas e Jingle Bells (com uma tradução muito melhor que o nome original The Night Before) de Jonathan Levine começa com uma história bastante melancólica, como havia sido seu 50%, reprisando inclusive seus protagonistas, para logo depois estabelecer uma narrativa que se inicia como de um conto de natal, contando a história de três amigos, que giram em torno de Ethan Miller (Joseph Gordon-Levitt), um sujeito que tem uma vida triste e enlutada,  e que torna as comemorações sempre regadas ao uso de álcool e entorpecentes.

    O problema é que Ethan é o único dos amigos que estagnou, já que Isaac Greenberg (Seth Rogen) e Chris Roberts (Anthony Mackie) seguiram suas vidas, um se tornando pai e outro se dando muito bem na vida profissional. O natal em questão seria o último deles juntos, e aconteceria graças ao convite VIP encontrado pelo protagonista, o mesmo com o que ele sonhou a vida inteira em conseguir. Há um clima em torno do filme semelhante as comédias que fizeram sucesso nos últimos anos, em especial Segurando as Pontas, Se Beber Não Case e É o Fim, por ser organizado por amigos que trabalham juntos em um filme de estúdio, mas que empregam nele um humor rasgado e repleto de referências a cultura pop. Ao menos esse era o espírito.

    O trabalho anterior de Levine não foi tão exitoso, já que Meu Namorado é um Zumbi teve uma má recepção pela audiência cativa deste tipo de adaptação, por não ser exatamente um comedia e nem um exploitation puro da onda genérica Crepúsculo. A ausência de identidade pôs em cheque o trabalho do diretor e o desejo por refutar essa pecha deve ter sido um dos motivos para aceitar fazer esse novo produto.

    O humor degradante vai crescendo no decorrer do longa. Os vinte primeiros minutos são bem comedidos, mas quanto mais passa a noite, maior é o abuso de drogas pesadas, antes até da tal festa que seria o Santo Graal das comemorações. Dentro do escopo de comedia, a melhor das reações é a de Isaac, que passa a ficar imbecil graças aos efeitos do pó e da maconha forte que usa, se tornando suscetível a alucinações e a investidas de outro homem, que lhe envia nudes bastante agressivos.

    Até os momentos comuns a comédias românticas, onde o mocinho propõe compromisso a mocinha são realizados de um modo escrachado. As participações de Miley Cirus e James Franco são pontuais, especialmente deste último, que mais uma vez faz troça com a sua orientação sexual. Mesmo a recusa ao chamado é feita de um modo que descontroi o ideal de romantismo. A perversão também mora no par ideal de Diana (Lizzy Kaplan) e no espírito de natal/traficante Mr. Green (Michael Shannon) – cujo fim de arco faz lembrar muito o clássico recente Dogma – uma vez que eles também qualquer retidão de caráter o arquétipo de bom mocismo em suas atitudes.

    Os últimos momentos do longa se dedicam a uma reflexão sobre o sentido da vida, como é praxe em episódios natalinos, ainda que guarde sua essência de desconstrução da tríade de tradição família e propriedade. Sexo, Drogas e Jingle Bells é um filme pequeno, mas que se torna bem engraçado na segunda metade e que surpreende pelo fato de não ter sido lançado nos cinemas brasileiros, uma vez que é melhor que a maioria das comedias estrangeiras que ocuparam as salas de exibição no final do ano de 2015.

  • Crítica | Festa da Salsicha

    Crítica | Festa da Salsicha

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    As animações de comédia adultas tem ganho cada vez mais destaque no circuito comercial padrão, ainda que não sejam necessariamente uma tendência muito popular ainda. O mote deste Festa da Salsicha é baseado na expectativa de alimentos que vivem nas prateleiras dos supermercados, a espera de serem comprados e com expectativa de que isso ocorra logo, sem saber que seria consumidos e mutilados.

    O começo do filme de Conrad Vernon e Craig Tiernan mostra algumas salsichas cantando, como em musical, com uma letra repleta de piadas sexuais e palavras torpes, afastando qualquer espectador desavisado como já havia ocorrido anteriormente com Ted de Seth MacFarlane. Na essência, a busca por esse mundo novo envolve os desejos mais íntimos e básicos humanos, como a necessidade de copular unindo a uma realidade que faz piada com a o mito da caverna de Platão. A história é contada por meio da relação entre a salsicha Frank (Seth Rogen) e o pão de Hot Dog Brenda (Kristen Wiig), que estão prestes a ser comprados e que se envolvem em um incidente com a Honey Mostarda (Danny McBride), que as alerta da gravidade ocorrida na casa dos tais clientes, desassociando a questão da utopia de que haveria um lugar magnifico e paradisíaco para os produtos do mercado.

    As comparações e paralelos vistos na jornada dos dois personagens perecíveis após escaparem da bolsa plástica variam entre o ridículo e o grotesco. Compara-se os momentos de infortúnios das comidas com cenas do holocausto, de privação de sentidos e de assassinato em massa, fazendo lembrar muito os filmes catástrofes dos anos quarenta e cinquenta, além de questões de contra-cultura típicas dos humorísticos de 70 e 80.

    A questão da quarta dimensão, cenário onde os humanos são capazes de ver a movimentação dos alimentos, bem como seu comportamento é apresentado via uso de entorpecentes, ratificando a ideia de transgressão de quebra de conservadorismo do roteiro de Rogen, Kyle Hunter, Ariel Shaffir, Evan Goldberg e Jonah Hill, que são conhecidos por dirigir, escrever e protagonizar histórias como Segurando As Pontes, É o Fim e Superbad, que desconstroem a ideia de retidão de caráter via normatividade.

    O conjunto de piadas infames fortalece a ideia de combate mostrada ao final, como uma versão anárquica do desfecho do clássico Toy Story, ainda que tenha menos subtexto aprofundado que o desenho da Pixar e muito mais desejo de contar uma narrativa torpe e repleta de escatologias, contando com um final interessante e dedicado por completo a metalinguagem. A Festa da Salsicha é um projeto bobo, pueril e executado para a plateia que gosta dos mesmos momentos de absoluto humor juvenil descompromissado, típico das rodas de conversa masculinas após se matar aula. Está longe de ser um filme universal ou preocupado em discutir grandes temas, apesar de fazer troça de questões maiores.

  • Crítica | Vizinhos 2

    Crítica | Vizinhos 2

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    Sororidade é um conceito do feminismo sobre mulheres tratando-se como irmãs. É a aliança entre mulheres, buscando companheirismo e apoio. É também um paralelo com as tais fraternidades, as repúblicas americanas tradicionais e formadas por meninos. A definição de fraternidade nos EUA é bastante poderosa, chegando a ser forte influenciadora na vida acadêmica e profissional dos seus moradores. Suas festas também são conhecidas por trotes violentos e situações de abuso.

    É irônico iniciar a análise de um filme escrito e protagonizado por Seth Rogen com uma nota informativa, mas Vizinhos 2 (leia nossa crítica sobre Vizinhos) é uma comédia tipicamente maconheira e incorreta que tem muito a informar.

    Próximo de ganhar seu segundo filho, o casal Mac (Seth Rogen) e Kelly Radner (Rose Byrne) precisa enfrentar novamente um grupo de adolescentes na vizinhança, e colocar-se novamente como os velhos responsáveis, especialistas em evitar que adolescentes se divirtam, mesmo que a contragosto. Desta vez, uma república feminina. Uma sororidade, liderada por Shelby (Chloë Grace Moretz), disposta a provar e livrar-se das amarras de suas vidas anteriores, em que era sempre e sempre incentivada a ter como membros moças comportadas. Diante do desafio, convoca Teddy (Zac Efron), que está da mesma forma como foi deixado no filme anterior, de futuro incerto, visto como velho do alto dos seus 25 anos e angustiado por ver-se incapaz de progredir na vida.

    A passagem da adolescência para a vida adulta tem fronteiras que são difíceis de mapear, ainda mais para a geração Y, que tem a oportunidade de alargar todo tipo de fronteira tradicional. Com a falta de um rito de passagem pré-estabelecido, é possível ver uma grande parcela dos jovens perdidos sobre seu lugar no mundo. O casamento e paternidade/maternidade não são mais rituais tão significativos ou tão cheios de certezas.

    Com um humor ainda baseado em maconha, intestino solto e consolos gigantes, o filme continua tão afiado quanto seu anterior, sofrendo, porém, com a falta do excelente Dave Franco para adicionar sua ingenuidade caótica (tal qual seu irmão) ao delivery de piadas feito pelo elenco. Às vezes o resultado é um pouco mais histriônico do que deveria, além de não contar com piadas do nível da “Festa à fantasia dos De Niros” do primeiro filme, suficiente para fazer alguém rir por até três dias. Ainda assim, o resultado é prioritariamente positivo e bastante engraçado.

    Sempre atento aos temas que busca, o filme demonstra ser eficiente ao elencar os temores adolescentes e adultos, inclusive do mundo feminino, tirando o ar de clube do bolinha dos filmes de Seth Rogen, Nicholas Stoller e companhia, e abrindo espaço para as meninas se exporem como força humorística. Vem delas as mesmas piadas de intestino solto e maconha, além da reflexão sobre a necessidade que todos temos de demonstrar que não precisamos de babás ou tutores. Ao final, valem como experiência os tropeços da vida.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Steve Jobs

    Crítica | Steve Jobs

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    1. “Vão te frustar quando tentar o seu melhor,
    2. Vão te frustar exatamente como disseram que iriam.
    3. Vão te frustar quando tentar ir pra casa,
    4. Vão te frustar quanto estiver na solidão…” 

    Versos de Rainy Day Women, de Bob Dylan (Blonde on Blonde).

    Danny Boyle adora gente desconectada. Curte jogar o peixe fora d’água e filmar o que acontece, na esteira do que o (um dos) fundador(es) da Apple acreditava ser: “Criatividade é conectar as coisas“. Seja numa Londres de zumbis ou numa índia de underdogs, a pegada de Boyle é primeiro entender o estranho, e depois, o ninho. O maior nome da tecnologia nos anos 2000 construiu seu próprio habitat, e foi demitido de sua própria empresa por ser indomável, nas palavras do próprio comitê da companhia. O cara era inflexível, consigo e com todos em sua coleira de disciplina e utopia graças a necessidade individual de mudar o contato entre as pessoas, mas Jobs não devia se olhar no espelho como ser humano (“Tô cercado de idiotas!”), e tampouco Boyle deve ter seus amiguinhos pra conversar, de igual pra igual. Daí fica fácil perceber como as intenções se casam em mais um filme hiper-cerebral sobre um ícone que não merecia ser reduzido a suas capacidades penianas, no caso de um ator pornô. Steve Jobs não vem do entender os pilares do mundo moderno, e sim incorpora as necessidades existenciais de um cara que não se sente parte deste mundo, e mesmo assim precisa aprimorá-lo já!

    Notável é o equilíbrio entre o pessoal, como a treta do gênio com sua filha, e o trabalho onde o gênio sai da lâmpada e faz acontecer, ao custo de perder o amigo, mas a piada, jamais… O filme é leve, ganhando nossa simpatia por esculpir uma selva complexa de forma tranquila e mastigada, tal o superior Margin Call faz com o mercado financeiro. Cosmos intrincados e decifrados numa tela de Cinema; distantes, ainda que avistados por uma lente de aumento onde tudo é de fato mais bonito, só que na ótica de Aaron Sorkin, conhecido por escrever diálogos destruidores no estilo pingue-pongue, a fórmula de mostrar uma personalidade cheia de camadas e mistério funciona no paralelo com a Apple, fundação egocêntrica feito criança que não quer dividir seus brinquedos, mas já começa a cansar, sem aquele frescor de A Rede Social e outros ensejos – aliás, o próprio Sorkin se trai aqui em vários momentos, percebendo que, quando a lógica de suas histórias começa a cansar, pula do exagero para a licença poética como no confronto de ideologias versus emoções, entre Jobs e sua assistente (Kate Winslet, melhor atuação do filme), num corredor abaixo de uma plateia louca por outra de suas épicas palestras.

    A figura de Jobs e o interesse que surge dela jamais o sugere ser um computador humano, Steve Hardware, mas vem do que fala, uma dialética que nutre o comportamento de quem vive ao redor de um assumido workaholic, a partir de uma atuação cirurgicamente precisa de Michael Fassbender, ironicamente fora das mãos de seu mentor, Steve McQueen (12 Anos de Escravidão). Na pele do ator, o homem e o gênio sente seu Q.I. em cada batimento daquilo que parece não bater em seu peito humanoide – é nos diálogos que Fassbender nos remete ao Zuckerberg de Jesse Eisenberg, em 2010, na forma seca, introvertida e objetiva que encaram as pessoas como conquistas, e não semelhantes. Um gênio sabe que é um gênio, mas talvez genialidade ande de mãos dadas com a humildade de não admiti-la. Bill Gates, Bob Dylan e Da Vinci não nos atraem pelos seus triunfos, mas pela coragem para erguê-los, no caso, o elixir da megalomania em suas veias. “Estamos aqui para fazer a diferença no universo, se não, porque estamos aqui?”, alegava Jobs. Como diria Carl Sagan: Humildade.

    Como diria a Globo: A gente vê por aqui. Um filme que sabe muito o que é, e ainda melhor: O que não pode ser. Boyle consegue nos passar o efeito unidimensional da história (pro bem e pro mal) combinando com o sentimento que temos diante de um potente notebook. Steve Jobs é isso, uma ferramenta para conhecermos os componentes de uma vida de lutas e batalhas em busca de um futuro visado por um homem que, feito Boyle e Sorkin, cineasta e escritor, sabia quem era e o que precisava fazer para chegar lá. São as decorrências do caminho até o “lá”, o El Dorado de Jobs (o reconhecimento (a duras penas) do público) que o filme aborda, e nos conduz de boa adentro dos corredores da Apple, apostando senão no carisma visionário do gênio de calça jeans para impedir o filme de ser frio tal suas invenções. O filme aposta mesmo é no caráter benéfico da tecnologia, como essa pode mudar o mundo, e acerta em cheio nisso, na abordagem direta em honrar a simetria do passado que traçou o amanhã, hoje vivido por todos nós.

    Fato é, positivo ou negativo, que a biografia moderna no molde americano já foi definida pelos méritos de A Rede Social, filme fruto de quem é visionário (David Fincher) e não de quem pensa ser (Boyle), o que não é mero detalhe, ok? Steve Jobs não será referência no futuro, mas o criador do iPad merecia um bom filme em torno do que seu nome representa, sugere e fez crescer, cultivando uma era de tecnologia e tal, mas não em torno de sua ambição. Falta a ousadia do cara no filme homônimo de sua vida, os próprios funcionários que trabalharam diretamente com ele eram intimidados pelo Corleone da Apple a cada dia. Talvez é o que faltou, aqui: Um verdadeiro gênio, exigindo o máximo de todos neste bom filme, previsivelmente certinho e correto até mesmo na edição, mas é claro, celebremente aquém das várias frases inspiradoras do crânio.

  • Crítica | A Entrevista

    Crítica | A Entrevista

    A Entrevista 1

    O narcisismo da curiosa persona do ditador norte-coreano é cantado por uma simpática menininha, que destaca os feitos hostis de seu país, além de xingar largamente a política dos Estados Unidos. Kim Jong-un (Randall Park) mostra-se como uma figura controversa, um personagem semelhante à caricatura dos piores líderes políticos da história. O modo como a figura pública é exibida é jocoso e distorcido, como se espera de uma fita de humor explorada por um comunicólogo sensacionalista.

    Dave Skylark, vivido por James Franco, é um apresentador que faz da fofoca o principal plot de seu programa, tendo já nos primeiros minutos de exibição uma revelação bombástica relacionada a Eminem. Cada mexerico que ele consegue tirar dos artistas é louvado por seu produtor, Aaron Rapoport, interpretado pelo co-diretor Seth Rogen, que repete a parceria razoavelmente boa, depois de É o Fim, com Evan Goldberg. A valorização da faceta cinza do jornalismo é a tônica do trabalho dos citados, e é em meio a uma das demonstrações de segredos grotescos de artistas que vem a notícia de que a Coreia do Norte executou um ataque terrorista.

    A perda de audiência mexe com o complexo narcísico de Skylark, que em uma pequena investigação percebe que o político asiático é fã de seu trabalho, e dessa forma o jornalista abutrino resolve tentar explorar tal estratagema. Passando por cima de todas as improbabilidades, Aaron é chamado a conversar com os representantes do tirano. O encontro se dá em um local ermo, distante da civilização, e ocorre rapidamente unicamente para o humorista acima do peso zombar da dificuldade que o ditador tem em utilizar informação, uma vez que os termos discutidos poderiam ser enviados em um simples e-mail. O que Un chama de estilo, os americanos acreditam ser “atraso”. Logo, o comunicador vira a notícia, sendo alardeado por inúmeros colegas que o criticam por glorificar um assassino.

    Uma agente da CIA intercepta os protagonistas com uma missão árdua. A dificuldade que Aaron e Dave têm em se concentrar em algo que não seja os seios de Lizzy Caplan, e sua Agente Stacey, é mais uma crítica superficial ao machismo implícito no modo de pensar do americano médio, que não consegue se concentrar sequer no belicismo que é comum ao dia a dia imperialista. A espera por uma propaganda velada ao capitalismo é cerceada, até mesmo por causa do caráter absolutamente debochado da fita.

    O modo como a Coreia comunista é retratada não é uma versão ainda mais pobre de Cuba: até os personagens estadunidenses se surpreendem por não haver fome nas ruas ou miséria nas esquinas de Pyongiang. Logo, Kim Jong visita Dave para tietá-lo antes da famigerada gravação. Apesar de toda a valorização do ridículo via pastiche, o modo como o roteiro mostra o líder coreano é até leve, com poucos defeitos realmente lamentáveis. O que realmente é execrável é a postura de filho rejeitado, que dá prosseguimento aos planos do procriador em uma tentativa de compensação, além da inveja clara à política super-capitalista dos EUA, nada que não seja esperado vindo de uma produção hollywoodiana. A figura demasiada carismática de Kim faz o apresentador se confundir com relação a suas preferências, certezas, missão e abordagem midiática, claro que através de uma análise política rasa.

    Com a polarização errada no posicionamento, Skylark passa a agir lealmente ao seu novo amigo, dando as costas aos seus amigos e nação, com um comportamento à la síndrome de Estocolmo, e do modo mais cretino possível. No entanto, o patriotismo e senso de dever falam mais alto, realocando a mente do personagem de volta ao lugar onde jamais deveria ter saído, “coincidentemente” no momento em que o roteiro perde um pouco do seu fôlego.

    A mácula de desrespeito em relação à figura do soberano do filme não é justificada em momento algum. Como mencionado antes, a crítica ao partidário não é profunda: mesmo nas cenas em que ele é mostrado nu, não há qualquer piada fácil, como referências a um membro diminuto, ou algo que o valha. A reviravolta comportamental visa desconstruir a imagem divina do líder ante os seus conterrâneos, claro, levando em conta o julgamento ocidental sobre a sua figura, o que certamente motivaria em qualquer adepto do personagem biografado um incômodo atroz. Mas nada que chegue perto da completa humilhação vista em Team America, de dez anos antes, que julgou seu pai, Kim Jong-il, como um puppet master infernal.

    O discurso de Un, ao ser questionado sobre os alarmantes números de famintos, destaca o embargo dos EUA ao seu país, assim como a alta massa carcerária, formando uma incômoda alfinetada ao país que se julga dono do mundo. O decorrer da entrevista é catastrófico, para os dois distintos lados. A posição de fragilidade de Kim Jong colaborou, inclusive, para todo o alarde do ditador, assim como a cena em que ele é executado.

    A revolução tosca acabou sendo televisionada e tratada a sério, não condizendo em nada com seu gênero humorista. Um preço alto, presumindo-se que os ataques a Sony foram promulgados por agentes de Kim Jong-un. Não há qualquer justificativa para a transmutação do filme, de comédia dentro de tela, para o drama fora dela.

    O posicionamento radical do tirano parece ter ocorrido mais por este não crer que qualquer sanção legal aos envolvidos na produção fosse atrapalhar as vendas de ingressos ou a propagação do ideal do que uma ofensa verdadeira à sua moral. O desfecho feliz, com Aaron, Dave e seu cachorrinho embarcando em paz rumo a América, exibe para o público a ingenuidade da fita, presente em cada ação, e em cuja supervalorização e desnecessária seriedade por parte das autoridades norte-coreanas – e das forças “terroristas” – transformou A Entrevista em algo muito maior do que deveria ser, atraindo uma atenção que não existiria certamente sem este tipo de publicidade.

  • Crítica | Vizinhos

    Crítica | Vizinhos

    A complicada relação entre vizinhos já rendeu vários filmes ao longo da história do cinema. Desde filmes de suspense, passando por dramas bastante pesados e algumas comédias rasgadas, como o caso de Meus Vizinhos São um Terror, dirigido por Joe Dante e estrelado pelo grande Tom Hanks. Se formos puxar na memória, chega a impressionar a quantidade de filmes que tem como pano de fundo essa relação cotidiana que caminha na tênue linha do amor e do ódio.

    Dirigido por Nicholas Stoller, diretor de Ressaca de Amor e O Pior Trabalho do Mundo, este Vizinhos é uma divertida comédia sobre um casal (Seth Rogen e Rose Byrne) que vive em uma pacata vizinhança com sua filhinha de poucos meses de vida. Os dois vivem uma vida sem grandes emoções, até que tudo é virado de cabeça para baixo quando a fraternidade Delta Psi Beta, lendária por suas festas de arromba e liderada pelos alucinados Teddy (Zac Efron) e Pete (Dave Franco, o irmão mais novo de James Franco), muda-se para a casa ao lado.

    O filme tem um ritmo e uma dinâmica muito interessantes. Em vez de simplesmente odiarem os novos vizinhos logo de início, os personagens de Rogen e Byrne tentam inicialmente conquistar a simpatia dos membros da fraternidade com o intuito de tentar controlá-los. Essa tentativa rende um momento engraçadíssimo com os dois tentando pateticamente parecer mais jovens. Tal situação fica mais absurda quando os dois resolvem comparecer à festa inaugural da fraternidade. Seth Rogen e Zac Efron protagonizam uma discussão surreal sobre quem é o melhor Batman de todos os tempos enquanto Rose Byrne tenta se enturmar com as meninas que lá estão.

    O diretor Stoller dirigiu e escreveu somente comédias em sua carreira. Por isso consegue filmar com bastante competência essa película. As gags nunca parecem gratuitas e o filme ganha em comicidade à medida que a disputa entre os vizinhos se intensifica. As artimanhas usadas pelo casal e pela fraternidade são hilárias, ainda que em alguns momentos rendam momentos absurdos. Méritos também para os roteiristas Andrew J. Cohen e Brendan O’Brien, que conferiram profundidade aos personagens principais e povoaram a tela com coadjuvantes engraçados que acrescentam bastante ao filme, em vez de simplesmente desfilarem em cena.

    Seth Rogen está habitualmente engraçado, ainda que interprete um personagem bem semelhante aos anteriores de sua carreira. A australiana Rose Byrne também está muito bem e os dois formam um casal de boa química. Incrivelmente, o maior destaque do filme é Zac Efron. O galã-dançarino que apareceu para o grande público em High School Musical mostra que tem bastante talento e protagoniza algumas das melhores piadas do filme. Além disso, entrega uma interpretação alucinada para um personagem que chega a beirar o sadismo em alguns momentos e forma uma excelente dobradinha com Dave Franco, que também está ótimo em cena. O “bromance” dos dois é muito engraçado. Os coadjuvantes Carla Gallo e Ike Barinholtz estão ótimos, especialmente o último. Seu personagem, Jimmy, protagoniza alguns momentos de pura insanidade. A breve participação de Lisa Kudrow como reitora da universidade também é hilariante.

    Ainda que peque por apresentar um final de certa forma redentor, indo de encontro ao tom anárquico da fita, Vizinhos é diversão de primeira qualidade, que não apela para a escatologia e rende boas risadas.

  • Crítica | É o Fim

    Crítica | É o Fim

    thisistheend

    É muito difícil falar de É o Fim sem entregar um grande e vital spoiler sobre o filme. Talvez você diga: “Ah, mas filmes sobre o fim do mundo têm aos milhares por aí ultimamente”. Mas pode acreditar, nenhum deles é igual a esse. No meio de um mar de filmes com a temática “fim do mundo”, É o Fim consegue ser bem original (dentro dos filmes hollywodianos do gênero), por mais paradoxal que isso possa parecer.

    A história se passa num dia normal onde Jay Baruchel (interpretado por ele mesmo) chega a Los Angeles pra visitar seu amigo Seth Rogen (também interpretado por ele mesmo). Seth então convida Jay para ir a festa de inauguração da casa de James Franco (é, como você imaginou ele é interpretado por James Franco) ao qual Jay aceita relutantemente. E é quando eles estão lá, que o dito Fim do mundo começa a acontecer, deixando o trio preso ao local, junto com Danny Mcbride, o “senhor bom demais pra ser verdade”, Jonah Hill e Craig Robinson.

    E o mais legal é justamente ver os atores interpretando uma versão caricatural de si mesmos, sem medo de se mostrar como um bando de drogados, covardes e egoístas entre outras características mundanas. O filme inclusive lembra muito a pegada de Segurando as Pontas, filme do próprio Rogen, que inclusive é citado seguidas vezes no filme. Vale destacar as hilariantes pontas de outras estrelas de Hollywood como Emma Watson, Rihanna, e o doidão Michael Cera (no melhor papel de sua carreira, provavelmente).

    Obviamente está presente aquele humor escrachado, comumente imoral dos filmes de Rogen, além, é claro, de girar em torno de amizades masculinas (os chamados browmances) outra característica marcante nos filmes roteirizados por ele. Mas o humor nonsense é o principal atributo desse filme. E sim, é o fim do mundo, então vai ter sangue, membros amputados entre outras tiradas que apesar de darem um susto inicialmente, acabam te fazendo morrer de rir do humor negro bem aplicado no roteiro.

    Com sinceridade, no final me encontrei num clima total de incredulidade tentando acreditar no que esses caras foram capazes de fazer, sem saber o que esperar na próxima cena. E a cena final… A cena final só pode ser definida como “What the F#@$…???” Simplesmente a cereja do bolo de loucuras que o filme se propõe.

    É o Fim, dentro de um gênero que se repete exaustivamente com o mesmo tipo de situações e piadas repetitivas, é uma comedia com um plot diferenciado. Se você é menor de 18 anos e meio sensível a sangue, vai assistir qualquer outra coisa, esse filme não é pra você.

    Mas se você tem um humor afiado, sem frescuras e com uma pitada caprichada (bota caprichada nisso) de humor negro, assista, pois é de rachar o crânio (talvez literalmente).

    Texto de autoria de Diogo G.

  • Crítica | É o Fim

    Crítica | É o Fim

    77 - This is the End (É o Fim)

    Qualquer pessoa que se identifique com os valores padrões da classe média branca tradicional do século XXI, com toda certeza irá se identificar com esse novo filme de Seth Rogen e Evan Goldberg, responsáveis por outros filmes de sua turma como Superbad, Pineapple Express e Besouro Verde. Com um grande elenco de amigos (Seth Rogen, Jonah Hill, James Franco, Jay Baruchel, Jason Segel, Craig Robinson, Paul Rudd, Michael Cera, Rihanna, David Krumholtz, Mindy Kaling, Aziz Ansari, Danny McBride, Emma Watson, Kevin Hart entre outros), o filme é uma grande piada interna que não faz questão alguma de situar o espectador não familiarizado com as outras obras do grupo, pois é cheio de autorreferências e situações tipicamente vividas por atores ricos de Hollywood, também um grande foco do filme.

    A base do humor do filme é essa. Apesar de divertir e garantir boas risadas ao longo da projeção, This is the End (É o Fim), quem esperar algo a mais do que uma diversão adolescente com piadas de masturbação feitas por trintões poderá sair um pouco incomodado. Usando e abusando das referências tanto a seus próprios filmes, (principalmente Pineapple Express, que é recomendado ter visto antes para entender algumas piadas) quanto a clássicos de Hollywood, como O Exorcista e Mad Max, cada ator usa e abusa dos estereótipos que os consagraram em filmes anteriores, como Seth Rogen sendo o empolgado contido que grita sussurrando, Jay Baruchel e sua crítica a tudo e a todos travestido de um grito de solidão (o que rende um ótimo diálogo no início do filme, com Craig Robertson e Emma Watson), James Franco como o rico excêntrico, Jonah Hill como o gordinho tímido, afetado e orgulhoso pela indicação ao Oscar, Craig Robertson como o side-kick de sempre e por último o sempre desprezível e dispensável Danny McBride, antagonizando da forma mais baixa possível.

     A trama que começa com um clássico filme de desastre, vai se aprofundando até ganhar contornos bíblicos e um simbolismo religioso infantil, mas que nunca se leva a sério, então conseguimos comprar todas aquelas situações ridículas sem nenhuma sensação de culpa, até mesmo quando todos conseguem chegar ao céu e dançam junto com os Backstreet Boys (!!!). Porém, a maior qualidade do filme é também seu maior defeito. A despretensão com que é feito, na base do amadorismo e da “brincadeira”, faz com que falte a ele uma seriedade mínima na hora de considerá-lo uma produção, então o espectador o assiste da mesma forma que ele foi feito, sem dar muito valor. Mas só se sentirá ofendido com This is the End (É o Fim) aquele espectador extremamente desavisado e que estiver procurando um filme desastre clássico, como está na moda em Hollywood atualmente. Este não chega nem a ser uma sátira desse gênero clássico, mas apenas uma brincadeira entre amigos. Claro, uma brincadeira milionária, que todos sonhamos em fazer com os amigos de escola, mas nunca tivemos a chance.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.