Crítica | Steve Jobs

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  1. “Vão te frustar quando tentar o seu melhor,
  2. Vão te frustar exatamente como disseram que iriam.
  3. Vão te frustar quando tentar ir pra casa,
  4. Vão te frustar quanto estiver na solidão…” 

Versos de Rainy Day Women, de Bob Dylan (Blonde on Blonde).

Danny Boyle adora gente desconectada. Curte jogar o peixe fora d’água e filmar o que acontece, na esteira do que o (um dos) fundador(es) da Apple acreditava ser: “Criatividade é conectar as coisas“. Seja numa Londres de zumbis ou numa índia de underdogs, a pegada de Boyle é primeiro entender o estranho, e depois, o ninho. O maior nome da tecnologia nos anos 2000 construiu seu próprio habitat, e foi demitido de sua própria empresa por ser indomável, nas palavras do próprio comitê da companhia. O cara era inflexível, consigo e com todos em sua coleira de disciplina e utopia graças a necessidade individual de mudar o contato entre as pessoas, mas Jobs não devia se olhar no espelho como ser humano (“Tô cercado de idiotas!”), e tampouco Boyle deve ter seus amiguinhos pra conversar, de igual pra igual. Daí fica fácil perceber como as intenções se casam em mais um filme hiper-cerebral sobre um ícone que não merecia ser reduzido a suas capacidades penianas, no caso de um ator pornô. Steve Jobs não vem do entender os pilares do mundo moderno, e sim incorpora as necessidades existenciais de um cara que não se sente parte deste mundo, e mesmo assim precisa aprimorá-lo já!

Notável é o equilíbrio entre o pessoal, como a treta do gênio com sua filha, e o trabalho onde o gênio sai da lâmpada e faz acontecer, ao custo de perder o amigo, mas a piada, jamais… O filme é leve, ganhando nossa simpatia por esculpir uma selva complexa de forma tranquila e mastigada, tal o superior Margin Call faz com o mercado financeiro. Cosmos intrincados e decifrados numa tela de Cinema; distantes, ainda que avistados por uma lente de aumento onde tudo é de fato mais bonito, só que na ótica de Aaron Sorkin, conhecido por escrever diálogos destruidores no estilo pingue-pongue, a fórmula de mostrar uma personalidade cheia de camadas e mistério funciona no paralelo com a Apple, fundação egocêntrica feito criança que não quer dividir seus brinquedos, mas já começa a cansar, sem aquele frescor de A Rede Social e outros ensejos – aliás, o próprio Sorkin se trai aqui em vários momentos, percebendo que, quando a lógica de suas histórias começa a cansar, pula do exagero para a licença poética como no confronto de ideologias versus emoções, entre Jobs e sua assistente (Kate Winslet, melhor atuação do filme), num corredor abaixo de uma plateia louca por outra de suas épicas palestras.

A figura de Jobs e o interesse que surge dela jamais o sugere ser um computador humano, Steve Hardware, mas vem do que fala, uma dialética que nutre o comportamento de quem vive ao redor de um assumido workaholic, a partir de uma atuação cirurgicamente precisa de Michael Fassbender, ironicamente fora das mãos de seu mentor, Steve McQueen (12 Anos de Escravidão). Na pele do ator, o homem e o gênio sente seu Q.I. em cada batimento daquilo que parece não bater em seu peito humanoide – é nos diálogos que Fassbender nos remete ao Zuckerberg de Jesse Eisenberg, em 2010, na forma seca, introvertida e objetiva que encaram as pessoas como conquistas, e não semelhantes. Um gênio sabe que é um gênio, mas talvez genialidade ande de mãos dadas com a humildade de não admiti-la. Bill Gates, Bob Dylan e Da Vinci não nos atraem pelos seus triunfos, mas pela coragem para erguê-los, no caso, o elixir da megalomania em suas veias. “Estamos aqui para fazer a diferença no universo, se não, porque estamos aqui?”, alegava Jobs. Como diria Carl Sagan: Humildade.

Como diria a Globo: A gente vê por aqui. Um filme que sabe muito o que é, e ainda melhor: O que não pode ser. Boyle consegue nos passar o efeito unidimensional da história (pro bem e pro mal) combinando com o sentimento que temos diante de um potente notebook. Steve Jobs é isso, uma ferramenta para conhecermos os componentes de uma vida de lutas e batalhas em busca de um futuro visado por um homem que, feito Boyle e Sorkin, cineasta e escritor, sabia quem era e o que precisava fazer para chegar lá. São as decorrências do caminho até o “lá”, o El Dorado de Jobs (o reconhecimento (a duras penas) do público) que o filme aborda, e nos conduz de boa adentro dos corredores da Apple, apostando senão no carisma visionário do gênio de calça jeans para impedir o filme de ser frio tal suas invenções. O filme aposta mesmo é no caráter benéfico da tecnologia, como essa pode mudar o mundo, e acerta em cheio nisso, na abordagem direta em honrar a simetria do passado que traçou o amanhã, hoje vivido por todos nós.

Fato é, positivo ou negativo, que a biografia moderna no molde americano já foi definida pelos méritos de A Rede Social, filme fruto de quem é visionário (David Fincher) e não de quem pensa ser (Boyle), o que não é mero detalhe, ok? Steve Jobs não será referência no futuro, mas o criador do iPad merecia um bom filme em torno do que seu nome representa, sugere e fez crescer, cultivando uma era de tecnologia e tal, mas não em torno de sua ambição. Falta a ousadia do cara no filme homônimo de sua vida, os próprios funcionários que trabalharam diretamente com ele eram intimidados pelo Corleone da Apple a cada dia. Talvez é o que faltou, aqui: Um verdadeiro gênio, exigindo o máximo de todos neste bom filme, previsivelmente certinho e correto até mesmo na edição, mas é claro, celebremente aquém das várias frases inspiradoras do crânio.

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