Tag: Alison Brie

  • Crítica | Bela Vingança

    Crítica | Bela Vingança

    Cassandra está cansada de homens tóxicos, todos estamos, até eles estão cansados deles mesmos – como se fosse um comportamento inevitável, algo natural e não construído socialmente. Cassandra não está virando uma Arlequina à toa, mas na verdade, ela está bem distante do estereótipo “bonitinha, mas ordinária”, imortalizado pelo sarcasmo cáustico de Nelson Rodrigues. Ela é uma jovem mulher promissora na vida, mas que traumatizada por circunstâncias passadas, não vai mais aturar abusos de moleques de trinta anos que se acham Homens. Essa “femme fatale” do século XXI está vestida para matar, mas sua sede por vingança a raça masculina torna sua vida vazia, chata, a ponto de precisar continuar na sua “limpeza” para subverter qualquer crise existencial, escondida por detrás de seu rosto de boneca. Cassandra está cansada, mas alguém precisa pagar pelas cicatrizes abertas.

    Indiretamente, Bela Vingança desdobra-se numa autocrítica a uma postura de rivalidade que parece ser infinita, mas muito aos poucos, o que pode causar desconforto aos espectadores mais sensíveis, que amam usar “feminista” como ofensa. Cassandra está mais para a noiva de preto, de François Truffaut, que para a Noiva de amarelo de Quentin Tarantino, uma vez que sua revolta é mais contida e menos glamourizada, revestida mais pelo suspense e o drama, que pela ação e caminhões de sangue. Cassandra também quer sangue, mas a partir de certo momento, sua luta para superar com uma violência cármica suas tragédias, toma outra direção: com o filme revirando a fragilidade do seu psicológico, Cassandra passa a avaliar o seu enorme esforço, sua solidão, sua sanidade mental posta à prova. Não tem graça ser Arlequina. Há de se lembrar do clássico Possuída, com a diva Joan Crawford gritando contra o machismo institucional, presa numa cozinha.

    Mas isso foi lá em 1931, sabendo-se que, na prática, ainda há muito avanço a se conquistar nos mais diversos aspectos da vida de uma mulher. Em Bela Vingança, a cineasta Emerald Fennell entende Cassandra, a empodera quando precisa e a julga quando merece, e transforma o que poderia ser um filme super polêmico, em um estudo de motivação (e desmotivação) de uma amazona, Carey Mulligan, versus o mundo fora de Themiscera. Maior do que nunca, é Mulligan que incorpora a indignação dos abusados com absoluto charme, numa atuação repleta de camadas e uma riqueza de detalhes impressionante, e que na retaliação de quem cruza o seu caminho, confronta os próprios impulsos para sobreviver à vingança necessária, mais forte do que ela. Quanto ao espectador, o conflito também é grande: temos dó, ou raiva de Cassandra? Devemos torcer por ela, ou repreender seus absurdos? Eis um debate que vale demais.

  • Review | Bojack Horseman – 5ª Temporada

    Review | Bojack Horseman – 5ª Temporada

    Quem diria que a série do homem-cavalo iria tão longe? Em seu quinto ano de exibição, Bojack Horseman vem se mostrando um excelente produto voltado ao público adulto. Todas as temporadas até aqui tiveram seus altos e baixos, alguns problemas de ritmo, mas o saldo final sempre é positivo. Aqui não foi diferente.

    Bojack é um personagem que, a todo momento, é destruído e reconstruído. Ele alterna entre o céu e inferno de maneira corriqueira, mas todos os revezes não calejaram nosso protagonista. Pelo contrário, o torna ainda mais vulnerável.

    Após reviver seu infeliz passado com os pais, Bojack será o protagonista de uma nova série que se mostra um grande sucesso. Apesar de ter alavancado novamente sua carreira e estar cercado de admiradores,  o cavalo não se mostra feliz. Seu relacionamento com Gina é morno e um tanto indiferente, apesar de alguns lampejos de amor. Em outro plano, Diane e Sr. Peanutbutter se divorciam. Enquanto Diane tenta se mostrar mais forte, corta o cabelo em sinal de mudança e adota uma postura mais forte e feminista, o cachorro começa a namorar mas não rejeita seus sentimentos pela ex-esposa.

    Um ponto interessante é a amizade entre Bojack e Diane. Mesmo que em alguns momentos apareçam brechas para que os dois se envolvam, mesmo que casualmente, isso não acontece. Pelo contrário, Diane dá alguns tapas de realidade do focinho do cavalo e o ajuda nos piores momentos. Hollyhock reaparece e será crucial para que Bojack entenda o quão fundo ele chegou no vício por calmantes. Sim, esta é a droga da vez. Pobre Bojack…

    Tive a impressão de que esta foi a temporada que menos deu vontade de assistir. Não pela ausência de qualidade, mas pelo fator entretenimento. E não entendam errado, a questão aqui não é se divertir com a desgraça alheia, mas apenas ficar preso em acompanhar cada episódio. Apesar de manter a qualidade, dá a impressão de que a série começou a se desgastar, e talvez uma extensão demasiada não seja uma boa ideia.

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  • Crítica | Artista do Desastre

    Crítica | Artista do Desastre

    Era uma vez Tommy Wiseau, um sujeito bem peculiar, sotaque diferente e fortuna de origem desconhecida. Fazia aulas de atuação nos Estados Unidos, e foi aí que sua vida se cruzou com outro aspirante a ator: Greg Sestero. Os dois cultivaram uma amizade forte, porém estranha, visto que Tommy se negava a conversar sobre sua própria vida (origem, idade etc). O tempo foi passando, os dois tentaram a sorte em Los Angeles mas sem grandes resultados. Desta forma, obstinado por seu grande sonho, Tommy resolve fazer ele mesmo um filme. O resultado foi o bizarro The Room, considerado um dos piores filmes já feitos.

    Os bastidores de The Room e a relação entre Wiseau e Sestero foram relatados por este no livro The Disaster Artist. A falta de talento e noção do realizador, aliado a diversos outros fatores, resultaram na atrocidade cinematográfica chamada The Room, mas rendeu belas histórias. A partir do livro, temos o filme Artista do Desastre, onde James Franco é o diretor e interpreta Wiseau.

    Logo de cara, temos que destacar a atuação de Franco. Ele conseguiu, de forma surpreendente, incorporar os trejeitos, sotaque, personalidade e o timbre da voz do realizador. Até a aparência física se aproxima com o ser humano original. O resultado é uma atuação excelente e muito divertida.

    Vários atores estão bem parecidos com os reais. Além do próprio Franco, podemos destacar Dave Franco, que interpretou Sestero, e Zac Efron, que viveu o traficante Chris-R, personagem do filme. Outros nomes conhecidos interpretaram personagens, como Alison Brie, Seth Rogen e Judd Apatow, enquanto outros aparecem sendo eles mesmos: Bryan Cranston, Kevin Smith, J. J. Abrams e Kristen Bell.

    O filme se apoiou bastante nos relatos do livro, mas também adicionou outros elementos. Houve uma tentativa maior de humanizar o diretor, só que acabou fazendo com que ele duvidasse dele próprio em alguns momentos, algo que destoa bastante do que é mostrado em grande parte do filme. Wiseau é megalomaníaco e tem uma autoconfiança extrema, beirando ao ridículo, e esses momentos de “Será que eu consigo? Será que sou capaz?” não faz jus à personalidade dele.

    O roteiro consegue mostrar bem as decisões erradas do realizador, que vão desde a compra de duas câmeras até a decisão de filmar em sets toscos ao invés de locações externas reais. O ponto mais interessante de Artista do Desastre é o fato de que ele trouxe ao grande público a existência de The Room, sendo que este voltou aos cinemas catorze anos após seu lançamento. Demorou, mas Wiseau finalmente realizou seu grande sonho de ver seu filme sendo passado além daquela única sala em 2003.

    Artista do Desastre é divertido, bem feito e certamente fará com que muitas pessoas corram atrás de The Room. Aliás, o filme será muito melhor aproveitado se você assisti-lo antes. Eles refilmaram diversas cenas, e se você conhecer o filme original, as coisas ficam bem mais interessantes. Não importa em qual ordem você assistirá, confira ambos que vale muito a pena. E por favor, assista à cena pós-créditos.

    https://www.youtube.com/watch?v=UtzsorjuK-o

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  • Review | Bojack Horseman – 4ª Temporada

    Review | Bojack Horseman – 4ª Temporada

    É estranho pensar que uma das séries mais adultas dos últimos tempos é uma animação protagonizada por um homem-cavalo. A ideia parecia esdrúxula, mas felizmente se mostrou algo de muita qualidade e que, na medida do possível, foge do óbvio.

    Se você está lendo este review, provavelmente assistiu às temporadas anteriores, então vamos pular a apresentação dos personagens centrais. Aproveite e leia os reviews da primeira, segunda e terceira temporadas.

    A Netflix vinha mantendo uma boa qualidade da série, apesar de alguns deslizes no ritmo. Esta quarta temporada não foi muito diferente. Temos o Sr. Peanutbutter (Paul F. Tompkins) concorrendo ao cargo de governador da California, mostrando uma campanha bem “atrapalhada”. É a parte menos interessante da temporada, porém teve seu valor em satirizar as campanhas políticas e, principalmente, os eleitores que valorizam coisas bizarras. Todo esse envolvimento na política serviu, de forma inteligente, para desenvolver a relação de Peanutbutter e Diane (Alison Brie).

    Curioso notar que Bojack (Will Arnett) simplesmente não aparece no primeiro episódio, deixando dúvidas se o cavalo perderia o foco nesta temporada. Pelo contrário, tivemos revelações importantes sobre o passado de Horseman.

    O ponto central é a chegada de uma garota chamada Hollyhock (Aparna Nancherla) dizendo ser, talvez, filha de Bojack. Se no início o ex-astro de Horsin’ Around tem a postura babaca e indiferente de sempre, aos poucos ele se vê mudando seus pensamentos e se importando com a garota. O melhor de tudo é o desfecho dessa questão, algo até inusitado, um dos pontos mais fortes dessa temporada.

    Outra questão é o passado familiar de Bojack, especialmente sua mãe (Wendie Malick), que tem uma história pesada. A relação de Bojack com sua mãe terá um espaço importante na história, e a série acertou em abordar certas coisas.

    Em paralelo, Princess Carolyn (Amy Sedaris) parece conseguir um relacionamento sólido depois de muito tempo, e podemos acompanhar as inseguranças e questionamentos de uma mulher mais velha que permanece(ia) solteira. Os personagens da série são muito humanos, mesmo sendo animais antropomorfizados, algo irônico e genial.

    Vale destacar a aparição de algumas vozes conhecidas, como Jessica Biel e Matthew Broderick.

    Bojack Horseman é uma série fácil de recomendar. Se você gostou das temporadas anteriores, não pense duas vezes, assista à quarta. É uma série consistente que já ganhou seu espaço dentre as produções de qualidade da Netflix.

    https://www.youtube.com/watch?v=v9yQv9YWFw4&t=9s

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  • Crítica | Um Homem de Família

    Crítica | Um Homem de Família

    Relações familiares conturbadas não são exatamente um tema novo e original para o cinema. O mesmo pode-se dizer de produções que abordam a rotina workaholic e seus desdobramentos na vida pessoal dos envolvidos. Um Homem de Família (A Family Man) consegue a proeza de unir ambos os temas de maneira previsível, porém com boas reflexões e alguma boa lição em seu desfecho.

    Os primeiros dez minutos de exibição assustam bastante e, provavelmente, farão alguns impacientes abandonarem a sessão. Acontece que, desde P.S. Eu Te Amo, Gerard Butler não protagonizou nada com muito crédito na indústria. Isso sem falar nas detestáveis e esquecíveis comédias românticas como Caçador de Recompensas, ao lado da eterna Rachel Green Jennifer Aniston. Um Homem de Família começa lembrando muito uma comédia pastelão ambientada num ambiente corporativo. Dane, interpretado por Butler, está em uma disputa particular com uma colega de trabalho, aspirando a uma promoção na empresa.

    Felizmente, poucos minutos depois, o núcleo familiar é inserido na trama. Surgem então a esposa de Dane, vivida por uma Gretchen Mol muito bem em cena, e seus dois filhos. A dificuldade do casal em manter uma relação saudável é evidenciada de maneira bastante convincente. É a boa e velha história do “você trabalha demais” versus o “estou ocupado”. A incompatibilidade do casal transborda a relação meramente afetiva e esbarra até mesmo na dinâmica dos dois na cama. A coisa ganha um tom mais sério quando o filho mais velho de Dane, vivido pelo incrível Max Jenkins (Sense8), é a diagnosticado com câncer. O protagonista entra então em uma montanha russa emocional que oscila entre o bom momento no trabalho e a crise familiar gerada pela enfermidade de uma das crianças.

    O roteiro de Bill Dubuque apresenta algumas inconsistências, sobretudo em seu arco inicial. Sobram clichês e faltam elementos que gerem empatia pelo protagonista logo no começo do filme. O espectador só alcança essa identificação com o personagem na metade do arco intermediário. Em contrapartida, a direção de Mark Williams é bem competente. Aliás, em diversos momentos, a sensação transmitida é a de que as soluções de direção salvaram algumas cenas mal concebidas no roteiro.

    Butler desenvolve bem seu personagem. Nos momentos em que o ator precisa entregar seus melhores sentimentos, a experiência funciona. Mas, de uma maneira geral, está longe de alcançar o mesmo timbre cênico do restante do elenco. A comparação com Gretchen Mol é inevitável, já que ambos dividem a maioria das cenas do longa e a atriz simplesmente engole o ator em todas as oportunidades de diálogo entre os dois.

    Um Homem de Família é uma boa escolha para assistir despretensiosamente e sem esperar algo como o cinema arte. Numa breve somatória de fatores, a balança pende mais para um lado positivo. A história em si não traz novidades, mas talvez seja uma daquelas temáticas que, de tempos em tempos, precisam ser revisitadas e expostas na tela grande.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

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  • Review | Bojack Horseman – 3ª Temporada

    Review | Bojack Horseman – 3ª Temporada

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    O filme Secretariat foi um grande sucesso, e Bojack retorna aos holofotes. Convites para novos filmes e séries aparecem, a mídia volta a falar dele… mas o cavalo continua vazio. O que Bojack procura?

    A terceira temporada mostra uma aparente transição na vida do cavalo. Na primeira, vimos um ator tentando vencer a enorme montanha do ostracismo – e conseguiu. Na segunda, Bojack estava em dúvidas sobre o que queria fazer de sua vida, e de certa forma conseguiu entrar nos trilhos para isso. Notem que não há certeza de nada. Bojack é o tipo de pessoa que se perde em si mesmo, tem personalidade autodestrutiva e acaba voltando pro buraco. E, cada vez mais, o personagem vai sendo dilacerado, dando um tom extremamente melancólico à série.

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    Não houve mudanças no formato narrativo, o tipo de humor continua, temas pesados aparecendo e as toneladas de referências em segundo plano estão mais fortes do que nunca. Aliás, nesta temporada houve um pequeno excesso dessas referências, nada que comprometa a qualidade, mas que poderá saturar em alguns poucos momentos. Talvez a quantidade de referências nem tenha aumentado, o problema é que já vimos isso em outras duas temporadas. De qualquer forma, na grande maioria dos casos, tais referências são bem utilizadas, às vezes surpreendem pelo cuidado que tiveram em colocar elementos que passarão batidos pela maioria dos espectadores (seja pela referência sutil ou simplesmente por estarem no fundo do cenário em local pouco visível).

    Talvez esta temporada seja a mais ácida e pesada de todas. Temas como o aborto são tratados no limite do sarcasmo, e de forma até corajosa, soando agressiva quase no limite do mau gosto. É algo a ser aplaudido, a série consegue fazer isso muito bem. O ritmo se mantém em todos os episódios, diferente da temporada passada, que na primeira metade foi um pouco travada.

    Um episódio em especial chama a atenção por ser 99% sem falas. As situações psicodélicas e bem intimistas, além de surpreenderem pela qualidade narrativa com excelente utilização dos cenários e linguagem corporal, acabam tirando sarro de si mesmas ao final, dando uma quebra interessantíssima. Foi o episódio mais criativo de toda a série até o momento.

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    O elenco principal de vozes continua o mesmo: Will Arnett, Amy Sedaris, Alison Brie, Paul F. Thompkins e Aaron Paul. Vale elogiar novamente a dublagem brasileira, que manteve quase todas as vozes das temporadas anteriores e trouxe uma qualidade grande nas atuações e adaptações de termos e piadas, mais uma vez não poupando palavrões e termos chulos.

    Bojack Horseman está conseguindo manter a boa qualidade ao longo das temporadas. O cavalo tem comportamentos imprevisíveis que causa muita curiosidade: aonde ele vai parar agindo assim? O final deixou espaço para uma nova temporada, e, pelo andar da carruagem, ainda tem muito material para desenvolver o personagem. Parabéns à Netflix por manter a qualidade.

    https://www.youtube.com/watch?v=VESKjoxAmZg

  • Um Último Estudo Sobre Community

    Um Último Estudo Sobre Community

    communitySituada em Greendale, em uma faculdade comunitária fictícia em um lugar fantasioso, o seriado de Dan Harmon buscava explorar os meandros e intimidade dos arquétipos que costumam habitar o campus desse tipo de instituição de ensino estadunidense. Uma das dificuldades com o público brasileiro seria traçar um paralelo com alguma instituição semelhante no país, e é para causar no público uma sensação mínima de pertencimento aquele mundo, é que é apresentado o personagem Jeff Winger (Joel McHale), um homem cuja carreira fracassada de advogado o deixou com poucas opções de sustento, em virtude da recusa de seu diploma, Jeff então retorna a universidade, e usa sua lábia para formar um grupo de estudos, tornando-se uma espécie de tutor dos estranhos alunos que se reúnem em volta de si.

    Com o andar dos fatos, o personagem, de caráter dúbio encontra a bela Britta Perry (Gillian Jacobs), e a partir daí finge ser um especialista na língua espanhola, unicamente para ter a chance de se aproximar dela. Com um comportamento que aparente boas intenções, ele já tem sua retribuição ainda no piloto, quando é encarregado de cuidar de um grupo completamente heterogêneo, que aos poucos se apresentam a ele como um bando de fracassados sem o mínimo respeito próprio.

    Greendale é na verdade um subúrbio fictício de Denver, um lugar tão fajuto quanto seu conjunto de personagens. Os que orbitam Jeff são Pierce Hawthorne (Chevy Chase), um senhor já idoso, cuja sabedoria irrelevante o faz um mentor politicamente incorreto para Jeff, o cinéfilo muçulmano Abed Nadir (Danny Pudi), a mãe divorciada Shirley Bennett (Yvette Nicole Brown), o ex-esportista  Troy Barnes (Donald Glover) e sua antiga colega de classe da  escola Annie Edison (Alison Brie). A convivência com pessoas tão diversas, que tem em comum uma auto-estima baixíssima faz Winger se mostrar ainda mais ácido em seu humor, sem preocupações maiores com a moral alheia ou com qualquer coisa que não envolva seu narcisismo latente.

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    O conjunto de personagens aumenta, ao verificar o corpo docente, formato por Señor Ben Chang (Ken Jeong), um asiático que vive papel semelhante ao que apresentaria na trilogia Se Beber Não Case, além do professor de psicologia Ian Duncan (John Oliver) e o afetado Reitor Pelton (Jim Rash). O primeiro ano serve basicamente para estabelecer a rotina e carisma entre os personagens, com tramas enlouquecidas onde a futilidade escolar predomina sobre tudo, criando universos dentro de universos, que emulam situações  que referenciam a cultura pop, especialmente nas falas de Abed e nos episódios onde a Máfia de Bons Companheiros é “refilmada”, através do tráfico de influência causado pelo ilegal comércio de frangos fritos, espalhados pelo campus. As brincadeiras alegóricas se tornariam um paradigma no seriado.

    A tradição mais comum ao seriado seria os episódios de paintball, onde o reitor permite que um campeonato ocorra, com direito a exclusão de qualquer aula ou atividade, onde todos são postos em um campo de guerra, com mais menções a filmes e seriados famosos, desde os clássicos de zumbi de George A. Romero, Warriors : Selvagens da Noite e Duro de Matar. No vigésimo terceiro episódio, inaugura-se a tradição, além de ser este o momento em que finalmente a tensão sexual entre os protagonistas é finalmente cooptada, para, claro, não resolvida em apenas uma relação.

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    As semelhanças entre Community e Arrested Development são muitas, desde a mania de se auto-referenciar, a necessidade de saber-se minimente o idioma estadunidense, graças aos muitos trocadilhos locais, até a régia feita por muitos diretores em comum, entre eles os irmãos Russo, responsáveis por realizar Capitão América 2, fato que fez abarcar alguns membros do elenco do seriado de Hurwitz. A diferença fundamental é que em Arrested, a empatia ao drama de Michael Bluth torna-se automática, pelo fato dos expectadores necessariamente terem famílias, talvez não tão psicóticas quanto os Bluth, mas com semelhanças atrozes, certamente. Já Community brinca com um nicho, de um cenário mundano, mas que é preciso ter abarcado em uma instituição de ensino ao menos semelhante ao limitado campo hipotético das universidades de baixo respeito. A verossimilhança na exploração dos estereótipos é perfeita, o que faz com que qualquer seja automática.

    A segunda temporada começa amarrando as relações malfadadas do ano anterior, claro, sem levar nenhuma delas a sério, já que todas são descartadas assim que se é permitido. A sacação de terminar cada meio de temporada com um período letivo fez com que as dois primeiros anos tivessem uma maior coesão, ainda permitindo alguns bons episódios temáticos, como a imitação de infecção zumbi vista no Halloween, que garante uma interação curiosa entre Chang e Shirley.

    Um dos factoides que mais gerou eventos foi o gradativo afastamento de Pierce do grupo, Primeiro, entregando o segredo bastardo de Shirley, agravado após estragar uma peça anti-drogas, ao fazer crianças agirem em apologia ao uso de maconha, culminando no extremo bullying com um personagem acessório, em um jogo de RPG. Se a primeira temporada serviu para mostrar o grupo se descobrindo como comunidade, apoiando-se mutuamente, a segunda serviu para discutir isto o tempo todo, usando o mais errático e politicamente execrável para exibir o quão frágil é a unidade dos estudantes, assim como é fraca a mente do ancião, que sofre graves problemas de auto-rejeição, o que influi diretamente na sensação de ser sempre rejeitado por todos, mesmo quando não o é.

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    A falta de docilidade do espírito humano, além da propensão ao auto ódio e a tragédia fazem de Community uma série única, e a mostra mais chamativa disto é exibido no terceiro ano, com um paralelo feito com o Reitor Pelton, que ao ter de realizar um novo comercial para a universidade, começa a ter sonhos de grandeza, exibindo todos os seus sonhos orgulhosos, embaralhados com toda a sua dificuldade de lidar consigo e com outros humanos. Dean Pelton faz ás vezes de Kubrick, preso 12 horas em uma mesma cena, além de usar de modo óbvio as cores e fantasias de Apocalipse Now, além de fazer do documentário afora da propagando se assemelhar a Heart of Darkness.

    O caráter de inclusão dentro da faculdade Greendale é tão grande que garante versões diferenciadas de discurso, pondo um crossdresser em um lugar de prestígio e autoridade, na cadeira de reitor, ao mesmo tempo que exibe um personagem grosseiro e preconceituoso, garantindo voz a ambos, mostrando que o mundo particular, encerrado nos corredores do campus é semelhante ao mundo externo, ainda que neste, o casos instaurado seja puramente metafórico em Community, além de não excluir estereótipos.

    A terceira temporada acaba bem, contando episódios memoráveis, especialmente os que envolvem o Dreamatory e as passagens do ofício de psicologia de Britta. A quantidade exorbitante de mudanças, como a ascensão de Señor Chang ao vilão principal da série, o aumento de comentários metalinguísticos e a possibilidade de finalmente alguém do elenco fixo sair, através do anúncio da ida de Troy para a faculdade de trabalhadores do ar-condicionado. A atenção do público estava tão bem postada nas palavras de Dan Harmon que quase não se notou que o especial de paintball não ocorreu, talvez tenha sido um protesto do showrunner, que acabava de saber que seria dispensado de sua função. O roteirista tratou de fechar a maioria das pontas soltas, arrumando um final para o programa, mesmo com a renovação para mais uma temporada.

    O quarto ano começava sem o criador da série, parodiando a questão que agitava os bastidores de Community, apresentando a Abed TV, onde uma sitcom com claquetes de risos era executada, ao modo e estilo do cinéfilo árabe, mostrando até um Pierce Hawthorne alternativo, já que Chevy Chase se envolveu em brigas com os produtores, especialmente Harmon, tornando através do twitter a questão pública. No entanto, o que se percebe e é um grave problema com os roteiros, sem a supervisão do autor primordial. O medo das mudanças foi inserido como plot, ainda que de uma forma bastante confusa e trabalhada de forma porca.

    O receio de cancelamento aumentou, sendo esta a primeira temporada com apenas 13 episódios finalizados. Apesar de conter alguns momentos, como a exploração do passado entrelaçado dos sete estudantes, o quarto ano é quase todo dispensável, sem inspiração e fraco em essência, com momentos bobos como a Changnésia, que fazia Ben Chang fingir que tinha perdido a memória, unicamente para unir ele com seus algozes, em uma brega confraternização. Jeffrey concluiria seu curso, e em meio das festividades, seria dado um “novo fim” a série, que teria mais uma chance dentro da NBC.

    Dan Harmon voltaria a assinar a produção executiva, retirando o personagem de Pierce, já que Chevy Chase havia tido uma briga pública com ele. O começo do quinto e possivelmente – novamente – último ano começaria  melancólico, com fotografia soturna e iluminação bastante nula. Jeff fracassou ao tentar trabalhar como advogado. Ávido por reencontrar seus amigos, ele retorna ao campus, para perceber que seus ex-colegas também tem problemas enormes para seguir suas vidas. O azar que acometeu os alunos, flagrou também a escola, que faliu, mesmo com os esforços do reitor. Os remanescentes do elenco principal tentam resgatar a dignidade da universidade, fazendo uma analogia com o esforço dos fãs em manter Community no ar, e os estereótipos se invertem, com Jeff tornando-se professor de direito.

    O retorno de Harmon trouxe de volta também a multiplicidade de episódios temáticos, que parodiam programas de tv e filmes, com destaque para o pujante momento em que faz-se alegoria para os filmes de crime de David Fincher, investigando-se um temível vilão que lança moedas sobre os cofrinhos alheios e que jamais teve sua identidade revelada, como em Zodíaco. Plots esquecido no terceiro ano, como o retorno a vida de Costeleta, além da saída em definitivo de Troy, que parte em viagem após o anúncio da morte de Pierce, que sepulta de uma vez a participação de Chevy Chase no show televisivo. O retorno de Duncan também é um ponto indicado pelo showrunner, que ainda introduziu o veterano professor Hickey (Jonathan Banks), um idoso ranzinza que serve como substituto para a vaga de Hawthorne, ainda que seus disparates tenham mais a ver com o fato de ser incompreendido enquanto artista do que puramente politicamente incorreto. Estes, junto a Chang – que passa a dar aulas de matemática, assumindo seu papel de estereotipo racial – formam o comitê que visa salvar Greendale do fechamento.

    Após mais um episódio alucinatório, em que Jeff tem ilusões com um desenho do GIJOE, em uma clara fuga para a infância, a universidade corre o risco de fechar, o que gera a abertura de velhas feridas. O fato de o Subway – novamente patrocinador – comprar o espaço da faculdade faz com que o grupo de salvação se divida. Com medo, Jeff retornar ao seu romance malfadado com Britta, relembrando seu primeiro objetivo e pedindo finalmente sua mão em casamento, para que algum vínculo daqueles cinco anos perdure.

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    A Yahoo salvou – outra vez – a série do cancelamento, municiando Dan Harmon de condições de mais uma vez usar a metalinguagem para abrilhantar seu roteiro, agora com a saída de Yvette Nicole Brown e sua Shirley, que foi cuidar de seu pai doente, e que tem uma ótima despedida. Para o seu lugar, foi encarregada uma nova responsável pelo grupo de resgate a Greendale, Francesca “Frankie” Dart (Paget Brewster), que a no princípio entra em conflitos imbecis com os protagonistas, mas aos poucos consegue conciliar sua rotina apolínea à loucura dos remanescentes.

    É curioso como mesmo a saída dos personagens centrais é bem encaixada na trama, já que é um aspecto comum a vida de universitário, onde amizades intimas são construídas e descontinuadas em virtude das rotinas completamente diferentes. Os sub-plots e tramas prosseguem finitos em si, com pouca influência pragmática com o andamento do seriado, exceto talvez pela ação que envolve o “assumir” da homossexualidade do Reitor, que torna material um fato que antes era oficialmente especulado, mas que era evidente mesmo para o menos atento observador, ainda que o viés seja de uma perversão atroz, já que segundo o próprio personagem, o termo gay mal começa a defini-lo, unido ainda pelo paralelo da libertação de um pássaro de seu cativeiro, tendo de abrir mão de algo importante para poder voar – no caso do pássaro, seus filhotes que viviam em uma caixa de controle elétrico, e no caso do Reitor, a “saída” do Armário.

    As tramas episódicas seguem a linha de questionar a metalinguagem dos seriados americanos, se preocupando em aprofundar pouco a relação entre as personagens, fugindo talvez de qualquer mensagem nostálgica pelo fim iminente.  Até o retorno ao paradigma do paintball é feito sob uma nova ótica, com Jeff tentando ser proibitivo ao ato já que neste momento é um professor e quer impressionar Frankie, promovendo uma limpeza étnica, a base de um serviço secreto de guerra, cujo desfecho é bastante trágico, ainda que repleto de referências a estupidez clássica do grupo de aventureiros.

    Após treze episódios neste novo formato, o semestre e o seriado como era conhecido era finito, como era previsto desde os primórdios dos roteiros de Dan Harmon. O serie finale também abusa de metalinguagem, imaginando como seria uma sétima temporada da série, com alguns dos participantes da mesa do comitê contando sua versão de como seria a vida a partir dali. Todo o estratagema é basicamente uma desculpa para reafirmar que a tv não se baseia em senso comum ou inteligência, mas sim em lucros e projeções de audiência, e Community nunca se enquadrou em nenhum desses arquétipos. O episódio fake, pré créditos finais alude ao narcisismo de produtores bem remunerados da tv estadunidense, e fecha  de maneira legítima a comédia, fechando Community como esta começou, como uma potente paródia do que ocorre na televisão dos EUA, com o mesmo fim de sua prima gêmea 30 Rock, ainda que sua sobrevida tenha sido ligeiramente maior. O aguardo para as últimas desventuras dos loucos ex-alunos está a cargo de seu criador.

    O apagar das luzes da sala de estudos não poderia ser mais melancólico, mesmo diante do aceno com a possível feitoria do tão sonhado filme, não garantido pelo showrunner, apesar da hashtag #anadamovie ao final do episódio.

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