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  • Crítica | A Última Gargalhada

    Crítica | A Última Gargalhada

    A parcela dos seres humanos que se diverte com a mínima comicidade, seja numa piada, numa cena de filme ou numa fala de uma peça de teatro, é detentora, digamos, de uma espécie de dom. Sim, porque dar boas risadas é fundamental para uma vida saudável; e quão mais fácil para uma pessoa chegar às gargalhadas, mais diretamente ela obtém daí os benefícios mentais e para os sistemas imunológico e hormonal (fica aqui a sugestão de leitura dos trabalhos do prof. Lee Berk sobre o tema). Apenas com senso de humor elástico é possível dar algumas poucas risadas com A Última Gargalhada.

    A ideia do roteiro, escrito e dirigido por Greg Pritikin (Dummy: Um Amor Diferente), até que é boa: a história de um agente de talentos, Al Hart (Chevy Chase), aposentado, que diante do ócio da “vida pós-laboral” se sente compelido a voltar à ativa; e nessa tentativa “redescobre” um antigo agenciado, o humorista Buddy Green (Richard Dreyfuss), o qual apesar de muito talentoso abandonou a carreira muito cedo em busca de outra que o permitisse maior estabilidade para manter sua família. Tanto como drama como comédia, a trama tem um potencial interessante, mas assim como seu personagem central, não consegue realizar esse potencial.

    Além de entregar muito pouco de cômico, o longa também tem enorme furo de linha temporal. A passagem do tempo na história não condiz com o que é narrado, a partir do momento em que os dois saem em turnê. Ainda menos com o percurso feito de carro pelos personagens (o que demandaria muito mais tempo que aquele passado na narrativa). Para completar a falha, o roteiro só “entrega” o drama real da história no seu desfecho. Embora isso seja claramente intencional da parte de Pritikin, aponta para exploração empobrecida da história.

    Para os saudosos de um cômico Chevy Chase de Clube dos Pilantras, Três amigos! ou da trilogia Férias Frustradas, a atuação mediana do ator é (com a licença do trocadilho) frustrante. Já Dreyfuss se destaca no papel de Green. Se há um ponto alto no filme, aliás, é justamente a atuação do novaiorquino, que conta com mais de 120 atuações em sua carreira até aqui, tendo sido agraciado com o Oscar de melhor ator em 1978 por sua interpretação de Elliot Garfield em A Garota do Adeus.

    Se incapaz de fazer um pouco mais pelos telespectadores, A Última Gargalhada é um passatempo válido e faz pensar um pouco sobre abrirmos mão de fazermos o que amamos em função de estabilidade profissional e financeira. Acredito que poucas pessoas gargalhem vendo o filme, mas algumas risadas incidentais podem acontecer. Similarmente ao que a maioria das pessoas vai fazendo com suas vidas até se darem conta e perceberem que é um pouco tarde para ajustes de rumos.

    Texto de autoria de Marcos Pena Júnior.

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  • Um Último Estudo Sobre Community

    Um Último Estudo Sobre Community

    communitySituada em Greendale, em uma faculdade comunitária fictícia em um lugar fantasioso, o seriado de Dan Harmon buscava explorar os meandros e intimidade dos arquétipos que costumam habitar o campus desse tipo de instituição de ensino estadunidense. Uma das dificuldades com o público brasileiro seria traçar um paralelo com alguma instituição semelhante no país, e é para causar no público uma sensação mínima de pertencimento aquele mundo, é que é apresentado o personagem Jeff Winger (Joel McHale), um homem cuja carreira fracassada de advogado o deixou com poucas opções de sustento, em virtude da recusa de seu diploma, Jeff então retorna a universidade, e usa sua lábia para formar um grupo de estudos, tornando-se uma espécie de tutor dos estranhos alunos que se reúnem em volta de si.

    Com o andar dos fatos, o personagem, de caráter dúbio encontra a bela Britta Perry (Gillian Jacobs), e a partir daí finge ser um especialista na língua espanhola, unicamente para ter a chance de se aproximar dela. Com um comportamento que aparente boas intenções, ele já tem sua retribuição ainda no piloto, quando é encarregado de cuidar de um grupo completamente heterogêneo, que aos poucos se apresentam a ele como um bando de fracassados sem o mínimo respeito próprio.

    Greendale é na verdade um subúrbio fictício de Denver, um lugar tão fajuto quanto seu conjunto de personagens. Os que orbitam Jeff são Pierce Hawthorne (Chevy Chase), um senhor já idoso, cuja sabedoria irrelevante o faz um mentor politicamente incorreto para Jeff, o cinéfilo muçulmano Abed Nadir (Danny Pudi), a mãe divorciada Shirley Bennett (Yvette Nicole Brown), o ex-esportista  Troy Barnes (Donald Glover) e sua antiga colega de classe da  escola Annie Edison (Alison Brie). A convivência com pessoas tão diversas, que tem em comum uma auto-estima baixíssima faz Winger se mostrar ainda mais ácido em seu humor, sem preocupações maiores com a moral alheia ou com qualquer coisa que não envolva seu narcisismo latente.

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    O conjunto de personagens aumenta, ao verificar o corpo docente, formato por Señor Ben Chang (Ken Jeong), um asiático que vive papel semelhante ao que apresentaria na trilogia Se Beber Não Case, além do professor de psicologia Ian Duncan (John Oliver) e o afetado Reitor Pelton (Jim Rash). O primeiro ano serve basicamente para estabelecer a rotina e carisma entre os personagens, com tramas enlouquecidas onde a futilidade escolar predomina sobre tudo, criando universos dentro de universos, que emulam situações  que referenciam a cultura pop, especialmente nas falas de Abed e nos episódios onde a Máfia de Bons Companheiros é “refilmada”, através do tráfico de influência causado pelo ilegal comércio de frangos fritos, espalhados pelo campus. As brincadeiras alegóricas se tornariam um paradigma no seriado.

    A tradição mais comum ao seriado seria os episódios de paintball, onde o reitor permite que um campeonato ocorra, com direito a exclusão de qualquer aula ou atividade, onde todos são postos em um campo de guerra, com mais menções a filmes e seriados famosos, desde os clássicos de zumbi de George A. Romero, Warriors : Selvagens da Noite e Duro de Matar. No vigésimo terceiro episódio, inaugura-se a tradição, além de ser este o momento em que finalmente a tensão sexual entre os protagonistas é finalmente cooptada, para, claro, não resolvida em apenas uma relação.

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    As semelhanças entre Community e Arrested Development são muitas, desde a mania de se auto-referenciar, a necessidade de saber-se minimente o idioma estadunidense, graças aos muitos trocadilhos locais, até a régia feita por muitos diretores em comum, entre eles os irmãos Russo, responsáveis por realizar Capitão América 2, fato que fez abarcar alguns membros do elenco do seriado de Hurwitz. A diferença fundamental é que em Arrested, a empatia ao drama de Michael Bluth torna-se automática, pelo fato dos expectadores necessariamente terem famílias, talvez não tão psicóticas quanto os Bluth, mas com semelhanças atrozes, certamente. Já Community brinca com um nicho, de um cenário mundano, mas que é preciso ter abarcado em uma instituição de ensino ao menos semelhante ao limitado campo hipotético das universidades de baixo respeito. A verossimilhança na exploração dos estereótipos é perfeita, o que faz com que qualquer seja automática.

    A segunda temporada começa amarrando as relações malfadadas do ano anterior, claro, sem levar nenhuma delas a sério, já que todas são descartadas assim que se é permitido. A sacação de terminar cada meio de temporada com um período letivo fez com que as dois primeiros anos tivessem uma maior coesão, ainda permitindo alguns bons episódios temáticos, como a imitação de infecção zumbi vista no Halloween, que garante uma interação curiosa entre Chang e Shirley.

    Um dos factoides que mais gerou eventos foi o gradativo afastamento de Pierce do grupo, Primeiro, entregando o segredo bastardo de Shirley, agravado após estragar uma peça anti-drogas, ao fazer crianças agirem em apologia ao uso de maconha, culminando no extremo bullying com um personagem acessório, em um jogo de RPG. Se a primeira temporada serviu para mostrar o grupo se descobrindo como comunidade, apoiando-se mutuamente, a segunda serviu para discutir isto o tempo todo, usando o mais errático e politicamente execrável para exibir o quão frágil é a unidade dos estudantes, assim como é fraca a mente do ancião, que sofre graves problemas de auto-rejeição, o que influi diretamente na sensação de ser sempre rejeitado por todos, mesmo quando não o é.

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    A falta de docilidade do espírito humano, além da propensão ao auto ódio e a tragédia fazem de Community uma série única, e a mostra mais chamativa disto é exibido no terceiro ano, com um paralelo feito com o Reitor Pelton, que ao ter de realizar um novo comercial para a universidade, começa a ter sonhos de grandeza, exibindo todos os seus sonhos orgulhosos, embaralhados com toda a sua dificuldade de lidar consigo e com outros humanos. Dean Pelton faz ás vezes de Kubrick, preso 12 horas em uma mesma cena, além de usar de modo óbvio as cores e fantasias de Apocalipse Now, além de fazer do documentário afora da propagando se assemelhar a Heart of Darkness.

    O caráter de inclusão dentro da faculdade Greendale é tão grande que garante versões diferenciadas de discurso, pondo um crossdresser em um lugar de prestígio e autoridade, na cadeira de reitor, ao mesmo tempo que exibe um personagem grosseiro e preconceituoso, garantindo voz a ambos, mostrando que o mundo particular, encerrado nos corredores do campus é semelhante ao mundo externo, ainda que neste, o casos instaurado seja puramente metafórico em Community, além de não excluir estereótipos.

    A terceira temporada acaba bem, contando episódios memoráveis, especialmente os que envolvem o Dreamatory e as passagens do ofício de psicologia de Britta. A quantidade exorbitante de mudanças, como a ascensão de Señor Chang ao vilão principal da série, o aumento de comentários metalinguísticos e a possibilidade de finalmente alguém do elenco fixo sair, através do anúncio da ida de Troy para a faculdade de trabalhadores do ar-condicionado. A atenção do público estava tão bem postada nas palavras de Dan Harmon que quase não se notou que o especial de paintball não ocorreu, talvez tenha sido um protesto do showrunner, que acabava de saber que seria dispensado de sua função. O roteirista tratou de fechar a maioria das pontas soltas, arrumando um final para o programa, mesmo com a renovação para mais uma temporada.

    O quarto ano começava sem o criador da série, parodiando a questão que agitava os bastidores de Community, apresentando a Abed TV, onde uma sitcom com claquetes de risos era executada, ao modo e estilo do cinéfilo árabe, mostrando até um Pierce Hawthorne alternativo, já que Chevy Chase se envolveu em brigas com os produtores, especialmente Harmon, tornando através do twitter a questão pública. No entanto, o que se percebe e é um grave problema com os roteiros, sem a supervisão do autor primordial. O medo das mudanças foi inserido como plot, ainda que de uma forma bastante confusa e trabalhada de forma porca.

    O receio de cancelamento aumentou, sendo esta a primeira temporada com apenas 13 episódios finalizados. Apesar de conter alguns momentos, como a exploração do passado entrelaçado dos sete estudantes, o quarto ano é quase todo dispensável, sem inspiração e fraco em essência, com momentos bobos como a Changnésia, que fazia Ben Chang fingir que tinha perdido a memória, unicamente para unir ele com seus algozes, em uma brega confraternização. Jeffrey concluiria seu curso, e em meio das festividades, seria dado um “novo fim” a série, que teria mais uma chance dentro da NBC.

    Dan Harmon voltaria a assinar a produção executiva, retirando o personagem de Pierce, já que Chevy Chase havia tido uma briga pública com ele. O começo do quinto e possivelmente – novamente – último ano começaria  melancólico, com fotografia soturna e iluminação bastante nula. Jeff fracassou ao tentar trabalhar como advogado. Ávido por reencontrar seus amigos, ele retorna ao campus, para perceber que seus ex-colegas também tem problemas enormes para seguir suas vidas. O azar que acometeu os alunos, flagrou também a escola, que faliu, mesmo com os esforços do reitor. Os remanescentes do elenco principal tentam resgatar a dignidade da universidade, fazendo uma analogia com o esforço dos fãs em manter Community no ar, e os estereótipos se invertem, com Jeff tornando-se professor de direito.

    O retorno de Harmon trouxe de volta também a multiplicidade de episódios temáticos, que parodiam programas de tv e filmes, com destaque para o pujante momento em que faz-se alegoria para os filmes de crime de David Fincher, investigando-se um temível vilão que lança moedas sobre os cofrinhos alheios e que jamais teve sua identidade revelada, como em Zodíaco. Plots esquecido no terceiro ano, como o retorno a vida de Costeleta, além da saída em definitivo de Troy, que parte em viagem após o anúncio da morte de Pierce, que sepulta de uma vez a participação de Chevy Chase no show televisivo. O retorno de Duncan também é um ponto indicado pelo showrunner, que ainda introduziu o veterano professor Hickey (Jonathan Banks), um idoso ranzinza que serve como substituto para a vaga de Hawthorne, ainda que seus disparates tenham mais a ver com o fato de ser incompreendido enquanto artista do que puramente politicamente incorreto. Estes, junto a Chang – que passa a dar aulas de matemática, assumindo seu papel de estereotipo racial – formam o comitê que visa salvar Greendale do fechamento.

    Após mais um episódio alucinatório, em que Jeff tem ilusões com um desenho do GIJOE, em uma clara fuga para a infância, a universidade corre o risco de fechar, o que gera a abertura de velhas feridas. O fato de o Subway – novamente patrocinador – comprar o espaço da faculdade faz com que o grupo de salvação se divida. Com medo, Jeff retornar ao seu romance malfadado com Britta, relembrando seu primeiro objetivo e pedindo finalmente sua mão em casamento, para que algum vínculo daqueles cinco anos perdure.

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    A Yahoo salvou – outra vez – a série do cancelamento, municiando Dan Harmon de condições de mais uma vez usar a metalinguagem para abrilhantar seu roteiro, agora com a saída de Yvette Nicole Brown e sua Shirley, que foi cuidar de seu pai doente, e que tem uma ótima despedida. Para o seu lugar, foi encarregada uma nova responsável pelo grupo de resgate a Greendale, Francesca “Frankie” Dart (Paget Brewster), que a no princípio entra em conflitos imbecis com os protagonistas, mas aos poucos consegue conciliar sua rotina apolínea à loucura dos remanescentes.

    É curioso como mesmo a saída dos personagens centrais é bem encaixada na trama, já que é um aspecto comum a vida de universitário, onde amizades intimas são construídas e descontinuadas em virtude das rotinas completamente diferentes. Os sub-plots e tramas prosseguem finitos em si, com pouca influência pragmática com o andamento do seriado, exceto talvez pela ação que envolve o “assumir” da homossexualidade do Reitor, que torna material um fato que antes era oficialmente especulado, mas que era evidente mesmo para o menos atento observador, ainda que o viés seja de uma perversão atroz, já que segundo o próprio personagem, o termo gay mal começa a defini-lo, unido ainda pelo paralelo da libertação de um pássaro de seu cativeiro, tendo de abrir mão de algo importante para poder voar – no caso do pássaro, seus filhotes que viviam em uma caixa de controle elétrico, e no caso do Reitor, a “saída” do Armário.

    As tramas episódicas seguem a linha de questionar a metalinguagem dos seriados americanos, se preocupando em aprofundar pouco a relação entre as personagens, fugindo talvez de qualquer mensagem nostálgica pelo fim iminente.  Até o retorno ao paradigma do paintball é feito sob uma nova ótica, com Jeff tentando ser proibitivo ao ato já que neste momento é um professor e quer impressionar Frankie, promovendo uma limpeza étnica, a base de um serviço secreto de guerra, cujo desfecho é bastante trágico, ainda que repleto de referências a estupidez clássica do grupo de aventureiros.

    Após treze episódios neste novo formato, o semestre e o seriado como era conhecido era finito, como era previsto desde os primórdios dos roteiros de Dan Harmon. O serie finale também abusa de metalinguagem, imaginando como seria uma sétima temporada da série, com alguns dos participantes da mesa do comitê contando sua versão de como seria a vida a partir dali. Todo o estratagema é basicamente uma desculpa para reafirmar que a tv não se baseia em senso comum ou inteligência, mas sim em lucros e projeções de audiência, e Community nunca se enquadrou em nenhum desses arquétipos. O episódio fake, pré créditos finais alude ao narcisismo de produtores bem remunerados da tv estadunidense, e fecha  de maneira legítima a comédia, fechando Community como esta começou, como uma potente paródia do que ocorre na televisão dos EUA, com o mesmo fim de sua prima gêmea 30 Rock, ainda que sua sobrevida tenha sido ligeiramente maior. O aguardo para as últimas desventuras dos loucos ex-alunos está a cargo de seu criador.

    O apagar das luzes da sala de estudos não poderia ser mais melancólico, mesmo diante do aceno com a possível feitoria do tão sonhado filme, não garantido pelo showrunner, apesar da hashtag #anadamovie ao final do episódio.

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  • Review | Community

    Review | Community

    communityAntes de qualquer coisa, é fato indiscutível que existem muitos problemas nas produções audiovisuais feitas para a televisão. O principal deles claramente é o uso constante das mesmas fórmulas, subestimando a inteligência do espectador. O meu argumento é o seguinte: esse problema não pode ser associado exclusivamente ao formato ou as fórmulas em si, e sim a maneira como são utilizadas. Quando se coloca o assunto em análise, podemos ver que as fórmulas são produto da observação dos padrões de comportamento dentro de uma determinada classe de pessoas, ou seja, do que existe de comum na interação delas com o ambiente em que vivem.

    Dessa forma as séries de TV contam histórias com as quais muitas pessoas podem se identificar, por incluirem personagens e situações análogas aos que ela vêem, vivenciam ou idealizam em suas próprias vidas. O poder delas está concentrado nesse ponto, como no caso das novelas, pois praticamente todas as pessoas sentem fascínio em ver pedaços de si mesmas dentro de contextos estrangeiros. Mas as novelas são um caso particular. O assunto TV Aberta brasileira está em um patamar diferente, um tanto mais profundo do que uma simples questão de qualidade. Nesse argumento, quero falar sobre o conteúdo da TV Paga.

    O cenário é lastimável: Reality Shows se proliferaram e as séries de ficção estão em baixa. Os formatos mais batidos e aparentemente mais lucrativos, como os policiais, adolescente-conservadores e comédias de situação absolutamente ultrapassadas e repetitivas inundam toda a grade, produzindo um entretenimento vazio e condicionando o público a ter um senso crítico pobre. Não precisa ser assim, e nem sempre é assim. Em uma comédia de TV, as situações podem ser apresentadas de maneira inteligente e analisadas racionalmente, levando o espectador a reflexões construtivas sobre si mesmo e a sociedade em que vive. Tudo depende da construção dos personagens e da qualidade do roteiro. Um dos pontos mais importantes é o bom humor, e acima de tudo, saber fazer comédia com qualidade. O que a maioria das pessoas procura em programas da TV geralmente é o escape, algo que as faça relaxar e se libertar da tensão da rotina. Isso não quer dizer que elas procurem por entretenimento vazio, estúpido e sem significado. Eu pessoalmente só vejo qualidade no humor que desafia, quebra parâmetros e/ou distorce valores morais em prol da liberdade do pensamento. Temos muitos exemplos de grandes mentes no stand-up comedy, como George Carlin, Bill Hicks e o próprio Woody Allen, que conseguiu expressar mesmo na linguagem do Cinema o seu peculiar senso de humor cotidiano. É dentro dessa vertente que chego à recomendação que quero fazer ao meu caro leitor.

    Community – A Salvação

    Metalinguagem. Metahumor. Algo como “piadas sobre piadas”, ou o sarro tirado às próprias custas. Essa é a estratégia principal de Community, uma proposta honesta baseada no princípio de que nós não precisamos ser anestesiados, e sim incitados. Eu não vou fazer sinopse ou resenha sobre a série, porque considero bem melhor a forma como ela própria se apresenta ao espectador. Eu não preciso dizer que envolve um grupo de pessoas muito diferentes entre si que interagem em um contexto comum. Clássico. O seu principal diferencial está em um dos personagens: Abed Nadir. Abed é um excêntrico palestino-americano viciado em cultura pop que serve como uma conexão entre o público e os personagens. Em vez de “derrubar a quarta parede”, ele simplesmente abre uma “janela” para o espectador ao fazer constantes análises dos acontecimentos ao seu redor como se a sua “realidade” de fato fizesse parte de um seriado da TV, permitindo assim que possamos estar perfeitamente cientes das mensagens e ideias que serão transmitidas em cada episódio. Em referência a Platão, pode-se comparar o universo da série ao conceito do Mundo das Ideias: uma análise idealizada da realidade em contextos sociais e das características recorrentes de um mundo concreto.

    A série também evita cair na mesmice experimentando continuamente com diversos formatos através de paródias em investidas ousadas e inusitadas. A rapidez, acidez e sofisticação do humor no roteiro permitem que o politicamente incorreto e o contra-cultural tenham o seu devido espaço, promovendo o desvirtuamento de conceitos conservadores, uma das mais valiosas ferramentas para se exercitar a consciência de mundo e fugir do condicionamento geral por parte da propaganda que reina em toda a grande mídia. Não se deixe enganar: é sim possível rir e refletir ao mesmo tempo. Community está aí para quem quiser experimentar, e mesmo aqueles que não costumam assistir seriados podem abrir essa exceção.

    Texto de autoria de Thiago Debiazi.