Velozes e Furiosos 9 tem seu início em 1989, com o patriarca dos Toretto, Jack, correndo em um circuito da Nascar e sofrendo um trágico acidente sob o olhar atônito dos dois filhos. Esse preâmbulo serve para estabelecer que o Dominic Don Toretto de Vin Diesel tem uma ligação emocional com os carros, e ainda introduz Jakob, seu irmão, vivido quando adulto por John Cena, como o novo antagonista.
Justin Lin retorna a direção e como é visto na introdução esse seria um filme mais dramático que os anteriores. Um dos fatores curiosos da série de filmes era sua capacidade de rir de si mesmo, além de introduzir piadas e memes do público em sua própria história. Fato é que a franquia tinha em seu elenco atores medíocres que repetiam clichês de família para tudo, boas cenas de ação e de carros em velocidade, e invariavelmente se vendia como um filme de assalto ou de conspirações com governos envolvendo carros. Não havia muita preocupação dramática. Muita ação, frases de efeito e diversão, contudo quando a jornada se leva a sério demais, mesmo os defensores mais ardorosos penam na tentativa de justificar toda essa movimentação.
A fórmula claramente se desgastou, o que sobra é a sensação de que a corda esticou demais. Nem os absurdos e momentos impossíveis funcionam, some-se a isso os adiamentos causados por uma pandemia que matou milhões, e o impacto desse filme beira a zero, nem mesmo o choque de uma revelação familiar dos Toretto quebra essa sensação.
O filme chegou a ser exibido em grandes festivais, como em Cannes, e teve lançamento de dois cortes, inclusive com uma versão do diretor (com míseros quatro minutos a mais e pouco muda o espírito da obra), fora isso, há conveniências difíceis de engolir, como o retorno de um terceiro irmão Toretto, nunca mencionado. O longa não se contenta em ser um projeto de prequel, como também faz retcons.
Outra questão foram as brigas das estrelas e a bifurcação do elenco da saga Velozes e Furiosos, com Vin Diesel e Dwayne Johnson não trabalhando juntos dentro desta franquia. Se Hobbs & Shaw é legal, mesmo sem uma bilheteria vultuosa, esse não conseguiu quase nada, foi prejudicado em arrecadação por conta do novo coronavírus e não acerta no quesito escapismo. Parece de fato que algo foi perdido e o apelo a personagens antigos já não é mais o mesmo.
O longa tem sacadas, ainda que esparsas e meio perdidas no roteiro, como a indagação de um dos personagens ao fato deles terem tantos feitos impossíveis sem nenhuma cicatriz ou perda significativa seja para atrapalhar suas vidas ou como lembranças, mas quando essa sentença é dita pelo ator mais canastrão do elenco, Tyrese Gibson, perde força. A realidade é que mais do que antes, não há nenhum temor pelo destino dos aventureiros.
Ao terminar de ver Velozes e Furiosos 9 a impressão que fica é que a saga já se esgotou, e que uma trama tão pretensamente adulta que envolve rivalidade entre irmão e até insinuações de parricídio, não deveria se levar tão a sério ou deveria ser introduzido de outra forma. Não após quase duas décadas de duração e dez filmes contando spin offs. É pouco, e nem os retornos forçados do filme compensam suas fragilidades.
A comedia de Jonathan Levine começa subvertendo expectativas, em uma reunião de supremacistas brancos, onde Fred Flarsky (Seth Rogen) é apresentado como novato do grupo, ainda que isso soe estranho, pois o seu interprete tem origem judaica e ele próprio também é. Fred é na verdade um jornalista,que se infiltra para conseguir uma matéria, que poderia lhe render uma boa repercussão. Ele é idealista e pede demissão ao perceber que seu novo empregador é um sujeito sujo, ao menos, ao seu ver.
A outra face de Casal Improvável é Charlotte Field, a mais nova secretária de Estado da historia, que é conhecida por ser tão bonita e competente, que as pessoas a chamam de gostosa sem cerimônia e sem ter receio em soar sexistas. A personagem de Charlize Theron busca apoio do Presidente Chambers (Bob Odenkirk) para uma possível candidatura a presidência. O que não se sabe, é que ambos já se conhecem, desde a infância, e inesperadamente se reencontram, em uma festa, e ela o chama para trabalhar na área de comunicação.
Os acontecimentos posteriores a contratação de Fred são hilários. O homem é contratado por ser engraçado, por ter um senso de justiça grande e coragem para falar o que pensa custe o que custar, mas também não sabe se vestir ou se portar em eventos profissionais e formais, e é obvio que isso causa rebuliços. A maneira como a comédia romântica lida com as diferenças entre os dois personagens principais é bem graciosa, assim como o choque de realidades pelos quais eles passam, e por mais que pareça improvável, eles tem química juntos, mesmo sendo pessoas distintas e bem diferentes.
Não há muita ambição no filme, o sub-texto é bem óbvio, lamenta o quanto a política dos Estados Unidos é movida por hipocrisia e por grandes conglomerados, mostra críticas ao modo como os poderosos movem as cartas marcadas e como as autoridades são alienadas e não se importam com os desejos e anseios do povo, ao mesmo tempo que mostra os protagonistas como pessoas bem humanizadas, que utilizam drogas, que vivem suas vidas com ambições pequenas como poder se divertir ou dar vazão a um amor novo. Não há nada muito grandioso, ou que fuja do trivial, por mais que o pano de fundo seja uma possível disputa presidencial, e envolva incidentes internacionais.
Toda a discussão sobre maturidade, sucesso, fracasso e sobre ceder é bem fraca, rasa e maniqueísta, e é uma pena que Casal Improvável termine tão convencional, com um discurso conveniente e bem fácil, mas que não consegue tornar o humor escrachado do começo do filme.
The Orville é uma série produzida, idealizada e protagonizada por Seth MacFarlane, criador de Family Guy, American Dad e os filmes Tede Ted 2. Seu drama começa na Terra, em 2418 e acompanha o membro das forças de exploração da União de Planetas Ed Mercer, que encontra sua esposa Kelly (Adrianne Palicki) com um amante. Após esse trauma e um divórcio, ele assume o posto de capitão da Orville, que seria sua última chance de comandar uma nave da federação.
O protagonista assume a vaga um ano depois dos eventos iniciais, e o piloto do show é conduzido por Jon Favreau, que aliás é creditado sempre como consultor, por ter sido ele a inaugurar o estilo de episódios, com pitadas de humor e drama. Os elementos visuais são um bocado feios, em especial no que tange as naves, que parecem bem artificiais e isso é de certa forma justificado pelo ar cômico e (supostamente) de paródia
A insegurança da frota é enorme já que há pouco tempo o capitão passava por um trauma recente, e a situação se agrava quando Kelly assume o posto de número 2, a comandante imediatamente anterior ao capitão, aliás, é deixado claro que ela por culpa, usa sua influência para promover Ed, que mesmo com os defeitos, se mostra um bom mandante de tripulação. Tudo faz lembrar Jornada nas Estrelas, figurinos, uso de alienígenas com poucas diferenças físicas com humanos comuns, figurinos. A diferença básica é o uso de algumas raças como alívio cômico, entre elas os Moclan, com o tenente comandante Bortus (Peter Macon), e Gelatin, que tem em Yaphit (Norm MacDonald) um alienígena gosmento e gelatinoso, um membro da engenharia. A evolução dos dois os faz serem levados a sério, e muito, mas sua introdução é basicamente para fazer rir.
Para os fãs de Star Trek há uma bela piscadela, a função de médica fica para Claire Finn, interpretada por Penny Johnson Jerald que em Deep Space9 faz Kasidy Yates, uma personagem importante e recorrente. Seu papel aqui é carismático e divertido, aliás outros tantos que participaram das fases dos anos oitenta e noventa de Jornada, Brannon Braga dirige 4 dos onze episódios, Jonathan Frakes também capitaneia um episódio (aliás, num dos melhores dramas). Com ela, há uma aproximação da inteligência artificial Kayloniana Isaac, uma espécie conhecida por ser racista e que está na nave para estudar as raças biológicas menos evoluídos.
Esses conceitos são muito bem explorados, e são apresentados de maneira parcimoniosa, lida com questões envolvendo sexismo, vaidade de autoridades, ritos de raça alienígenas, desdém da raça humana mostrando que não são o topo da cadeira alimentar, além de ter uma trilha sonora hiper otimista, capturando um clima de aventura bem escapista.
Por mais que os roteiros sejam mais sérios, e MacFarlane seja um capitão mais contido, ele não consegue segurar suas tiradas irônicas, e nelas, ele acerta demais como ator, contrariando a pecha negativa que ficou após Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola, aliás, boa parte de seus amigos dos filmes que ele dirigiu aparecem brevemente, como Charlize Theron, Liam Neeson, e outros como Robert Picardo, o Doutor de Voyager, que faz o pai da carismática Alara Kitan (Halston Sage). Como não há anos de cronologia atrelados a Orville, a série pode brincar com episódios procedurais e monstros da semana, tal qual Jornada nas Estrelas A Série Clássica e seus derivados. Essa liberdade não ocorreu tão bem quanto Star Trek Discovery, mas é certo afirmar que essa primeira temporada de Orville é melhor pensada que a criada por Bryan Fuller.
Visualmente a série se vale demais de belíssimas maquiagens e efeitos práticos, típicos das series sci-fi da TV do entorno de 1990, ainda que atualizados, mas certamente seu diferencial são os roteiros, em Majority Rule (sétimo capítulo), onde a nave passa por um planeta de humanoides, que não tem capacidade de explorar o espaço e que tem por costume julgamentos populares onde todos tem o mesmo peso de voto, onde as pessoas condenáveis tem suas penas escolhidas em reality shows. Sem soar ofensivo, o programa fala bem sobre o julgamento sumario típico de redes sociais, sem utilizar chavões fáceis como anti lacração. A confusão feita pela população entre o conceito de opinião e conhecimento tem o mesmo espírito do longa de comédia Idiocracia, por discutir o senso comum com inteligência
É engraçado como o roteiro sempre se utiliza da aparência humana padrão para representar sociedades alienígenas, por motivos simples: é bem mais fácil fazer outros povos assim, e obviamente mais barato, unindo a isso o fato de que não é impossível que em uma galáxia infinita tenham povos tão parecidos. O outro aceno é que isso casa bem com o visto em Star Trek – TOS, que fazia isso obviamente por questões orçamentárias, e com as piores justificativas possíveis.
Há pequenos conceitos bem legais, como o advento da criação de matéria que tornou o dinheiro um artificio inútil, as pessoas se medem por reputação nesse momento, há também um charme na tentativa de replicar a métrica de series antigas de ficção, com ênfase claro em Star Trek/Jornada nas Estrelas, até no que tange a química do casal de protagonistas, que não ficam juntos exatamente por serem diferentes, independente da química deste casal, e isso é retomado entre Kelly e Ed, mas há de se lembrar que esse é apenas um dos aspectos explorados nesse ano.
The Orville tem argumentos bem maduros, em especial quando se dedica a discutir religiões. Há muito respeito por crenças comuns aos nossos dias e os paralelos são de extremo bom gosto e requinte, ao mesmo tempo em que a série reseta as possibilidades românticas mais óbvias, há também um alvorecer de novas civilizações, e explorar isso certamente é uma boa ideia, tudo a ver com o que Gene Ronddenberry pensou em sua franquia, e da forma como McFarlane faz é realmente muito bonito, singelo e reverencial.
Diablo Cody é a escritora que surgiu em 2007 com Juno, uma comédia que enganou muita gente (e outras, nem tanto) e de cara descolou um Oscar, respeito da indústria de conteúdo e comparações precipitadas com o talento de Woody Allen (?!). Cody é uma farsa, e o mesmo talvez possa ser dito de Jason Reitman nessa altura do campeonato. O roteirista adora analisar o cotidiano da classe média americana, os prós e contras de gente normal, sem nunca sair da sua zona de conforto ou conseguir extrair algo verdadeiramente interessante fora do banal que Reitman e Cody tanto gostam de se alojar, fingindo que o investigam assim (“Você é chata, sua casa é chata, mas isso é incrível pra caramba!”, confessa a certa altura uma personagem, aqui.)
O problema é que tanto cineasta, quanto roteirista, não conseguem jogar brilho no mundo real que se debruçam sem pedir licença para contar histórias desde a comédia indie que deu tão certo nas suas carreiras, há mais de dez anos. Tully parece uma releitura contemporânea de algum roteiro ou sinopse perdida dum filme de John Cassavetes que o mesmo esnobou, e Reitman resgatou, assumindo a peleja de contar com personagens iguais você, e eu, para emblemar seu projeto de Cinema tão centrado na completa e nua informalidade das relações pessoais americanas – e que acabam sendo, em partes, ocidentais por excelência.
Na trama, Marlo (Charlize Theron) é o que a personagem de Ellen Page virou quando adulta. De meia-idade, a mulher e seu marido, tão apático quanto os próprios filmes de Reitman, já são pais de dois moleques teimosos e esperam o terceiro com o cansaço de quem sabe os desafios que irá enfrentar – de novo, até que num jantar entre amigos, onde nada de especial pode acontecer, surge a ideia de uma babá para ajudar com a futura tarefa. Tem-se o bebê, e a exaustão que um terceiro filho causa a matriarca (sem apoio do pai bobão e ausente, sendo esse seu quarto filho na verdade) é grande demais para Marlo suportar sem a ajuda de Tully.
Eis a moça novinha, o ingrediente que faltava a normalidade sufocante a uma quase desperate housewife, e que encara tudo como se fosse um playground caseiro, personificando o frescor que a mãe estressada tanto carecia numa rotina já bagunçada o suficiente. Nisso, ao invés de promover um choque entre gerações ou doces lições de companheirismo que ninguém aguenta mais, a empatia que surge pouco a pouco entre a veterana e a novata diverte e faz pensar numa revitalização bacana de Thelma e Louise, bem ritmada e com bom senso de sensibilidade que a trama com certeza precisava para decolar, e mesmo assim não decola.
Reitman trabalha seus bons personagens de forma quase documental, perseguindo-os com a câmera e apostando tudo em nos fazer ouvi-los em excesso para melhor assimilá-los, mesmo sendo personas completamente acessíveis a qualquer um de nós. Típico. Mesmo assim, Tully desdobra-se num filme agradável, em indiscutível, com conflitos reais sobre o preço da passagem do tempo no universo feminino (a cena da corrida na floresta), usando e abusando de uma Theron morna e em piloto automático. A atriz, contudo, está longe de ser uma farsa.
David Leitch sempre foi um operário do cinema, que funcionava normalmente nos bastidores. Dublê, ator e treinador/coreógrafo de luta, seus trabalhos incluem Clube da Luta, Buffy: A Caça-Vampiros e Matrix Reloaded, onde trabalharia com Keanu Reeves e Chad Stahelski, seus parceiros em De Volta Ao Jogo. Leitch co-dirigiu o primeiro filme de John Wick mas não pode ser creditado, e agora, traz à luz seu primeiro longa-metragem realizado de maneira solo, Atômica (baseado na graphic novel de Antony Johnston e Sam Hart), que guarda muitas semelhanças com seu outro filme, ainda que tenha ambições maiores e diferenciadas das de Stahelski.
As primeiras cenas em que a agente da MI6 Lorraine Broughton aparece são de uma beleza estonteante. A intérprete Charlize Theron exibe não só formosura mas também uma entrega corporal e sentimental enorme. A atriz se prepara para prestar um relatório e contar sobre uma missão que executou no ano de 1989, entre a Berlim Oriental e Ocidental, no epicentro da Guerra Fria. Esse início já estabelece tudo o que o espectador precisa saber: o mundo está em guerra não declarada, essa é a era dos espiões e não há possibilidade de confiar cegamente em momento algum, nem para Lorraine, nem para qualquer outro sujeito.
Filmes de ação protagonizados por mulheres não são novidades. O Quinto Elemento e a franquia de seis filmes Resident Evil tinham como chamariz a performance de Milla Jojovich. Zoe Saldana também se tornou uma heroína de ação contumaz, e a própria Charlize havia executado alguns papéis, seja no péssimo Aeon Flux, ou no recente sucesso Mad Max: Estrada da Fúria. No entanto, thrillers de espionagem com personagens femininas não é algo que estamos mais habituados a ver, ainda mais um com caráter tão visceral e violento quanto Atômica. De certa forma, o longa reúne os momentos épicos de John Wick: Um Novo Dia Para Matar e da trilogia Bourne, em especial A Supremacia Bourne, que conseguiu equilibrar bem um subtexto de bastante importância com momentos de ação frenética.
Os personagens são bem desenvolvidos, ainda que muitas dessas participações sejam pequenas. Os personagens de James McAvoy e Sofia Boutella são ótimos exemplos desse desenvolvimento. No entanto, é no apuro visual que mora o maior dos méritos do filme, que traz a luz lutas frenéticas e intensas. Os golpes secos desferidos e recebidos por Lorraine são de uma plasticidade e realidade poucas vezes vistos, mostrando que Leitch tem bastante similaridade com o trabalho de Stahelski, com segmentos tão inspirados quantos os de seu amigo e parceiro.
Todo o alarde ao redor de Atômica prova-se certeiro. O filme é econômico em explorações dramáticas e prossegue grave no que se propõe a discutir, apesar de haver ali claramente uma ideia bastante idealizada do conflito polarizado no fim da Guerra Fria. Theron está impecável na personagem que entrega e a empatia com o espectador é intensa e imediata, visto que sua jornada, apesar de super-heroica, encontra paralelos com problemas universais. Há uma expectativa muito positiva em relação a Deadpool 2 e aos demais trabalhos autorais de Leitch.
A coisa que mais chamou atenção quando o primeiro teaser de Velozes e Furiosos 8 surgiu ao mundo foi o fato de Dominic Toretto, ser, aparentemente, o vilão da nova empreitada. Uma decisão ousada, extremamente arriscada e que perdeu sua originalidade no mesmo dia com a apresentação do teaser do quinto filme dos Transformers, intitulado de O Último Cavaleiro, onde o líder dos autobots, Optimus Prime, também se rebela contra seus amigos. No caso de Toretto, os trailers seguintes só confirmavam o antagonismo do anti herói, atraindo a curiosidade até daqueles que conhecem, mas não são tão fãs da multimilionária franquia.
Há tempos, Velozes e Furiosos deixou de ter como tema principal as corridas de carros “tunados”, equipados com dezenas de contadores, caixas de som e muita, muita velocidade. Saiu o tunning e entrou o gênero de assalto, com as mais diversas e loucas perseguições de carro, o que dá espaço para os produtores fazerem o que bem entendem com a franquia, sem se preocupar muito com o roteiro e com os destinos dos personagens. Afinal, o vilão de outrora é o herói de agora e vice-versa, sendo que a mesma regra vale para personagens mortos ou desaparecidos. Essa loucura desenfreada e permitida pelos executivos faz com que os produtores se espelhem em Missão: Impossível, por exemplo, onde, na verdade, se busca colocar Tom Cruise em alguma cena insana que supere sempre a do filme anterior. Velozes e Furiosos 8 possui 3 dessas cenas e é por isso que divido o filme em três grandes terceiros atos.
Após uma breve introdução para lembrar que a franquia ainda tem a ver com corridas de rua, Dominic Toretto (Vin Diesel) é escalado por Luke Hobbs (Dwayne Johnson) para uma missão super secreta em Berlim, onde sua equipe deveria recuperar um dispositivo de pulso eletromagnético. A equipe composta pelos rostos já conhecidos de Letty (Michelle Rodriguez), Roman (Tyrese Gibson), Tej (Chris “Ludacris” Bridges) e que ganhou a adição de Ramsey (Nathalie Emmanuel), do filme anterior, obtém sucesso na recuperação do artefato, mas logo é traída por Toretto, que foge com o dispositivo. Por conta do ocorrido, Hobbs é detido numa prisão federal de segurança máxima, enquanto o restante da equipe passa a figurar dentre os 10 mais procurados da lista da Interpol. Com essa premissa, o que se vê daqui pra frente é um filme louco, oitentista e que não se preocupa muito com a qualidade em termos de cinema. Aparentemente, a intenção era somente entreter o público e nada mais. Conseguiram.
Ainda que o filme tenha como objetivo trazer cenas de ação megalomaníacas, o roteiro de Chris Morgan (que assina seu sexto Velozes e Furiosos) se preocupa em amarrar a “nova fase” da franquia iniciada no quarto filme com os acontecimentos que culminaram com o final de Velozes e Furiosos 7. Com isso, muito se especulou sobre o que teria feito Toretto mudar de lado e trair sua própria família e a resposta daqueles que se arriscavam a responder era sempre a mesma: ele está sendo chantageado, o que, de fato é até meio óbvio. E ainda bem que o que motiva Toretto a tomar atitudes drásticas é algo que NINGUÉM esperava.
Por conta de tais acontecimentos, se descobre que Toretto está trabalhando com uma ciber terrorista conhecida como Cipher (Charlize Theron) e se Dwayne “The Rock” Johnson já havia trazido fôlego à franquia como a montanha de músculos, ignorância e carisma, conhecida como Hobbs, agora, outro personagem ganha não só espaço, mas também o público: Deckard Shaw, o temido vilão do filme anterior e novamente vivido por Jason Statham, que pode ter cravado seu lugar como personagem fixo. Por serem rivais e se odiarem, Hobbs e Shaw possuem uma dinâmica e uma química interessante em tela que vai muito além das diversas e incessantes provocações que um tem para com o outro, tirando risadas do público em praticamente todos os momentos em que trocam “carícias verbais”. Aliás, esse filme é de longe aquele que possui mais humor. Roman, como sempre, sofre com as piadas dos colegas e o personagem se assemelha mais ainda com o Roman de Mais Velozes e Mais Furiosos, com sua predileção por veículos chamativos. Kurt Russel também retorna como o Sr. Ninguém, trazendo para o time o personagem de Scott Eastwood, carinhosamente apelidado pela equipe de Sr. Ninguenzinho, um agente novato que acha que sabe tudo, mas que não passa de um menino bobo que cheira a fraldas e que sofre muito bullying dos personagens.
No que diz respeito à justa direção, F. Gary Gray, que tem em seu currículo bons filmes, ousa apenas nas principais cenas de ação, apostando sempre naquilo que já deu certo em algum outro lugar. Portanto, será fácil perceber que muitas das cenas já foram vistas em algum outro filme. Outra coisa que fica clara é a dificuldade que o diretor teve de contar a história em locais onde há muita população ou pouco espaço físico, como é o caso das cenas rodadas em Nova Iorque, onde boa parte dos carros da cidade é controlada remotamente por Cipher. Ironicamente, os fracos acontecimentos na metrópole americana preparam o filme para uma grandiosa cena num mar congelado na Islândia. Se você gosta de Mad Max: A Estrada da Fúria, perceberá que Gray, trouxe toda a loucura no deserto de George Miller para o gelo, não poupando gastos e fazendo tudo com efeitos práticos.
Respondendo o que deve ser a maior dúvida de todas, a ausência de Paul Walker não é sentida. Provavelmente, esse é o maior trunfo do filme, o que faz com que o legado do ator seja mantido, mas também, seguindo em frente com a história, dando lugar a novos personagens e permitindo, também, o retorno de outros. Possivelmente, isso também explica as quase inexistentes referências a Brian O’Conner no filme.
De fato, Velozes e Furiosos 8 aposta na vitória jogando em casa contra o lanterna do campeonato, o que injeta ânimo (e dinheiro) para o nono e o décimo filme que já estão em fase de desenvolvimento. O único problema fica por conta dos problemas entre Vin Diesel e The Rock, publicamente admitidos nas redes sociais, o que alimenta ainda mais a expectativas (mais uma vez, de novo e de novo).
Já desde sua primeira produção, é de se admirar os esforços dos Estúdios Laika em levar até o público animações de narrativa rústicas e sombrias, em contrapontos quase que obrigatórios ao sentimentalismo tocante dos Estúdios Ghibli ou a sempre constante fofura da Pixar. Coraline e o Mundo Secreto já denota de forma explícita o desejo em dar vida às velhas “animações para adultos”, se é que assim pode ser dito, uma vez que os filmes do estúdio são (quase) sempre deveras carregados para o público menor.
E dessa vez ocidentalizando uma história japonesa, Kubo e as Cordas Mágicas, de Travis Knight, mantém o tradicionalismo do stop motion e nos comprova o quanto está técnica ainda carrega tanto para ser dito, independente do quão crua em tela possa parecer. Se o ritmo frenético de aventura de Kubo, aliado às suas constantes tiradas cômicas, pouco lembram alguma produção oriental, é no respeito mitológico e chacoalhar inteligente dos elementos abordados que a animação sobrevive e se firma como um entretenimento para qualquer idade, por mais assustados que os pequenos terminem a projeção.
De um elenco de vozes que reúne Rooney Mara e Matthew McConaughey, passa por Ralph Fiennes e chega em Charlize Theron (e acreditem, o trabalho vocal dos atores está irreconhecível), Kubo e as Cordas Mágicas faz valer o extenso trabalho de produção que a técnica do stop motion trás, algo do qual, inclusive, o estúdio se orgulha ao exibir uma de suas grandes maquetes durante os créditos finais. Auto-suficiência? Poderia ser, se o próprio espírito da obra não denunciasse que, de fato, Kubo é um filme que acredita em sua história bem contada, em seu deslumbramento visual (que não é pouco, basta reparar nas cenas dos origamis) e em seus próprios simbolismos que, amontoados em cima de transparências sutis aos adultos (temas como morte e sacrifício estão fortemente presentes), deverão passar despercebidos aos olhos mirins. Estes se sentirão mais surpresos com a variedade de criaturas que irão passar diante de seus olhos, num trabalho de composição criativo e cheio de imaginação dos designers gráficos da animação.
Como qualquer animação passada no Japão mas feita por uma equipe americana, alguns momentos se rendem a resoluções fáceis e uma necessidade de introduzir o máximo de pequenas reviravoltas possíveis para extasiar o público. Kubo não precisa disso, e deixando essa pequena pretensão de lado, Kubo e as Cordas Mágicas representa o que há de mais rico na animação e suas possibilidades de hoje em dia, nem que pra isso seja necessário adotar esta técnica que garante poucos retornos financeiros, é verdade, mas abre as portas da imaginação. E Kubo é isso, um filme imaginativo.
Versão pseudo adulta e muito mais sombria do conto dos Irmãos Grimm, Branca de Neve e o Caçador reimagina a clássica história infantil, usando elementos bélicos que estavam muito em voga na época, a exemplo das primeiras temporadas de Game of Thrones. O filme de Rupert Sanders inicia-se com o rei Magnus (Noah Huntley) guerreando suas próprias batalhas, buscando no conflito o consolo para sua recente viuvez. É nesse contexto que ele resgata a bela Ravenna, vivida por Charlize Theron, que no auge de sua beleza, prepara um ardil para seu futuro marido.
Toda a rotina da sucessão da nobreza e o assumir do governo pela antiga cativa é resumida nos dez minutos iniciais, assim como a promessa de que a pequena Branca de Neve seria a mais bela entre as mulheres, ainda que fosse apenas uma criança a esta altura. O tempo passa, a moça cresce e passa a ser interpretada por Kristen Stewart, e a sua presença interfere nos poderes e rejuvenescimento da rainha. Dali, se desenvolve uma trama repleta de violência e perseguição, envolvendo a Bella de Crepúsculoem uma trama cheia de confusões e azaração.
A relação de Ravennea com Finn (Sam Spruell), seu irmão, faz lembrar o casal Jaime e Cersei Lannister, de GoT, ainda que a relação incestuosa seja apenas sugerida nesta versão. A característica soa oportunista e transforma o filme em algo ainda mais genérico, piorando o nível quando a personagem principal consegue travar seu cavalo na lama e ao mesmo tempo, sair do pântano lodorento sem sujar o rosto.
A tentativa de tornar a personagem da vilã em um ser injustiçado de certa forma previu uma tendência que se tornaria bastante popular, e que teria seu ápice em Malévola. No entanto, a justificativa para o ato contra a nobreza fica nebuloso, com uma dúvida mal construída, como é de prática do argumento de Evan Daugherty, John Lee Hancock e Hossein Amini. O embate entre as duas figuras femininas fortes é tão fraco que há espaço de sobra para os coadjuvantes, em especial o caçador vivido por Cris Hemsworth.
Dos pedaços de trama, é difícil escolher qual é o aspecto mais desnecessário, se é o plot de escolhida envolvendo a princesa fugitiva ou o overaction que beira o insuportável que Charlize emprega. O longa soa como uma oportunidade boba de fazer dinheiro em cima de uma história já consagrada e contada inúmeras vezes, quase nunca tão pouco inspirada ou tão sem alma quanto esta versão. Somente não surpreende o fato do filme ter tido suficiente para gerar uma continuação, graças à moda recente de produtos ligados a fantasia pseudo medieval.
Se for analisar sob um viés mais realista, Branca de Neve e o Caçador é ainda mais falho, uma vez que dificilmente uma princesa sem nenhum preparo militar vestiria uma armadura prateada e serviria de ponta de lança em meio a um conflito onde só os mais bravos guerreiros sobrevivem. Os efeitos em CGI ao menos resistem ao tempo, mas não garantem qualquer consistência as lutas. O pior do filme é o desperdício que ocorre nas duas figuras femininas, que deveriam ser fortes mas que soam banais, fazendo muito barulho para nada, resultando em um filme com personagens vazios em uma história desinteressante.
Amalgamando prequel com continuação, O Caçador e a Rainha do Gelo segue um estilo semelhante ao visto entre 300e 300: A Ascensão do Império, mesmo sem a presença da protagonista do filme anterior vivida por Kristen Stewart. A premissa do longa de estreia de Cedric Nicholas-Troyan é remontar a origem de Ravenna, a rainha má de Charlize Theron, mostrando sua irmã Freya (Emily Blunt), fazendo ali um crossover entre os contos dos Irmãos Grimm e alusões da mitologia germânica, dentro do já misturado caldeirão de referências.
A história de contos de fadas começa com uma narração e mostra uma história muito semelhante à de Malevóla, filme também produzido por Joe Roth e Sarah Bradshaw, dois dos três que assinam a produção, ao lado de Palak Patel. A personagem de Blunt tem sua filha assassinada por seu amado, fato que faz ela despertar seus poderes mágicos, semelhantes aos de Elsa em Frozen: Uma Aventura Congelante, além de fazê-la criar um reino próprio, com um exército para ocupar o vazio emocional que tem consigo, referência que também é semelhante à animação da Disney.
Apesar do nome em português, este filme tem foco no personagem do Caçador, que agora recebe o nome de Eric, ainda vivido pelo Thorda Disney Chris Hemsworth, que na atualidade vive nos arredores do reino de Branca de Neve e é chamado às pressas para socorrer a sua rainha, levando o espelho mágico para longe da adoentada realeza. Apesar da morte da vilã, o ardil seria a desculpa para a ausência da antiga protagonista, e a jornada do fraco personagem teria envolvimento com seu passado, resgatando sua origem no reino de Freya e seu antigo amor, Sara (Jessica Chastain), figura esta que havia sido dada como morta.
O tal artefato mágico traria a Freya um grande poder, e tudo que o envolve parece seduzir os que estão em seu caminho. Como se não houvesse mais dinheiro para arcar com os custos do filme anterior, só há presentes dois anões, dos quais somente um estava em Branca de Neve e o Caçador, Nyon (Nick Frost) e seu irmão Gryff (Rob Brydon), que são o alívio cômico, ao lado de mais personagens presunçosos e de moral óbvia.
A jornada floresta adentro reserva momentos que imitam visual e narrativamente o recente João e Maria: Caçadores de Bruxa, além de mostrar um flerte bobo e carente de consistência entre o antigo casal. A continuação segue com o mesmo problema do primeiro filme: tentando transformar qualquer momento em algo épico, incluindo aí duas irmãs rainhas exímias em estratégia militar.
A solução final para o confronto que deveria ocorrer entre as partes boas e más beira o ridículo, arranjando uma luta com desfecho anti climático cujo maniqueísmo extremo rivaliza com a falta de identidade, o aspecto mais negativo do filme, de intermináveis deles. Quase nada funciona em O Caçador e a Rainha do Gelo, especialmente por entrar em contradição com tudo o que foi apresentado no já ruim episódio anterior.
Adaptação da obra de Gillian Flynn, Lugares Escuros é o sétimo filme do francês Gilles Paquet-Brenner, e tenta de maneira nada sutil emular as características do outro filme adaptado do romance da autora, passando longe de todas as qualidades positivas vistas em Garota Exemplar.
O roteiro, assinado pelo próprio Paquete-Brenner, é bastante didático, mas não compreende as etapas interessantes do romance original, já que todo o arquétipo de moça traumatizada, presente no ideário de Libby Day, é discutido de modo bastante rápido. O passado da personagem de Charlize Theron mostra-se por meio de flashbacks que desenham um background profundo, ao menos em comparação com todo o restante da construção do seu ethos. O grave problema do roteiro é não oferecer ao público o interesse na realidade de Libby, já que ela não é uma figura charmosa, do alto de sua misantropia idealizada; pelo contrário: somente lembra uma mulher sem carisma, tanto na falta do usual quanto nas versões alternativas, como em sua fascinação pelo insociável.
A aura do filme é bastante semelhante ao de outro filme de David Fincher, Zodíaco, especialmente pela fotografia de Barry Ackroyd, que emula genericamente os bons momentos de Harrys Savides. Os pedaços abordam o passado envolvendo Ben Day – vivido na fase adulta por Corey Stoll e na juventude por Tye Sheridan, já demonstrando fisicamente a diferença de ideários entre as encarnações – e seu suposto culto satânico, que revelaria aos poucos a realidade a respeito do crime.
Outro fator errático é a falta de suspense em relação à autoria do massacre dos Day, explicitando de modo óbvio que o homem preso não é exatamente a figura que é pintada como o culpado-mor. O ódio do sujeito conservador é observado em discussão com a futilidade juvenil e rebeldia sem causa, mostrados ambos aspectos como fatores primos, com as faces da mesma moeda e partes inexoráveis do mesmo universo.
No entanto, todo o entorno da personagem principal é demasiado sensacionalista e não consegue repetir os bons argumentos de Garota Exemplar. Lugares Escuros tinha tudo para ser o que Medo da Verdade foi para Sobre Meninos e Lobos, mas se perde em meio a uma condução confusa, que torna a história em uma busca frenética, desesperada e cafona por redenção e que usa o perdão como alicerce para um drama fraco. Um filme que serve para louvar ainda mais os méritos de Fincher, que conseguiu adaptar melhor a literatura de Flynn.
Tomando como base uma ordem mundial diferenciada, pautada no exacerbo do capitalismo e exibindo uma face ainda mais selvagem dos escritos de Marx e Engels, Mad Max: Estrada da Fúria resgata o cinema de George Miller, refundando a franquia que o fez famoso, renovando-a para uma nova geração de aficionados, mas sem ignorar os fanáticos pela antiga trilogia.
A primeira cena inicia-se com um discurso inflamado de Max Rockatansky (Tom Hardy), lembrando-se de sua condição de cavaleiro solitário, como na outra encarnação de Mel Gibson, intensificada ainda por um trauma que proporciona a si um fantasma, seu tormento, recaindo sobre sua cabeça como uma cachoeira que lava seus pensamentos, inundando sua mente de culpas. A adrenalina destas sensações ataca-o de modo irônico, deixando-o mais uma vez desatento, a ponto de ser capturado, ficando uma boa parte dos primeiros momentos sem sequer ser citado.
Miller mostra um novo fôlego em sua direção, se distanciando do que fizera na franquia Happy Feet: O Pinguim, apresentando o universo que estreou em 1979 no primeiro capítulo, e fundamentado em 1982 com A Caçada Continua, acrescendo, claro, a estética videoclíptica, não deixando dever nada à direção de realizadores “massavéio”, mas abordando de modo adulto a fita. As cenas de ação têm uma continuidade em estrada impressionante, não devendo em nada tanto aos recentes À Prova de Morte de Quentin Tarantino, quanto a Bullit. As cenas e câmera retrasada têm muito mais significado que os takes adorados por Zack Snyder, remontando a influência de Sam Peckinpah, tanto no ritmo quanto na visceralidade dos momentos violentos do filme.
A abordagem lembra a de um road movie, por apresentar cenas titânicas– e em sequência – sobre quatro ou duas rodas, em terrenos arenosos, relembrando o eco da predação humana em relação ao seu próprio habitat. As conclusões e reflexões estão espalhadas pelos cenários, e servem a uma análise mais profunda por parte do público, que ainda tem uma miscelânea de sequências interessantíssimas, incrivelmente agressivas, mas sem tanta profusão de sangue ou gore.
Outro aspecto interessante é a ausência de verborragia, fazendo do roteiro algo sucinto em matéria de falas. Estrada da Fúria é um filme essencialmente visual, seja pelas planícies belas, pelas falésias ou pelo visual grotesco dos antagonistas. O fetiche, tanto das personagens belas, como das parideiras que sofrem a ação de um déspota tirânico trazendo o sex appeal para uma figura grávida, contrasta com a beleza quase infinita de Charlize Theron, que mesmo masculinizada em sua Imperator Furiosa, consegue arrancar um misto de força e sensualidade, concentrando em si quase todo o conteúdo homoafetivo de todos os episódios da cinessérie, sem ter nada de caricatural. A riqueza dos personagens periféricos consegue compensar – mais uma vez – o fato de Max ser um coadjuvante de luxo, na fita.
A trajetória de Rockatansky é mais uma vez de subida, passando da eterna solidão para a solidariedade capaz de gerar nele um complexo suicida. Max prossegue um pária, possivelmente por ainda não ter superado a perda dos seus no filme setentista, algo agravado, é claro, pelos espectros que o perseguem. O deslocamento dele é notado a todo momento, mesmo quando encontra sobreviventes, pessoas que estariam próximas de sua condição singular, inclusive quando os aventureiros retornam ao lugar onde foram oprimidos.
A solução final abarca uma mensagem de compartilhamento, que, em análises mais conservadoras, pode ser associada à mensagem de Jesus, que exigia a divisão de riquezas dos que pediam para segui-lo, assim como também abraça uma prática mais socialista, acenando até para alegorias ao texto de Gene Rondenberry na franquia Star Trek. Miller apresenta um blockbuster maduro, inteligente, cuja trilha sonora e edição de som são absurdas e acrescentam demais à trama, ajudando a construir a atmosfera de pavor e enigma. Estrada da Fúria possivelmente abrirá uma sangria com novos rumos para a franquia, apresentando um mundo rico, cujas aventuras e desventuras têm tudo para captar a atenção de espectadores pelo mundo inteiro, e com um protagonista que não deixa nada a desejar à abordagem que Gibson havia inaugurado.
Mad Max surgiu na década de 1980 como um representante dos filmes de baixo orçamento australianos, em específico o clássico O Menino e seu Cachorro. Tornou-se um western moderno em sua continuação (Mad Max: A Caçada Continua), e posteriormente garantiu traços mais claros de sci-fi no terceiro, Mad Max: Além da Cúpula do Trovão, que, apesar de mais heterogêneo e desconjuntado, é também o maior sucesso da franquia até então. Quando lançado, este filme alçou Mel Gibson ao status de estrela e redefiniu o cinema de ação e o futuro distópico no cinema.
Em Mad Max: Estrada da Fúria, Max Rockatansky (Tom Hardy) é um ex-policial rodoviário que tem sua família assassinada e se vê às voltas de um mundo onde a água e o combustível são escassos, fazendo das estradas locais dominados por gangues de todo tipo. Acidentes nucleares mutantes são comuns, a terra é árida e infértil, e o mar é apenas sal. Nesta espécie de reboot (O filme se localiza entre o segundo e o terceiro Mad Max, ficando na penumbra da classificação), pode-se ver o quanto a mitologia compreendida neste universo solidifica-se e personifica essas três vertentes pelas quais passou George Miller, diretor dos quatro filmes da franquia, para estabelecer seu mundo pós-apocalíptico durante sua, até então, trilogia. É salientado aqui a tradição western do herói sem passado e sem nome vivido por Clint Eastwood na Trilogia dos Dólares, com sua moral ambígua e egocêntrica, destinado a lutar contra seu próprio caminho em uma jornada de destino exploratório, onde as leis são forjadas ao sabor das necessidades e desta moral de quem é sobrevivente. Este anti-herói define-se na busca por redenção, e a redenção neste caso resume-se na busca de um futuro que antes precisa credenciar-se como digno de tão escassa esperança.
Dentre todos os aspectos de um filme, a narrativa é seu recurso mais poderoso, e o único essencialmente cinematográfico. Sem narrativa não há cinema. Extremamente visual, não há trama a que se ater em Mad Max, sendo possível contar quantas palavras Tom Hardy recita durante os 121 minutos de projeção. Nada mais natural, já que a solidão do isolamento e da culpa torna palavras amargas, e assim Max grunhe os primeiros verbos após diversos minutos de muita areia e vento.
Ideologicamente atrelado às suas raízes em filmes de baixo orçamento, o diretor filma seus acidentes como quem pinta uma obra de arte, abusando de quadros abertos, para que a audiência aprecie e se deixe levar pela diagramação bem pensada de cada uma das cenas. Sendo assim, Mad Max é, antes de tudo, um exercício extremo de narrativa. Detentor deste poder, George Miller preocupa-se em contar sua história através de olhares, ritmos e a inserção do espectador para dentro da corrida a qual o personagem Max assume ao lado da Imperatriz Furiosa (Charlize Theron), a fim de levar um grupo de mulheres, “As Parideiras”, para longe do julgo violento do líder Inmortal Joe (Hugh Keays-Byrne, ator que viveu o vilão Toecutter do filme original). Outrora imperatriz de um pedaço odioso de mundo, Furiosa assume a missão quando, durante sua fuga dos “Meninos da Guerra” — os servos de Joe —, seu caminho cruza com o de Max.
Como todo bom sci-fi, Mad Max olha clinicamente para o presente, e dele extrai o futuro. Peça ímpar da cultura pop, é possível observar como a construção daquele mundo remete à composição de nossa cultura atual, onde palavras que hoje são veladamente adoradas tornam-se símbolo divino por comparação à nossa própria cultura, e a cultura passada deturpa-se para formar a próxima, como numa representante rococó do passado. “Divindades” de hoje, como o automóvel, o McDonald’s, a Coca-Cola, ou peças de mitologias nórdicas, tornam-se o portfólio cultural do mundo de Mad Max, e essa mistura é o toque de genialidade de Miller ao usar da bagagem comum do espectador para inseri-lo naquele ambiente de maneira familiar, mas sem abandonar a estranheza que um representante das culturas desérticas que deram origem à civilização cristã teria ao ver o mundo de hoje.
A religião atua como aspecto importante aqui, e assim como nas religiões desérticas (Cristã, Islâmica e Judaica), a solidão e aridez do deserto levam à busca por atenção e perdão divinos, salientando que só há vida gloriosa se for destinada ao paraíso, já que a vida em carne e osso resume-se à penitência. Para salientar este aspecto como crítica, a religião é o destino e forma de vida dos Meninos da Guerra, especialmente do personagem de Nicholas Hoult, tornando-os capazes de qualquer tipo de ato para galgar sua busca sagrada. Na contrapartida, personagens oram diante do medo, unindo diversos gestos ritualísticos das religiões atuais. Quando uma das parideiras é perguntada sobre para quem rezava, denuncia: “Para seja lá quem estiver ouvindo.”
Ainda em seu papel como produto da cultura pop, Mad Max é o “Transformers que deu certo”, pois é capaz de relacionar cenas de ação grandiosas e montá-las de maneira a ir além de um simples filme, originando uma experiência sensorial. Conhecedor do cinema, George Miller usa inclusive recursos cinematográficos pouco considerados pela crítica no intuito de fazer de seu filme algo inenarrável, como o recurso informal conhecido por Rule of Cool. Normalmente exemplificada nos verbetes de dicionários cinematográficos como “uma caveira tocando guitarra no topo de uma montanha”, a expressão justifica o fato de algo ser considerado legal, como uma peça de enfeite estilístico que vale por si só. Em suas alucinações com a filha falecida, Max visualiza um ambiente de loucura e aspecto visual propositadamente datado e que remete a peças de filmes B.
A decisão pelo uso de efeitos práticos torna cada frame da película inacreditável, fazendo surgir a dúvida sobre quantas pessoas morreram durante as gravações. Tal coragem é capaz de demonstrar o pleno domínio e lucidez da produção sobre aquilo que é visto em tela, tornando capaz a realização de um filme de 1980 nos dias de hoje. Apesar de truculentas, as cenas de perseguição estão lá não apenas para dar ao filme a pecha de blockbuster ou para atrair o público de maneira fácil, mas sim para interceder pela narrativa. No cinema de ação, os diálogos são traçados com socos, explosões e pela necessidade da perfeição dos gestos. O cinema de ação baseia-se na ideia de domínio sobre o espaço e o tempo; o vencedor é aquele que atira primeiro, alcança mais longe, corre mais rápido e atinge o alvo, ou seja, aquele que melhor controla estas duas variáveis físicas. Nenhuma cena de ação seria relevante sem trazer consigo a significância correta, e pelo domínio do espaço-tempo, Mad Max está entre os melhores representantes do gênero no cinema.
Atualizado e representante de seu tempo, talvez por algumas gerações de filmes, George Miller reconhece o alcance da ficção científica e traz questões sobre o feminismo e o papel da mulher na sociedade, fazendo da Imperatriz Furiosa a verdadeira protagonista do filme, sendo ela que garante o mote e o desenrolar da trama (e quem dá nome ao subtítulo do filme). Num visual poderoso, é uma personagem que carrega a amargura de uma vida de violência e privações, resumidas em mutilações corporais, na habilidade em sobreviver e na profunda necessidade de redenção. Este poder de síntese pode soar raso numa primeira análise, ou para quem necessite de diálogos mais expositivos, mas é mais do que o necessário para representar neste personagem o estado da arte daquela sociedade.
Já Max é a própria paisagem. Tão lacônico quanto o próprio deserto, a falta de comunicação reflete um ambiente onde não há espaço para o diálogo na resolução dos conflitos. Embora não seja o protagonista clássico, Max é a balança daquele mundo, é um agente do destino fatalista da Terra pós-apocalíptica, que transforma pessoas em aberrações sociais, incapazes de garantir valor à vida. Essa balança não é justa e sua moral é maquiavélica, mas é a estrada que resta para seguir.
Seth MacFarlane está em alta em Hollywood. Depois de emplacar 12 temporadas de seu programa mais famoso Uma Família da Pesada, nove de American Dad e quatro do cancelado Cleveland Show, além de dublá-los e produzi-los, passou também a produzir outros programas, como a nova versão de Cosmos para a TV, além de apresentar o Oscar de 2013 e tentar vida nova no cinema com o mediano Ted. Em 2014, chega às telas sua nova produção, com o título traduzido de forma pouco inteligente: Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola.
O filme conta a história do pastor de ovelhas e fracassado Albert (MacFarlane), deixado por sua namorada Louise (Amanda Seyfried), que resolveu ficar com o emplumado Foy (Neil Patrick Harris). Para ajudá-lo, estão seu amigo Edward (Giovanni Ribisi) e respectiva namorada – e também prostituta do bordel local –, Ruth (Sarah Silverman). Porém, tudo se complica quando a gangue de vilões liderada pelo bandido Clinch (Liam Neeson) esconde sua esposa Anna (Charlize Theron) na cidade, o que acaba aproximando-a de Albert.
Quem acompanha a carreira de MacFarlane já conhece seu estilo de humor recheado de referências à cultura pop e de uma acidez que muitas vezes é incompreendida dentro do contexto que cria. Porém, se essa fórmula garantiu o sucesso de seus programas na TV – que já mostram um desgaste -, no cinema ela patina para engrenar. Apesar de Ted garantir algumas risadas, a estrutura rápida, que garante o sucesso do produtor em programas de 30 minutos na TV, teve dificuldades no cinema, em especial no confuso terceiro ato. Em Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola o problema é ainda mais grave.
A premissa básica da comédia do filme é o protagonista Albert ser uma pessoa com linguagem moderna no Velho Oeste americano, onde pessoas morrem por qualquer motivo devido à baixa qualidade de vida, além da extrema violência, da época e local. E por alguns minutos conseguimos esboçar uma reação positiva a este argumento. O problema é que ele é repetido durante todo o filme, com um jargão digno de A Praça é Nossa (“as pessoas morrem na feira”), juntamente com um amontoado de piadas escatológicas totalmente gratuitas sobre sexo e funções corporais. Neil Patrick Harris, em uma cena, tem uma diarreia e usa um chapéu para se aliviar. E a cena se estende, por vários minutos, causando talvez mais vergonha ao ator do que ao espectador.
Também constrangedora é a cena em que há um fan service sem propósito algum para a história: Albert abre uma porta de um celeiro à noite e dá de cara com Christopher Lloyd interpretando o lendário Dr. Emmett Brown, de De Volta para o Futuro, preparando o DeLorean dentro da trama do terceiro filme da trilogia. O fato de De Volta para o Futuro III se passar na Califórnia em 1885 e Albert estar no Arizona em 1882 tem importância? Aparentemente, não.
Além de Christopher Lloyd, podemos ver outras participações, como Jamie Foxx interpretando Django Livre novamente, ou Bill Maher fazendo um comediante stand up com piadas do Velho Oeste; e também Ryan Reynolds, cuja ponta em Tedfoi engraçada – ele tem um histórico de pontas em Uma Família da Pesada, então o colocaram ali. Mas sem importância. Porque praticamente toda a linha humorística do filme se resume somente à escatologia ou referências à cultura pop sem qualquer tipo de relação com a história ou os personagens. Sequências inteiras saem do nada e terminam em lugar nenhum, como a perseguição do bando de Clinch a Albert, ou quando o segundo é capturado por indígenas que usam drogas e falam como drogados urbanos (porque não há nada mais engraçado do que um drogado, né?)
O que é ainda mais impressionante é a excelente qualidade técnica do filme. A fotografia está impecável, assim como os planos muito bem enquadrados, o set, o figurino e o som. Tudo funcionando perfeitamente, mas com esse imenso potencial desperdiçado, pois não há nada na história que justifique tamanho investimento técnico.
Fica então a dúvida: se MacFarlane é um talento passageiro ou adequado somente ao formato da TV. No cinema, as apostas (e exigências) são mais altas. E até aqui, ele está devendo. E muito.
A comprovação do talento de Jason Reitman, ou uma fortuita sorte, se deve ao fato de que seus três primeiros filmes – únicos, até então – são excelentes longas metragens. Histórias que mesmo em retratos diferentes equilibravam-se no drama cotidiano.
Em seu quarto filme da carreira, Jovens Adultos, Reitman retrata a problemática de adultos que, mesmo em uma idade madura, não saíram da fase adolescente. Seja pela negação de responsabilidades ou pela incapacidade de assumir sua maturidade.
Mavis Gary é uma escritora de uma série de livros para adolescentes frustrada com sua própria vida. Ao receber um convite em comemoração ao nascimento do filho de um ex-namorado, decide retornar a cidade onde foi criada com o intuito de tentar reconquistar seu grande amor do colegial.
Reitman sempre dedicou seu olhar a personagens imperfeitas de alguma maneira. O vendedor de cigarros que não se importa com as perdas humanas de seu trabalho, a adolescente que engravida sem a verdadeira percepção do fato, o homem que se sente confortável somente em aviões. Dentro das personagens aquebrantadas trazia a tona um elemento humano primordial que identificava o público.
A concepção infantil de Mavis chega a afastar de assustadora. Retira um elemento carismático de personagens anteriores pois explicita a frivolidade. Causa desconforto e não gera uma reflexão mais profunda como, até então, trabalhava o diretor, pois não há razão para o vazio da personagem além da negação de seu próprio fracasso.
Ao retornar a um instante anterior de sua própria vida, a escritora aos poucos percebe sua anacronia. Mas a composição de tal sentimento soa tão em descompasso que sua história chega ao fim sem identificar de fato sua mensagem. Se é que há uma.
Talvez desejando que dentro e fora de sua história existisse um vazio, a roteirista Diablo Cody – em seu quarto roteiro de longa metragem – tenha falhado na mensagem. A sensação é de que o material bruto continha uma história com mais força daquela que foi contada. Mas que não deixa de destacar o talento que, além de Reitman, a roteirista tem em explorar singularidades que abalam a todos.
Duração: 111 minutos Edição: Rafael Moreira Trilha Sonora: Rafael Moreira
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Tudo começou quando Ridley Scott e James Cameron, no início dos anos 2000, resolveram fazer uma quinta produção da franquia Alien. A ideia até então seria um prequel para a famosa franquia que teve seu primeiro filme lançado em 1979 (Alien – O Oitavo Passageiro). Quando do desenvolvimento de Alien Vs. Predador, em 2003, o projeto havia sido colocado na geladeira e apenas retomado em 2009, quando o diretor resolveu dar continuidade a ele. Finalmente em 2012 temos contato com Prometheus, um filme que foi bastante esperado pelos fãs do gênero ficção científica.
Em 2089, os arqueólogos Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) e Charlie Holloway (Logan Marshall-Green) descobrem um mapa estelar através de vestígios de antigas civilizações desconexas umas das outras. Eles acreditam que o mapa estelar os levaria para o planeta em que residem os chamados “Engenheiros”, seres responsáveis pela criação da raça humana. Com o apoio de Peter Weyland (Guy Pearce), o CEO da Weyland Corporation, a expedição científica é patrocinada e enviada em direção à lua LV-223.
A fome insaciável do ser humano por conhecimento e os questionamentos sobre nossa existência é o ponto de partida que o filme nos traz. Prometeu, na mitologia grega, foi um Titã que defendeu a humanidade, roubando o fogo dos deuses e entregando-os aos mortais. Em sanção a esse feito, Zeus o acorrentou a uma pedra, onde teria seu fígado comido por uma águia todos os dias por toda a eternidade. Temos aqui a figura do ser humano colocando as mãos em um conhecimento divino, que não deveria ter chegado nem perto (segundo a vontade dos referidos deuses). No filme, temos a presença de uma expedição que quer se encontrar com seus criadores para que eles nos respondam sobre as questões mais elementares da nossa existência.
O filme de Ridley Scott é claramente inspirada nas obras Eram os Deuses Astronautas (Erich von Däniken) e Nas Montanhas da Loucura (H.P. Lovecraft). Enquanto no primeiro, o autor teoriza sobre a possibilidade de que seres do espaço visitavam a Terra na época das antigas civilizações e eram considerados deuses por estas, no segundo temos uma a influência do terror que provém do desconhecido. Ambas as influências misturadas formam uma ideia que gera muitas possibilidades, porém no roteiro de Prometheus, infelizmente, acabam se perdendo a partir de pouco antes da metade do filme. Tentou-se criar um clima de tensão o qual foi sendo desconstruído por uma série de situações não convincentes e que, algumas vezes, beiravam o cômico.
Criador e criatura. A necessidade de se perguntar do por quê de sua existência e tentar enfrentar o “pai”, que o abandonou. Em um momento do filme é facilmente visível o rosto de um Engenheiro que evidencia seu desconforto, sem precisar expressar em palavras, ao perceber que humanos haviam chegado até ali e isso não era certo. O mesmo Engenheiro menospreza o andróide, percebendo que sua criação também queria ser criadora de uma forma de vida. Tal como Zeus, os Engenheiros também queriam penalizar os humanos por suas transgressões.
Existencialismo, espiritualismo e criacionismo são apenas alguns dos muitos temas que são levantados pelo filme ao longo de toda sua extensão. Porém, essas discussões que poderiam ter sido exploradas de uma maneira mais profunda, dando um peso excepcional para a narrativa, acabam apenas sendo arranhadas sob a ponta de um iceberg. Por outro lado, tal fato também é responsável pela abertura de dezenas de discussões entre os espectadores. John Spaihts e Damon Lindelof, roteiristas do filme, nos entregam apenas um ponto de partida para um universo sombrio onde algo de errado aconteceu e nossos criadores mudaram de ideia quanto a seus “filhos”.
O ponto em que Prometheus mais peca acaba sendo no desenvolvimento dos seus personagens. Ao contrário do que foi feito em “Alien – O Oitavo Passageiro” – e é o único ponto em que é justo comparar com a franquia, pois ambos os filmes são completamente desconexos um do outro e possuem propostas completamente diferentes, apesar de fazerem parte do mesmo universo – em que os personagens da tripulação da Nostromo eram carismáticos e conseguiam fazer com que o espectador simpatizasse com eles, em Prometheus tal relação resta mal sucedida. Toda a tripulação da nave, com a exceção do capitão Janek (Idris Elba, que infelizmente possui poucos momentos na trama) e o androide David, (interpretado por Michael Fassbender) não conseguem criar empatia com o espectador. Infelizmente o excelente elenco, contando com a forte presença de Charlize Theron por exemplo, é sub-aproveitado por um roteiro raso e com personagens mal explorados.
David é de longe o maior destaque do filme, evidenciando cada vez mais a excelência na atuação de Fassbender, que tem feito uma excelente carreira nos cinemas. Nesse filme, nos proporciona uma atuação a níveis robóticos. Seu destaque se dá também ao inserir em diversos momentos do filme a discussão sobre a consciência robótica. Assim como temos os seres humanos contrapondo às figuras dos “Engenheiros”, temos os androides contrapondo aos seres humanos, pois foram criados por estes. Em cenas diversas, o espectador se questiona até que ponto o robô estava obedecendo às ordens de seus chefes e até que ponto ele conseguia manipular as pessoas a sua volta com o intuito de atingir suas próprias vontades.
A qualidade gráfica de “Prometheus” é excepcional. A filmagem inteiramente em 3D mesclada com os efeitos especiais bem desenvolvidos deram como resultado imagens que impressionam, resultado este atingido anteriormente em filmes como Avatar (de James Cameron) e A Invenção de Hugo Cabret (de Martin Scorsese). Com certeza um dos grandes pontos altos por apresentar as capacidades impressionantes da tecnologia 3D, ao contrário dos péssimos exemplos que encontramos nos cinemas, os quais infelizmente ainda são maioria do catálogo.
Enfim, por mais que tenha tido uma série de problemas de narrativa que acabaram incomodando muitas pessoas uma certeza que temos é que o filme conseguiu criar questionamentos e teorizações frente a uma comunidade de fãs de ficção científica e, principalmente, para os fãs da franquia Alien. Várias e várias especulações são feitas diariamente em fóruns e artigos sobre as relações com o universo de Alien e, inclusive, sobre toda a simbologia que o filme carrega. No fim das contas, Ridley Scott conseguiu o sucesso e isso é um mérito para o filme.
“Prometheus” deve ser assistido sem a pretensão de ser uma revolução nos filmes de ficção cietífica. Para as pessoas que gostam de “nitpicking” (ou ficar “procurando pêlo em ovo”, em outras palavras), é perfeito. Com certeza vão se divertir muito olhando as mil referências aos antigos concept arts de H.R. Giger, ao propósito de criação do clássico Alien que conhecemos, de quem são os misteriosos Space Jockeys, citações bíblicas (O nome da Lua do filme é LV-223, depois deem uma olhada em Levítico 22:3 para entenderem do que estou falando) e, inclusive, referências a Jesus Cristo que possivelmente foi um “Engenheiro”. Enfim, Prometheus é o suficiente para valer a pena o ingresso do cinema e uma diversão despretensiosa.
O que a estrada nos oferece? Aonde ela nos leva? Há sequer um destino?
Essas questões permeiam a jornada de um pai (Viggo Mortensen) e seu filho (Kodi Smit-McPhee) na brutal, crua e também simples realidade em que se encontram.
Sobrevivência (ou a luta por ela) é o que mantém a relação quase simbiótica dos personagens principais. Em um mundo exaurido de recursos, percebemos que de nada adianta lutar para manter a integridade física se a sanidade mental se esvai, ponto bem representado pela personagem de Charlize Theron. O filho, por sua simples existência provê essa sanidade ao pai, o mantém em foco, dá a este homem um final objetivo de vida: preparar o filho para sobreviver neste mundo, quando ele não mais fizer parte dele.
Após um evento cataclísmico que pouco nos é explicado, percebemos que o mundo vive agora um cenário de pós-guerra nuclear, onde a luz do sol se tornou uma vaga lembrança, e nos resta apenas paisagens áridas e desoladas a serem contempladas. Pai e filho partem em uma jornada determinados a chegar à costa americana, com uma vaga e ingênua esperança de que as coisas simplesmente serão melhores por lá. O destino da jornada no entanto, se mostra apenas um detalhe, quase um subterfúgio mental quando analisamos a obra de uma forma mais profunda.
Baseado no livro homônimo de Cormac McCarthy (autor de Onde os Fracos Não Têm Vez), a direção de John Hillcoat e o roteiro de Joe Penhall mantêm o teor sombrio da obra. A fotografia do filme proporciona exatamente o tom que A Estrada quer nos passar. Um mundo sem vida, cinza, com o inverno nuclear sempre presente.
Neste cenário não há espaço para sutilezas ou eufemismos. Sobra sim o grotesco, o visceral, o medo generalizado de qualquer outro ser que possa cruzar o seu caminho. Qualquer um que possa querer tomar o pouco alimento que lhe resta, seu abrigo, ou simplesmente seu precioso sapato.
A resposta deste medo é representada ao extremo no personagem de Viggo, com uma atuação tocante e verdadeira, conseguimos ver e compreender em seu olhar, em seu corpo corrompido, o que este homem sofreu e o que ele é capaz para manter imaculada (outro esperança ingênua) sua prole.
Poucos filmes pós-apocalípticos tratam o tema com tamanha crueza e subjetividade. Muitos enveredam por caminhos onde a ação desenfreada ou o escapismo ficcional acabam se sobressaindo, deixando pouco espaço para uma reflexão sobre questões humanas primordiais dentro do cenário escolhido. Sejam elas de sobrevivência, relação interpessoal ou até mesmo de confiança. Esta última, vale notar, ainda presente no garoto e quase que completamente esgotada no pai. Mais um ponto interessante na relação pai/filho do filme.Pode-se questionar a verossimilhança do modos operandi de alguns grupos retratados no filme na luta pela sobrevivência. Mas basta um pouco de reflexão histórica para percebermos que os atos que nos causam mais asco no filme, não seriam assim tão difíceis de serem concretizados pela nossa natureza animalesca.
A jornada empreendida aqui é análoga a caminhos tortuosos trilhados por todos nós. Viggo não sabe o que vai encontrar na costa, nem exatamente por que decidiu ir para lá. Mas sabe sim que não pode ficar estático, inerte ao destino reservado para ele e seu filho. Sabe que não pode parar, em certo momento abre mão até de certos recursos que ele sabe serem indispensáveis para ele e para o garoto. Este, não compreende a obsessão do pai, a importância de terem um objetivo final traçado, a sua (sempre presente) desconfiança para com o mundo deixado para eles. Um mundo destruído, sem cor, morto… e ao mesmo tempo, real.