Tag: Corey Stoll

  • Crítica | Café Society

    Crítica | Café Society

    Cafe Society - poster

    Desde o início dos tempos uma capacidade e uma verdade vieram para separar o ser humano dos demais animais. A capacidade é o uso do polegar opositor, usado para apanhar e agarrar, nos permitindo produzir e manipular ferramentas e assim construir mundos. A verdade é a inexorabilidade do tempo, que traz consigo a presença constante da morte e irreversibilidade dos fatos, e assim saber que todos os mundos construídos, reais ou platônicos, uma hora verão seu fim. Será doloroso, haverá angústia, haverá rebelião, mas o tempo atropelará a todos.

    O filme inicia-se com uma declaração de estranheza e amor com a Hollywood de antes e de hoje, com seus egos inflados, vidas boêmias e casamentos de fachada, a Califórnia parece vir sempre com um filtro laranja fazendo de suas paisagens um paraíso tão brilhante quanto estéril, e por isso geratriz de tantas ficções. Desta forma o jovem Bobby (Jesse Eisenberg) muda-se de Nova York para a ensolarada California atrás de dias menos monótonos trabalhando para o seu tio (Steve Carrel), onde se apaixona por Vonnie (Kirsten Stwart).

    E é assim o tempo, compositor dos destinos e tambor dos ritmos.

    É natural pensar que com o passar dos anos Woody Allen tenha tido tempo para repensar sua vida e ações, mas aqui surge o filme onde ele é mais colocado de escanteio, permitindo-se análises mais cruas. Se não é incomum que ele se reinterprete como protagonista de suas histórias, ou que outros atores façam o papel de Woody Allen, aqui ele se coloca como um estereótipo intelectual que faz pouco mais do que um coadjuvante. Um cunhado comunista versado em filosofia, último na hierarquia familiar dos EUA.

    Poucos morrem de amor. Talvez ninguém. Uma hora melhora, e se não melhora é porque há mais do que a rejeição para ter de lidar. Muitos se apoiam na carreira, na ambição, no adorno de ter ao seu lado alguém que satisfaça suas necessidades pessoais e sociais. A parceria amorosa gera todo um ecossistema de vida ao redor, amigos se misturam, amigos são agregados e em algum momento as pessoas optam por substituir a pessoa antiga por outra que lhe sirva a este papel. Este ecossistema nos nutre e dá algum arcabouço para uma vida mais plena e satisfatória. Tão importante quanto o romance é a sua bagagem, e na vista de um amargurado a bagagem é mais importante que a pessoa em si. Nisso estabelece-se protocolos de “gostar” que nunca serão alcançados por uma pessoa real, e não importando mais quão boa a vida, esta será sempre frustrante. A vida é uma comédia roteirizada por um sádico.

    Mas o amor ingênuo, aquele quase impossível surge eventualmente como nota amarga do champanhe de final de ano. Um amor que nunca seria mais do que acabou sendo não deveria pautar vidas inteiras, mudanças de endereço, mudanças de comportamento e nem mesmo saudade. Mas o faz, e faz por percebermos que simplesmente não há amor suficiente para todos.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

     

  • Crítica | Sete Dias Sem Fim

    Crítica | Sete Dias Sem Fim

    sete dias sem fim

    A tradição encerrada na entidade familiar comumente produz relações distantes, e o tempo se encarrega de engrossar ainda mais seus pontos diferenciais. Manter amizades já é um esforço demasiado, estreitar laços com pessoas as quais não se escolheu ter relação torna-se ainda mais difícil. É sob uma ótica de vidas cuja razão se perdeu através do desprezo humano geral que Sete Dias Sem Fim é narrado, primeiro mostrando a derrocada de Judd Altman (Jason Bateman), de dedicado marido a divorciado deprimido, para logo depois mostrar de forma agridoce o falecimento de seu pai, o que o obrigaria a sair de sua caverna pessoal para prestar condolências aos seus outros entes queridos.

    Nos momentos iniciais, apesar das gags cômicas, a sensação que predomina é a melancolia, assinalada pela trilha sonora, levada pelo piano clássico. No enterro, reencontros ocorrem, a maioria bastante atabalhoados, o primeiro deles com Wendy (Tina Fey), a irmã desbocada que cuidava do patriarca. O segundo ocorre após a chegada de Philp (Adam Driver), em seu carro de luxo, cujo som alto, tocando rap ostentativo quebra o clima de luto.

    Com poucos minutos de exibição nota-se a maioria dos problemas existentes na interação de todo o clã, o quanto cada um deles tem dificuldade em viver em comunidade e conviver consigo mesmo.  O constrangedor silêncio é finalmente quebrado pela matriarca Hillary (Jane Fonda), que clama para que a família converse entre si, especialmente para incluir as conversas disfuncionais dos presentes em seu próximo best-seller, mostrando que a exploração do grotesco vai além dos ângulos escolhidos por Shawn Levy.

    Logo as garras são expostas numa intensa briga por um dos patrimônios do pai, e no qual Paul (Corey Stoll) tem sua única fonte de renda, enquanto Philip quer fazer parte das decisões financeiras, mesmo sem ter qualquer jeito para isto. Após o embate físico, os familiares são obrigados a conversar sobre as memórias do falecido, numa tentativa de unir quem não quer ficar perto, quem não quer ter unidade. Lá, as mentiras e indiscrições ficam mais evidentes, como feridas que pedem para serem estancadas.

    Os bate-bocas e intrigas evoluem e tornam-se cada vez mais verborrágicos, exibindo uma violência reprimida por anos e que somente piorou com o acúmulo de hostilidade e guardadas em virtude do afastamento entre os entes. O roteiro se encarrega de mostrar que, apesar do claro incômodo presente na intimidade entre eles, ainda há espaço para a solidariedade e companheirismo, especialmente nos momentos de crise, quando a miséria da alma de Judd consegue se aprofundar ainda mais.

    Apesar de cada um dos personagens viver o seu pequeno inferno pessoal, o modo como a película conduz é leve, numa alegoria a um estilo de vida em que pouco se preocupa com as questões de resolução difícil e as as trata de modo amistoso, uma vez que são inevitáveis no padecimento de existir.

    Quanto mais os filhos tentam se afastar da casa matriarcal, mais e mais segredos são trazidos à luz, com fatos assustadores para a mente dos herdeiros. Encarar a realidade e a complexidade de ter de conviver com o luto e seguir em frente não são tarefas fáceis para nenhum dos personagens. O otimista “ensinamento” presente no roteiro é de que os esqueletos guardados dentro do armário podem até fazer a vida parecer pesada, mas não devem impedir o prosseguimento da existência, tampouco permitir que a tristeza tome conta do espírito, de assalto. A moral presente em Sete Dias Sem Fim mira o alto, fugindo da obviedade, tratando de modo leve as questões pesadas da vida.

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  • Crítica | Lugares Escuros

    Crítica | Lugares Escuros

    lugares escuros 1

    Adaptação da obra de Gillian Flynn, Lugares Escuros é o sétimo filme do francês Gilles Paquet-Brenner, e tenta de maneira nada sutil emular as características do outro filme adaptado do romance da autora, passando longe de todas as qualidades positivas vistas em Garota Exemplar.

    O roteiro, assinado pelo próprio Paquete-Brenner, é bastante didático, mas não compreende as etapas interessantes do romance original, já que todo o arquétipo de moça traumatizada, presente no ideário de Libby Day, é discutido de modo bastante rápido. O passado da personagem de Charlize Theron mostra-se por meio de flashbacks que desenham um background profundo, ao menos em comparação com todo o restante da construção do seu ethos. O grave problema do roteiro é não oferecer ao público o interesse na realidade de Libby, já que ela não é uma figura charmosa, do alto de sua misantropia idealizada; pelo contrário: somente lembra uma mulher sem carisma, tanto na falta do usual quanto nas versões alternativas, como em sua fascinação pelo insociável.

    A aura do filme é bastante semelhante ao de outro filme de David Fincher, Zodíaco, especialmente pela fotografia de Barry Ackroyd, que emula genericamente os bons momentos de Harrys Savides. Os pedaços abordam o passado envolvendo Ben Day – vivido na fase adulta por Corey Stoll e na juventude por Tye Sheridan, já demonstrando fisicamente a diferença de ideários entre as encarnações – e seu suposto culto satânico, que revelaria aos poucos a realidade a respeito do crime.

    Outro fator errático é a falta de suspense em relação à autoria do massacre dos Day, explicitando de modo óbvio que o homem preso não é exatamente a figura que é pintada como o culpado-mor. O ódio do sujeito conservador é observado em discussão com a futilidade juvenil e rebeldia sem causa, mostrados ambos aspectos como fatores primos, com as faces da mesma moeda e partes inexoráveis do mesmo universo.

    No entanto, todo o entorno da personagem principal é demasiado sensacionalista e não consegue repetir os bons argumentos de Garota Exemplar. Lugares Escuros tinha tudo para ser o que Medo da Verdade foi para Sobre Meninos e Lobos, mas se perde em meio a uma condução confusa, que torna a história em uma busca frenética, desesperada e cafona por redenção e que usa o perdão como alicerce para um drama fraco. Um filme que serve para louvar ainda mais os méritos de Fincher, que conseguiu adaptar melhor a literatura de Flynn.

  • Crítica | Sem Escalas

    Crítica | Sem Escalas

    sem escalas

    Liam Neeson é um caso curioso em Hollywood. Ele tornou-se um rosto conhecido ao construir sua carreira em papéis coadjuvantes, geralmente como um sábio mentor. Somente já beirando os sessenta anos ele encontrou seu espaço como protagonista, e vem meio que reprisando sempre o mesmo papel: o durão veterano, um tanto atormentado, mas chutador de bundas. Foi assim em Busca Implacável, Busca Implacável 2, Desconhecido, e A Perseguição. A prova de que a fórmula funciona – e que Neeson é muito bom em interpretar a si mesmo – é o mais recente item a ser adicionado a essa lista, o competente Sem Escalas.

    Repetindo a parceria de Neeson com o diretor de Desconhecido, o espanhol Jaume Collet-Serra, Sem Escalas traz o clássico plot do “dia de trabalho no qual as coisas deram errado”. A bola da vez é o agente federal Bill Marks, especializado em embarcar disfarçado em voos e ficar de olho em potenciais problemas. Num belo dia ele começa a receber mensagens de texto de um incógnito criminoso, que exige 150 milhões de dólares a serem depositados numa conta específica, ou um passageiro morrerá a cada vinte minutos. Conforme as complicações vão aumentando, todos a bordo passam a ser suspeitos – inclusive o próprio Marks.

    Quem teima em buscar originalidade em tudo que vê provavelmente deve passar longe de Sem Escalas. Clichês são a palavra de ordem aqui, começando pela própria ambientação. Como na maioria dos “filmes de avião”, não há tanta ação no sentido de movimento, adrenalina. As emoções vêm do suspense e da tensão, alimentados pelo cenário claustrofóbico. A sequência de assassinatos cometidos por uma figura oculta também segue a clássica cartilha de histórias detetivescas: por mais que o prazo seja anunciado, o modo como as mortes ocorrem leva o espectador a visualizar um gênio do crime por trás de tudo. Até mesmo o protagonista se encaixa num padrão, no caso o do herói cansado, desacreditado e falho (fumante e quase alcoólatra), mas que não se deixa abalar na hora de fazer o necessário para salvar o dia.

    Os méritos do filme vêm da habilidade por parte dos envolvidos em fazer bom uso de todos os clichês, e da mistura deles retirar um honesto entretenimento. O clima de paranoia típico do pós-11 de setembro é bem construído por uma direção segura e um roteiro ágil e sem firulas. Collet-Serra trabalha com inquietos ângulos e movimentos de câmera, que “flagram” os passageiros em olhares e posturas duvidosos – ou apenas compreensivelmente preocupados, impossível de se ter certeza. Nessa linha, há uma mordaz ironia no fato do médico árabe parecer suspeito muito mais por conta do NOSSO olhar preconceituoso do que por qualquer coisa do filme em si.

    Os personagens se tornam rasos, uma vez que a necessidade de se instalar a desconfiança geral demandou que pouco fosse revelado sobre eles. A definição de cada um se dá pela camada mais superficial: temos “o piloto”, “a aeromoça”, “o policial”, “o medroso”, “a garotinha”, “o babaca” e por aí vai. Outro grande nome do elenco, Julianne Moore vive a “desconhecida amigável” e, pouco exigida, faz um bom trabalho. Fãs de séries vão reconhecer Anson Mount (Hell on Wheels) e Shea Whigham (Boardwalk Empire). Além deles, a recém-oscarizada Lupita Nyong’o faz uma discretíssima ponta.

    Se aproximando do final, o filme fraqueja é dá suas derrapadas. A revelação do vilão acontece de forma um tanto forçada, o que só piora quando ele faz um monólogo explicando suas verdadeiras razões. Além de simplistas e pouco críveis, os motivos alegados simplesmente não fazem o menor sentido, ao se analisar no mundo real tudo o que o governo americano fez e vem fazendo em nome da segurança contra o terrorismo. O filme foi fundamentado nesse contexto e soube usá-lo muito bem durante a maior parte do tempo, deixando a falha ainda mais inexplicável.

    De qualquer forma, Sem Escalas cumpre o que promete e entrega um bom suspense de ação. Mantendo-se as expectativas baixas, a diversão está garantida, nem que seja somente para prestigiar o parça Lionélson.

    Texto de autoria de Jackson Good.