Tag: Lupita Nyong’o

  • Crítica | Star Wars – Episódio IX: A Ascensão Skywalker

    Crítica | Star Wars – Episódio IX: A Ascensão Skywalker

    Não é de hoje que vinha sendo afirmado que Star Wars: A Ascensão Skywalker seria o último filme da saga da família Skywalker iniciada lá em 1977 com Uma Nova Esperança. Após uma bem sucedida trilogia marcada também por O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi, anos mais tarde, o criador da saga, George Lucas resolveu responder as questões e os por quês de seus filmes anteriores serem os episódios IV, V e VI, numa nova e contestadíssima trilogia, ao final dos anos 90, onde nos foi mostrado o nascimento do Império e de seu mais importante membro, Darth Vader. Os resultados dos episódios I, II e III não foi nada satisfatório. Mas os fãs sempre tinham algumas perguntas em mente: o que aconteceu após a derrota do Império? O que aconteceu com Luke Skywalker, Leia Organa e Han Solo? Essas perguntas foram respondidas por meios de livros autorizados por Lucas, mas nunca chegamos a ver nada na tela do cinema. E essa era a vontade de muitos, porém, não era a vontade do cineasta, que ao deixar essa enorme marca na história do cinema, praticamente parou de produzir e criar, se concentrando somente em seu próprio império, a Lucasfilm e a Industrial Light & Magic, além de empresas menores, todas elas praticamente criadas para Star Wars, pois na época, não havia quem fizesse o que estava arquitetado na mente do diretor. Foi então que em 2012, uma bomba foi anunciada: A Disney comprou a Lucasfilm e, junto do anúncio, trouxe consigo o renascimento da franquia com uma nova trilogia com o episódio VII já programado para 2015 e mais, com o aclamado diretor J.J. Abrams na cadeira de direção e o aguardadíssimo retorno de Mark Hamill, Carrie Fisher e Harrison Ford. Muita coisa aconteceu desde o anúncio até aqui. Prazos curtíssimos, roteiros não aprovados, troca do time de roteiristas e troca de diretores. Após um correto filme (mas que deixou a desejar em alguns pontos), como foi O Despertar da Força, o oitavo capítulo, Os Últimos Jedi dividiu os fãs. Rian Johnson ousou muito trazendo uma visão bem peculiar sobre aquele universo e coube a J. J. Abrams retornar à direção com a clara missão de tentar “salvar” a franquia, buscando trazer  para o lado da luz aqueles fãs que ficaram extremamente descontentes com o filme anterior. É esse o propósito de A Ascensão Skywalker.

    Ao término de Os Últimos Jedi, podemos perceber que a Primeira Ordem dizimou quase que de uma vez por todas a Resistência. Não se sabe exatamente quanto tempo e passou da Batalha de Crait para o início do filme, mas a película já se inicia com um sanguinário Kylo Ren (Adam Driver) indo em busca de uma misteriosa e horripilante pista, enquanto Poe Dameron (Oscar Isaac) e Finn (John Boyega) estão numa perigosa missão para conseguir coletar informações importantíssimas vazadas por um espião infiltrado na Primeira Ordem. Por pouco a missão quase dá errado e Rey (Daisy Ridley) é duramente criticada por Poe, já que ela preferiu ficar em terra em treinamento Jedi sob os olhos da General Leia (Carrie Fisher). Rey está afobada, com sérios problemas de foco, o que interfere diretamente em seu treinamento e no seu julgamento por todo o transcorrer da fita, sendo que as informações coletadas são profundamente aterrorizantes, pois mostram um plano para um retorno triunfal do Império e a destruição de toda a galáxia.

    O Despertar da Força e Os Últimos Jedi tiveram tempo suficiente para trabalhar o desenvolvimento do trio principal e isso não acontece no novo episódio da saga, uma vez que o filme já começa frenético e urgente, sem tempo para que o expectador tenha uma pausa para respirar, até mesmo porque, com o perdão do trocadilho, os momentos de respiro são de tirar o fôlego. A propósito, algumas das teorias apresentadas são verdadeiras, contudo, acontecem de uma maneira diferente que aquele que assiste espera, deixando A Ascensão Skywalker com aquela impressão de ser um filme que busca o sorriso (e o choro) a cada momento.

    O filme é bem diferente de seus antecessores e muito mais em relação ao anterior, principalmente no que diz respeito ao tom e à fotografia. “Skywalker” é um filme bem mais colorido e leve, com vários momentos de humor e, curiosamente, equilibra bem com o contraste da violência, já que, talvez, seja o filme mais violento da franquia. Como dito no início deste texto, Os Últimos Jedi se desviou muito do “caminho” que a franquia costuma percorrer e aqui nos é mostrado as claras intenções de corrigir o curso e muitas vezes chega a soar forçado, sendo que em outras, parece que o filme é um gigante boneco de vodu de Rian Johnson, onde ele é alfinetado vez ou outra. Mas é importante deixar claro que não estraga em momento algum a experiência, e o sentimento, sinceramente, é de sorrir de maneira sádica ao experienciar certas situações lá apresentadas. Importante destacar que Abrams busca corrigir até seus próprios erros cometidos em O Despertar da Força.

    É interessante como J. J. Abrams e Chris Terrio, ao escreverem o filme, se preocuparam em fazer uma história em que o quarteto principal (Rey, Ren, Finn e Poe) seja o destaque. Se o fã tomar a consciência de que o filme é deles e não de Han, Luke e Leia, as coisas fluem com muito mais leveza. Tanto é verdade que, embora tardiamente, se trata da primeira aventura onde Rey, Finn e Poe aparecem em tela ao mesmo tempo, já que Rey só havia conhecido Poe ao final do filme anterior e junto deles estão novos personagens como Zorii Bliss, vivida por Keri Russel e Jannah, vivida por Naomie Ackie. Os droides que ficaram bastante sumidos tiveram participações significativas, principalmente quando se trata de C-3PO, brilhantemente vivido por Anthony Daniels, o único a gravar todos os filmes. Podemos sentir que A Ascensão Skywalker passa a ter novamente aquele aspecto familiar de amigos que se unem na batalha do bem contra o mal, algo que ficou bem definido e muito elogiado na trilogia original. O resgate desse sentimento é extremamente satisfatório.

    É inegável que o filme ainda divide opiniões, principalmente com relação à ameaça do Imperador Palpatine (Ian McDiarmid), em sua presença real e assustadora e os rumos tomados pelos personagens, principalmente o caminho de Rey e Kylo Ren, cuja química estabelecida no filme anterior continua sendo bastante explorada, mas de uma maneira que pode fazer com que o fã mais hardcore não aprecie, mas a questão é que o filme é desenvolvido em terreno seguro, sendo totalmente burocrático e em algumas vezes se espelhando em Vingadores: Ultimato.

    Diversos tipos de emoções definem Star Wars: A Ascensão Skywalker. Um filme que não só fecha a saga da família Skywalker, mas coloca um ponto final, fechando um capítulo importantíssimo na história do cinema e na história da cultura pop mundial. Obviamente a Disney tem planos ambiciosos para a franquia, como o já bem sucedido The Mandalorian, além de projetos futuros como a série de Obi-Wan Kenobi, que será protagonizada por Ewan McGregor, além de novas trilogias de longas metragens que devem focar em épocas como a da Velha República. Star Wars cresceu tanto que quase foi vítima de seu próprio crescimento e a nova trilogia, mesmo dentro de suas próprias limitações, nos permite agradecer e dizer “obrigado” por tudo isso ter existido.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Star Wars: A Ascensão Skywalker | Comentários do Novo Teaser Trailer

    Star Wars: A Ascensão Skywalker | Comentários do Novo Teaser Trailer

    A semana dos dias 20 a 25 de agosto foi cheio de surpresas para os fãs da cultura pop. Mais precisamente para os fãs da Disney, a realização da D23 deste ano de 2019, em Anaheim, deixará um marco na história da convenção. Englobando todas as empresas da gigante casa das ideias, a convenção praticamente marcou a estreia do ambicioso serviço de streaming da Disney, o Disney+, trazendo muitas novidades (muitas mesmo) do que estará por vir, principalmente quando se trata de produções da própria Disney, além da Marvel a, obviamente, da Lucasfilm.

    Sem dúvida, o momento mais aguardado era o painel de Star Wars: A Ascensão Skywalker, o nono e último capítulo da franquia. Se durante a Star Wars Celebration, realizada em maio, nos foi mostrado o primeiro teaser do filme, a esperança aqui era que o primeiro trailer completo fosse apresentado. Após a produtora e atual presidente da Lucasfilm, Kathleen Kennedy, e o diretor J. J. Abrams darem às boas vindas ao elenco do filme, o que os fãs viram foi um trailer que não tinha nome de trailer propriamente dito, mas sim um “material especial” para os fãs ali presentes. O material foi lançado oficialmente dois dias depois e deixou a internet atônita, como vem sendo feito em todos os trailers lançados desde O Despertar da Força.

    Embora tenhamos aproximadamente dois minutos e treze segundos de imagens, praticamente metade delas são de material inédito. No começo da fita vemos imagens marcantes de toda a história da saga da família Skywalker, desde A Ameaça Fantasma até Os Últimos Jedi. Importante destacar que o trailer respeita a ordem de lançamento dos filmes e não a ordem cronológica da história e novamente ouvimos a fala de Luke Skywalker (Mark Hamill) que diz “passamos adiante tudo que sabemos. Mil gerações vivem em você agora. Mas esta é a sua luta.”

    As imagens inéditas começam com Rey (Daisy Ridley), Finn (John Boyega), Poe Dameron (Oscar Isaac), Chewbacca (Joonas Suotamo) e C-3PO (Anthony Daniels), num planeta desértico observando uma cidade que parece estar comemorando algum tipo de carnaval. Os figurinos de Rey pouco mudaram desde o usado em O Despertar da Força, mas de Finn e Poe Dameron parecem muito bem trajados para uma aventura estilo Indiana Jones, principalmente Poe que parece que saiu direto do jogo Uncharted. Rapidamente temos a General Leia (Carrie Fischer), lembrando que esta é a última vez que a veremos a atriz em tela, sendo que sua participação foi feita por imagens descartadas dos outros filmes, já que infelizmente, Carrie Fisher nos deixou após terminar sua participação nas filmagens de Os Últimos Jedi.

    O trailer continua com uma bela imagem de diversas naves rebeldes pairando no ar pós velocidade da luz e vemos, também uma infinidade de cruzadores imperiais preparados para batalha. A quantidade é tão grande que chega a lembrar a armada de Agamenom, em Tróia. Observando os cruzadores, está Finn juntamente com Jannah, a nova personagem vivida por Naomi Ackie. Após vemos C-3PO com olhos vermelhos e um tipo de raio destruindo o que pode ser parte do planeta desértico do começo do trailer, para então vermos Rey praticando com o sabre de luz de Luke restaurado e Kylo Ren (Adam Driver) saindo furioso de sua nave, empunhando também sua arma. Vale destacar que as imagens não possuem nenhuma relação, porém vemos uma linda imagem dos dois duelando violentamente em cima de uma peça que provavelmente faz parte dos destroços da Estrela da Morte mostrada no primeiro teaser. Enquanto essas últimas cenas enchem os olhos dos espectadores, ouvimos a voz do Imperador Palpatine (Ian McDiamird) que diz “a sua jornada está próxima do fim”. A tela fica totalmente preta para logo então revelar uma maligna Rey, toda trajada de preto, empunhando um sabre de luz de lâmina dupla na cor vermelha, semelhante ao usado por Darth Maul.

    Obviamente, o destaque do trailer ficou por conta de Rey possivelmente flertando com o Lado Negro da Força e isso sugere o que pode ser parte da trama do novo filme, que poderá retratar a queda de Rey e a ascensão de Ben Skywalker, algo que será discutido no texto sobre as expectativas sobre o filme, dias antes do lançamento. Mas também, outras coisas chamaram bastante a atenção. A festa mencionada no início deste texto sugere que possa estar sendo realizada por Maz Kanata, já que o retorno de Lupita Nyong’o está confirmado. A quantidade de naves da Aliança Rebelde é significativa se levarmos em conta que a rebelião foi praticamente extinta no filme anterior. A imagem dos milhares de cruzadores imperiais no meio a uma tempestade de raios é incrível e pode se tratar somente de um desfile militar sob a liderança do General Hux (Domhnall Gleeson), que até agora não apareceu em uma imagem sequer. Os olhos vermelhos de C-3PO pode não ter siginificado algum, uma vez que o robô vem sofrendo trocas de peças constantemente e ele pode estar acordando justamente do procedimento em que seus olhos foram trocados após ser ferido em batalha.

    Aliás, vários personagens confirmados ainda não deram as suas caras. Luke Skywalker e Palpatine, provavelmente são aqueles que causam as maiores expectativas, além deles e de Maz Kanata, não vimos ainda Rose (Kelly Marie Tran) e a nova personagem vivida por Kerri Russel.

    Star Wars: A Ascensão Skywalker chega ao Brasil em 19 de dezembro de 2019.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Nós

    Crítica | Nós

    Após o sucesso avassalador de Corra!, Jordan Peele volta ao cinema de horror, situando sua historia em 1986, em Santa Cruz, numa tradicional feira de praia com parque temático, barracas com competições etc. Nesse cenário, a família de Adelaine brinca e se diverte e a menina interpretada nesta fase por Maddison Curry se perde rapidamente da vista de seu pai, e vai parar em uma sala de espelhos, onde vê uma outra versão de si. Nós começa onírico, um thriller estranho e que brinca com fantasias e auto imagem.

    O tempo passa, Adelaine  cresce e se torna Lupita Nyong’o, casada com Gabe (Winston Duke), tendo dois filhos. Em um dia de  férias, a família resolve ir a Santa Cruz e velhas lembranças voltam. Entre piadas internas e pequenos conflitos comuns a um grupo de parentes, a mãe tem sentimentos premonitórios e sensações horríveis, sem ter certeza se isso é fruto de algo que já viveu ou não, e esse sentimento de duvido é algo muito bem explorado pelo roteiro que Peele escreveu.

    Um dos fatores que faz Nós funcionar como peça de terror é a música de Michael Abs. Os acordes acompanhados das muitas cenas noturnas funcionam como uma ópera de terror muito bem pensada, que reúne elementos de Nosferatu de F. W. Murnau até  as fitas dos horror  movies dos anos 80, filmes b conduzidos por gente como John Carpenter, Tobe Hooper e outros mestres do horror da época, incluindo Dario Argento. Além disso, há uma tecla quase sempre batida, referente a um versículo bíblico de Jeremias 11:11, que diz em versões mais recentes da Bíblia Portanto assim diz o Senhor: Eis que trarei mal sobre eles, de que não poderão escapar; e clamarão a mim, mas eu não os ouvirei. Esse desalento é bem pontuado nos momentos finais do longa, onde toda a trama que se assemelha a Além da Imaginação (Twilight Zone no original) deságua.

    O resultado final é um filme de terror que se vale pouca de fórmula, cuja linguagem é sofisticada e remete a memórias reprimidas e a visões sobre a auto imagem que cada individuo tem, mesmo que essa percepção varie conforme o tempo. Nesse ponto, a trama guarda semelhanças a recente terceira temporada de True Detective, onde Wayne, o detetive de Mahershala Ali tem, ainda que nesse caso, haja  uma explicação mais didática para as crises existenciais do agente da lei, enquanto no filme, haja todo um mistério que é em parte explorado durante as quase duas horas de duração.

    Tal qual a crença cristã prega, aparentemente os ciclos de maldição ocorrem de novo com Adelaide, com repetições de erros dos pais em não vigiar suas crianças. Ally se perde de seu pai, que era alguém relapso, e por mais que ela e Gabe não sejam assim, o infortúnio não deixa de ocorrer, e em meio a todo stress que a estranha perseguição que sofrem, acontece também a desatenção sobre as crias, e isso tem conseqüências graves, com reabertura de velhas feridas.

    Adelaide entra em pânico, com a confluência de coincidências e perseguições e Peele usa de novo o componente do racismo como forma de horror e até de humor involuntário. Além disso, há claramente uma nuvem carregada pairando sobre os personagens mesmo antes do estranho levante dos “inimigos” ocorrer, onde os sentimentos ruins são poetizados. Visualmente o filme é lindo, com o cineasta utilizando as sombras como predomínio na linguagem, causando a invisibilidade dos seres que antagonizam a família.

    Mesmo que não seja panfletário e que sua crítica foque mais na humanidade em geral, a historia reflete sobre a visão que o estadunidense tem sobre si mesmo, mostrando que ela é incomoda e que o senso de justiça do americano não é insensível quanto a postura escravocrata e imperialista que seguiram pós independência da Inglaterra. O processo de Desacorrentamento é mostrado como algo natural, apesar de grotesco e nojento, e a condução de Peele faz até o gore soar como algo não deslocado, fazendo parte da equação que mistura elementos bem dissonantes, desde os clássicos de zumbi de George A. Romero, conceitos de quadrinhos como o Super Homem Bizarro, só que de maneira adulta, quebrando a tensão eventualmente com piadas internas e falas repletas de sacadas espertas, perturbador e preocupado com a ganância proveniente dos poderosos, que são tão envaidecidos que não conseguem lidar sequer com a finitude de sua soberania. Nós abre espaço para múltiplas interpretações, mas é bem mais que um simples filme de mistério, sendo reflexivo, divertido e profundo.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram | Spotify.
  • Crítica | Pantera Negra

    Crítica | Pantera Negra

    Filmes de super-herói é uma classe de cinema que evoluiu de um subgênero para praticamente um gênero, em especial após o ingresso da Marvel nas adaptações mais recentes de suas obras. Depois do que aconteceu em Blade: O Caçador de VampirosX-Men: O Filme e as continuações das duas sagas, o que se viu eram filmes que cresciam em investimento e em foco no publico não-nerd, com histórias que remetiam aos quadrinhos mas que tinham uma abordagem descontraída e divertida. Pantera Negra não foge à essa regra, ousa pouco, mas onde se aventura, acaba se saindo muito bem.

    O filme de Ryan Coogler se mune de arcos de histórias mais recentes do personagem vivido por Chadwick Boseman, não tanto em estrutura narrativa, mas sim em espírito. Ao contrário das primeiras versões do Pantera Negra, há uma enorme valorização do país onde T’Challa é soberano, sendo Wakanda uma nação próspera, que se utiliza de tecnologias que o restante do mundo não possuí e amplo desenvolvimento social, ainda que essas questões não sejam conhecidas pelo mundo externo. O fato disso não ser compartilhado com outras civilizações, especialmente no que diz respeito as nações subdesenvolvidas, é muito bem discutida no filme, em especial na motivação do vilão.

    O roteiro de Coogler e Joe Robert Cole é esquemático, mas não tanto quanto os de Dr. Estranho, Homem Formiga e Homem-Aranha: De Volta ao Lar, esse definitivamente não é um Homem de Ferro do John Favreau com protagonista negro. Os temas discutidos além de atuais, remetem a questões já denunciadas há tempos e conversa principalmente com toda a verve dos discursos de grupos de rap, por exemplo, como a quantidade exorbitante de crianças negras que crescem sem seus pais por conta de tragédias e as dificuldades que um jovem negro e morador do gueto tem de conviver com o poder paralelo do tráfico, e isso tudo se funde com a trilha sonora, repleta de canções que envolvem a cultura hip hop.

    Apesar dele ser um produto enlatado, e que não consegue fugir muito dos seus clichês, ele serve muito bem na função de desconstruir mitos e paradigmas hollywoodianos sobre qual é a identidade das pessoas que habitam a África. Os rituais de passagem da realeza são mostrados em detalhes bonitos, com o elenco principal e de apoio dançando com roupas coloridas e típicas, fazendo lembrar até boa parte das vestimentas dos rituais de religiões afro-brasileiras, como Candomblé e a Umbanda.

    Da parte do elenco, Boseman não compromete e consegue ir bem. Já a Nakia de Lupita Nyong’o é a personagem mais complexa e bem trabalhada, conseguindo reunir em si dois arquétipos diferentes, que de certa forma, espelham um pouco de T’Challa e Killmonger, de forma equilibrada e inteligente, unindo bem os ideais distintos. Danai Gurira e Daniel Kaluuya quando são exigidos mostram uma boa desenvoltura, embora o segundo merecesse mais tempo de tela e Letitia Wright que faz a irmã do novo rei também tem suas piadas bastante afiadas. O elenco mais velho, com Forest Whitaker e Angela Bassett também acerta na maior dos momentos, o destaque negativo é Michael B. Jordan, que apesar de ter um plano de fundo com problemas reais e ser um personagem implacável, sua interpretação por vezes soa bidimensional, e incapaz de expressar toda a raiva que carrega por ter sido rejeitado por aqueles que deveriam tê-lo acolhido. Ao final, ele ainda tem uma possibilidade de melhorar isso, mas o texto não colabora, se tornando mais um vilão bobo e sem sentido no universo cinematográfico da Marvel.

    As cenas pós-créditos envolvem interações entre wakandiano e o mundo exterior, e em todas as sequências eles aparecem como personagens soberanos, jamais de cabeça baixa e essa representação é muito poderosa e simbólica, por que praticamente tudo o que Coogler fez nesse Pantera Negra, remete a isso: quão positivo para uma criança ou jovem negro ter na cultura pop uma representação positiva e protagonista a respeito de quem ele é. Obviamente que é ingênuo acreditar que a partir daí acontecerá uma revolução e que todo o mundo se livrará dos seus preconceitos raciais, mas ainda assim é um avanço interessante dentro da indústria de cinema americana.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Star Wars – Episódio VIII: Os Últimos Jedi

    Crítica | Star Wars – Episódio VIII: Os Últimos Jedi

    No final de outubro de 2012, a Disney anunciou a compra do grupo Lucasfilm e, de cara, anunciou uma nova trilogia e o retorno do cast original para concluir a saga da família Skywalker criada por George Lucas. Coube a J.J. Abrams a dura tarefa de colocar as primeiras marchas no projeto, dirigindo e escrevendo (aqui, com o auxílio de Lawrence Kasdan), o sétimo episódio da franquia, O Despertar da Força. A dura tarefa da qual me refiro é que, por uma questão de mercado, talvez pura e simplesmente, o Episódio VII, não deveria agradar somente os fãs da saga, que são aqueles que fizeram de Star Wars o maior fenômeno da cultura pop desde o século passado, mas sim, angariar novos fãs, dos mais novos aos mais velhos. Com isso, a decisão de praticamente espelhar O Despertar da Força com Uma Nova Esperança, algo bastante controverso, diga-se, foi a decisão mais acertada. Porque agora faz todo sentido.

    O universo de Star Wars é extremamente rico, e com o novo capítulo entregue e direcionado por Abrams, fez com que o diretor Rian Johnson pudesse explorar uma enorme tela em branco com os pincéis entregues em O Despertar da Força, saindo do usual, entregando um filme diferente, mas que ainda assim, traz aquela sensação de estar em casa.

    Star Wars: Os Últimos Jedi parte exatamente de onde o anterior parou. Poe Dameron (Oscar Isaac) se engaja numa missão quase suicida, liderada pela General Leia (Carrie Fisher), com a finalidade de dar mais tempo para a frota da Resistência fugir da temível Primeira Ordem, que ganhou ainda mais força após a destruição da República no filme anterior. A missão gera o argumento principal da trama e abre espaço para que o elenco principal se separe em suas missões pessoais, assim como O Ataque dos Clones e O Império Contra-Ataca (os segundos capítulos de suas respectivas trilogias), liberando o caminho para as boas participações dos novos personagens, como a Vice Almirante Holdo (Laura Dern, se doando ao máximo), Rose (a simpática Kelly Marie Tran) e DJ (Benicio Del Toro). Enquanto isso, Rey (Daisy Ridley), ainda extremamente preocupada sobre suas origens e parentescos, tenta convencer o recluso e desacreditado mestre Jedi, Luke Skywalker (Mark Hamill), a treiná-la e a ajudá-la a derrotar a Primeira Ordem. Já no lado vilanesco, o cada vez mais caricato, General Hux (Domhnall Gleeson), continua sua rivalidade com Kylo Ren (Adam Driver), que vem sofrendo pesadas retaliações de seu mestre, o Supremo Líder Snoke (Andy Serkis). Importante ressaltar que tanto Driver quanto Gleeson (que tiveram antes suas atuações contestadas) se destacaram em seus papeis, merecendo reconhecimento aqui.

    Obviamente, o retratado no parágrafo acima é apenas uma projeção bem longínqua daquilo que aconteceu no filme, uma vez que o segredo com relação ao enredo e demais tramas paralelas foi tão grande que nem os atores foram a autorizados a revelar qualquer coisa por menor que seja.

    O desejo de Johnson para com esse filme era que o espectador pudesse ter uma experiência total, provando todas as sensações que o filme oferece e causa. E é justamente esse o maior mérito do diretor, que ao escrever uma história, ao longo de suas longas duas horas e meia de fita, focou em conexões muito fortes entre os personagens, dando o destaque individual de cada um de maneira bem justa, além de conseguir fazer com que aquele que assistia experimentasse as mais diversas sensações do primeiro ao último ato. O diretor brinca o tempo todo com o espectador: coloca desconfiança onde se deveria haver confiança, lealdade onde deveria ser o contrário, além de diversas suspeitas com relação às atitudes de diversos personagens, além de plot twists fortes, certeiros e totalmente dentro do contexto, o que faz com que não soem gratuitos em momento algum. Algo que merece uma atenção especial é a atuação de Mark Hamill, já que vemos Luke Skywalker dialogando pela primeira vez desde O Retorno de Jedi. Em muitos momentos é possível viajar no tempo e ouvir a voz do “bom e velho jovem Luke” da trilogia original, contrastando com o homem que se tornou.

    Toda esse mix de experiência faz com que o Episódio VIII tenha, ao menos, cinco ou seis momentos que, se não forem os melhores de toda a franquia, estão entre os melhores. São momentos que vão causar gritos, aplausos, risos (muitos deles) e choros dentro da sala do cinema.

    Além do elenco totalmente entregue ser causador de parte dessas sensações, outras delas são causadas pelas sensacionais batalhas, cenas de luta e diálogos que vão fazer você se arrepiar. Não é a toa que o planeta conhecido como Crait foi o escolhido para ilustrar os temas dos pôsteres de divulgação do filme, sempre vermelhos, contrastando com o branco, o que ilustra de maneira lúdica e abstrata, as “pinturas” de Johnson mencionadas parágrafos acima. Tudo muito bonito e bem feito, juntamente, claro, da fantástica trilha sonora, assinada, mais uma vez, pelo mestre John Williams, que conseguiu cravar em nossas mentes os novos temas apresentados no filme anterior, complementando com os clássicos que já conhecemos desde 1977.

    Star Wars: Os Últimos Jedi é o resultado do cérebro megalomaníaco de Johnson, aliado pelo amor que possui pela franquia e o resultado não poderia ser melhor, uma vez que o filme tem tudo que o gênero precisa, na dose certa. Agora, o desafio maior é preparar o terreno para o encerramento na história que marcará o retorno de J.J. Abrams na direção, após o afastamento de Colin Trevorow. Ainda há muitas pontas soltas e várias perguntas que só serão respondidas em 2019. Até lá olharemos para frente, sempre buscando o horizonte, assim como Luke Skywalker.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Rainha de Katwe

    Crítica | Rainha de Katwe

    O acaso e a democracia em caráter alegórico determinam, de maneira resumida, o relato sobre a história real de Sophia Mutasi, uma menina analfabeta, de apenas 11 anos, moradora de uma das regiões mais pobres da capital de Uganda, Kampala. Rainha de Katwe é uma produção da Disney com colaboração da ESPN – outro canal de seu conglomerado – que explora uma delicada e interessante análise sobre a construção do esporte na África e como a participação de mulheres resulta em uma emancipação inclusiva.

    William Wheeler, o roteirista, sentiu a necessidade de esculpir personagens femininas fortes, mas sem desnivelar a tons tendenciosos e maniqueístas. Portanto, entregou liberdade interpretativa para a estreante Maldina Nalwanga, que faz Sophia, e para Lupita Nyong’o, que encena a mãe viúva Harriet. A partir da inclusão do xadrez como objeto de foco no filme, o roteiro contorna situações de tensão e escarne, popularizando o conceito democrático do jogo – ponto positivo para o treinador Robert (David Oyelowo), que para instigar os jovens pobres a participar do jogo, destaca que pode ser a chance para não só mostrar à classe mais abastada da região e do país que é bom no jogo, mas que existe e que é escondido pela desigualdade.

    A direção é da indiana Mira Nair, erradicada nos Estados Unidos. Aqui, ela diversifica a pluralidade de paisagens e culturas do país para evidenciar a existência do povo daquela região, sem apelar a uma perspectiva exótica. Aliada à direção de fotografia de Sean Bobbit, os conflitos internos de Phiona são catalisadores para os embates nos tabuleiros, afinal, como contestar a vida que se segue, sendo que ela pode ser alterada a qualquer momento, para além do próprio alcance?

    Portanto, a narrativa do filme, como muitos contos – próprios ou não – da Disney, é evocar histórias de superação e equiparação além da singularidade daquele universo. Toda a igualdade, todas as chances por uma oportunidade de vencer e sair do anonimato imposto por sociedades e seus braços, são manifestadas em diversas maneiras e claro, quando é sobre um esporte, é um evidente ponto democrático. Quantas pobrezas foram esquecidas ou amenizadas quando se chega em casa de madeirite com comida para dois meses? E quantas dúvidas sobre a dúvida foram esclarecidas pelos mestres, pelos tutores e depois, por si mesmo? Sophia é uma heroína de sua família, de seu povo, e de si mesma.

    Texto de Adolfo Molina.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Mogli: O Menino Lobo (2016)

    Crítica | Mogli: O Menino Lobo (2016)

    mogli-o-menino-loboQuando anunciado pela Disney, que estaria refilmando um de seus clássicos de animação, Mogli – O Menino Lobo, de 1967, em uma versão live-action repleta de efeitos computadorizados e dirigida por Jon Favreau, poucos foram os que não tiveram ressalvas com a decisão do estúdio, afinal a animação clássica permanece bastante viva no imaginário das pessoas como um dos filmes mais queridos do estúdio, além de ser uma das grandes obras do estúdio nos anos 1960 ao lado de 101 Dálmatas – também adaptado em live-action em 1996.

    Convém lembrar que a decisão de refilmar esses clássicos tem sido uma constante do estúdio Disney nos anos de 2010: Cinderela, de Kenneth Branagh, Malévola (releitura de A Bela Adormecida), de Robert Stromberg, e Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton. Apesar do sucesso de bilheteria, todos os filmes dividem opiniões da crítica, e por muitos soam como uma tentativa cínica de arrecadar dinheiro à custa da nostalgia de muitos. Mogli: O Menino Lobo, apesar de ter esse objetivo, felizmente é um desses exemplos de obra que, apesar de seus imperativos comerciais, pode ser repleto de originalidade, criatividade e paixão em sua realização.

    A história do longa-metragem é uma adaptação de um dos contos do livro de Rudyard Kipling, O Livro da Selva (compre aqui), que traz a história de Mogli (Neel Sethi), uma criança que tem como protetora a pantera Bagheera (Ben Kingsley) e é criada por uma matilha de lobos após ter seu pai morto nas selvas da Índia. A história ganha novos contornos quando a selva indiana passa por um período de seca e todos os animais se reúnem em um pequeno vale, onde ainda se encontra água. Por conta disso, é evocada uma das leis da selva que obriga uma trégua temporária naquela região onde nenhum animal precisaria temer em se tornar uma presa de outro animal.

    No entanto, a chegada do tigre Shere Khan (assustadoramente dublado pelo grande Idris Elba) coloca em risco a vida de Mogli, e Bagheera não vê outra escolha a não ser levar o menino de volta a uma aldeia de homens para que ele possa crescer em segurança. A partir de então, o filme ganha contornos de um “road movie“: a jornada de Mogli até a aldeia dos homens. Como nos típicos filmes de estrada, há um ponto de chegada pré-definido, no entanto não definitivo, já que a própria jornada do protagonista se torna mais relevante. A jornada é mais importante que a chegada, e a verdadeira finalidade das personagens.

    mogli - o menino loboEm sua jornada, Mogli se depara com vários animais, e cada um deles oferece ao protagonista um caminho diferente a ser traçado. Bagheera é marcado pela preocupação benevolente, prezando unicamente pela segurança de Mogli e deixá-lo entre os seus; Kaa (Scarlett Johansson) oferece um desfecho rápido através de seus olhos hipnotizantes e sedutores; por sua vez, Baloo (Bill Murray) entrega uma visão de mundo inicialmente escapista, mas que ao longo da trama se mostra repleto de ternura, enquanto o Rei Louie (Christopher Walken) surge como a demonstração da ganância e a ambição humana. Além disso, dentro da matilha de lobos, Akela (Giancarlo Esposito) e Raksha (Lupita Nyong’o) são as representações das figuras paterna e materna de Mogli.

    Os efeitos visuais abrangem quase que exclusivamente não só todos os personagens -exceção feita a Sethi interpretando Mogli – mas também todo o ambiente do longa-metragem. O filme se mostra extremamente bem-sucedido nesse esplendor tecnológico, apesar de, em alguns momentos, o nível cair e deixar um pouco a desejar. O trabalho do diretor de fotografia Bill Pope ao lado de Favreau é consistente, evocando cenas belíssimas e dando um clima mais sombrio se comparado à animação de 1967, mas de maneira alguma deixa de ser um filme bem-humorado.

    Diferente da animação clássica, Mogli: O Menino Lobo, conta apenas com dois números musicais, o já clássico The Bare Necessities, canção de Baloo e interpretado com a leveza de Murray; e I Wan’na Be Like You, em um belo bepop interpretado por Walken em sua personagem Rei Louie; e aos não-adeptos de musicais, importante dizer que ambas as canções interpretadas são dois grandes momentos do filme, não se tratando de casos que retirem o espectador da imersão do filme, mas muito pelo contrário.

    No final das contas, Mogli: O Menino Lobo é um longa repleto de ternura, sensibilidade e intensidade. Curiosamente, um filme praticamente desprovido de seres humanos, mas repleto de humanidade.

  • Crítica | Sem Escalas

    Crítica | Sem Escalas

    sem escalas

    Liam Neeson é um caso curioso em Hollywood. Ele tornou-se um rosto conhecido ao construir sua carreira em papéis coadjuvantes, geralmente como um sábio mentor. Somente já beirando os sessenta anos ele encontrou seu espaço como protagonista, e vem meio que reprisando sempre o mesmo papel: o durão veterano, um tanto atormentado, mas chutador de bundas. Foi assim em Busca Implacável, Busca Implacável 2, Desconhecido, e A Perseguição. A prova de que a fórmula funciona – e que Neeson é muito bom em interpretar a si mesmo – é o mais recente item a ser adicionado a essa lista, o competente Sem Escalas.

    Repetindo a parceria de Neeson com o diretor de Desconhecido, o espanhol Jaume Collet-Serra, Sem Escalas traz o clássico plot do “dia de trabalho no qual as coisas deram errado”. A bola da vez é o agente federal Bill Marks, especializado em embarcar disfarçado em voos e ficar de olho em potenciais problemas. Num belo dia ele começa a receber mensagens de texto de um incógnito criminoso, que exige 150 milhões de dólares a serem depositados numa conta específica, ou um passageiro morrerá a cada vinte minutos. Conforme as complicações vão aumentando, todos a bordo passam a ser suspeitos – inclusive o próprio Marks.

    Quem teima em buscar originalidade em tudo que vê provavelmente deve passar longe de Sem Escalas. Clichês são a palavra de ordem aqui, começando pela própria ambientação. Como na maioria dos “filmes de avião”, não há tanta ação no sentido de movimento, adrenalina. As emoções vêm do suspense e da tensão, alimentados pelo cenário claustrofóbico. A sequência de assassinatos cometidos por uma figura oculta também segue a clássica cartilha de histórias detetivescas: por mais que o prazo seja anunciado, o modo como as mortes ocorrem leva o espectador a visualizar um gênio do crime por trás de tudo. Até mesmo o protagonista se encaixa num padrão, no caso o do herói cansado, desacreditado e falho (fumante e quase alcoólatra), mas que não se deixa abalar na hora de fazer o necessário para salvar o dia.

    Os méritos do filme vêm da habilidade por parte dos envolvidos em fazer bom uso de todos os clichês, e da mistura deles retirar um honesto entretenimento. O clima de paranoia típico do pós-11 de setembro é bem construído por uma direção segura e um roteiro ágil e sem firulas. Collet-Serra trabalha com inquietos ângulos e movimentos de câmera, que “flagram” os passageiros em olhares e posturas duvidosos – ou apenas compreensivelmente preocupados, impossível de se ter certeza. Nessa linha, há uma mordaz ironia no fato do médico árabe parecer suspeito muito mais por conta do NOSSO olhar preconceituoso do que por qualquer coisa do filme em si.

    Os personagens se tornam rasos, uma vez que a necessidade de se instalar a desconfiança geral demandou que pouco fosse revelado sobre eles. A definição de cada um se dá pela camada mais superficial: temos “o piloto”, “a aeromoça”, “o policial”, “o medroso”, “a garotinha”, “o babaca” e por aí vai. Outro grande nome do elenco, Julianne Moore vive a “desconhecida amigável” e, pouco exigida, faz um bom trabalho. Fãs de séries vão reconhecer Anson Mount (Hell on Wheels) e Shea Whigham (Boardwalk Empire). Além deles, a recém-oscarizada Lupita Nyong’o faz uma discretíssima ponta.

    Se aproximando do final, o filme fraqueja é dá suas derrapadas. A revelação do vilão acontece de forma um tanto forçada, o que só piora quando ele faz um monólogo explicando suas verdadeiras razões. Além de simplistas e pouco críveis, os motivos alegados simplesmente não fazem o menor sentido, ao se analisar no mundo real tudo o que o governo americano fez e vem fazendo em nome da segurança contra o terrorismo. O filme foi fundamentado nesse contexto e soube usá-lo muito bem durante a maior parte do tempo, deixando a falha ainda mais inexplicável.

    De qualquer forma, Sem Escalas cumpre o que promete e entrega um bom suspense de ação. Mantendo-se as expectativas baixas, a diversão está garantida, nem que seja somente para prestigiar o parça Lionélson.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | 12 Anos de Escravidão

    Crítica | 12 Anos de Escravidão

    12-years-a-slave-movie-poster

    A introdução que McQueen arquiteta é típica de sua filmografia, com nenhuma palavra por parte dos importantes personagens mas escancarando o conjunto de sensações que eles têm através das imagens. Solomon Northup (Chewtel Ejiofor) passa por formas diversas de escravidão, desde o simples plantio de cana até ganhar status e seguir o serviço de músico, como um negro livre das amarras que ainda prendiam seus irmãos. Solomon é obrigado a retornar ao estágio de cativo, perdendo o direito que conquistara para si legitimamente, e com isso, os conflitos que visavam o retorno a liberdade vieram, entre eles, a condescendência de alguns do escravizados. Um dos negros, Clemens, ao ser indagado sobre uma possível rebelião diz:

    “Somos negros, nascidos e criados escravos. Os negros não têm estômago para lutar.”

    A mercantilização das vidas é mostrada de forma emocional, com uma rasgante separação de uma mãe e suas duas crianças… Solomon toca seu violino na tentativa de desviar a atenção da separação, mais tarde recebe o nome de Platt, é comprado por Mister Ford (Benedict Cumberbatch) e volta gradativamente a resignar-se e aceitar o chicote. Ele próprio vê Platt como uma outra personalidade, a que aceita os maus tratos a fim de sobreviver mesmo sabendo o quanto isto é injusto.

    McQueen flagra as consequências da rebeldia, mostrando o personagem preso com uma corda no pescoço por longos momentos, após uma discussão com um dos mestres brancos. Mesmo estando “certo” ele é mantido suspenso, sofrendo por seu ato de desobediência, para aqueles que exploravam seus préstimos, sua vida prosseguia sendo inferior, mesmo para aqueles que este considerava benevolentes.

    Edwin Epps, o novo mestre de Platts é imprevisível, e atuação tresloucada de Michael Fassbender grifa ainda mais esse aspecto. A religiosidade, algumas vezes ligada a esperança de dias melhores, é muito presente na vida dos homens brancos, e os motiva de forma diferente, Ford prefere tratar a todos da forma mais suave possível enquanto a rigidez de Epps é dita como prevista nas páginas sagradas da Bíblia, o realizador utiliza a filosofia religiosa para demonstrar diferentes pontos de vista relativos ao convívio com o diferente.

    Patts, uma das escravas “preferidas” de Epps interpretada por Lupita Nyong’o, é mostrada com as costas inflamadas e sangrando graças a uma sessão de chibatadas de seu mestre: esta parte constitui em si uma cena forte e bastante chocante, não só pelo grafismo do sofrimento, mas também pelas injustas razões do castigo. O espanto para o público infelizmente não é o mesmo para os personagens, acostumados a atos selvagens como aquele. O escravocrata faz questão de humilhá-la e tortura Solomon mentalmente, tentando coagi-lo, por perceber que ele tem um pouco mais de liberdade de pensamento que os outros negros servis.

    Quando o golpe finalmente é resolvido, os cabelos de Solomon são grisalhos, suas feições mudaram, estão mais duras, ele está marcado como nunca, mas ao ver os seus novamente, sua reação é de desabar em lágrimas em frente àqueles que tanto buscava, e seus constantes pedidos de desculpas são prontamente recusados. Mais tarde, ele se tornaria um ativo crítico abolicionista, mesmo sem ter sucesso nos tribunais contra seus agressores. O roteiro adaptado de John Ridley é competente demais em mostrar os muitos momentos da trajetória de Northup, sem fazer concessões e sem saídas politicamente corretas, pois expõe uma realidade dura e cruel sem dar ao povo retratado um papel estereotipado de vítima. A direção de Steve McQueen é ainda mais madura do que a apresentada no ótimo Shame, o que demonstra uma ótima evolução por parte do diretor, especialmente em tocar em temas tão delicados quanto os abordados na sua ainda breve filmografia.

    Ouça nosso podcast sobre Steve McQueen.